[MODELO] RECURSO ESPECIAL – Competência – Ação regressiva por acidente de trabalho
EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DESEMBARGADOR(A) FEDERAL INTEGRANTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA XX REGIÃO
Processo: XXXXXXXXXXXXXXXXX
NOME DA PARTE, já qualificado nos autos do presente feito, através de seus procuradores, vem à presença de Vossa Excelência, com fulcro no art. 105, inciso III, alíneas “a” e "c", da Constituição Federal c/c Lei 8950/94, arts. 541 e ss, interpor
RECURSO ESPECIAL
requerendo seja o mesmo recebido, processado e encaminhado, com as inclusas razões, ao Colendo Superior Tribunal de Justiça.
Nestes termos, pede e espera deferimento.
Local e Data.
Advogado
OAB/UF
RECURSO ESPECIAL
Processo: XXXXXXXXXXXXXXXXXXX
Recorrente: XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
Recorrido: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS
Colenda Turma
Eméritos Julgadores
RAZÕES DO RECURSO ESPECIAL |
Trata-se de ação regressiva por acidente de trabalho, ajuizada pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, na Justiça Federal, em que a sentença julgou parcialmente procedente o pedido para condenar a empresa Construtora XXXXXX a ressarcir o INSS de todos os valores pagos no benefício de pensão por morte nº XXXXXXX, concedido em virtude de acidente de trabalho ocorrido na empresa recorrente, que resultou no óbito do servente de obras Sr. XXXXXXXXXX.
O recurso de Apelação da Construtora XXXXXXXX postulou a anulação da sentença, eis que proferida por Magistrado incompetente, pois o julgamento das causas decorrentes de acidente de trabalho é de competência da Justiça da Justiça Estadual. Subsidiariamente postulou a reforma da sentença tendo em vista violação do art. 333 do CPC, pois o relatório emitido pelo Ministério do Trabalho e Emprego, documento utilizado para fundamentar a decisão, não é capaz de provar o direito constitutivo do INSS e não está acobertado da presunção de legitimidade prevista no art. 364, do CPC, ao passo que o documento foi elaborado apenas XX dias após o acidente, período no qual houve alteração no panorama da obra, incluiu elementos estranhos ao objeto da avaliação e de forma parcial, distorceu o depoimento das testemunhas de forma a prejudicar a empresa construtora.
O acórdão ora recorrido, em desconformidade com o art. 333 e 364 do CPC bem como contrariando entendimento jurisprudencial do STJ, negou provimento ao recurso da Construtora XXXXXXX. Decisão esta que, merece ser reformada pelos fundamentos jurídicos a seguir.
1. Pressupostos de Admissibilidade:
O presente Recurso Especial embasa-se ao art. 105 inc. III alíneas “a” e “c” da Constituição Federal de 1988, posto ter dado a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal, bem como contrariado Lei Federal:
Com efeito, o código de processo civil prevê que “as causa cíveis serão processadas e decididas, ou simplesmente decididas, pelos órgãos Jurisdicionais, nos limites de sua competência, ressalvada às partes a faculdade de instituírem um juízo arbitral”.
Todavia, o acórdão recorrido negou vigência ao art. 86 do CPC pois permitiu o julgamento de causa cível de competência da justiça estadual por órgão jurisdicional federal, extrapolando assim os limites da competência da Justiça Federal.
De fato, o acórdão ora recorrido permitiu o julgamento pela Justiça Federal de matéria que extrapola sua competência, eis que o presente processo trata de acidente do trabalho, hipótese em que a jurisprudência deste Egrégio Tribunal é pacífica, inclusive com entendimento sumulado, ao afirmar que a competência para o processamento da ação é da Justiça comum.
“Compete a justiça estadual processar e julgar os litígios decorrentes de acidente do trabalho.”
(Súmula 15, CORTE ESPECIAL, julgado em 08/11/1990, DJ 14/11/1990 p. 13025)
Nessa toada, a fim de demonstrar os requisitos de admissibilidade transcreve-se a ementa do acórdão recorrido:
“AÇÃO REGRESSIVA. CERCEAMENTO DE DEFESA. COMPETÊNCIA. CULPA. CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL. O artigo 109, inciso I, da CF estabelece que aos juízes federais compete processar e julgar, entre outras, as causas em que entidades autárquicas federais forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto às de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e do Trabalho. No caso em comento, o INSS é autarquia federal que, na qualidade de autor, propôs ação de ressarcimento regressiva, fundada em responsabilidade civil, contra pessoa jurídica de direito privado. Alegação de cerceamento de defesa, baseada na ausência de análise das provas que demonstram a efetiva disponibilização e utilização dos equipamentos de proteção individual e coletiva, deve ser rejeitada, vez que indiscutível o fato de que o empregado falecido, por ocasião do acidente laboral, não estava devidamente protegido, tanto que ocorreu a queda que ocasionou seu óbito. Para que seja caracterizada a responsabilidade da empresa, nos termos da responsabilidade civil extracontratual, imperioso que se verifique a conduta, omissiva ou comissiva, o dano, o nexo de causalidade entre esses e a culpa lato sensu da empresa. Não procede o pedido de constituição de capital em relação às parcelas vincendas do benefício, pois a aplicação do artigo 475-Q do Código de Processo Civil destina-se a garantia de subsistência de pensionista (TRF4 5003502-92.2010.404.7102, D.E. 01/06/2011)
Portanto, o entendimento da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal está em total dissonância ao entendimento dado por esta corte às regras de fixação de competência, eis que em ação que analisa acidente de trabalho entendeu ser competente a Justiça Federal para o Julgamento do feito.
Ademais, a decisão recorrida contrariou o art. 333 do Código de Processo Civil ao passo que julgou procedente a demanda mesmo ante a ausência de prova do fato constitutivo do direito do INSS e frente à existência de provas da ausência de culpa do empregador pelo o acidente sofrido pelo obreiro. Ademais o acórdão impugnado burlou os princípios constitucionais do contraditório, do devido processo legal, da segurança jurídica, da isonomia e principalmente da presunção de inocência e demais princípios processuais de valoração da prova.
Isto porque, ao fundamentar sua decisão o N. juiz de primeiro grau e os nobres desembargadores embasaram sua decisão apenas em relatório do Ministério do Trabalho e Emprego, que não é capaz de averiguar as condições em que o acidente ocorreu e não está dotado de fé pública. Veja-se que o art. 364 do CPC dispõe que “o documento público faz prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o tabelião, ou o funcionário declarar que ocorreram em sua presença”.
Todavia, o referido relatório foi elaborado através de visita ao local de trabalho apenas XX dias depois do acidente, de forma que os fiscais do MTE não estavam presentes na data do acidente e, portanto, não tiveram condições de averiguar as condições em que se encontrava a obra na data do acidente. Ademais, o relatório foi elaborado com parcialidade, referindo falhas que não possuem qualquer ligação com o acidente ocorrido e distorcendo o depoimento das testemunhas.
De outra banda, a empresa Construtora XXXXXXX apresentou recibos de compra de equipamentos de proteção individual, e as testemunhas foram unânimes em afirmar que a empresa cobrava a utilização dos mesmos e implementava medidas de segurança a fim de garantir a integridade dos trabalhadores, de forma que o único culpado pelo acidente foi o obreiro, que, a fim de facilitar o trabalho, “inventou” atalho em área cujo acesso estava proibido aos funcionários e não fez uso de cinto de segurança que estava afixado à parede junto a rampa de acesso que o trabalhador optou por utilizar.
Ressalte-se que o que pretende aqui não é o reexame da prova, que afrontaria a súmula nº 7 do STF, mas sim a análise dos critérios jurídicos referentes a utilização da prova e à formação da convicção, tais como a idoneidade das provas apresentadas e das regras de experiência e presunções utilizadas.
Nesse diapasão, defendendo a possibilidade recurso especial para exame da violação das regras de direito probatório Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Silva[1]:
“No entanto, há possibilidade de recurso especial por violação às regras do direito probatório, entre as quais se incluem os dispositivos do CPC e do CC que cuidam da matéria – notadamente quando tratam de da valoração e da admissibilidade da prova. Como bem afirmou Athos Carneiro: “a questão da valorização da prova, no entanto, exsurge como questão de direito, capaz de propiciar a admissão do apelo extremo”. Também é possível imaginar recurso extraordinário para discutir a utilização de prova ilícita, que é vedada constitucionalmente.”
No mesmo sentido, admitindo que a análise dos critérios jurídicos de valoração da prova admitem o Recurso Especial, o seguinte precedente desta Egrégia Corte:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INCÊNDIO NO INTERIOR DE ESTABELECIMENTO DE CASA DESTINADA A "SHOWS". DESAFIO AO ÓBICE DA SÚMULA 07/STJ. AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A OMISSÃO ESTATAL E O DANO – INCÊNDIO -. CULPA DE TERCEIROS. PREJUDICADA A ANÁLISE DO CHAMAMENTO DO PROCESSO.
1. Ação indenizatória em face de Município, em razão de incêndio em estabelecimento de casa destinada a shows, ocasionando danos morais, materiais e estéticos ao autor.
2. A situação descrita não desafia o óbice da Súmula 07 desta Corte. Isto porque, não se trata de reexame do contexto fático-probatório dos autos, circunstância que redundaria na formação de nova convicção acerca dos fatos, mas sim de valoração dos critérios jurídicos concernentes à utilização da prova e à formação da convicção, ante a distorcida aplicação pelo Tribunal de origem de tese consubstanciada na caracterização da responsabilidade civil do Estado.
3. "O conceito de reexame de prova deve ser atrelado ao de convicção, pois o que não se deseja permitir, quando se fala em impossibilidade de reexame de prova, é a formação de nova convicção sobre os fatos. Não se quer, em outras palavras, que os recursos extraordinário e especial, viabilizem um juízo que resulte da análise dos fatos a partir das provas. Acontece que esse juízo não se confunde com aquele que diz respeito à valoração dos critérios jurídicos respeitantes à utilização da prova e à formação da convicção. É preciso distinguir reexame de prova de aferição: i) da licitude da prova; ii) da qualidade da prova necessária para a validade do ato jurídico ou iii) para o uso de certo procedimento; iv) do objeto da convicção; v) da convicção suficiente diante da lei processual e vi) do direito material; vii) do ônus da prova; viii) da idoneidade das regras de experiência e das presunções; ix) além de outras questões que antecedem a imediata relação entre o conjunto das provas e os fatos, por dizerem respeito ao valor abstrato de cada uma das provas e dos critérios que guiaram os raciocínios presuntivo, probatório e decisório". (Luiz Guilherme Marinoni in "Reexame de prova diante dos recursos especial e extraordinário", publicado na Revista Genesis – de Direito Processual Civil, Curitiba-número 35, págs. 128/145)
[…]
12. Recurso Especial provido (REsp 888.420/MG, Rel. Ministro LUIZ FUX,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 07/05/2009, DJe 27/05/2009, grifo nosso).
Logo, está configurado o critério de admissibilidade, eis que através do presente recurso busca-se a revisão da valoração dada à prova apresentada pela Autarquia Previdenciária, que em que pese produzida de forma unilateral e de forma parcial, embasou a condenação indevida da empresa ora Recorrente.
2. MÉRITO RECURSAL:
Sustenta a decisão a quo que nos termos doa art. 109, I da Constituição Federal, a Justiça Federal é competente para julgar o presente feito eis que a parte autora trata-se de entidade autárquica federal. No mérito defende que não procede a alegação de cerceamento de defesa baseada na ausência de análise das provas que demonstram a efetiva disponibilização e utilização dos equipamentos de proteção individual e coletiva deve ser rejeita, pois no momento em que ocorreu o acidente o obreiro não estava protegido.
Todavia, equivoca-se a decisão, pois nas causas que envolvem acidente de trabalho a competência da Justiça Federal é excluída, mesmo que uma das partes seja órgão federal. Do outra banda, a circunstância de o “de cujus não ter utilizado todos os equipamentos de proteção coletiva é um fato incontroverso, o que se discute é a responsabilidade da empresa sobre a conduta negligente do obreiro. Ora, a empresa juntou provas capazes de demonstra que fornecia e cobrava a utilização de equipamentos de proteção individual e coletiva e não pode ser considerada culpada se seu empregado em desobediência as orientações da empresa optou por utilizar “atalho” perigoso e proibido pela empresa, e ainda sem utilizar o cinto de segurança que estava disponível.
2.1 Da competência:
Excelências, o inciso I, do artigo 109, da Constituição Federal de 1988, delimita parte da competência dos Juízes Federais:
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;
Veja que o dispositivo traz no seu bojo as causas em que forem interessadas entidades autárquicas federais, EXCETO NAS CAUSAS DE ACIDENTES DE TRABALHO.
Nesse sentido é que este tribunal emitiu a Súmula nº15:
“Compete a justiça estadual processar e julgar os litígios decorrentes de acidente do trabalho.”
A presente demanda trata de óbito advindo em virtude de acidente ocorrido durante o labor de segurado empregado. Portanto, não há como negar que a presente ação decorre de acidente de trabalho, cuja competência para julgamento da Justiça Estadual. Tal fato é incontroverso.
Não importa, aqui se o pedido é de indenização ou ressarcimento, ou mesmo concessão de benefício em virtude acidente de trabalho. Sendo o fundamento fático do pedido o acidente ocorrido durante o trabalho, inafastável a competência da Justiça estadual para o Julgamento da causa.
Impende salientar que a apreciação da ação regressiva ou de indenização cuja causa originária é acidente do trabalho, deflagra a análise de provas específicas sobre saúde e segurança ocupacional. Nesse tocante, não pode ser a Justiça Federal competente para a presente demanda.
Nessa toada, a competência da Justiça Estadual para julgar as ações de indenização cujo fundamento fático seja acidente de trabalho foi fixada pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Conflito de Competência nº 94.095/RS (fls. 417/418).
Entende-se que, assim como as causas acidentárias demandam determinado entendimento acerca de segurança no trabalho, também o devem ser as ações regressivas cuja causa é acidente do trabalho. É esse o sentido da norma constitucional supramencionada.
Veja Excelências: as causas previdenciárias que objetivam concessão de benefício acidentário, não demandam análise da origem da moléstia que incapacita o trabalhador para o trabalho? Por certo que sim.
Nessa senda, por que não seria a ação regressiva por acidente do trabalho, de competência da Justiça Estadual, se demandam tanto quanto, ou mais, poder de análise sobre provas relacionadas eminentemente ao acidente do trabalho?
Não há razão em inverter o sentido da norma constitucional de modo a afastar a competência da Justiça Estadual. Aliás, o inciso I, do artigo 109, da Constituição Federal de 1988 é flagrantemente uma norma aberta, uma vez que determina a competência da Justiça Federal para as causas onde figure as autarquias federais, exceto as causas sobre acidente de trabalho.
Percebe-se que a norma constitucional em comento não traz rol taxativo ou sequer exemplificativo acerca das causas que estariam sob a seara federal. Por certo que objetivou o constituinte originário conceder à referida norma interpretação sistemática. Sempre lembrando que por interpretação sistemática deve-se entender a norma como organismo formador do modelo sistêmico em que se funda o ordenamento.
Como a atual Carta Magna definiu as competências de cada âmbito do Poder Judiciário, exceto das Justiças comuns dos entes federativos, impôs-se do fator residual de competência para esta delimitação. Nesse sentido, entende-se que o que não for de competência especial (incluindo-se aí a competência da Justiça Federal) será competente a Justiça Estadual para tanto.
Nesse tocante, uma vez que a Justiça Federal não é competente para julgar causas em que se discute acidente do trabalho, o será a Justiça Estadual, motivo pelo qual o Juízo a quo carece inteiramente de competência jurisdicional para o julgamento da presente demanda.
2.2 Da Valoração da Prova:
O art. 333 do código de processo civil prescreve expressamente:
“Art. 333. O ônus da prova incumbe:
I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor”.
Ocorre que o único documento apresentado pela parte autora não é capaz de demonstrar a culpa da empresa empregadora pelo acidente ocorrido.
Frise-se que não há controvérsia alguma sobre a ocorrência do acidente ou o óbito do obreiro. O que se busca apurar na presente ação é existência ou não de culpa da Construtora XXXXXXX, pelo acidente sofrido. Ou seja, busca-se averiguar o nexo causal entre a conduta da empresa e o óbito ocorrido.
Veja-se que o artigo 120, da Lei 8.213/91, conceitua negligência como o ato do empregador que deixa de atender aos padrões de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual ou coletiva:
Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.
Vejam Excelências que a aplicação do artigo supracitado fica condicionada à apuração da negligência do empregador. É responsabilidade subjetiva.
Todavia, apesar da ausência de provas válidas acerca da culpa da empresa, o juízo a quo, condenou a Construtora XXXXXXX. a ressarcir ao INSS os valores pagos no benefício de pensão por morte concedido aos dependentes do segurado XXXXXXXXX.
Excelências, o julgamento ora recorrido foi baseado única e exclusivamente em prova produzida totalmente em detrimento da parte Recorrente, mesmo havendo provas que demonstram imperativamente a efetiva disponibilização e utilização dos equipamentos de proteção individual e coletiva.
Entende-se que o Juízo a quo, para esgotar a matéria enfrentada nos autos, deveria ter minorado a valorização do relatório apresentado pelo Ministério do Trabalho, enquanto prova unilateral, parcial e desprovida de fé pública, bem como, se manifestado expressamente acerca das provas produzidas pela ora recorrente, especialmente aquelas que dizem respeito ao cumprimento de normas de saúde e segurança ocupacional.
Nesse tocante, se está diante de verdadeira burla aos princípios constitucionais do contraditório, do devido processo legal, da segurança jurídica, da isonomia e principalmente da presunção de inocência e demais princípios processuais de valoração da prova.
Veja que o Magistrado encontra-se restrito ao princípio da persuasão racional ou, como definem alguns, do livre convencimento motivado. Tal princípio nasceu do disposto no artigo 131, do Código de Processo Civil brasileiro. Não está o Magistrado livre para avaliar o processo conforme suas opiniões pessoais, mas sim retirando das provas a sua convicção, destarte quando o deslinde da demanda depende fundamentalmente do que vem provado no feito.
Entretanto, no presente feito o Juízo a quo utilizou-se exclusivamente do dispositivo legal que atrai a presunção de veracidade aos laudos exarados por agentes públicos. Ora, onde consta no ordenamento jurídico brasileiro que tal presunção se reveste na forma iuris et de iure?
Ademais, imperioso ter em mente que o artigo 364, do Código de Processo Civil explica que a presunção de veracidade que corre em favor do documento público, só se aplica aos fatos que efetivamente ocorreram na presença do agente público que o firmou.
Art. 364. O documento público faz prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o tabelião, ou o funcionário declarar que ocorreram em sua presença.
Vale salientar que o laudo (fls. XX-XX) efetuado pelos Fiscais da Delegacia Regional do Trabalho foi feito nos dias XX, XX e XX de XX e XX, XX, XX e XX de XX de XXXX (fl. XX), sendo que o acidente ocorreu no dia XX de XX de XXXX (fl. XX). Portanto, passaram-se XX dias entre a data do evento e o primeiro dia da investigação pelos Fiscais. Portanto, como os fiscais do trabalho não estiveram no local no dia do acidente, estes não tiveram condições de avaliar o cumprimento de normas de segurança naquela data, e muito menos a existência de parapeito ou não, ou de ordem expressa para que os empregados não transitassem pela rampa onde ocorreu o acidente.
Nesse ponto, questiona-se: acerca do juízo de valor dispensado às provas, o que deve ser tomado prioritariamente em consideração? Um laudo feito XX dias após o ocorrido, que sabidamente defende os interesses dos trabalhadores – ou – recibos de compra de equipamentos de proteção individual, depoimentos dos trabalhadores da obra, do mestre-de-obras, testemunhas oculares do ocorrido, em favor da Apelante?
Ora Excelências, trata-se de uma obra de construção civil, vejam quantos dias se passaram entre o evento danoso e o início das investigações! XX dias é tempo mais do que suficiente para dar efetivo andamento à obra de construção e, aliás, para alterar totalmente o quadro em que o acidente ocorreu.
Portanto, vejam que o único fato que realmente ocorreu em frente aos olhos dos agentes públicos que firmaram o laudo técnico, foi que não existia mais elevador no local do acidente e que a obra contava com alguns fios desencapados, dentre outros pequenos defeitos (os quais não possuem qualquer relação com o acidente ocorrido).
Nessa toada necessário frisar que, a fim de constituir responsabilidade civil, com a indenização de eventual dano, a referida negligência deve ter ligação com o acidente ocorrido. Assim, não há obrigação de reparação se não houver nexo causal entre o evento danoso e o a conduta negligente.
Todavia, o que realmente ocorreu aos olhos dos depoentes do presente feito (colegas do de cujus e do mestre-de-obras) mostra-se plenamente demonstrado nas fls. XX-XX:
- (TRANSCRIÇÃO DE DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA)
- (TRANSCRIÇÃO DE DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA)
- (TRANSCRIÇÃO DE DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA)
- (TRANSCRIÇÃO DE DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA)
- (TRANSCRIÇÃO DE DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA)
- (TRANSCRIÇÃO DE DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA)
- (TRANSCRIÇÃO DE DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA)
Vejam que todas as testemunhas acima, confirmaram a preocupação da empresa em relação ao cumprimento das normas de segurança do trabalho, e todas elas, exceto a citada no item 7, estavam no local do acidente no exato momento em que este ocorreu.
Assim, o laudo apresentado pelo INSS não se presta a demonstrar se na data do acidente o empregador havia sido negligente. Que o empregado teria sofrido a queda em virtude do descuido do empregador. Tais fatos não vêm demonstrados no laudo e mesmo assim este foi utilizado praticamente como única prova processual.
Excelências, a Delegacia Regional do Trabalho não é parte no presente feito, portanto primeiramente não se admite que se produza provas de fatos diversos ao evento do acidente. Os fatos narrados no laudo servem tão somente para prejudicar a imagem da empresa Apelante. Ademais, os fatos diversos narrados no laudo, aqueles que não guardam relação com o sinistro, devem ser constatados pelos Fiscais do Trabalho, mas devem ser afastados pelo Magistrado da causa uma vez que não se prestam sequer a provar a ocorrência do sinistro.
Não é intenção da recorrente buscar a figura do Juiz Pilatos, todavia, temos que ter em mente que o Magistrado brasileiro não pode se revestir na imagem de Torquemada[2]. Ao mesmo tempo em que não deve se afastar totalmente do processo, não pode também agir de modo a influenciar no feito. O Magistrado, segundo a teoria processualista brasileira, deve ser a figura intermediária entre ambos.
O que ocorreu foi que o Juízo a quo utilizou-se de outros fatos que não guardam relação de causa e efeito com o sinistro, utilizando-se disso para condenar a parte Apelante.
Nesse quesito, o juízo cognitivo feito não levou em consideração as provas produzidas pela defesa.
Está-se diante de verdadeiro cerceamento de defesa por omissão do Juízo. Muito embora o Juízo a quo não tenha indeferido provas, deturpou o processo ao ignorar flagrantemente toda a prova produzida pela defesa.
Ora, ao mesmo tempo em que é defeso ao Magistrado indeferir prova e utilizar-se desse fato para julgar o feito improcedente posteriormente, conforme precedentes do STJ[3]. Também deve ser defeso ao Magistrado que defira a prova, mas não a utilize, condenando a parte justamente por analisar unicamente as provas produzidas unilateralmente pela parte contrária.
Analisem o entendimento do Sr. Ministro Relator Luis Felipe Salomão, no caso do Recurso Especial nº 979.129, julgado em 13/04/2009[4]:
Na esteira da jurisprudência citada, ganha relevância a argumentação da autora, no sentido de que o desenho fático do local do acidente que ceifou a vida do seu esposo não seria exatamente aquele descrito nas fotografias acostadas aos autos pela empresa ré. Assim, emerge de suma importância a produção da prova testemunhal requeria a tempo oportuno, com vistas a desconstituir a prova documental, consistente em fotografias produzidas unilateralmente pela parte adversa.
Em realidade, é prejudicial aos autores a conclusão a que chegou o Juízo sentenciante, posteriormente confirmada pelo Tribunal de Justiça local, julgando improcedente o pedido inicial, ao argumento de que a autora não teria demonstrado a culpa da empresa ré, e, a um só tempo, indeferiu a prova testemunhal requerida, a qual, em tese, poderia comprovar a culpa da concessionária, ou ao menos afastar a culpa exclusiva da vítima.
O Prof. Moacyr Amaral Santos, ao discorrer sobre a possibilidade de o magistrado indeferir a produção de provas que entender inúteis, exorta o intérprete do direito acerca da prudência que deve nortear tal prática:
Cumpre, porém, não olvidar que semelhante arbítrio, pelos danos que dele podem resultar, somente deverá ser usado quando a matéria por provar se mostre de tal natureza que o meio admitido seja realmente bastante para formar o convencimento a seu respeito.
(…)
As observações de CARNELUTTI são de serem necessariamente consideradas pelo juiz. Este, no uso de seu arbítrio, para repelir mais de um meio de prova para o mesmo fato, quando os meios de prova propostos sejam legalmente admissíveis, somente assim determinará em hipóteses tão meridianamente claras que não possa surgir dúvida alguma sobre a desnecessidade da prova considerada supérflua. (Prova judiciária no cível e comercial. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1983. p. 284)
No julgamento alhures, discutia-se a culpa de empresa férrea que teria sido negligente nos cuidados das limitações da via férrea. Nesse caso específico, haviam cerceado o direito da esposa da vítima em produzir prova testemunhal, face à produção de prova documental no feito. Ocorre que o Sr. Ministro entendeu que a prova testemunhal seria importante para desconstituir a prova documental, afastando, naquele caso, a culpa exclusiva da vítima.
Vejam que no caso aqui em apreço o Juízo a quo não enfrentou as provas trazidas pela defesa.
Portanto, entende-se ao final que a decisão recorrida é nula, por cercear o direito da empresa Apelante, ignorando flagrantemente as provas produzidas capazes de configurar a culpa exclusiva da vítima, afastando a suposta negligência arguida pelo Apelado.
PEDIDOS |
Ante ao exposto, REQUER o Recorrente:
- a admissão do presente recurso especial, com fulcro no artigo 105, III, “a” e “c”, uma vez que estão sobejamente demonstrados o cabimento e o preenchimento dos seus requisitos de admissibilidade;
- o provimento do recurso especial para que reconhecida a incompetência da Justiça Federal para julgar ações decorrentes de acidente de trabalho e o cerceamento de defesa decorrente do desrespeito à normas e princípios processuais probatórios, seja anulada a r. decisão ora recorrida.
Nestes termos, pede e espera deferimento.
Local e Data.
Advogado
OAB/UF
Didier Jr., Fredie e Cunha, José Carneiro da, Curso de direito processual civil, volume 3. 7ª ed. Bahia: JusPODVIM, 2009, p. 256. ↑
GOMES, Luiz Flávio. Juiz brasileiro: nem Pilatos nem Torquemada. Disponível em http://www.lfg.com.br -06 dezembro. 2009. ↑
PROCESSUAL CIVIL. REQUERIMENTO DE PROVA PERICIAL E JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. ANULAÇÃO DA SENTENÇA EM SEDE DE APELAÇÃO. TEORIA DA CAUSA MADURA. PEDIDO INDEFERIDO POR FALTA DE PROVAS. CERCEAMENTO DE DEFESA. MATÉRIA EXCLUSIVAMENTE DE DIREITO. I – Na linha dos precedentes desta Corte, não é admissível antecipar o julgamento da lide, indeferindo a produção de prova pericial, para, posteriormente, desprover a pretensão com fundamento na ausência de prova cuja a produção não foi permitida. II – Essa conclusão se impõe ainda que o julgamento antecipado tenha ocorrido pelo próprio Tribunal, em grau de apelação, mediante a aplicação da teoria da causa madura prevista no artigo 515, § 3º, do Código de Processo Civil. III – Recurso especial provido, para anular o Aresto recorrido e determinar o retorno dos autos ao Primeiro Grau de Jurisdição. (REsp 948.289/RJ, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/12/2008, DJe 03/02/2009) ↑
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. OITIVA DE TESTEMUNHAS INDEFERIDA. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Em casos de atropelamentos por composição férrea, com vítima fatal, a jurisprudência desta Corte entende que a aferição quanto ao cenário do local do acidente é ponto nodal para se determinar a quem deve ser imputada a culpa, porquanto cabe a empresa prestadora do serviço impedir que pedestres invadam a área destinada ao trânsito férreo. Isso se dá, por exemplo, com a vigilância e cercamento de áreas propícias a tais infortúnios, notadamente as de grande concentração urbana, como é o caso. 2. Na esteira dessa jurisprudência, ganha relevância a argumentação da autora, no sentido de que o desenho fático do acidente que ceifou a vida do seu esposo não seria exatamente aquele descrito nas fotografias produzidas unilateralmente pela ré, sendo imprescindível a produção de prova testemunhal, requerida a tempo oportuno e desprezada pelo julgador. 3. É prejudicial aos autores a conclusão a que chegou o Juízo sentenciante, posteriormente confirmada pelo Tribunal de Justiça local, julgando improcedente o pedido inicial, ao argumento de que a autora não teria demonstrado a culpa da empresa ré, e, a um só tempo, indeferiu a prova testemunhal requerida, a qual poderia comprovar a culpa da concessionária, ou ao menos afastar a culpa exclusiva da vítima.
4. Recurso especial provido para anular o processo a partir da sentença.(REsp 979.129/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 02/04/2009, DJe 13/04/2009) ↑