[MODELO] Razões de apelação criminal – princípio da insignificância no crime de roubo
Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da 1ª Vara Criminal da Comarca de Niquelândia, Estado de Goiás.
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx, brasileiro, XXXXX, , residente na Cadeia Pública Local, Niquelândia, no Estado de Goiás, por seu procurador infra-assinado, mandato anexo, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, nos autos da Ação Penal n° 200.100.344.350, na forma do artigo XXXXX do Código de Processo Penal, interpor
APELAÇÃO CRIMINAL
junto ao Tribunal de Justiça do Estado de Goiás- TJ-GO, fazendo-o amparado nas razões que se seguem.
Requer, portanto, que seja admitida a presente peça impugnativa, com conseqüente envio dos autos ao Colendo Tribunal de Justiça.
Termos que
Pede deferimento.
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RAZÕES DE APELAÇÃO CRIMINAL
O RECORRENTE foi condenado em primeiro grau de jurisdição, como incurso no artigo 157, parágrafo 2°, incisos I e II do Código Penal brasileiro, em razão da agressão ao patrimônio e à integridade física que vitimara o Sr. José Ribeiro de Assunção no dia 22 de dezembro de 2000, na cidade de Niquelândia, neste Estado;
Foi imposta ao RECORRENTE, por conseguinte, a pena final de 08 (oito) anos e 01 (um) mês de reclusão, e multa, no valor de 85 (oitenta e cinco) dias multa (folhas 108-114);
Assim sendo, inconformado com a mencionada decisão de primeiro grau, o acusado recorre, manejando apelação ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, sob os fundamentos de fato e de direitos abaixo elencados.
Conforme se infere nos autos em epígrafe, o sentenciado, juntamente com Laércio Ribeiro Fernandes, foi condenado pela prática do crime de roubo, com causa de aumento de pena e agravante.
A sentença apelada descreve a ocorrência do roubo do valor ínfimo de R$ 50,00 (cinqüenta reais), mediante o concurso de pessoas e mediante grave ameaça e violência com emprego de arma branca.
Pois bem, o Direito Penal Brasileiro trilha nos caminhos do princípio da dignidade humana. Dentro desta norma maior, encontram-se esculpidos os princípios da insignificância e o da proporcionalidade, dentro outras nas quais o Direito Criminal deve ser aplicado.
Mas, o que vem a ser o princípio da insignificância? Para alguns doutrinadores é causa de exclusão da tipicidade, para outros, causa de exclusão da ilicitude. Mas o que nos interessa é que para se utilizar de toda a persecução criminal, imprescindível que a conduta tenha ofendido bem jurídico tutelado pelo Direito Penal. Pois bem, o caso in concreto, demonstra pouca lesividade da conduta praticada pelo apelante e o Sr. Laércio, pelo menos quanto ao dano patrimonial.
O roubo é um crime complexo por ofender dois bens penalmente tutelados, o patrimônio e a liberdade pessoal, conforme se subsume do artigo 157, caput. Dito isto, verifica-se que no caso em análise, o tipo não foi completado, vez que não houve ofensa significativa ao patrimônio alheio (subtração de R$ 50,00- cinqüenta reais), plenamente aplicável o princípio da insignificância.
O que houve, de fato, foi ofensa à integridade física – corte na mão da vítima – de natureza leve (capitulado no artigo 12000, Código Penal), conforme se verifica nos autos, e pequena lesividade à liberdade individual – constrangimento ilegal (tipo do artigo 146), ambos as infrações passíveis de terem a persecução penal no Juizado Especial Criminal.
A aplicação do princípio da insignificância quanto ao dano patrimonial, torna-se imprescindível. Segue ementa de decisão da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, em recurso de apelação:
EMENTA – Roubo. Princípio da insignificância. Desclassificação. Constrangimento ilegal. A tipicidade do delito de roubo está condicionada a lesões a bens jurídicos distintos: o patrimônio e a liberdade individual. Não sendo a lesão patrimonial significativa, aplica-se o Princípio da Insignificância tão-somente em relação ao bem jurídico patrimônio, mantendo-se a reprovabilidade da norma em relação à ofensa contra a liberdade individual. A desclassificação do crime de roubo para constrangimento ilegal com base no Princípio da Insignificância é, pois, corolário natural de um Direito Penal Democrático no qual só se admite pena quando há significativa lesão a bem jurídico penalmente tutelado.
(Apelação Criminal Nº 32000.00081-8 da Comarca de Belo Horizonte, Relator Juiz Erony da Silva).
Assim, a condenação por crime de roubo, como no caso, em que a lesão patrimonial é insignificante, acaba, por vezes, se revelando, na aplicação concreta da norma, não só inconstitucional, por ferir o princípio da individualização das penas, mas também injusta.
Continua-se a analisar o relatório do respeitável juiz Dr. Erony da Silva:
O magistrado não pode ser escravo da norma, devendo tomá-la como fiel instrumento na busca da justiça. O limite de ambos, norma e magistrado, é a Constituição Federal.
A releitura do art. 5º, XLVI, da Carta Magna convenceu-me da inconstitucionalidade da condenação por roubo quando o valor do objeto do crime é insignificante.
A exigência da individualização da pena traz implícita consigo a necessidade de uma proporcionalidade entre a reprovação e a conduta que se reprova.
Não se trata de uma tese moderna, ou mesmo inovadora. O Marquês de Beccaria, já no século XVIII, dedicou um capítulo de seu opúsculo Dos Delitos e das Penas à análise da proporção entre os delitos e as penas:
" Não somente é interesse de todos que não se cometam delitos, como também que estes sejam mais raros proporcionalmente ao mal que causam à sociedade. Portanto, mais fortes devem ser os obstáculos que afastam os homens dos crimes, quando são contrários ao bem público e na medida dos impulsos que os levam a delinqüir. Deve haver, pois, proporção entre os delitos e as penas" (In Dos Delitos e das Penas. 2ª ed. rev. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 37).
A ofensa ao princípio constitucional da individualização da pena é evidente se compararmos o caso dos autos com as seguintes situações hipotéticas:
1. Se um indivíduo aborda um motorista e o obriga mediante violência ou grave ameaça a transportá-lo até determinado local o crime será de constrangimento ilegal e será punido com uma pena de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa, nos termos do art. 146 do CP.
2. Se um indivíduo, também mediante violência ou grave ameaça obriga um caixa de banco a passar-lhe todo o dinheiro ali depositado estará cometendo roubo e será punido com uma reprimenda que varia de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, conforme o disposto no art. 157 do CP.
Certamente, o grau de reprovabilidade da conduta do réu, ora em análise, assemelha-se muito mais à primeira hipótese do que à segunda e seria um contra-senso apená-lo como no segundo exemplo.
A violência exercida tanto no caso dos autos, quanto nos exemplos citados é exatamente a mesma. A única diferença que justifica uma maior apenação no caso do segundo exemplo é a relevante ofensa ao patrimônio da vítima, o que não ocorreu nem no primeiro exemplo, nem no caso ora em análise.
A doutrina tradicionalmente classifica o roubo como crime complexo, por ofender a dois bens jurídicos penalmente tutelados: o patrimônio e a liberdade individual. Impossível então haver roubo se não houve ofensa ao patrimônio da vítima.
Na interpretação das normas penais nunca se pode esquecer que todo tipo penal para ser materialmente válido deve fundamentar-se na proteção de um bem jurídico socialmente relevante.
O Direito Penal é remédio extremo, que a sociedade reconhece ter conseqüências colaterais extremamente gravosas não só para o condenado, mas também para ela própria sociedade.Não é de hoje tal concepção. No Direito Romano já se afirmava que minima non cura praeter.
A insignificância da afetação ao bem jurídico foi retomada, modernamente, por vários autores, destacando-se dentre eles Claus Roxin que, em sua célebre obra Política Criminal e Sistema Jurídico Penal publicada na Alemanha em 100070, tomou-o como:
"auxílio de interpretação para restringir formulações literais que também abranjam comportamentos suportáveis" (In Política Criminal e Sistema Jurídico-Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p.47).
A palavra-chave para a correta compreensão do princípio da insignificância é suportável. Não se trata de uma conduta elogiável, nem mesmo neutra, mas que o Estado se vê obrigado a suportar em razão da evidente desproporção entre a conseqüência legal prevista (pena) e o comportamento indesejado.
Se assim é nos delitos que ofendem a um único bem jurídico, naturalmente o mesmo raciocínio deverá ser empregado na análise dos crimes complexos. O agente só deverá ser punido por ofensas relevantes a bens jurídicos.
A desclassificação do delito de roubo para furto com base na insignificância da violência ou da ameaça já vem sendo há muito tempo aplicada pela jurisprudência.
"De modo geral a ‘trombada’ caracteriza o furto e não roubo, pois a violência empregada não impede a resistência da vítima, limitando-se apenas a dificultá-la" (TACRIM-SP – RT 571/358).
"A ameaça, para servir como elemento caracterizador do roubo há de ser séria, efetiva, aquela capaz de intimidar, causar temor de um mal sério" (TACRIM-SP – JUTACRIM 6000/48000).
Ora, se é possível a desclassificação do roubo para furto quando insignificantes violência e ameaça, certamente é perfeitamente admissível também a desclassificação do roubo para constrangimento ilegal quando a lesão patrimonial for insignificante.
O caso é de desclassificação para o crime de constrangimento ilegal e não para o delito de ameaça.
É que, se assim admitirmos, estaremos considerando que o crime de roubo poderia ser tipificado com a seguinte redação:
"Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave, se não lhe for entregue coisa alheia móvel."
Muito mais lógico seria admitirmos a seguinte tipificação alternativa para o crime de roubo:
"Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a deixar que lhe subtraia coisa alheia móvel."
Pela leitura de tais dispositivos, evidencia-se a sutil distinção entre os crimes de ameaça e constrangimento ilegal.
O dolo do agente, no delito de constrangimento ilegal, é no sentido da realização de uma conduta por parte da vítima, valendo-se para tanto, de uma intimidação.
No crime de ameaça, o dolo do agente visa à própria intimidação, sendo qualquer ocorrência de resultado material mera conseqüência subsidiária não essencial ao agente.
Daí porque o delito subsidiário imediato dos crimes dos art. 157, 158, 213 e 214 do CP é o constrangimento ilegal e não a ameaça que, por sua vez, é crime subsidiário imediato em relação a este (art. 146 do CP) e mediato em relação àqueles.
A distinção está, pois, intrinsecamente relacionada à ocorrência do resultado visado pelo agente, que é a própria conduta da vítima.
A opção do legislador foi claramente nesse sentido, tanto que o constrangimento ilegal é crime material, prevendo a lei a ocorrência de um resultado específico no mundo fenomênico (a conduta da vítima) para que ocorra a tipicidade, enquanto a ameaça é crime formal, sendo irrelevante para a tipificação do delito a ocorrência ou não do resultado fático.
A maior reprovabilidade do constrangimento está justamente na instrumentalização da ameaça pelo agente como meio para a obtenção de um resultado ilícito. Abrange, assim, o delito de ameaça, devendo ser aplicado ao caso o princípio da especialidade.
No presente caso, certo é que o agente visou com sua ameaça à realização de uma conduta por parte da vítima que a lei não a obrigava.
Também está claro que tal conduta da vítima não causou significativa ofensa a seu patrimônio, razão pela qual forçoso é admitir-se que não houve crime de roubo, já que este é um delito contra o patrimônio, não se podendo configurar, pois, com a subtração de bens e valores tão insignificantes.
Diante disto e sob esses argumentos, impossível negar a aplicação do princípio da insignificância ao crime de roubo, desclassificando a conduta à figura delituosa tipidicada no artigo 146 – constrangimento ilegal – em concurso com a descrita no artigo 12000 – lesão corporal leve- ambos do Código Penal Brasileiro.
Ora, NOBRES JULGADORES, se este não for o entendimento de Vossas Excelências para o caso do Apelante, vislumbra-se a aplicação do princípio da proporcionalidade, senão vejamos:
Compulsando-se os autos, qualquer cidadão de mediano entendimento se depara com uma INJUSTIÇA na decisão do r. juiz de 1° grau, dado o ínfimo dano patrimonial causado à vítima frente às conseqüências advindas da condenação a serem sofridas pelo apelante, quando do cumprimento da pena.
A pena, no Direito Criminal, tem finalidade não de punição, mas sim de reeducação do condenado. Analisando-se os autos, percebe-se que esta não é a realidade aplicada ao Apelante, uma vez que o Sr. Osvaldo foi condenado ao cumprimento de uma pena de 08 (oito) anos de reclusão, 01 (um) mês e multa equivalente a 85 (oitenta e cinco) dias multa, por tão pouco prejuízo.
Pelo princípio da proporcionalidade extrai-se que a pena aplicada ao apelante deve ser proporcional ao dano causado por sua conduta, porém, este princípio não foi aplicado ao caso em análise. Conforme descrito na r. sentença, o apelante foi condenado pelo roubo de R$ 50,00 (cinqüenta reais) com ameaça e lesão corporal leve contra a vítima, Sr. José Ribeiro de Assunção, a pena em 08 (oito) anos e 01 (um) mês de reclusão, além da multa. Qual será o maior dano? O roubo do insignificante valor e da leve agressão à vítima ou as conseqüências de uma prisão por 08 (oito) anos ao apelante, dentro de um sistema carcerário falido e supre-lotado como o de Niquelândia?
Ora, Nobres Julgadores, não podemos fechar os olhos para essa INJUSTIÇA! O apelante errou? Sim, ele errou, mas o motivo desta não é dizer que ele é inocente, mas tão somente que seja feita JUSTIÇA, aplicando uma pena proporcional à sua conduta.
Sendo inconteste o direito do RECORRENTE de ter a aplicação do princípio da insignificância a sua conduta, desclassificando o crime de roubo para o de constrangimento ilegal cumulado com lesão corporal simples, e ainda, de ver aplicado o princípio da proporcionalidade na aplicação de sua pena, REQUER que seja conhecido e provido integralmente o presente Recurso de Apelação, aplicando esta Egrégia Corte a desclassificação da conduta para as infrações descritas nos artigos 12000 e 146, do Código Penal Brasileiro. O patamar de desclassificação se justifica no fato, fartamente comprovado nos autos, de que o Apelante agiu sob uma excludente de XXXXXXX, restando favoráveis ao RECORRENTE todos os outros fatores relevantes para fins de dosimentria da pena;
Termos em que pede deferimento.