[MODELO] NULIDADE CHEQUE: ILEGITIMIDADE PASSIVA
NULIDADE DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – CHEQUE –
ILEGITIMIDADE PASSIVA
Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da … Vara Cível da
Comarca de …, Estado de …
Autos nº ….
VALE DO MOGI, pessoa jurídica de direito privado, estabelecida na
Rua …., nº …., na Comarca de …. Estado do …., inscrita no CGC/MF
sob o nº …., através de seus advogados, ut instrumento de mandato em
anexo, que recebem intimações e notificações na Travessa …., nº ….,
vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência, apresentar sua
CONTESTAÇÃO,
à Ação Declaratória de Nulidade de Título de Crédito Cumulada com
Perdas e Danos proposta por …. (qualificação), cédula de identidade
profissional do CREA -…. …., residente e domiciliado à Rua …., nº ….,
apto. …., bairro …., pelas seguintes razões fáticas e jurídicas:
I – PRELIMINARMENTE – DA ILEGITIMIDADE PASSIVA AD
PROCESSUM
1. Somente por ocasião da citação para se defender no presente
processo, o réu/contestante teve conhecimento do protesto lavrado
contra o Sr. ….
1.1. O cheque nunca foi emitido em seu favor, bem como nunca o levou
a protesto. Apesar de constar o réu/contestante como credor e como
portador do título de crédito, estes fatos não conferem com a verdade,
como a seguir passa-se a demonstrar.
1.2. Surpreendido com os fatos, o representante legal da empresa ré se
dirigiu ao ….º Ofício de Protesto de Títulos da Comarca e pode
verificar que o cheque foi emitido em …. de …. de …. e que está
nominal ao réu/contestante. Averiguou também que o cheque foi
endossado no verso, mas que esta assinatura não é a do representante
legal da empresa. Trata-se de uma assinatura falsa, que deve ser
averiguada através de perícia grafotécnica.
1.3. No verso do cheque há, ainda, uma determinação para que o
cheque fosse depositado na conta corrente da empresa …. Verifica-se
no verso que o cheque foi depositado no Banco …. – …. e, após, foi
devolvido ao Banco …. (na época estavam em fase de fusão) por
força da alínea 21, que significa contra-ordem. Na época, a alínea 21
era a única para todos os motivos de contra-ordem. Hoje há distinção,
tanto que contra-ordem por motivo de furto a alínea é a 25 e o cheque
não pode ser distribuído para protesto.
1.4. A título de gentileza, o cartório cedeu uma fotocópia do cheque e
do instrumento de protesto a qual se junta neste momento para
comprovar o alegado supra (doc. ….).
1.5. O réu/contestante jamais avançou contrato de conta corrente com
o Banco …., o que comprova que não tinha nem a posse nem a
detenção do cheque, o que o impedia de ser o portador deste e
conseqüentemente de poder, faticamente, levá-lo a protesto.
1.6. É importante salientar que no momento em que o portador distribui
o título para protesto não há necessidade de se comprovar a
identidade, ou a legitimidade do apresentante. Deste modo, qualquer
um que detenha um título poderá levá-lo ao distribuidor e conceder
identidade falsa.
1.7. O Código de Normas da Corregedoria só exige que o
apresentante informe o seu endereço, mas não exige que comprove a
sua identidade (Seção 10 – Distribuição de Títulos de Créditos Levados
a Protesto – 3.10.4.1. – "Ao apresentante do título cabe informar, com
precisão, o seu próprio endereço e do devedor ou a circunstância de
encontrar-se este em lugar ignorado, incerto ou inacessível").
1.8. Ora, diante deste fato não pode haver presunção de que o
réu/contestante apresentou o título para distribuição apenas porque
consta do instrumento de protesto como portador.
1.000. Deve-se ressaltar que o ônus da prova de que o réu/contestante
efetivamente levou o cheque à distribuição para protesto incumbe ao
autor, conforme o artigo 333 do CPC:
"O ônus da prova incumbe:
I – Ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito."
1.10. Fato bastante estranho que causou surpresa e indignação ao
réu/contestante, foi ser informado no ….º Ofício de Protesto de Títulos
da Comarca, que na mesma data em que foi distribuído o protesto
contra o Sr. …. também foi distribuído outro protesto, desta vez de uma
nota promissória, contra a empresa …. – …., em que o "suposto"
portador era o réu/contestante e como credor figurava a empresa ….
1.11. A empresa ré jamais manteve qualquer relação comercial ou civil
com o Sr. …. (ou com quem se fizesse passar por ele), nem com a
empresa …. – …. e muito menos com a ….
1.12. Também no ….º Ofício de Protestos, o réu, através dos
protocolos …. e …., averiguou que os títulos de crédito – o cheque e
nota promissória – foram retirados por …. em …./…./…. Saliente-se que
o réu/contestante não conhece esta pessoa, que nunca foi seu
empregado etc.
1.13. Não foi permitida pelo ….º Ofício de Protesto de Títulos da
Comarca, a fotocópia da referida nota promissória, do respectivo
instrumento de protesto, bem como os protocolos …. e …. Assim, para
fazer prova do alegado supra é necessária a expedição de ofício àquele
cartório.
1.14. O réu nunca foi parte no ato jurídico, vez que nunca recebeu o
cheque em questão, pois não efetuou o seu desconto; e, também, não o
utilizou como cambial, pois o endosso no verso do cheque não foi
efetuado pelo contestante (a assinatura é falsa).
1.15. Assim, não se verifica a legitimidade do réu para figurar no pólo
passivo da presente, pois o réu, ora contestante, não se contrapõe à
declaração de nulidade do cheque, vez que a quantia representada por
ele não faz parte de sua contabilidade. O réu não tem interesse nenhum
em buscar a cobrança deste cheque, pois nunca o recebeu em
pagamento. O artigo 76 do Código Civil dispõe que:
"Para propor, ou contestar uma ação, é necessário ter legítimo interesse
econômico, ou moral."
1.16. Além disso, em relação ao pedido de declaração de nulidade,
não há lide, ou seja, conflito de interesses, pois o contestante também
tem interesse que o cheque seja declarado nulo, vez que foi oposto no
verso um endosso falso que pode prejudicar ainda mais o réu.
1.17. Em relação ao pedido de pagamento de perdas e danos morais, o
réu, ora contestante, também tem ilegitimidade passiva. O Código Civil,
no artigo 186, dispõe que:
"Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, Vilar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito."
O réu, ora contestante jamais "agiu", levando a protesto o cheque e
jamais se "omitiu", deixando que algum preposto seu o fizesse.
1.18. Deste modo, falta uma das condições da ação, qual seja a
legitimidade passiva ad causam, devendo ser julgado extinto o processo
sem julgamento do mérito, conforme o disposto no artigo 267, VI do
Código Processual Civil.
II – NO MÉRITO
DOS FATOS
1. Aduziu o contestado que seu talonário de cheques foi furtado em ….
de …. de ….; e que na ocasião, comunicou o fato ao banco, bem como
levou a noticia criminis à Delegacia de Policia. Mas que um dos
cheques constantes do talonário foi emitido em favor do contestante,
que o levou a protesto. Argüiu que o réu o protestou mesmo sabendo
que o cheque era produto de crime. Este argumento não merece
convalescer, vez que naquela época não havia alínea específica para a
contra-ordem em razão de furto.
1.1. A apresentação do título em cartório para posterior efetivação do
protesto foi feita em …./…./…., conforme se verifica da Certidão ora
juntada (doc. ….). Ressalte-se que o contestado foi devidamente
notificado, porém não propôs Ação Cautelar de Sustação de Protesto.
1.2. Somente após o decurso de …. (….) ano e …. (….) meses do
protesto levado a efeito contra o contestado, este propôs a presente
ação. Verifica-se, deste modo, que não teve abalo de crédito, nem
problemas de ordem psicológica e moral durante este período.
1.3. A ação cautelar de sustação de protesto impede, desde que seja
concedida a medida liminar, que a honra e a boa fama sejam
prejudicadas. Aquele que não quer e que não tem motivo para ver o
seu nome constando de cadastros de maus pagadores, utiliza-se
daquele instrumento processual. Porém, se não houver esta
preocupação, vez que nenhum prejuízo de ordem patrimonial ou moral
possa ser causado, não há real necessidade de sustar o protesto.
III – DA NECESSIDADE DE REFLEXOS PATRIMONIAIS DO
DANO MORAL
1. O autor, ora contestado não fez prova dos prejuízos por ventura
sofridos por ele em razão da suposta mácula no seu moral. Pelo
contrário, comprovou que nenhum tipo de restrição sofreu em razão do
protesto, conforme se verifica do documento juntado pelo autor à folha
…. dos presentes autos.
1.1. A jurisprudência dominante corrobora o entendimento que é
necessária a comprovação de reflexos patrimoniais causados por
eventual dano moral. A doutrina de Tereza Ancona Lopes de
Magalhães, in "O Dano Estético, Responsabilidade Civil, pág. 14, nº
2.5 assim disciplina:
"A nossa jurisprudência ainda é muito controvertida quanto à reparação
do dano moral. Alguns acórdãos são audazes e demonstram
francamente sua tendência em admitir o ressarcimento do dano moral
puro. Outros há que não concebem sequer a sua existência, mas se tem
a impressão que estes são os mais antigos. Finalmente, o que parece
ser a jurisprudência dominante, é a corrente que admite a indenização
do dano moral, desde que este apresente reflexos patrimoniais."
1.2. In RTJ 85/565, o Ministro Moreira Alves observou que o dano
patrimonial é aquele que "acarreta uma diminuição no patrimônio de
alguém, quer consistente na perda sofrida (danus emergens), quer
consistente na privação efetiva de um lucro (lucrum cessans). O dano
patrimonial é direto quando acarreta diretamente diminuição do
patrimônio; e é indireto quando, em si mesmo, o dano é moral, mas
como reflexos no patrimônio, como no caso de alguém, por ser atingido
em sua honra, é demitido do emprego que ocupava, ou sofre prejuízos
materiais pelo abalo de sua saúde. Mas, em qualquer hipótese, é
preciso que haja um dano patrimonial efetivo, e não apenas possível,
eventual".
1.3. Neste sentido a jurisprudência pátria:
"Responsabilidade Civil – Indenização de dano moral – Declaração à
praça publicada pela firma ré em jornal de circulação empresarial –
Nenhuma repercussão econômica, porém em prejuízo à empresa autora
– Ação improcedente – Apelação não provida – ‘O dano moral, para
ser indenizável, deve produzir reflexos no patrimônio de quem o tenha
sofrido."
(TJPR – 4ª C – Ap. Rel. Ronald Accioly – j. 27.04.83 – RT 588/212).
"Não é admissível que os sofrimentos morais dêem lugar a reparação
pecuniária se deles não decorre qualquer dano material."
(1º TACSP – 4ª C – Ap. – Rel. Ocataviano Lobo – j. 2.05.0000 – RT
660/116).
1.4. Nenhum prejuízo de ordem financeira sofreu o autor, vez que o
protesto não abalou o seu crédito. Ressalte-se que o autor não é
comerciante, nem funcionário público; e que, para o autônomo ou
empregado particular, o protesto não acarreta restrições.
IV – DA IMPRESUMIBILIDADE DO DANO MORAL
1. Alguns doutrinadores entendem que o dano moral não precisa ter
reflexos patrimoniais, mas conseqüências no estado do espírito, tais
como dor, angústia, humilhação. Para esta teoria deve haver uma lesão
efetiva de ordem subjetiva para que se configure o dano moral.
Nenhuma teoria admite a presunção de dano moral. A jurisprudência
corrobora este entendimento, in verbis.
"Indenização – Responsabilidade Civil – Dano Moral – Prova de sua
repercussão – verba não devida – recurso provido para este fim – No
plano moral não basta o fator em si do acontecimento, mas, sim, a
prova de sua repercussão, prejudicialmente moral."
(TJSP – 7ª C – Ap. – Rel. Benini Cabral – j. 11.11.0002 – JTJ-LEX
143/8000).
1.2. Na presente ação, o autor logrou provar que nenhum sofrimento
lhe causou o protesto, vez que não propôs ação cautelar de sustação
quando foi intimado, também não procurou pelo réu para informar que
o cheque havia sido furtado e, ainda, distribuiu o presente feito …. (….)
ano e …. (….) meses após a lavratura do protesto.
DA INEXISTÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE
1. Na fundamentação do seu direito, o autor alega que o que está lhe
causando danos morais é a retenção do cheque pelo réu. Ora, em
primeiro plano há que se ressaltar que o réu não tem a posse, nem a
detenção do cheque (o que lhe torna parte ilegítima na presente
lide); e em segundo plano, que não há nexo de causalidade entre a
retenção do cheque e a ocorrência de danos morais. Ressalte-se que o
contraditório foi fixado nestes lindes.
A doutrina de Maria Helena Diniz, in "Curso de Direito Civil
Brasileiro", 7º volume, assim dispõe:
"A responsabilidade civil não pode existir sem a relação de causalidade
entre o dano e a ação que o provocou (RT 224:155, 466:68,
477:247, 463:244; RJTJSP, 28:103). O vínculo entre o prejuízo e a
ação designa-se ‘nexo causal’, de modo que o fato lesivo deverá ser
oriundo da ação, diretamente ou como sua conseqüência previsível. Tal
nexo representa, portanto, uma relação necessária entre o evento
danoso e ação que o produziu, de tal sorte que esta é considerada
como sua causa."
Neste sentido a jurisprudência:
"Responsabilidade Civil. Devolução de cheques pelo banco e protesto
de título. Dano. Pedido de indenização por abalo de crédito que
resultou em danos materiais e morais. Ausência de Nexo de
Causalidade. Improcedência. Só se pode cogitar de dano ressarcível
quando há nexo de causalidade, isto é, quando seja possível
estabelecer uma relação de causa e efeito entre a inexecução da
obrigação e o prejuízo. Apelo provido.
(Apelação Cível 00026/84. Ac. 30000000 – 2ª CC – TAPR – Julg. 12/12/84)."
1.2. Verifique-se que o autor não requereu o cancelamento do protesto
na presente ação, tão somente a declaração de nulidade do título. Após
a declaração da nulidade do título terá de propor nova ação,
requerendo o cancelamento do protesto. Este procedimento não é o
mais rápido e adequado para quem alega estar sofrendo danos morais.
Isto demonstra que não lhe causou angústia ou dor ver o seu nome
inscrito no SERASA.
V – DO MOTIVO EXCLUDENTE DE EVENTUAL NEXO DE
CAUSALIDADE
1. Pelo princípio da eventualidade, contestar-se-á também em face do
seguinte fato impeditivo do pedido do autor:
1.1. Conforme a doutrina de Maria Helena Diniz, in "Curso de Direito
Civil", 7º volume, pág. 78/7000, a culpa de terceiro é um motivo
excludente do nexo causal:
"Por culpa de terceiro, isto é, de qualquer pessoa além da vítima ou do
agente, de modo que, se alguém for demandado para indenizar um
prejuízo que lhe foi imputado pelo autor, poderá pedir a exclusão de
sua responsabilidade se a ação que provocou o dano foi devida
exclusivamente a terceiro …
Assim sendo, se a ação de terceiro causou o dano, esse terceiro será o
único responsável pela composição do prejuízo. Para que ocorra a
força exoneratória do fato de terceiro, será imprescindível o nexo de
causalidade, isto é, que o dano se ligue ao fato de terceiro por uma
relação de causa e efeito (RJTJSP, 21:50); logo, não poderá haver
liame causal entre o aparente responsável e o prejuízo causado à vítima."
1.2. Assim, face aos fatos já narrados, de que o réu, ora contestante
não recebeu o cheque objeto desta ação e que não o levou a protesto,
fica claro que eventual dano moral decorreu de fato de terceiro.
VI – DA INDENIZAÇÃO DESPROPORCIONAL REQUERIDA
PELO AUTOR
1. O autor requer, a título de indenização por danos morais, o montante
de …. (….) vezes o valor do cheque, corrigido monetariamente desde a
data do fato.
1.1. Este valor é excessivo, vez que já se demonstrou que o autor não
cuidou de providenciar para que não fosse lavrado o protesto, vez que
não propôs ação cautelar para este fim, bem como não procurou pela
empresa ré em nenhum momento. Ainda, foi desidioso, pois demorou
…. ano e …. meses para propor a presente ação; e, ressalte-se que não
requereu o cancelamento do protesto. Ora, se a sua preocupação
maior é receber a indenização e não ver o seu nome expurgado do
SERASA, nota-se que não houve nenhum tipo de dor, de angústia, de
humilhação que tenha causado danos morais.
1.2. A indenização de danos morais deve ser diretamente proporcional
ao dano causado. Se não houve dano, não há o que se indenizar. Se o
dano é ínfimo, assim também será a indenização.
1.3. Não existe normatização sobre o quantum da indenização. Assim,
na doutrina de Maria Helena Diniz, na obra já citada, excertos:
"Grande é o papel do magistrado na reparação do dano moral,
competindo a seu prudente arbítrio, examinar cada caso, ponderando
os elementos probatórios e medindo as circunstâncias, preferindo
desagravo direto ou compensação não econômica à pecuniária, sempre
que possível, ou se não houver risco de novos danos…
Realmente, na reparação do dano moral o juiz deverá apelar para o que
lhe parecer eqüitativo e justo, mas ele agirá sempre com um prudente
arbítrio, ouvindo as razões da parte, verificando os elementos
probatórios, fixando moderadamente uma indenização. Portanto, ao
fixar o quantum da indenização, o juiz não poderá a seu bel-prazer; mas
como um homem de responsabilidade, examinando as circunstâncias de
cada caso, decidindo com fundamento e moderação."
1.4. O que se deve levar em consideração é que o autor não sofreu
nenhum dano psicológico ou social. E ainda, que a empresa ré tem por
objeto comercial um …. bastante modesto na Vila …. O valor de ….
vezes o valor do cheque pode levar o réu a ruína comercial, vez que há
muito o réu/contestante não aufere lucros.
Da jurisprudência extraímos:
“RECURSO ESPECIAL Nº 545.471 – PR (2003/0078413-5)
RELATORA : MINISTRA DENISE ARRUDA
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO
PARANÁ
RECORRIDO : VIAÇÃO ESTRELA DE OURO LTDA
ADVOGADO : NARELVI CARLOS MALUCELLI
INTERES. : MUNICÍPIO DE MORRETES
ADVOGADO : SIDNEY ANTUNES DE OLIVEIRA
EMENTA
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE
COBRANÇA. CHEQUE PRESCRITO. CONTRATO VERBAL DE
PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. TRANSPORTE. AUSÊNCIA DE
LICITAÇÃO E PRÉVIO EMPENHO. ALEGADA VIOLAÇÃO
DOS ARTS. 5000, § 4º, DA LEI 4.320/64, 5000 E 60, PARÁGRAFO
ÚNICO, DA LEI 8.666/0003. OCORRÊNCIA. OBRIGATORIEDADE
DA LICITAÇÃO. PRINCÍPIO DE ORDEM CONSTITUCIONAL
(CF/88, ART. 37, XXI). FINALIDADE (LEI 8.666/0003, ART. 3º).
FORMALIZAÇÃO DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS.
REGRA GERAL: CONTRATO ESCRITO (LEI 8.666/0003, ART. 60,
PARÁGRAFO ÚNICO). INOBSERVÂNCIA DA FORMA LEGAL.
EFEITOS. NULIDADE. EFICÁCIA RETROATIVA (LEI 8.666/0003,
ART. 5000, PARÁGRAFO ÚNICO). APLICAÇÃO DAS NORMAS
DE DIREITO FINANCEIRO. PROVIMENTO.
1. Da análise do acórdão recorrido, verifica-se que não há dúvidas
quanto à existência do contrato verbal de prestação de serviços
celebrado entre o Município de Morretes/PR e a Viação Estrela de
Ouro Ltda, bem como do cheque emitido e não-pago pela
municipalidade a título de contraprestação pelo arrendamento de três
ônibus efetivamente utilizados no transporte coletivo. Nesse contexto, a
questão controvertida consiste em saber se, à luz das normas e
princípios que norteiam a atuação da Administração Pública, é válido e
eficaz o contrato administrativo verbal de prestação de serviço firmado.
2. No ordenamento jurídico em vigor, a contratação de obras, serviços,
compras e alienações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados,
do Distrito Federal, dos Municípios e entidades da administração
pública indireta, está subordinada ao princípio constitucional da
obrigatoriedade da licitação pública, no escopo de assegurar a
igualdade de condições a todos os concorrentes e a seleção da
proposta mais vantajosa (CF/88, art. 37, XXI; Lei 8.666/0003, arts. 1º,
2º e 3º).
3. Além disso, a Lei 8.666/0003, na seção que trata da formalização dos
contratos administrativos, prevê, no seu art. 60, parágrafo único, a
regra geral de que o contrato será formalizado por escrito, qualificando
como nulo e ineficaz o contrato verbal celebrado com o Poder Público,
ressalvadas as pequenas compras de pronto pagamento, exceção que
não alcança o caso concreto.
4. Por outro lado, o contrato em exame não atende às normas de
Direito Financeiro previstas na Lei 4.320/64, especificamente a
exigência de prévio empenho para realização de despesa pública (art.
60) e a emissão da ‘nota de empenho’ que indicará o nome do credor, a
importância da despesa e a dedução desta do saldo da dotação própria
(art. 61). A inobservância dessa forma legal gera a nulidade do ato (art.
5000, § 4º).
5. Por todas essas razões, o contrato administrativo verbal de
prestação de serviços de transporte não-precedido de licitação e prévio
empenho é nulo, pois vai de encontro às regras e princípios
constitucionais, notadamente a legalidade, a moralidade, a
impessoalidade, a publicidade, além de macular a finalidade da
licitação, deixando de concretizar, em última análise, o interesse público.
6. No regime jurídico dos contratos administrativos nulos, a declaração
de nulidade opera eficácia ex tunc, ou seja, retroativamente, não
exonerando, porém, a Administração do dever de indenizar o
contratado (Lei 8.666/0003, art. 5000, parágrafo único), o que, todavia,
deve ser buscado na via judicial adequada.
7. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da
PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade
dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar
provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra
Relatora. Os Srs. Ministros José Delgado, Francisco Falcão, Luiz Fux
e Teori Albino Zavascki votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília(DF), 23 de agosto de 2012(Data do Julgamento).
MINISTRA DENISE ARRUDA
Relatora
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA DENISE ARRUDA (Relatora):
Trata-se de recurso especial interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO
DO ESTADO DO PARANÁ com fundamento no art. 105, III, ‘a’, da
Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Alçada do Estado
do Paraná, sintetizado na seguinte ementa (fl. 166):
"PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DE COBRANÇA – CHEQUE
PRESCRITO – CONTRATAÇÃO VERBAL PELA
MUNICIPALIDADE – ARRENDAMENTO DE ÔNIBUS –
ADMISSÃO PELO MUNICÍPIO AOS SERVIÇOS – OMISSÕES
ADMINISTRATIVAS NÃO REVERSÍVEIS À APELANTE –
RESPONSABILIDADE INTERNA, CONFORME EVOCADA
LEGISLAÇÃO – BOA-FÉ INELIDIDA – PRECEDENTE
JURISPRUDENCIAL PARA IGUAL RELAÇÃO BÁSICA
OBRIGACIONAL ENTRE PARTES, SOBRE CHEQUES – APELO
PROVIDO, COM DEFINIÇÃO SUCUMBENCIAL."
O recorrente, na condição de fiscal da lei, aponta negativa de vigência
aos arts. 5000, § 4º, da Lei 4.320/64, 5000 e 60, parágrafo único, da Lei
8.666/0003, sustentando, em síntese, que:
(a) não obstante a aparente validade do título e, portanto, da dívida, o
tema deve ser analisado à luz das normas de Direito Público,
especificamente das regras do regime jurídico administrativo;
(b) o contrato administrativo verbal celebrado com pessoa jurídica de
direito público, sem empenho e sem licitação, é nulo de pleno direito,
porque viola a moralidade administrativa e a supremacia do interesse
público;
(c) a ação de cobrança não tem vocação para viabilizar a indenização
decorrente da nulidade do pacto celebrado.
Requer, ao final, o provimento do apelo extremo para que seja
reconhecida a nulidade do contrato verbal e julgado improcedente o
pedido de cobrança.
Contra-razões não-apresentadas (fl. 186).
O Ministério Público Federal, no parecer de fls. 200-204, opina pelo
conhecimento e provimento do especial:
"Recurso Especial. Ação de cobrança movida contra Município.
Contrato Verbal. Nulidade. Ministério Público. Intervenção. Interesse
Público. No mérito, impõe-se o reconhecimento da nulidade de
contrato verbal celebrado com ente público para prestação de serviços.
Demanda que reclama a tutela das normas de direito público e não de
direito privado. Inobservância do disposto nos artigos 5000 e 60 da Lei
8.666/0003. Nulidade contratual. Improcedência do pedido. Ressalvado
o direito da recorrida de pleitear indenização na via ordinária própria.
Precedentes. Parecer pelo conhecimento e provimento do recurso
especial."
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 545.471 – PR (2003/0078413-5)
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA DENISE ARRUDA (Relatora):
O presente recurso merece ser conhecido e provido.
Da leitura e análise do acórdão recorrido, verifica-se, de plano, que não
há dúvidas quanto à existência do contrato verbal de prestação de
serviços celebrado entre o Município de Morretes/PR e a Viação
Estrela de Ouro Ltda, bem como do cheque emitido e não-pago pela
municipalidade a título de contraprestação pelo arrendamento de três
ônibus efetivamente utilizados na prestação do serviço de transporte
coletivo (fl. 168).
O Tribunal a quo, reformando sentença do juízo singular que julgara
improcedente a ação de cobrança, entendeu que a contratação do
serviço de transporte, mesmo sem empenho e sem prévia licitação, não
afasta a pretensão da recorrida, porque: (I) é legítimo o título objeto da
cobrança; (II) foi comprovado o contrato verbal e a efetiva prestação
do serviço; (III) a recorrida agiu de boa-fé e está alheia aos desmandos
da administração pública municipal, razão pela qual não se aplicariam
os dispositivos das Leis 4.320/64 e 8.666/0003.
Diante disso, a questão controvertida consiste em saber se, à luz das
normas e princípios que norteiam a atuação da Administração Pública,
é válido e eficaz o contrato administrativo verbal de prestação de
serviço firmado entre o Município de Morretes/PR e a Viação Estrela
de Ouro Ltda.
A Constituição Federal de 100088, no capítulo que trata das regras e
princípios aplicáveis à Administração Pública, exige que a concessão de
serviços públicos seja precedida de licitação pública. É o que dispõe,
expressamente, o art. 37, XXI, a saber:
"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(…)
XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras,
serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo
de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os
concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de
pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da
lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e
econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações."
O constitucionalista José Afonso da Silva, ao abordar o tema, qualifica
a licitação pública, ao lado dos princípios positivados no caput do art.
37, como princípio constitucional da Administração Pública.
Eis a lição do mestre:
"A Administração Pública é informada por diversos princípios gerais,
destinados, de um lado, a orientar a ação do administrador na prática
dos atos administrativos e, de outro lado, a garantir a boa
administração, que se consubstancia na correta gestão dos negócios
públicos e no manejo dos recursos públicos (dinheiros, bens e serviços)
no interesse coletivo, com o que também se assegura administrados o
seu direito a práticas administrativas honestas e probas.
Os princípios explicitados no caput do art. 37 são os da legalidade, da
impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. Outros
se extraem dos incisos e parágrafos do mesmo artigo, como o da
licitação, da prescritibilidade dos ilícitos administrativos e o da
responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público (…).
Licitação é um procedimento administrativo destinado a provocar
propostas e escolher proponentes de contratos de execução de obras,
serviços, compras ou de alienações do Poder Público. O princípio da
licitação significa que essas contratações ficam sujeitas, como regra, ao
procedimento de seleção de propostas mais vantajosas para a
Administração Pública. Constitui um princípio instrumental de realização
dos princípios da moralidade administrativa e do tratamento isonômico
dos eventuais contratantes com o Poder Público.
(…)
Cumpre recordar, finalmente, que a licitação é um procedimento
vinculado, ou seja, formalmente regulado em lei, cabendo à União
legislar sobre as normas gerais de licitação e contratação (…)."
(Curso de Direito Constitucional Positivo, 24ª ed., São Paulo:
Malheiros, 2012, págs. 666 e 672-673, grifou-se).
O legislador constituinte, nessa seara, outorgou competência privativa à
União Federal para legislar sobre normas gerais de licitação e
contratação, nos termos do art. 22, XXVII:
"Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
(…)
XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as
modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e
fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios,
obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e
sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III;"
Em atendimento ao comando constitucional, foi editada a Lei 8.666, de
21 de junho de 10000003, que estabelece normas gerais sobre licitações e
contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de
publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e entidades da
administração pública indireta (art. 1º e parágrafo único).
Essa lei, além de reiterar o princípio constitucional da obrigatoriedade
da licitação prévia (art. 2º), dispõe acerca da finalidade do
procedimento (art. 3º), como se vê abaixo:
"Art. 2º. As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras,
alienações, concessões, permissões e locações da Administração
Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente
precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei.
Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se contrato todo e
qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e
particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de
vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a
denominação utilizada.
Art. 3º. A licitação destina-se a garantir a observância do princípio
constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa
para a Administração e será processada e julgada em estrita
conformidade com os princípios básicos da legalidade, da
impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da
probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório,
do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos."
Nesse contexto, digna de referência a lição do professor Celso Antônio
Bandeira de Mello:
"A licitação visa alcançar duplo objetivo: proporcionar às entidades
governamentais possibilidade de realizarem o negócio mais vantajoso
(pois a instauração de competição entre os ofertantes preordena-se a
isto) e assegurar aos administrados ensejo de disputarem a participação
nos negócios que as pessoas governamentais pretendem realizar com os
particulares.
Destarte, atendem-se três exigências públicas impostergáveis: proteção
aos interesses públicos e recursos governamentais – ao se procurar a
oferta mais satisfatória; respeito aos princípios da isonomia e
impessoalidade (previsto nos arts. 5º e 37, caput) – pela abertura de
disputa do certame; e finalmente, obediência aos reclamos de
probidade administrativa, imposta pelos arts. 37, caput, e 85, V, da
Carta Magna brasileira".
(Curso de Direito Administrativo, 17ª ed., São Paulo: Malheiros, 2012,
pág. 485, grifou-se).
José dos Santos Carvalho Filho, nesse passo, afirma que o legislador
pátrio, ao instituir o procedimento licitatório, inspirou-se,
fundamentalmente, na moralidade administrativa e na igualdade de
oportunidades àqueles interessados em contratar:
"Erigida atualmente à categoria de princípio constitucional pelo art. 37,
caput, da CF, a moralidade administrativa deve guiar toda a conduta
dos administradores. A estes incumbe agir com lealdade e boa-fé no
trato com os particulares, procedendo com sinceridade e descartando
qualquer conduta astuciosa ou eivada de malícia.
A licitação veio prevenir inúmeras condutas de improbidade por parte
do administrador, algumas vezes curvados a acenos ilegítimos por parte
dos particulares, outras levadas por sua própria deslealdade para com a
Administração e a coletividade que representa. Daí a vedação que se
lhe impõe, de optar por determinado particular. Seu dever é o de
realizar o procedimento para que o contrato seja firmado com aquele
que apresentar a melhor proposta. Nesse ponto a moralidade
administrativa se toca com o próprio princípio da impessoalidade,
também insculpido no art. 37, caput, da Constituição, porque, quando
o administrador não favorece este ou aquele interessado, está, ipso
facto, dispensando tratamento impessoal a todos.
(…)
Outro fundamento da licitação foi a necessidade de proporcionar
igualdade de oportunidades a todos quantos se interessam em contratar
com a Administração, fornecendo seus serviços e bens (o que é mais
comum), ou àqueles que desejam apresentar projetos de natureza
técnica, científica ou artística.
A se permitir a livre escolha de determinados fornecedores pelo
administrador, estariam alijados todos os demais, o que seria de
lamentar, tendo em vista que, em numerosas ocasiões, poderiam eles
apresentar à Administração melhores condições de contratação.
Cumpre, assim, permitir a competitividade entre os interessados,
essencial ao próprio instituto da licitação."
(Manual de Direito Administrativo, 12ª ed., Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2012, págs. 228-22000, grifou-se).
Com efeito, a celebração, pelo Município de Morretes/PR, de contrato
administrativo verbal de prestação de serviços de transporte não
precedido de procedimento licitatório, vai de encontro às regras e
princípios constitucionais, notadamente a legalidade, a moralidade, a
impessoalidade, a publicidade, além de macular a finalidade da licitação:
assegurar a isonomia e a escolha da proposta mais vantajosa à
Administração, deixando de concretizar, em última análise, o interesse
público.
Não por outra razão que a Lei 8.666/0003, na seção que trata da
formalização dos contratos administrativos, prevê, no seu art. 60,
parágrafo único, a regra geral de que o contrato será formalizado por
escrito, qualificando como nulo e ineficaz o contrato verbal celebrado
com o Poder Público, ressalvadas as pequenas compras de pronto
pagamento:
"Art. 60. Os contratos e seus aditamentos serão lavrados nas
repartições interessadas, as quais manterão arquivo cronológico dos
seus autógrafos e registro sistemático do seu extrato, salvo os relativos
a direitos reais sobre imóveis, que se formalizam por instrumento
lavrado em cartório de notas, de tudo juntando-se cópia no processo
que lhe deu origem.
Parágrafo único. É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a
Administração, salvo o de pequenas compras de pronto pagamento,
assim entendidas aquelas de valor não superior a 5% (cinco por cento)
do limite estabelecido no art. 23, inciso II, alínea "a" desta Lei, feitas em
regime de adiantamento." (grifou-se).
Lapidar, sobre o assunto, o magistério de Marçal Justen Filho, para
quem a formalização por escrito assegura a fiscalização do ajuste,
reprime a prática de atuações ilícitas e impede a argüição de boa-fé do
terceiro que consente com a contratação verbal:
"2) Finalidade da Regra do Art. 60
As exigências contidas no art. 60 destinam-se a assegurar a
possibilidade de fiscalização sobre o cumprimento das formalidades
legais. Impõe-se a lavratura dos contratos por instrumento escrito, na
repartição interessada, arquivados em ordem cronológica, com registro
de seu extrato. Logo, não se admite a escusa do extravio ou
desconhecimento sobre a existência do contrato. A imposição de tais
formalidades impede a ocultação ou o sigilo acerca do contrato. Isso
reprime a tentação da prática de irregularidades, pois a impunidade é
extremamente improvável.
3) Contratos Verbais
A ausência de forma escrita acarreta a nulidade do contrato, que não
produzirá efeito algum (excetuada a hipótese prevista no parágrafo
único). A gravidade da conseqüência também se destina a reprimir
atuações indevidas e ilícitas. O terceiro não poderá argüir boa-fé ou
ignorância acerca da regra legal. Se aceder com contratação verbal,
arcará com as conseqüências."
(Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 10ª ed.,
São Paulo: Dialética, 2012, pág. 513, grifou-se).
Endossando essa orientação, merece transcrição, pela pertinência e
propriedade, a posição do administrativista Hely Lopes Meirelles:
"O instrumento do contrato administrativo é, em regra, termo, em livro
próprio da repartição contratante, ou escritura pública, nos casos
exigidos em lei (os relativos a direitos reais sobre imóveis, p. ex.). O
contrato verbal constitui exceção, pelo evidente motivo de que os
negócios administrativos dependem de comprovação documental e de
registro nos órgãos de controle interno (art. 20 e parágrafo único).
Por outro lado, a ausência de contrato escrito, a falta de requisitos e
outros defeitos de forma podem viciar a manifestação de vontade das
partes e comprometer irremediavelmente o conteúdo obrigacional do
ajuste. Igualmente nulo é o contrato administrativo omisso em pontos
fundamentais, ou firmado sem licitação, quando exigida, ou, ainda,
resultante de licitação irregular ou fraudada no seu julgamento. E assim
é porque a forma, em Direito Administrativo, é exigência inarredável,
por representar uma garantia para os administrados e para a própria
Administração."
(Direito Administrativo Brasileiro, 30ª ed., São Paulo: Malheiros, 2012,
págs. 21000-220, grifou-se).
Note-se que o contrato verbal em discussão não se enquadra naquelas
hipóteses cuja formalização por escrito é dispensável (Lei 8.666/0003,
art. 60, parágrafo único, c/c o art. 23, II, ‘a’), pois o valor total do
contrato de arrendamento dos veículos foi de R$ 6.000,00 (seis mil
reais) – conforme Nota Fiscal de Prestação de Serviços nº 53 (fls. 50 e
0005) –, importância essa que ultrapassa o limite de 5% sobre o
valor-base previsto no art. 23, II, ‘a’ (R$ 80.000,00), que corresponde
a R$ 4.000,00 (quatro mil reais).
Tampouco se ajusta às hipóteses em que a Lei 8.666/0003 autoriza a
contratação direta por dispensa (art. 24) ou inexigibilidade do
procedimento licitatório (art. 25).
Sob outro ponto de vista, o ajuste firmado não atende às normas de
Direito Financeiro, notadamente a exigência de prévio empenho para
realização de despesa (Lei 4.320/64, art. 60), compreendido este
como o ato emanado de autoridade competente que cria para o Estado
obrigação de pagamento pendente ou não de implemento de condição
(Lei 4.320/64, art. 58).
E mais: para cada empenho realizado deve ser extraído um documento
denominado ‘nota de empenho’ que indicará o nome do credor, a
representação e a importância da despesa, bem como a dedução desta
do saldo da dotação própria (Lei 4.320/64, art. 61).
Daí porque a inobservância dessa forma prescrita em lei gera a nulidade
do ato, conforme determina o § 4º do art. 5000 da Lei 4.320/64:
"Art. 5000 – O empenho da despesa não poderá exceder o limite dos
créditos concedidos.
(…)
§ 4º – Reputam-se nulos e de nenhum efeito os empenhos e atos
praticados em desacordo com o disposto nos parágrafos 1º e 2º deste
artigo, sem prejuízo da responsabilidade do Prefeito nos termos do Art.
1º, inciso V, do Decreto-lei n.º 201, de 27 de fevereiro de 100067."
(Parágrafo incluído pela Lei nº 6.30007, de 10.12.100076)
Aliás, a própria Lei 8.666/0003 prevê que os serviços somente poderão
ser licitados quando houver: (I) projeto básico aprovado pela
autoridade competente e disponível para exame dos interessados em
participar do processo licitatório; (II) orçamento detalhado em planilhas
que expressem a composição de todos os seus custos unitários; (III)
previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das
obrigações decorrentes de serviços a serem executadas no exercício
financeiro em curso (art. 7º, § 2º).
O descumprimento desse cronograma legal implica a nulidade dos atos
ou contratos realizados e a responsabilidade de quem lhes tenha dado
causa (art. 7º, § 6º).
Cumpre observar, finalmente, que no regime dos contratos
administrativos nulos, a declaração de nulidade opera eficácia ex tunc,
ou seja, retroativamente, não exonerando, porém, a Administração do
dever de indenizar o contratado, conforme dispõe o art. 5000, parágrafo
único, da Lei 8.666/0003:
"Art. 5000. A declaração de nulidade do contrato administrativo opera
retroativamente impedindo os efeitos jurídicos que ele, ordinariamente,
deveria produzir, além de desconstituir os já produzidos.
Parágrafo único. A nulidade não exonera a Administração do dever de
indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data em
que ela for declarada e por outros prejuízos regularmente
comprovados, contanto que não lhe seja imputável, promovendo-se a
responsabilidade de quem lhe deu causa." (grifou-se).
Significa dizer que, se a invalidação do contrato não restituir as partes
ao estado jurídico anterior, deve produzir um equivalente jurídico,
materializado, usualmente, em indenização por perdas e danos, via ação
judicial própria – desde que demonstrados o prejuízo e a boa-fé do
contratante –, sob pena de enriquecimento sem causa do Poder Público
(Marçal Justen Filho, op. cit., pág. 507).
Por todas essas razões, deve ser provido o recurso especial para efeito
de se reconhecer a nulidade do contrato verbal de prestação de serviço
firmado entre o Município de Morretes/PR e a Viação Estrela de Ouro
Ltda, julgando-se improcedente a ação de cobrança e restabelecendo a
sentença de primeiro grau de jurisdição, inclusive quanto aos ônus
sucumbenciais.
É o voto.
Documento: 572476 – DJ: 1000/0000/2012”
DO REQUERIMENTO DE EXIBIÇÃO DO CHEQUE Nº ….
FEITO PELO AUTOR
1. Diante de todo o exposto, há impossibilidade fática de apresentar o
referido cheque, vez que este não está e nunca esteve em poder do réu.
Ex positis, requer-se a Vossa Excelência:
a) Seja determinado a expedição de ofício ao Banco …., a fim de que
este informe ao juízo sobre a inexistência de conta corrente da empresa
ré na instituição financeira; e também, para que informe se a empresa
…. é ou foi correntista do banco e, ainda, se o cheque objeto da
presente lide foi depositado na instituição financeira entre a data da sua
emissão e a data do protesto (…./…./…. a …./…./….);
b) Seja determinada a expedição de ofício ao ….º Ofício de Protestos
da Comarca de …. Estado do …. para que seja informado o juízo sobre
o outro protesto, distribuído, desta vez de uma nota promissória, contra
a empresa …. – …., em que o "suposto" portador era o contestante e
como credor figurava a empresa …. ;
c) Seja determinada a expedição de ofício, também para o ….º Ofício
de Protestos, a fim de que o juízo seja informado sobre os protocolos
…. e …. de retirada dos títulos de créditos – o cheque e nota
promissória – em …./…./…. por …. ;
d) Seja determinada a expedição de ofício para o Instituto Nacional de
identificação, para que o juízo seja informado sobre a identidade e o
domicílio de …., pois esta pessoa será capaz de informar quem
efetivamente levou a protesto o cheque do autor;
e) A designação de audiência de conciliação, conforme art. 331 do
Código de Processo Civil;
f) Desde já protesta pela produção de provas em todos os meios em
direito admitidos. Requer-se o depoimento pessoal do autor para se
manifestar sobre os fatos narrados, a prova testemunhal, cujo rol será
apresentado oportunamente, pericial, – se o cheque for encontrado até
o final da lide, a fim de demonstrar que a assinatura do endosso não é a
do representante legal da empresa e documental, na hipótese de
surgimento de fato novo;
g) Seja acolhida a preliminar de ilegitimidade de parte em relação ao
pedido de declaração de nulidade, bem como em relação ao pedido de
indenização por perdas e danos, julgando-se extinto o processo sem
julgamento do mérito, conforme o artigo 267, VI do CPC;
h) Pelo princípio da eventualidade, se restar vencida a preliminar, seja
julgado totalmente improcedente o pedido do autor conforme já
demonstrado.
Nestes Termos,
Pede deferimento.
Local e data.
(a) Advogado