[MODELO] Apelação n. 0305108 – 97.2015.8.24.0023 – ICMS sobre TUSD – Concessão de Segurança
ESTADO DE SANTA CATARINA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação n. 0305108-97.2015.8.24.0023
ESTADO DE SANTA CATARINA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação n. 0305108-97.2015.8.24.0023, da Capital
Relator: Desembargador Sérgio Roberto Baasch Luz
APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. ENERGIA ELÉTRICA. ICMS SOBRE A TARIFA DE UTILIZAÇÃO DO SISTEMA DE DISTRIBUIÇÃO – TUSD. VALORES QUE NÃO COMPÕEM A BASE DE CÁLCULO DO TRIBUTO. NÃO INCIDÊNCIA. PRECEDENTES. SENTENÇA REFORMADA. ORDEM CONCEDIDA. RECURSO PROVIDO.
"As atividades de disponibilização do uso das redes de transmissão e distribuição de energia elétrica, remuneradas pela TUST e TUSD, não se subsumem à hipótese de incidência do ICMS por não implicarem circulação da mercadoria. Esses serviços tão e simplesmente permitem que a energia elétrica esteja ao alcance do usuário. São, portanto, quando muito, atividades-meio, que viabilizam o fornecimento da energia elétrica (atividade-fim) pelas geradoras aos consumidores finais, motivo pelo qual não há como se vislumbrar a possibilidade de estarem abrangidas pela campo de incidência da referida exação" (TJSC, Apelação Cível n. 2010.017380-9, de Blumenau, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros) (TJSC, Mandado de Segurança n. 2014.071574-0, da Capital, rel. Des. João Henrique Blasi, j. 8.4.2015). (Mandado de Segurança n. 2015.038691-3, da Capital, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. 12.8.2015)
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n. 0305108-97.2015.8.24.0023, da comarca da Capital (3ª Vara da Fazenda Pública) em que é/são Apelante(s) Academia Wave Ltda ME e Apelado(s) Estado de Santa Catarina.
A Segunda Câmara de Direito Público decidiu, por votação unânime, dar provimento ao recurso para reformar a sentença e, via de consequência, conceder a segurança para determinar que a autoridade coatora se abstenha de incluir na base de cálculo do ICMS, relativo ao pagamento mensal de energia elétrica, os valores correspondentes à TUSD. Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Des. João Henrique Blasi, que o presidiu, e Francisco Oliveira Neto. Funcionou como Representante do Ministério Público o Exmo. Sr. Newton Henrique Trennepohl.
Florianópolis, 4 de outubro de 2016.
Desembargador Sérgio Roberto Baasch Luz
Relator
RELATÓRIO
Trata-se de mandado de segurança com pedido liminar impetrado pela Academia Wave Ltda ME contra ato coator atribuído ao Diretor da Diretoria de Administração Tributária do Estado de Santa Catarina – DIAT/SC, no qual objetiva, resumidamente, que o Estado se abstenha de incluir, na base de cálculo do ICMS incidente sobre energia elétrica, os valores correspondentes à Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição e Transmissão de Energia Elétrica – TUSD.
Enfatizando a presença dos requisitos fumus boni juris e periculum in mora, pugnou pelo deferimento da liminar e, ao final, a concessão em definitivo da segurança.
A liminar foi deferida para determinar a suspensão da cobrança do ICMS sobre as mencionadas tarifas. (fls. 77-78)
Devidamente notificada, a autoridade coatora apresentou informações. Defendeu, em suma, não haver dúvidas de que o ICMS deve incidir sobre o valor total da operação de fornecimento de energia elétrica, na qual está incluído o valor correspondente à tarifa impugnada, uma vez que o valor da operação é formado tanto pela energia elétrica consumida quanto pelos encargos da sua transmissão. (fls. 88-93)
Instado a se manifestar, o Ministério Público posicionou-se favorável à concessão definitiva da ordem. (fls. 98-100)
Sobreveio a entrega da prestação jurisdicional que, por entender ausente o direito líquido e certo da impetrante, denegou a segurança e condenou a autora ao pagamento das custas processuais. (fls. 101-110)
Irresignada, a sociedade empresária interpôs recurso de apelação, repisando, em apertadíssima síntese, os argumentos agitados na inicial. (fls. 112-141)
Contrarrazões apresentadas às fls. 154-171.
A Douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer exarado pelo Exmo. Sr. Dr. Paulo Ricardo da Silva, opinou pelo provimento do recurso para que a sentença seja reformada, e, via de consequência, concedida a segurança, a fim de determinar que a TUSD seja excluída da base de cálculo do ICMS nas faturas de energia elétrica da impetrante. (fls. 179-183)
Este é o relatório.
VOTO
De arrancada, giza-se que a matéria referente à incidência do ICMS sobre a Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição de Energia Elétrica (TUSD) não é nova nesta Câmara, que tem reconhecido como indevida a exação em questão:
APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO. ICMS. ATIVIDADE DE DISPONIBILIZAÇÃO DO USO DA REDE DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. TUSD (TARIFA DE USO DO SISTEMA DE DISTRIBUIÇÃO). NÃO INCIDÊNCIA. PRECEDENTES. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS FIXADOS COM RAZOABILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. REMESSA E RECURSO DESPROVIDOS.
I. "As atividades de disponibilização do uso das redes de transmissão e distribuição de energia elétrica, remuneradas pela TUST e TUSD, não se subsumem à hipótese de incidência do ICMS por não implicarem circulação da mercadoria. Esses serviços tão e simplesmente permitem que a energia elétrica esteja ao alcance do usuário. São, portanto, quando muito, atividades-meio, que viabilizam o fornecimento da energia elétrica (atividade-fim) pelas geradoras aos consumidores finais, motivo pelo qual não há como se vislumbrar a possibilidade de estarem abrangidas pela campo de incidência da referida exação". (TJSC, Apelação Cível n. 2010.017380-9, de Blumenau, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros)
II. O prequestionamento faz-se despiciendo quando o julgador, como no caso destes autos, já ajuntou fundamentação bastante em prol do decidido.
III. Fixados com razoabilidade os honorários sucumbenciais e sobejando inexitosa a pretensão recusal, devem ser eles mantidos tal como sentenciados. (Apelação Cível n. 2012.048563-8, da Capital, rel. Des. João Henrique Blasi, j. 9.10.2012)
O Grupo de Câmaras de Direito Público, inclusive, tem respaldado esta orientação, conforme infere-se de recentes decisões:
Mandado de segurança. ICMS. Base de cálculo. Incidência sobre as Tarifas de Uso do Sistema de Distribuição e Transmissão de Energia Elétrica – TUSD/TUST. Exação indevida. Precedentes da Corte. Ordem concedida.
As atividades de disponibilização do uso das redes de transmissão e distribuição de energia elétrica, remuneradas pela TUST e TUSD, não se subsumem à hipótese de incidência do ICMS por não implicarem circulação da mercadoria. Esses serviços tão e simplesmente permitem que a energia elétrica esteja ao alcance do usuário. São, portanto, quando muito, atividades-meio, que viabilizam o fornecimento da energia elétrica (atividade-fim) pelas geradoras aos consumidores finais, motivo pelo qual não há como se vislumbrar a possibilidade de estarem abrangidas pela campo de incidência da referida exação (TJSC, Apelação Cível n. 2010.017380-9, de Blumenau, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros) (TJSC, Mandado de Segurança n. 2014.071574-0, da Capital, rel. Des. João Henrique Blasi, j. 8.4.2015). (TJSC, Mandado de Segurança n. 2015.038691-3, da Capital, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. 12-08-2015).
Do voto de lavra do eminente Des. Luiz Cézar Medeiros na Apelação Cível n. 2010.017380-9, extrai-se os fundamentos condutores dessa conclusão, os quais ora são adotados como razões de decidir:
3 Pretende a empresa autora ver declarada "indevida a exigência de ICMS sobre o encargo de uso de sistema de distribuição, também intitulado de TUSD – Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição, condenando o Estado de Santa a abster-se de exigir tal exação" (fl. 16), além do reconhecimento de seu direito "de compensar o que pagou indevidamente ao requerido, relativamente ao ICMS incidente sobre a TUSD – Tarifa de Uso do sistema de Distribuição, com o mesmo imposto vincendo ou com outros tributos da mesma espécie devidos ao requerido, sendo tais créditos devidamente acrescidos de juros moratórios e correção monetária" (fl. 16).
Trata-se, pois, de verificar, por primeiro, a higidez da cobrança do ICMS sobre a contraprestação exigida em função do uso do sistema de distribuição de energia elétrica, denominada de Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição.
3.1 Como é sabido, de acordo com a legislação de regência (CF, art. 155, II; LC n. 87/96, arts. 2º, II, e 12, I; Lei Estadual n. 10.297/96, arts. 2º, I, e 4º, I), o fato gerador do ICMS "indica quaisquer atos ou negócios, independemente da natureza jurídica específica de cada um deles, que implicam a circulação de mercadorias, assim entendida a circulação capaz de realizar o trajeto da mercadoria da produção até o consumo" [grifou-se] (SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 941). Isso significa dizer que a configuração da hipótese de incidência do tributo pressupõe a circulação jurídica do bem, ou seja, a mudança de sua titularidade.
Muito embora a energia elétrica seja equiparada a mercadoria para fins de incidência de ICMS, as operações com esse produto detêm peculiaridades as quais acabam por repercutir na forma em que se configura a aludida exação. Isso porque, ao contrário das operações convencionais mercantis, a trajetória da energia elétrica, desde de sua produção até o respectivo consumo pelo usuário, passa por três fases, que, por serem distintas, não necessariamente implicam a circulação da aludida "mercadoria".
Sobre a matéria, o tributarista Horário Villen Neto, em estudo aprofundado, publicado na Revista de Estudos Tributários, traz pertinentes esclarecimentos:
"IV – ENERGIA ELÉTRICA – ASPECTOS TÉCNICOS
"IV.1.1 Conceito de energia
"[…]
"Inicialmente, cumpre-nos asseverar que a energia é a capacidade que um corpo, ou sistema de corpos, em qualquer escala espacial, tem de produzir movimento próprio, ou transmiti-la a outros corpos que estão em seu entorno. A energia pode ter várias formas: potencial, mecânica, eletromagnética, elétrica, etc.
"IV.1.2 Conceito de energia elétrica
"Energia elétrica é como se designa os fenômenos em que estão envolvidas cargas elétricas.
"A mencionada definição técnica é a encontrada em qualquer livro de graduação em física, sendo desnecessária aperfeiçoá-la para fins deste trabalho jurídico.
"IV.1.3 A corrente elétrica
"Para uma maior facilidade na compreensão do tema, iniciaremos nossas considerações explicando o fenômeno da corrente elétrica e o funcionamento dos aparelhos eletrônicos.
"Posteriormente, analisaremos a fase de geração e da transmissão de energia até sua chegada ao consumidor.
"Os átomos de um metal são eletricamente neutros, ou seja, seu núcleo possui o mesmo número de prótons e elétrons. Já um fio metálico contém um grande número de partículas e, por esta razão, sua estrutura é diferente. No interior do metal, cada átomo perde, em geral, um ou dois elétrons, tornando-se íons positivos, isto devido à mobilidade dos elétrons. Os elétrons perdidos pelos átomos ficam vagando pelos espaços vazios, desse modo o fio metálico permanece eletricamente neutro.
"Ressaltamos que no interior do fio elétrico desligado de uma fonte de energia, os elétrons livres movem-se desordenamente, ou seja, tal movimento não constitui corrente elétrica.
"Ocorre que ao ligarmos o fio a uma fonte de energia, aparece uma força de origem elétrica que age sobre os elétrons livres e os íons da rede. Como os íons possuem uma grande massa e interagem entre si, praticamente não se movem, enquanto os elétrons livres, ao serem acelerados por essa mesma força, tomam a mesma direção e acabam produzindo a corrente elétrica nos metais.
"Essa força de natureza elétrica ocorre devido à existência de um campo elétrico no interior do fio quando conectado à fonte de energia.
"Para uma melhor compreensão do campo elétrico existente no interior de um fio elétrico, analisaremos o campo gravitacional, o qual possui muitos aspectos análogos àquele campo.
"Quando colocamos qualquer objeto nas proximidades da Terra, ele estará imerso no campo gravitacional da Terra. Esse campo gravitacional ‘gera’ a força peso em qualquer objeto que esteja em seu campo de atuação mantendo os objetos presos a ela.
"De modo semelhante, ao ligarmos um fio elétrico a um gerador qualquer, estabelece-se dentro dele um campo elétrico que preenche todo o seu interior. Esse campo elétrico agirá sobre todos os íons e elétrons presentes no fio, causando um força sobre eles.
"Em particular, o campo elétrico agirá sobre cada um dos elétrons livres, ocasionando as forças responsáveis pela corrente elétrica, ou seja, conectando-se um fio a uma fonte de energia, será produzido um campo elétrico no interior do fio, sendo este campo o responsável pelo movimento ordenado dos elétrons livres em certa direção (corrente elétrica). Os íons permanecerão ‘fixos’, pois estarão agregados firmemente ao núcleo do átomo.
"IV.2 Geração
"A fase de geração de energia elétrica que, na verdade, deveria se chamar fase de transformação, é o processo através do qual se converte qualquer outro tipo de energia em energia elétrica. Tendo em vista a predominância da fonte hidráulica na base enérgica brasileira, passamos a discorrer sobre a ‘produção’ da energia elétrica nas usinas hidrelétricas.
"A hidrelétrica é implantada às margens de um rio. Constrói-se uma barragem evitando o fluxo da água do rio, represando-a. A água que sai do reservatório é conduzida com muita pressão através de enormes tubos até a casa de força onde estão instaladas as turbinas, formadas por uma série de pás ligadas a um eixo que é ligado aos geradores, onde a energia mecânica é transformada em energia elétrica.
"Para melhor elucidarmos o trabalho do gerador de uma usina hidrelétrica, vejamos o relatório do Grupo de Reelaboração do Ensino da Física dos professores da Universidade de São Paulo – USP:
" ‘Um gerador típico de uma usina elétrica é constituído por uma carcaça metálica fixa, o estator, onde existem fios enrolados. No interior do estator, há um outro conjunto de enrolamentos presos ao eixo do gerador, o rotor, e que gira acoplado à turbina que fornece energia mecânica ao sistema.
" ‘Neste tipo de gerador a energia elétrica é obtida nos enrolamentos do estator.’
" ‘O estator das usinas hidrelétricas, a parte fixa do gerador, é constituído de enrolamentos, onde a corrente elétrica vai ser gerada, e na parte móvel (rotor), encontra-se o elemento que cria o campo eletromagnético.
"O movimento ocasionado pela pressão da água é transferido para o gerador. Isso faz com que o eletroimã, localizado no rotor, fique girando entre os enrolamentos. Esse movimento do eletroimã cria um campo magnético, no qual os enrolamentos fixos estão imersos. Esse campo eletromagnético criado, passando a variar com o tempo, produz o campo elétrico que, como já vimos, age principalmente sobre os elétrons livres existentes nos enrolamentos do estator, produzindo no interior dos enrolamentos o movimento ordenado dos elétrons, ou seja, a corrente elétrica.
"Em outras palavras, a rotação do campo magnético criado pelo eletroimã corresponde a uma variação temporal de sua intensidade no espaço que o rodeia, provocando o surgimento de um campo elétrico que age sobre os elétrons livres no interior da rede cristalina do metal do estator, fazendo com que eles se movam. Assim, concluímos que a corrente elétrica é gerada indiretamente pelo campo magnético.
"O campo magnético é gerado na região do espaço sempre que houver uma variação temporal de um campo magnético nessa região, ou seja, no caso de uma usina geradora, move-se o eletroimã, variando o campo magnético com o tempo, produzindo um campo elétrico em todo o espaço inclusive nos enrolamentos, condutores elétricos.
"Nas proximidades das usinas geradores se faz necessária a instalação das subestações elevadoras de tensão, com o escopo de aumentar a tensão da corrente elétrica para que diminua a potência dissipada durante a fase de transmissão. Não nos deteremos às funções das subestações elevadoras, haja vista sua pouca relevância para o deslinde do problema enfrentado.
"IV.3 Transmissão
"A fase de transmissão de energia compreende as atividades ocorridas nas linhas de transmissão e de distribuição. Posteriormente à fase de transmissão, nas proximidades do mercado consumidor, há subestações rebaixadoras, em que ocorre a diminuição da intensidade da corrente elétrica, iniciando a fase de distribuição.
"O campo elétrico criado na etapa de transformação fica estabelecido em todo o circuito, irradiando efeitos sobre os elétrons existentes nas linhas de transmissão, que são formadas por materiais condutores elétricos.
"Com o estabelecimento do campo elétrico no circuito, é gerada uma força elétrica sobre cada um dos elétrons livres, produzindo a corrente elétrica nas linhas de transmissão.
"O deslocamento dos elétrons sob efeito de um campo elétrico é praticamente inexistente, movem-se para frente e para trás numa velocidade extremamente alta, sem praticamente sair do lugar.
"Para demonstrar a movimentação dos elétrons, tentaremos fazer uma analogia com um grupo de pessoas. Quando não há campo elétrico dentro do condutor, seria como se cada pessoa possuísse uma direção própria (diferente das demais) e, no geral, teríamos um movimento desordenado, já na presença do campo elétrico, seria como se as pessoas andassem no mesmo sentido dando um passo a frente e, imediatamente, outro passo para trás numa alta velocidade. Portanto, o deslocamento dessas pessoas é praticamente inexistente.
"Concluímos, portanto, a inexistência de deslocamento dos elétrons, demonstrando o equivocado entendimento de que a energia elétrica é produzida pela usina elétrica, seguindo pelas linhas de transmissão e de distribuição, sendo, por fim, disponibilizada aos consumidores.
"O que efetivamente ocorre é que o campo elétrico produzido pela usina hidrelétrica gera efeito nos elétrons livres existentes na linha de transmissão, produzindo uma força elétrica sobre cada elétron, gerando, assim, uma corrente elétrica. Não ocorre ‘transporte’ dos elétrons da geradora para as linhas de transmissão e de distribuição, que chegaria ao consumidor. Os elétrons permanecerão ‘estáticos’, sujeitando-se ao campo produzido na etapa de transformação de energia elétrica.
"O campo elétrico gera efeitos sobre os elétrons existentes nas linhas de transmissão, de distribuição e, posteriormente, aos existentes na fiação elétrica no domicílio do consumidor.
"As linhas de distribuição e transmissão não ‘transportam’ a corrente elétrica produzida na etapa de transformação até chegar ao consumidor. Na verdade, as linhas de transmissão são necessárias para que o campo elétrico se propague até os elétrons livres existentes na fiação dos consumidores.
"Quando ligamos um aparelho de som na tomada, o campo elétrico gerado na usina hidrelétrica e estabelecido em todo o circuito age sobre os elétrons contidos nos fios do aparelho, produzindo uma corrente elétrica dentro do aparelho e permitindo sua utilização pelo consumidor.
"Nesse passo verifica-se a necessidade das linhas de transmissão para a propagação do campo elétrico e a ‘produção’ da energia elétrica no interior dos produtos eletrônicos.
"Depreende-se que os elétrons não são ‘gastos’ nem se dissipam quando ‘utilizados’ para o funcionamento de um aparelho eletrônico, ‘eles permanecem fazendo esse serviço várias vezes’.
"Por exemplo, no caso da lâmpada, o movimento dos elétrons aquece o seu filamento e irradia a luz, conhecido como efeito ‘joule’. Esses mesmos elétrons permanecerão no mesmo lugar aquecendo o filamento da lâmpada por diversas vezes. Ou seja, os elétrons não são bens perecíveis que são utilizados uma única vez, sendo, então, substituídos por outros.
"A conta de energia elétrica, portanto, não significa a quantidade de elétrons gastos, mas sim, de uma maneira bem geral, quanto que o consumidor usufruiu da movimentação dos elétrons existentes na fiação de seu domicílio.
"[…]
"Qualquer integrante do sistema elétrico brasileiro, mediante o pagamento dos encargos de conexão e uso da rede, pode se utilizar das linhas de transmissão e distribuição, ou seja, os concessionários de transmissão e distribuição estão obrigados pela legislação a permitir a utilização das linhas de transmissão e distribuição necessárias para a propagação do campo elétrico gerado na fase de geração de energia elétrica.
"Os consumidores que almejam se utilizar da energia elétrica necessitam das linhas de transmissão e distribuição para que o campo elétrico produza efeitos nos elétrons livres existentes na fiação de sua residência. Caso contrário, o consumidor possuirá somente os elétrons livres, mas não a corrente elétrica.
"[…]
"O concessionário de transmissão e distribuição não assume perante os demais agentes do setor elétrico responsabilidade pelo transporte de algo, à vista de que apenas disponibiliza suas linhas para a propagação do campo elétrico, beneficiando os demais agentes. Apenas se responsabiliza por criar condições para o campo elétrico se propagar por suas linhas gerando efeitos nos centros consumidores" [grifou-se] (A Incidência do ICMS na Atividade Praticada pelas Concessionárias de Transmissão e Distribuição de Energia Elétrica. Revista de Estudos Tributários. Porto Alegre, v. 32, n. 3, p. 34-41, jul./ago. 2003).
Percebe-se, pois, que, enquanto a fase de geração traduz-se na etapa de produção da energia elétrica propriamente dita, as fases de transmissão e distribuição nada mais são senão os meios necessários para que o campo elétrico anteriormente criado pelas usinas produtoras (ou outro meio de alternativo de criação de energia elétrica) se propaguem até a fiação dos usuários, consumidores finais do produto.
Essa distinção, apesar de parecer, à primeira vista, simples, ganhou especial importância quando da reestruturação do sistema elétrico brasileiro nos anos 90, momento a partir do qual se passou a garantir a uma categoria específica de consumidores "o livre acesso nas linhas de transmissão e distribuição por todos os agentes do sistema, mediante as tarifas de uso e de conexão" (Op. cit., p. 14).
A respeito dessa nova sistemática, discorrem com percuciência Luciana F. Saliba e João Dácio Rolin:
"A reestruturação institucional e regulamentar do setor elétrico brasileiro, iniciada em 1995, visa à introdução de competição nos segmentos de geração e de comercialização de energia elétrica, através da inserção de novos agentes e da garantia do livre acesso aos serviços de rede.
"[…]
"Para separar as atividades passíveis de serem exercidas de forma competitiva das que devem ser exercidas de forma monopolizada, estabeleceram-se dois ambientes de contratação de energia elétrica: o ambiente de contratação regulada (mercado cativo) e o ambiente de contratação livre.
"O ambiente de Contratação Regulada (ACR) visa ao atendimento dos consumidores cativos (residenciais, por exemplo) por distribuidoras locais (sem competição), de forma exclusiva e por meio de contratos regulados. As distribuidoras locais são remuneradas por meio de tarifas, a qual deve incluir todos os custos necessários ao fornecimento de energia aos consumidores cativos.
"O Ambiente de Contratação Livre (ACL) compreende o atendimento dos consumidores livres (eletrointensivos, tais como indústrias de alumúnio), por intermédio de contratos livremente negociados entre as partes e remunerados por preço (e não tarifa definida pela ANEEL).
"Para possibilitar a compra de energia pelos consumidores livres junto às concessionárias de sua escolha, e, com isso, implementar o efetivo ambiente de competição nos segmentos de geração e de comercialização, garante-se a todos os agentes o pleno acesso aos sistemas de rede (distribuição e transmissão). A disponibilização dos sistemas de rede, portanto, é instrumento básico à efetiva introdução da competição na geração e na comercialização de energia, viabilizando o exercício da opção dos consumidores livres e induzindo o incremento da oferta ao mercado pelos produtores independentes e autoprodutores de energia.
"Adicionalmente ao contrato de compra e venda de energia, os consumidores livres devem celebrar Contratos de Uso do Sistema de Transmissão (CUST) e de Distribuição (CUSD) e contratos de conexão, garantindo-se, assim, o pleno acesso a esses sistemas.
"O objetivo da disponibilização do uso dos sistemas de rede (distribuição e transmissão), distintamente do processo de formação do preço de energia no mercado livre, impõe que sua remuneração seja neutra do ponto de vista comercial e segregada do preço da energia comercializada no mercado livre, uma vez que seu intuito é justamente viabilizar a competição nos segmentos possíveis de serem competitivos (comercialização livre e geração). Encoraja-se, dessa forma, o uso eficiente das redes, sinalizando investimentos e permitindo oportunidades igualitárias. Por essa razão, a disponibilização dos sistemas de rede (distribuição e transmissão) é regulada pela Aneel e é remunerada através de tarifa" [grifou-se] (Não-Incidência do ICMS sobre as Tarifas de Uso dos Sistemas de Distribuição (TUSD) e de Transmissão (TUST) de Energia Elétrica. Revista Dialética de Direito Tributário. v. 122, p. 50-51, nov. 2005).
Desde a citada reestruturação do setor elétrico, por conseguinte, as atividades de geração e comercialização de energia elétrica foram dissociadas das de transmissão e distribuição para o chamado "Ambiente de Contratação Livre" – ACT, no qual se encontra a empresa autora.
Nesse cenário, a empresa demandante, na qualidade de consumidora "livre", têm ampla liberdade de escolha entre as concessionárias de transmissão e distribuição, razão pela qual lhe é impingida a obrigação de celebrar múltiplos contratos para a obtenção, em seu estabelecimento, da energia elétrica almejada, quais sejam: 1) Contrato de Compra e Venda de Energia Elétrica (fls. 31 a 48); 2) Contrato de Uso do Sistema de Distribuição – CUSD (fls. 50 a 61); 3) Contrato de Uso do Sistema de Transmissão (CUST).
Como os contratos foram segregados, como visto, os custos, por certo, também o foram, de maneira que hoje todas as contraprestações referentes ao acesso pelos usuários livres aos sistemas de transmissão e distribuição foram excluídos do preço pago pela aquisição de energia elétrica, fazendo nascer as Tarifas de Uso dos Sistemas de Distribuição (TUSD) e de Transmissão (TUST).
E, novamente do escólio de Luciana F. Saliba e João Dácio Roli, extrai-se pertinente excerto:
"A TUDS e a TUST remuneram a disponilização do uso do sistema de distribuição e da transmissão e têm como objetivo viabilizar a aquisição de energia elétrica junto à concessionária de escolha dos consumidores livres. O fornecimento de energia propriamente dito não é remunerado pela TUSD e TUST, e sim por preço (consumidores livres) ou tarifa de fornecimento (consumidores cativos)" .
"[…]
"A TUSD e a TUST são faturadas separadamente do fornecimento da energia (art. 9º da Lei 9.648/1998 e Resolução Aneel 666/2002), mesmo nos casos em que a energia é adquirida da própria concessionária a cuja rede o consumidor está conectado (…)
"O CUSD e o CUST (Contratos de Uso de Sistemas de Distribuição e de Transmissão) visam a assegurar que o montante de uso dos sistemas de distribuição e de transmissão seja compatível com o consumo de energia elétrica pretendido pelo consumidor. Em outras palavras, o CUSD e o CUST regulam o ‘quanto’ da rede de distribuição e de transmissão (do sistema) deverá ser disponibilizado ao consumidor para viabilizar a aquisição de energia elétrica junto ao fornecedor de sua escolha (que poderá ser a própria concessionária a cuja rede o consumidor está conectado).
"Em analogia com o fornecimento de água, o ‘montante de uso’ equivale à bitola da tubulação necessária para viabilizar o consumo de água pretendido pelo consumidor. A tubulação, apesar de necessária à viabilização do fornecimento, é autônoma ao efetivo consumo de água. No CUSD e no CUST, a tubulação equivale ao sistema de rede, como se o consumidor contratasse a disponibilização do uso de determinada tubulação, cuja bitola seria estabelecida pelo volume de água a ser consumido.
"Na energia elétrica, a tubulação equivale aos sistemas de distribuição (tensão inferior a 230 KV) e de transmissão (tensão igual ou superior a 230 KV). A TUSD e a TUST, que no fornecimento de água seria fixadas com base na largura e na extensão da tubulação, são fixadas em função da potência (‘bitola da tubulação’) de que o sistema elétrico da distribuidora ou da transmissora deve dispor para atender às instalações elétricas da unidade consumidora (a potência é estabelecida em KW). Somente o preço pactuado no contrato de compra e venda corresponde ao efetivo consumo de energia no mês (medida em Kwh).
"[…]
"Como o CUSD e CUST regulam a disponibilização do uso das redes de distribuição e de transmissão, que é atividade autônoma ao fornecimento de energia, mesmo que o montante de uso do sistema seja inferior ao contratado, o consumidor, por determinação contratual, deve proceder ao pagamento do seu valor integral" [grifou-se] (Op. Cit., p. 50-55).
À luz dos apontamentos acima alinhados (e diante das lições antes destacadas), conclui-se que as atividades de disponibilização do uso das redes de transmissão e distribuição, remuneradas pela TUST e TUSD, não se subsumem à hipótese de incidência do ICMS por não implicarem circulação de energia elétrica. Esses serviços tão e simplesmente permitem que a energia elétrica esteja ao alcance do usuário.
São, portanto, quando muito, atividades-meio, que viabilizam o fornecimento da energia elétrica (atividade-fim) pelas geradoras aos consumidores finais, motivo pelo qual não há como se vislumbrar a possibilidade de estarem abrangidas pela campo de incidência da referida exação.
Afinal, nesses contratos "não ocorre transferência de mercadorias, nem mesmo caracteriza-se compra e venda de produtos, mas tão somente a concessão dos equipamentos de distribuição de energia elétrica" [grifou-se] (TJ/MG, AC n. 1.0024.05.784015-9/003, Desa. Vanessa Verdolim Hudson Andrade).
Nesse sentido, ainda do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, acrescentem-se os seguintes precedentes:
"ICMS – BASE DE CÁLCULO – TARIFA DO SISTEMA DE USO E DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA – ENCARGOS DE CONEXÃO – DESCABIMENTO.
"A base de cálculo do ICMS é formada pelo valor da operação relativa à circulação da mercadoria ou pelo preço do respectivo serviço prestado, hipótese na qual não se enquadra a tarifa de uso do sistema de distribuição nem os encargos de conexão. A tarifa pelo uso do sistema de distribuição não é paga pelo consumo de energia elétrica, mas pela disponibilização das redes de transmissão de energia. Assim, com os encargos de conexão, não se pode admitir que a referida tarifa seja incluída na base de cálculo do ICMS, uma vez que estes não presumem a circulação de mercadorias ou de serviços. A base de cálculo do ICMS deve se restringir à energia consumida, não abrangendo as tarifas de uso pelo sistema de transmissão e de distribuição de energia elétrica. Na execução do CUSD não ocorre a circulação de energia elétrica possível de ensejar a incidência de ICMS" [grifou-se] (AC n. 1.0024.05.800475-5/001, Des. Dárcio Lopardi Mendes).
"TRIBUTÁRIO – APELAÇÃO CÍVEL – ENERGIA ELÉTRICA – UTILIZAÇÃO DE LINHAS DE TRANSMISSÃO E DE DISTRIBUIÇÃO – INCIDÊNCIA DE ICMS SOBRE O VALOR REFERENTE À TARIFA DE USO DOS SISTEMAS DE DISTRIBUIÇÃO (TUSD) – DESCABIMENTO – INEXISTÊNCIA DE OPERAÇÃO MERCANTIL – APELO PROVIDO.
"Inexistindo o fato imponível para a tributação, não há que se falar em incidência de ICMS sobre a tarifação do uso das linhas de transmissão e distribuição de energia elétrica, que apenas pode incidir na hipótese de entrega do produto (fato gerador) ou sobre a circulação, no caso, da energia que tenha entrado no estabelecimento" [grifou-se] (AC n. 1.0024.05.811267-3/002, Des. Barros Levenhagem).
Desse modo, andou bem o ilustre sentenciante em reconhecer o descabimento da incidência do ICMS sobre a Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição – TUSD.
É o quanto basta para se inferir que é indevida a incidência de ICMS sobre os valores atinentes à Tarifa de Uso dos Sistemas de Distribuição – TUSD.
Pelo exposto, dá-se provimento ao recurso para reformar a sentença e, via de consequência, conceder a segurança para determinar que a autoridade coatora se abstenha de incluir, na base de cálculo do ICMS relativo ao pagamento mensal de energia elétrica, os valores correspondentes à TUSD.
Sem honorários advocatícios porquanto incabíveis na espécie e sem custas dada a isenção da Fazenda Pública.
Este é o voto.
Gabinete Desembargador Sérgio Roberto Baasch Luz