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Capítulo IX – Da Reclamação (art. 988 a 993)

Art. 988 ao art. 993 do Novo CPC

Art. 988.  Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para:

I – preservar a competência do tribunal;

II – garantir a autoridade das decisões do tribunal;

III – garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

IV – garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência;

§1º A reclamação pode ser proposta perante qualquer tribunal, e seu julgamento compete ao órgão jurisdicional cuja competência se busca preservar ou cuja autoridade se pretenda garantir.

§2º A reclamação deverá ser instruída com prova documental e dirigida ao presidente do tribunal.

§3º Assim que recebida, a reclamação será autuada e distribuída ao relator do processo principal, sempre que possível.

§4º As hipóteses dos incisos III e IV compreendem a aplicação indevida da tese jurídica e sua não aplicação aos casos que a ela correspondam.

§5º É inadmissível a reclamação:

I – proposta após o trânsito em julgado da decisão reclamada;

II – proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias.

§6º A inadmissibilidade ou o julgamento do recurso interposto contra a decisão proferida pelo órgão reclamado não prejudica a reclamação.


Art. 989.  Ao despachar a reclamação, o relator:

I – requisitará informações da autoridade a quem for imputada a prática do ato impugnado, que as prestará no prazo de 10 (dez) dias;

II – se necessário, ordenará a suspensão do processo ou do ato impugnado para evitar dano irreparável;

III – determinará a citação do beneficiário da decisão impugnada, que terá prazo de 15 (quinze) dias para apresentar a sua contestação.


Art. 990.  Qualquer interessado poderá impugnar o pedido do reclamante.


Art. 991.  Na reclamação que não houver formulado, o Ministério Público terá vista do processo por 5 (cinco) dias, após o decurso do prazo para informações e para o oferecimento da contestação pelo beneficiário do ato impugnado.


Art. 992.  Julgando procedente a reclamação, o tribunal cassará a decisão exorbitante de seu julgado ou determinará medida adequada à solução da controvérsia.


Art. 993.  O presidente do tribunal determinará o imediato cumprimento da decisão, lavrando-se o acórdão posteriormente.

Comentários dos artigos 988 a 993

A reclamação é um recurso curioso no cenário jurídico brasileiro, pois, em um país onde se critica o excesso de recursos judiciais, existe uma necessidade que leva à criação de mecanismos não previstos em lei. Aqui, a reclamação será considerada um recurso em sentido amplo, embora se caracterize mais precisamente como uma ação. Esse instrumento tem origem pretoriana e foi criado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na vigência da Constituição de 1946 com base na doutrina dos poderes implícitos, com o objetivo de assegurar a autoridade de suas decisões. Um exemplo clássico ocorreu em um caso em que o STF reconheceu a validade de um legado, mas, com o passar do tempo, dúvidas surgiram sobre sua interpretação. Nesse contexto, o tribunal decidiu, pela primeira vez, que a reclamação seria o meio apropriado para solucionar a controvérsia.

Hoje, a reclamação está formalmente prevista tanto na Constituição quanto na legislação ordinária, sendo fundamental para a preservação da competência do STF e para garantir o cumprimento de suas decisões. A Emenda Constitucional 45/2004 incluiu, ainda, o direito de se recorrer ao STF quando houver desrespeito a uma súmula vinculante. A doutrina moderna define a reclamação como uma ação autônoma, diferente de um recurso, pois não se limita à relação processual original; ela envolve até mesmo atos administrativos, o que evidencia sua independência. Por essa razão, o Código de Processo Civil (CPC) a coloca ao lado de ações como a rescisória e o mandado de segurança.

A reclamação é cabível para assegurar a competência dos tribunais, garantir a autoridade de decisões, inclusive as do STF em controle concentrado de constitucionalidade, e também para garantir o cumprimento de súmulas vinculantes e de precedentes firmados em julgamentos de casos repetitivos. Um exemplo dessa preservação da competência está na Súmula 249 do STF, que determina que cabe ao Supremo julgar ação rescisória quando tenha apreciado uma questão federal controvertida. Dessa forma, a reclamação torna-se o meio de assegurar que decisões do STF sejam devidamente respeitadas por tribunais inferiores.

Outro papel fundamental da reclamação é garantir que, no controle concentrado de constitucionalidade, as teses jurídicas sejam aplicadas de maneira correta e uniforme. Em situações em que há desrespeito à súmula vinculante ou precedentes estabelecidos, a reclamação também é o meio adequado para contestar essas interpretações incorretas, fortalecendo o papel dos tribunais superiores na uniformização da jurisprudência.

Apesar de ser o meio preferencial para contestação de decisões, a reclamação não elimina a possibilidade de interposição de recursos, uma vez que estes podem ser essenciais para evitar o trânsito em julgado de decisões, possibilitando a abertura da reclamação em casos específicos.

No que diz respeito ao procedimento, a reclamação pode ser apresentada sem um prazo específico, porém, em respeito ao princípio da coisa julgada, não pode ser utilizada após o trânsito em julgado da decisão questionada. O processo é iniciado com a petição inicial, que deve ser acompanhada de documentos probatórios e dirigida ao presidente do tribunal competente.

No entendimento do STF, salvo em caso de má-fé, a reclamação, por ser uma ação de natureza constitucional, não implica condenação em honorários advocatícios, pois seu propósito é a proteção de importantes interesses sociais. Esse entendimento reforça o caráter público e constitucional da reclamação, que visa preservar a competência do próprio Supremo Tribunal Federal e garantir a autoridade de suas decisões.

O CPC também estabelece que cabe ao presidente do tribunal de origem receber o recurso extraordinário ou especial, mas a decisão sobre a admissibilidade desses recursos é competência do STF ou do STJ. Reclamação não é cabível em casos onde há negativa de seguimento do recurso, sendo agravo interno o recurso apropriado nesses casos. Em situações envolvendo a repercussão geral, a reclamação não se aplica, sendo necessário o agravo para que a questão seja submetida aos tribunais superiores.

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