CAPÍTULO IV – DA AÇÃO DE DIVISÃO E DA DEMARCAÇÃO DE TERRAS PARTICULARES

Seção I – Disposições Gerais (art. 569 ao art. 573 do Novo CPC)


Art. 569.  Cabe:

I – ao proprietário a ação de demarcação, para obrigar o seu confinante a estremar os respectivos prédios, fixando-se novos limites entre eles ou aviventando-se os já apagados;

II – ao condômino a ação de divisão, para obrigar os demais consortes a estremar os quinhões.


Art. 570.  É lícita a cumulação dessas ações, caso em que deverá processar-se primeiramente a demarcação total ou parcial da coisa comum, citando-se os confinantes e os condôminos.


Art. 571.  A demarcação e a divisão poderão ser realizadas por escritura pública, desde que maiores, capazes e concordes todos os interessados, observando-se, no que couber, os dispositivos deste Capítulo.


Art. 572.  Fixados os marcos da linha de demarcação, os confinantes considerar-se-ão terceiros quanto ao processo divisório, ficando-lhes, porém, ressalvado o direito de vindicar os terrenos de que se julguem despojados por invasão das linhas limítrofes constitutivas do perímetro ou de reclamar indenização correspondente ao seu valor.

§1º No caso do caput, serão citados para a ação todos os condôminos, se a sentença homologatória da divisão ainda não houver transitado em julgado, e todos os quinhoeiros dos terrenos vindicados, se a ação for proposta posteriormente.

§2º Neste último caso, a sentença que julga procedente a ação, condenando a restituir os terrenos ou a pagar a indenização, valerá como título executivo em favor dos quinhoeiros para haverem dos outros condôminos que forem parte na divisão ou de seus sucessores a título universal, na proporção que lhes tocar, a composição pecuniária do desfalque sofrido.


Art. 573.  Tratando-se de imóvel georreferenciado, com averbação no registro de imóveis, pode o juiz dispensar a realização de prova pericial.

Comentários dos artigos 569 a 573

As ações mencionadas neste Capítulo, já previstas no Código de Processo Civil de 1973, passaram por algumas mudanças no novo CPC, principalmente no que diz respeito aos prazos e ao procedimento. No entanto, essas alterações não foram significativas ou profundas. Isso se deve ao fato de que as disposições do antigo código, relacionadas à divisão e demarcação de terras particulares, vinham desempenhando de maneira eficiente o seu papel.

Mesmo assim, o novo CPC introduziu algumas modificações com o objetivo de cumprir um dos principais princípios orientadores do código: a simplificação do processo. Essa intenção é clara na exposição de motivos do novo diploma legal, que busca eliminar complexidades desnecessárias, tornando algumas etapas mais simples e acelerando o trâmite processual. (GREZELLE, Vinicius. Comentários ao Projeto de Lei n. 8.046/2010. Coord.: MACEDO, Elaine Harzheim. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012, p. 291-292).

Uma das principais inovações do novo CPC foi a introdução do artigo 571, que permite a realização da divisão e demarcação de terras por meio de escritura pública, dispensando a necessidade de recorrer ao Judiciário, desde que as partes envolvidas sejam maiores, capazes e estejam em pleno acordo. Isso agiliza o processo e reduz a sobrecarga do sistema judiciário.

Além disso, o novo CPC trouxe outra mudança importante com o artigo 573, que dispensa a perícia quando o imóvel já foi georreferenciado. Essa medida contribui para a rapidez e simplificação do processo, evitando a realização de atos desnecessários que não agregam valor ao andamento do caso.

Seção II – Da Demarcação (art. 574 ao art. 587 do Novo CPC)

Art. 574.  Na petição inicial, instruída com os títulos da propriedade, designar-se-á o imóvel pela situação e pela denominação, descrever-se-ão os limites por constituir, aviventar ou renovar e nomear-se-ão todos os confinantes da linha demarcanda.


Art. 575.  Qualquer condômino é parte legítima para promover a demarcação do imóvel comum, requerendo a intimação dos demais para, querendo, intervir no processo.


Art. 576.  A citação dos réus será feita por correio, observado o disposto no art. 247.

Parágrafo único.  Será publicado edital, nos termos do inciso III do art. 259.


Art. 577.  Feitas as citações, terão os réus o prazo comum de 15 (quinze) dias para contestar.


Art. 578.  Após o prazo de resposta do réu, observar-se-á o procedimento comum.


Art. 579.  Antes de proferir a sentença, o juiz nomeará um ou mais peritos para levantar o traçado da linha demarcada.


Art. 580.  Concluídos os estudos, os peritos apresentarão minucioso laudo sobre o traçado da linha demarcanda, considerando os títulos, os marcos, os rumos, a fama da vizinhança, as informações de antigos moradores do lugar e outros elementos que coligirem.


Art. 581.  A sentença que julgar procedente o pedido determinará o traçado da linha demarcanda. [Dispositivo correspondente ao art. 958 do CPC/1973] (1)

Parágrafo único.  A sentença proferida na ação demarcatória determinará a restituição da área invadida, se houver, declarando o domínio ou a posse do prejudicado, ou ambos.


Art. 582.  Transitada em julgado a sentença, o perito efetuará a demarcação e colocará os marcos necessários.

Parágrafo único.  Todas as operações serão consignadas em planta e memorial descritivo com as referências convenientes para a identificação, em qualquer tempo, dos pontos assinalados, observada a legislação especial que dispõe sobre a identificação do imóvel rural.


Art. 583.  As plantas serão acompanhadas das cadernetas de operações de campo e do memorial descritivo, que conterá:

I – o ponto de partida, os rumos seguidos e a aviventação dos antigos com os respectivos cálculos;

II – os acidentes encontrados, as cercas, os valos, os marcos antigos, os córregos, os rios, as lagoas e outros;

III – a indicação minuciosa dos novos marcos cravados, dos antigos aproveitados, das culturas existentes e da sua produção anual;

IV – a composição geológica dos terrenos, bem como a qualidade e a extensão dos campos, das matas e das capoeiras;

V – as vias de comunicação;

VI – as distâncias a pontos de referência, tais como rodovias federais e estaduais, ferrovias, portos, aglomerações urbanas e polos comerciais;

VII – a indicação de tudo o mais que for útil para o levantamento da linha ou para a identificação da linha já levantada.


Art. 584.  É obrigatória a colocação de marcos tanto na estação inicial, dita marco primordial, quanto nos vértices dos ângulos, salvo se algum desses últimos pontos for assinalado por acidentes naturais de difícil remoção ou destruição.


Art. 585.  A linha será percorrida pelos peritos, que examinarão os marcos e os rumos, consignando em relatório escrito a exatidão do memorial e da planta apresentados pelo agrimensor ou as divergências porventura encontradas.


Art. 586.  Juntado aos autos o relatório dos peritos, o juiz determinará que as partes se manifestem sobre ele no prazo comum de 15 (quinze) dias.

Parágrafo único.  Executadas as correções e as retificações que o juiz determinar, lavrar-se-á, em seguida, o auto de demarcação em que os limites demarcandos serão minuciosamente descritos de acordo com o memorial e a planta.


Art. 587.  Assinado o auto pelo juiz e pelos peritos, será proferida a sentença homologatória da demarcação.

Comentários dos artigos 574 a 587

Uma das novidades trazidas pelo novo Código de Processo Civil é a substituição do termo “arbitrador” e “agrimensor” pela expressão “perito”. Essa mudança amplia o leque de profissionais habilitados a realizar perícias, evitando que o processo seja interrompido ou atrasado por questões meramente formais relacionadas à terminologia empregada.

Outra mudança importante foi a exclusão do artigo 951 do CPC de 1973. Esse artigo permitia que o autor solicitasse a demarcação de terras em casos de esbulho ou turbação, além de pedir a restituição da área invadida ou indenização pelos danos sofridos. A exclusão desse dispositivo parece harmonizar o novo CPC com o restante do ordenamento jurídico, pois o artigo 951 entrava em conflito com o artigo 921, que estabelece a necessidade de procedimentos específicos para interditos possessórios. Alguns especialistas argumentam que a junção desses tipos de ações não seria possível devido à natureza especial do processo de demarcação (GREZELLE, Vinicius. Comentários ao Projeto de Lei n. 8.046/2010. Coord.: MACEDO, Elaine Harzheim. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012, p. 291-292).

Apesar disso, há doutrinadores que defendem a possibilidade de acumular ações de demarcação com possessórias, desde que alguns requisitos sejam atendidos. Um deles é que o autor tenha posse do terreno em questão e que o invasor seja o proprietário vizinho contra quem a demarcação está sendo proposta (BARROS, Hamilton de Moraes. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p.47).

O novo CPC, entretanto, trouxe uma previsão interessante no artigo 581, com a inclusão de um parágrafo único. Esse parágrafo estabelece que a sentença de demarcação pode resultar na restituição da propriedade invadida, quando aplicável, reconhecendo tanto o domínio quanto a posse da parte prejudicada. Embora essa disposição não trate diretamente da proteção da posse, ela oferece uma solução prática em casos de invasão sem a necessidade de esbulho, alinhando-se ao propósito de simplificar e agilizar o processo.

Seção III – Da Divisão (art. 588 ao art. 598 do Novo CPC)

Art. 588.  A petição inicial será instruída com os títulos de domínio do promovente e conterá:

I – a indicação da origem da comunhão e a denominação, a situação, os limites e as características do imóvel;

II – o nome, o estado civil, a profissão e a residência de todos os condôminos, especificando-se os estabelecidos no imóvel com benfeitorias e culturas;

III – as benfeitorias comuns.

Na forma do artigo 571 do Código em comento e artigo 2015 do Código Civil, quando todos condôminos forem maiores e capazes, de forma amigável, poderão fazer a divisão através de escritura publica.


Art. 589.  Feitas as citações como preceitua o art. 576, prosseguir-se-á na forma dos arts. 577 e 578.


Art. 590.  O juiz nomeará um ou mais peritos para promover a medição do imóvel e as operações de divisão, observada a legislação especial que dispõe sobre a identificação do imóvel rural.

Parágrafo único.  O perito deverá indicar as vias de comunicação existentes, as construções e as benfeitorias, com a indicação dos seus valores e dos respectivos proprietários e ocupantes, as águas principais que banham o imóvel e quaisquer outras informações que possam concorrer para facilitar a partilha.


Art. 591. Todos os condôminos serão intimados a apresentar, dentro de 10 (dez) dias, os seus títulos, se ainda não o tiverem feito, e a formular os seus pedidos sobre a constituição dos quinhões.


Art. 592.  O juiz ouvirá as partes no prazo comum de 15 (quinze) dias.

§1º Não havendo impugnação, o juiz determinará a divisão geodésica do imóvel.

§2º Havendo impugnação, o juiz proferirá, no prazo de 10 (dez) dias, decisão sobre os pedidos e os títulos que devam ser atendidos na formação dos quinhões.


Art. 593.  Se qualquer linha do perímetro atingir benfeitorias permanentes dos confinantes feitas há mais de 1 (um’) ano, serão elas respeitadas, bem como os terrenos onde estiverem, os quais não se computarão na área dividenda.


Art. 594.  Os confinantes do imóvel dividendo podem demandar a restituição dos terrenos que lhes tenham sido usurpados.

§1º Serão citados para a ação todos os condôminos, se a sentença homologatória da divisão ainda não houver transitado em julgado, e todos os quinhoeiros dos terrenos vindicados, se a ação for proposta posteriormente.

§2º Nesse último caso terão os quinhoeiros o direito, pela mesma sentença que os obrigar à restituição, a haver dos outros condôminos do processo divisório ou de seus sucessores a título universal a composição pecuniária proporcional ao desfalque sofrido.


Art. 595.  Os peritos proporão, em laudo fundamentado, a forma da divisão, devendo consultar, quanto possível, a comodidade das partes, respeitar, para adjudicação a cada condômino, a preferência dos terrenos contíguos às suas residências e benfeitorias e evitar o retalhamento dos quinhões em glebas separadas.


Art. 596.  Ouvidas as partes, no prazo comum de 15 (quinze) dias, sobre o cálculo e o plano da divisão, o juiz deliberará a partilha.

Parágrafo único.  Em cumprimento dessa decisão, o perito procederá à demarcação dos quinhões, observando, além do disposto nos arts. 584 e 585, as seguintes regras:

I – as benfeitorias comuns que não comportarem divisão cômoda serão adjudicadas a um dos condôminos mediante compensação;

II – instituir-se-ão as servidões que forem indispensáveis em favor de uns quinhões sobre os outros, incluindo o respectivo valor no orçamento para que, não se tratando de servidões naturais, seja compensado o condômino aquinhoado com o prédio serviente;

III – as benfeitorias particulares dos condôminos que excederem à área a que têm direito serão adjudicadas ao quinhoeiro vizinho mediante reposição;

IV – se outra coisa não acordarem as partes, as compensações e as reposições serão feitas em dinheiro.


Art. 597.  Terminados os trabalhos e desenhados na planta os quinhões e as servidões aparentes, o perito organizará o memorial descritivo.

§1º Cumprido o disposto no art. 586, o escrivão, em seguida, lavrará o auto de divisão, acompanhado de uma folha de pagamento para cada condômino.

§ 2o Assinado o auto pelo juiz e pelo perito, será proferida sentença homologatória da divisão.

§3º O auto conterá:

I – a confinação e a extensão superficial do imóvel;

II – a classificação das terras com o cálculo das áreas de cada consorte e com a respectiva avaliação ou, quando a homogeneidade das terras não determinar diversidade de valores, a avaliação do imóvel na sua integridade;

III – o valor e a quantidade geométrica que couber a cada condômino, declarando-se as reduções e as compensações resultantes da diversidade de valores das glebas componentes de cada quinhão.

§4º Cada folha de pagamento conterá:

I – a descrição das linhas divisórias do quinhão, mencionadas as confinantes;

II – a relação das benfeitorias e das culturas do próprio quinhoeiro e das que lhe foram adjudicadas por serem comuns ou mediante compensação;

III – a declaração das servidões instituídas, especificados os lugares, a extensão e o modo de exercício.


Art. 598.  Aplica-se às divisões o disposto nos arts. 575 a 578.

Comentários dos artigos 588 a 598

É relevante mencionar que o novo Código de Processo Civil eliminou certos artigos que constavam no CPC de 1973, especialmente aqueles que tratavam de questões de natureza predominantemente técnica. A doutrina considera essa decisão acertada, uma vez que tais temas não exigem regulamentação expressa no Código Processual.

Em relação à demarcação e à divisão de propriedades particulares, o novo CPC trouxe apenas algumas mudanças pontuais, principalmente no que diz respeito a terminologias e prazos. Além disso, introduziu inovações voltadas para a agilização na resolução de disputas e a simplificação dos procedimentos. No entanto, a maior parte das disposições do CPC de 1973 foi mantida em sua essência.

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