CAPÍTULO II – DA EXECUÇÃO PARA A ENTREGA DE COISA

Seção I – Da Entrega de Coisa Certa

Art. 806. O devedor de obrigação de entrega de coisa certa, constante de título executivo extrajudicial, será citado para, em 15 (quinze) dias, satisfazer a obrigação.

  • § 1º Ao despachar a inicial, o juiz poderá fixar multa por dia de atraso no cumprimento da obrigação, ficando o respectivo valor sujeito a alteração, caso se revele insuficiente ou excessivo.
  • § 2º Do mandado de citação constará ordem para imissão na posse ou busca e apreensão, conforme se tratar de bem imóvel ou móvel, cujo cumprimento se dará de imediato, se o executado não satisfizer a obrigação no prazo que lhe foi designado.

Art. 807. Se o executado entregar a coisa, será lavrado o termo respectivo e considerada satisfeita a obrigação, prosseguindo-se a execução para o pagamento de frutos ou o ressarcimento de prejuízos, se houver.

Art. 808. Alienada a coisa quando já litigiosa, será expedido mandado contra o terceiro adquirente, que somente será ouvido após depositá-la.

Art. 809. O exequente tem direito a receber, além de perdas e danos, o valor da coisa, quando essa se deteriorar, não lhe for entregue, não for encontrada ou não for reclamada do poder de terceiro adquirente.

  • § 1º Não constando do título o valor da coisa e sendo impossível sua avaliação, o exequente apresentará estimativa, sujeitando-a ao arbitramento judicial.
  • § 2º Serão apurados em liquidação o valor da coisa e os prejuízos.

Art. 810. Havendo benfeitorias indenizáveis feitas na coisa pelo executado ou por terceiros de cujo poder ela houver sido tirada, a liquidação prévia é obrigatória.

  • Parágrafo único. Havendo saldo:
    • I – em favor do executado ou de terceiros, o exequente o depositará ao requerer a entrega da coisa;
    • II – em favor do exequente, esse poderá cobrá-lo nos autos do mesmo processo.

Comentários dos artigos 806 a 810

O Livro II da Parte Especial do CPC/2015 aborda a execução baseada em título extrajudicial, enquanto a modalidade de cumprimento de sentença para entrega da coisa, tratada no Livro I, aplica-se aos títulos judiciais (arts. 513 a 538). Ambas as modalidades, no entanto, comunicam-se normativamente, sendo aplicáveis subsidiariamente, sempre que não houver incompatibilidade, conforme previsto no art. 513.

A execução para entrega da coisa distingue-se da execução por quantia certa, pois seus meios executivos recaem sobre um bem específico, móvel ou imóvel, enquanto, na execução por quantia, recaem sobre qualquer bem penhorável do devedor (FUX, Luiz. O Novo Processo de Execução. Forense, 2008, p. 361). Ainda que o legislador use a expressão “obrigação” (art. 806), indicando a intenção de manter a abordagem obrigacional, a execução abrange tanto direitos reais quanto obrigacionais (SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de Processo Civil. Vol. 2, 5ª ed. São Paulo: RT, 2002, p. 125).

Direito Material – A execução de coisa certa deve ser entendida sob o enfoque do direito material. Os artigos 233 a 242 do Código Civil regulam a obrigação de dar coisa certa, caracterizada por sua identificação por características específicas, como um veículo com determinada placa, uma obra de arte ou um imóvel específico. Coisa incerta, por sua vez, é definida apenas pelo gênero e quantidade e especificada no momento do cumprimento. Para coisas certas fungíveis, a individualização não é necessária, conforme art. 85 do Código Civil.

Procedimento – A petição inicial deverá seguir os requisitos do art. 319 e embasar-se em título extrajudicial (art. 784), observando também os requisitos do art. 798.

Em relação aos prazos, embora existam críticas doutrinárias quanto ao prazo para ação do devedor (SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de Processo Civil. Vol. I, Tomo II. São Paulo: Forense, 2008, p. 46), a unificação da maioria dos prazos em 15 dias úteis (art. 219) promove igualdade e facilita o trabalho dos representantes dos jurisdicionados.

O objetivo do art. 806 é possibilitar que um bem específico, na posse do executado, seja transferido para a esfera jurídica do exequente, seja ele móvel (via mandado de busca e apreensão) ou imóvel (via mandado de imissão de posse), conforme o § 2º do artigo. Para garantir celeridade e efetividade, o legislador incluiu, no mandado de citação, a determinação de busca e apreensão ou imissão de posse, concedendo prazo para o cumprimento espontâneo. O oficial de justiça deverá retornar ao local para cumprir a determinação caso o executado não demonstre o cumprimento ou obtenha suspensão da execução (art. 919, § 1º), sem necessidade de nova ordem judicial.

Embora o § 1º do art. 806 permita ao juiz fixar uma multa para assegurar o cumprimento, a preferência é pela imissão ou busca e apreensão como meio satisfatório ao credor, reservando a multa como um recurso subsidiário, conforme o enunciado 500 da Súmula do STF.

A execução para entrega de coisa abrange diversas situações, como relações de consumo (entrega de item substitutivo de produto defeituoso) ou contratos desfeitos (restituição mediante entrega do bem ou recuperação do bem por negócio anulado).

O legislador omitiu dispositivos correspondentes aos arts. 622 e 623 do CPC/1973, o que não impede o executado de depositar a coisa se desejar embargar com efeito suspensivo (art. 919, § 1º). Essa ausência indica uma mudança na garantia do direito do exequente, com a antiga regra que impedia o levantamento da coisa antes do julgamento dos embargos sendo eliminada, favorecendo a efetividade da execução. Essa mudança alinha-se com a ênfase do novo Código na efetividade do direito (art. 311).

O art. 808, que trata da alienação da coisa litigiosa, dispõe que o terceiro adquirente só será ouvido após o depósito da coisa, reforçando o princípio de imediata eficácia das decisões e valorizando a jurisdição de primeiro grau (art. 995). Isso não impede que o terceiro de boa-fé defenda seu direito por meio de embargos de terceiros (art. 674).

No geral, a execução para entrega de coisa sofreu poucas alterações, já que sua redação passou por recentes ajustes com a Lei 10.444/2002.

Seção II – Da Entrega de Coisa Incerta

Art. 811. Quando a execução recair sobre coisa determinada pelo gênero e pela quantidade, o executado será citado para entregá-la individualizada, se lhe couber a escolha.

  • Parágrafo único. Se a escolha couber ao exequente, esse deverá indicá-la na petição inicial.

Art. 812. Qualquer das partes poderá, no prazo de 15 (quinze) dias, impugnar a escolha feita pela outra, e o juiz decidirá de plano ou, se necessário, ouvindo perito de sua nomeação.

Art. 813. Aplicar-se-ão à execução para entrega de coisa incerta, no que couber, as disposições da Seção I deste Capítulo.

Comentários dos artigos 811 a 813

As disposições procedimentais dos artigos 806 a 810 também se aplicam à execução para entrega de coisa incerta (art. 813).

Uma coisa incerta é aquela que, no momento de estabelecer a obrigação, é especificada apenas pelo gênero e pela quantidade. A determinação exata do item ocorrerá apenas no momento do cumprimento da obrigação. Por exemplo, ao estabelecer a entrega de dez sacas de soja, a identificação específica de quais sacas e onde serão buscadas, como em qual cooperativa ou fazenda, ocorrerá no momento do adimplemento.

De acordo com o artigo 244 do Código Civil, a individualização da coisa cabe ao devedor, razão pela qual o caput do art. 811 prevê essa possibilidade. Nessa situação, é necessário um contraditório para que a escolha seja realizada e a parte contrária tenha ciência dessa definição. Quando houver disposição em contrário no título (parágrafo único), a escolha deverá ser feita pelo autor e indicada na petição inicial, funcionando a citação como contraditório.

A parte que não tem o direito de escolha poderá, sempre, impugnar a seleção realizada. O novo prazo de 15 dias é uma mudança significativa, ampliando o prazo anteriormente restrito. A contagem desse prazo terá como marco a notificação. Se a escolha for feita pelo autor, o prazo para o réu impugnar começará a partir da citação. Se, por outro lado, o réu formalizar a individualização, o juiz deverá intimar o autor, e o prazo para impugnação passará a contar a partir dessa intimação, conforme os artigos 269 a 275.

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