[MODELO] Anulação da supressão de gratificação – Decreto ilegal

ESTADO DO RIO DE JANEIRO

PODER JUDICIÁRIO

COMARCA DA CAPITAL

JUÍZO DE DIREITO DA 10ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA

Processo nº 08/005576-5

SENTENÇA

Vistos etc…

I

AIAS DA CONCEIÇÃO, qualificado na inicial, propôs a presente ação em face do ESTADO DO RIO DE JANEIRO, pugnando pela condenação do réu ao pagamento da gratificação de encargos especiais.

Sustenta o autor, em síntese, que vinha percebendo a gratificação por mérito especial, instituída por força do Decreto nº 21753/95. No entanto, o réu, através do Decreto nº 26289/00, determinou a cassação definitiva do pagamento da gratificação acima mencionada, violando, por conseguinte, direito assegurado em sede constitucional que veda a irredutibilidade de vencimentos, além da gratificação encontrar-se incorporada ao seu patrimônio (fls. 02/19).

Com a inicial vieram os documentos de fls. 21/26.

Devidamente citada, a parte ré apresentou contestação às fls. 33/89, sustentando, em síntese, o seguinte: possuir caráter provisório e precário a premiação em pecúnia por mérito especial, não se incorporando aos vencimentos; legalidade do ato de supressão, tendo em vista encontrar-se no âmbito de discricionariedade da Administração; descabimento de acumulação de acréscimos pecuniários concedidos sob o mesmo fundamento.

Antecipação da tutela deferida às fls. 51/52.

Parecer do Ministério Público às fls. 57/60, no sentido da procedência do pedido.

II

É o relatório. Fundamento e decido.

A questão posta a debate consiste em saber se a gratificação por mérito especial pode ser retirada do servidor que fez jus à mesma, conforme preceituado no Decreto nº 21753/95.

De acordo com a norma que criou o referido adicional – Decreto nº 21753/95 -, a sua supressão apenas poderia ocorrer em certas hipóteses, representativas de falta funcional, devidamente demonstradas em sede de procedimento administrativo.

Logo, já em um primeiro momento tem-se que esse requisito não se fez presente. A nova legislação – Decreto nº 26286/00 – retirou de forma objetiva o adicional em comento, sem que para antes se fizesse presente qualquer procedimento administrativo identificador de uma falta funcional cometida pelo servidor.

Com isto, a análise passa a ser direta do atual decreto, e sua real eficácia, a importar na possibilidade, ou não, da supressão do adicional por ato de bravura antes concedido.

Este exame, para se fazer adequado, chama a necessidade de se identificar a natureza da referida vantagem pecuniária – adicional ou gratificação – ; a possibilidade de sua incorporação definitiva, a gerar um direito adquirido e, de forma concomitante, a trazer a regra garantidora da irredutibilidade vencimental constante do inciso XV, do art. 37, da C.F., bem como a real eficácia do Decreto nº 26286/00, que revogou o Decreto nº 21735/95.

Passa-se, por conseguinte, à verificação destas questões.

Observando que a vantagem pecuniária por ato de bravura se faz diante de uma ou várias condutas que refogem da rotina burocrática, a estabelecer um ganho vencimental de caráter constante, advinda da simples prática do ato ou dos atos, não há como recusar a sua natureza de adicional, a trazer a perspectiva de incorporação, apenas retirável naquelas hipóteses constantes da lei que a confere.

Quanto ao que é dito, vale a seguinte passagem de HELY LOPES MEIRELLES: “o que caracteriza o adicional e o distingüe da gratificação é o ser aquele uma recompensa ao tempo de serviço do servidor, ou uma retribuição pelo desempenho de funções que refogem da rotina burocrática, e esta, uma compensação por serviços comuns executados em condições anormais para o servidor, ou uma ajuda pessoal em face de certas situações que agravam o orçamento do servidor. O adicional relaciona-se com o tempo ou com a função; a gratificação relaciona-se com o serviço ou com o servidor. O adicional, em princípio, adere ao vencimento e, por isso tem caráter permanente …” (Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros, 23ª ed., 2ª tiragem, p. 391).

Aderindo ao vencimento, e ganhando o caráter permanente, importa agora saber se o mesmo ingressa definitivamente, e nos termos da lei que a concede, no patrimônio do servidor público.

A toda evidência se retira que sim. Com efeito. Ao praticar o ato de bravura o servidor excede a normalidade de suas funções, pondo em risco a sua própria vida. Se a lei confere, por tal ato um adicional em seus vencimentos, inegável que isto interfere em sua vontade, e o sugestiona ao risco.

A prática do ato, por si, traz o ingresso para o patrimônio do servidor da verba prometida. Ocorre, e se consuma, a situação fática prevista na norma, capaz de gerar o direito que vem a ser, tão só, declarado pela administração.

Por tal razão é que CELSO RIBEIRO BASTOS é enfático, para a hipótese, em dizer que há a aquisição do direito à manutenção do acréscimo remunerátorio: “Acontece, entretanto, que em outras hipóteses, o Estado concede certos direitos que já não nutrem qualquer relação com um fato atual. Por exemplo: uma vantagem pecuniária para quem tenha praticado ato de bravura em guerra, ou mesmo uma vantagem pecuniária em decorrência de alguém ter cumprido algo no passado, mas a que se não mais encontra sujeito no presente. Fica patente que nesses casos já não comparecem aquelas razões de conveniência e oportunidade – de molde a justificar a permanente mutabilidade das situações normativas. Adversamente, o que existe é o implícito propósito da lei em ser permanente no tempo, ao menos para aqueles por ela já colhidos. Em outras palavras, não se nega o direito de o Estado revogar dita lei. O que se veda é a possibilidade de ver-se o indivíduo desprotegido da lei que o beneficiou. Noutro falar, nesses casos a lei vigente se protrai no tempo para continuar disciplinando certas situações jurídicas mesmo após a sua revogação. Dos exemplos dados se extrai que as vantagens criadas não têm sentido lógico senão a admitir-se que o seu beneficiário a elas tenha direito adquirido. O que adiantaria o Estado dar uma pensão ou gratificação por ato de bravura se a ele lhe fosse dado revogar tal ato no mês seguinte? É obvio que isto seria uma farsa. O Estado estaria gratuita e injustificadamente retirando o que havia definitivamente concedido, visto que tal concessão independia de qualquer redefinição dos termos do relacionamento indivíduo/Estado. É dizer, o gesto de bravura tornou-se apto a ser a causa determinante de uma vantagem que não pode ser suprimida, pois que o próprio fato que a gerou também é insuscetível de ser eliminado. Em síntese, o direito adquirido no campo publicístico surge toda vez que o legislador isola um tal fato (gesto de bravura, tempo de serviço etc.) e o considera, de per si, apto para ser a fonte geradora de um direito. Nestas hipóteses, o direito não pode ser senão da natureza dos adquiridos. Seria um contra-senso lógico inadmitir-se tal postulação” (Curso de Direito Constitucional, Saraiva, 18ª ed., 1997, p. 216).

Assim, conferir tal direito, levando o servidor ao risco da própria vida para, tempos depois, retirá-lo, implica em afronta à idéia de justo, violando a boa-fé do servidor, e atingindo a segurança das relações jurídicas, a importar em uma falta de estabilidade econômica, que refletirá negativamente no ânimo do agente, e trará, no plano futuro, conseqüências negativas na prestação da atividade desempenhada por estes.

Claro, pois, a existência de um direito adquirido.

O fato propiciador deste se fez presente e se esgotou – ato de bravura – de forma apta a gerar as conseqüências patrimoniais constantes da norma, que esse coloca agora em caráter definitivo e perene.

Sendo tal direito de natureza pecuniária, e se fazendo presente como adicional, ingressando nos vencimentos do servidor, inegável que sua retirada importa não apenas em atingir a idéia de direito adquirido mas, como uma especificidade deste, em uma violação ao princípio da irredutibilidade, que hoje se projeta a todos os servidores públicos, nos termos do inciso XV, do art. 37, da C.F..

A supressão, portanto, do adicional de bravura, na forma como pretendida pela Administração, afronta também este último preceito constitucional, e implica, frise-se, na segurança e estabilidade econômica e orçamentária destes agentes.

Resta, agora, diante do exame já feito, saber sobre o conteúdo e a eficácia do Decreto nº 26289/00. Referida norma, emanada do Executivo, se projeta como modalidade de regulamento e adere à Lei nº 699/83 e Lei nº 2990/98, e ao revogar o anterior decreto nº 21753/95, se projeta para a frente, não podendo violar os direitos adquiridos por parte do servidor que preenche os requisitos constantes da anterior normatividade.

Assim, não sendo anulado o Decreto nº 21753/95, nem se fazendo presente a eiva de inconstitucionalidade do mesmo, o que se tem é que os direitos gerados pela mencionada norma, e incorporados no patrimônio do servidor público que preenche os requisitos aí constantes, não são atingidos pelo atual Decreto nº 26289/00, que tem eficácia da sua vigência para a frente.

Aliás, não seria muito lembra que este é o entendimento já consolidado por nosso Tribunal, conforme se verifica dos seguintes julgados: MS, Proc. 2012.008.01078, Reg. 20.12.02, Órgão Especial, Des. CARPENA AMORIM, J. 07.10.02; MS 2012.008.01073, Reg. 09.12.02, Órgão Especial, Des. JOSE CARLOS WATZL, J. 07.10.02; MS 2002.008.00539, Reg. 08.12.02, Órgão Especial, Des. NILTON MONDEGO, J. 30.09.02; MS 2012.008.01188, Reg. 03.10.02, Órgão Especial, Des. NILTON MONDEGO, J. 12.08.02.

III

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido – confirmando os efeitos da tutela antecipada concedida – para determinar o restabelecimento do pagamento dos valores referentes à Gratificação de Encargos Especiais devida ao autor, desde a data da sua supressão, devidamente atualizada e acrescida dos juros legais; observando que a base de cálculo são os vencimentos, conforme o art. 2º, do Decreto nº 21753/95.

Tais verbas serão monetariamente atualizadas desde o aXXXXXXXXXXXXamento da ação, e acrescidas de juros de mora de 1 % ao mês (arts. 806 e 2035, do NCC c/c art. 161,§ 1º, do CTN).

Imponho ao réu os ônus sucumbenciais, fixando os honorários advocatícios em r$ 1.000,00 (mil reais), nos termos do § 8º, do art. 20, do CPC.

Submeto a presente sentença ao duplo grau obrigatório de jurisdição.

P.R.I..

Rio de Janeiro, em 31 de março de 2012.

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