[MODELO] AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS POR FALHA DE CARTÓRIO
ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DA CAPITAL
JUÍZO DE DIREITO DA 10ª VARA DE FAZENDA PÚBLICA
Processo n° 2003.001.098619-9
SENTENÇA
I
Vistos etc..
JOSÉ MARIA BORGES, qualificado na inicial, aXXXXXXXXXXXXou a presente demanda em face do ESTADO DO RIO DE JANEIRO, pedindo a condenação do réu ao pagamento de reparação material e compensação por danos morais.
Como causa de pedir, alega o autor, em síntese, ser o Estado responsável pelos danos sofridos, em virtude da má prestação dos serviços por parte do Cartório do Registro Civil de Inhomirim-Piabetá, 6º Distrito de Magé. Tal se deu em virtude de ter adquirido um lote de terreno, situado no nº 30, da quadra B, no Bairro de Vila Isabel, cuja escritura de compra e venda, lavrada no livro 112, às fls. 139/181, não foi assinada pelo Oficial responsável pelo Cartório, ocasionando o seu cancelamento posterior por ato do Interventor nomeado pela Corregedoria Geral de Justiça. Assim, diante desta situação, muito embora tenha buscado solucionar o problema, via administrativa, não obteve êxito, razão pela qual ajuíza a presente demanda (fls. 02/03).
Com a inicial vieram os documentos de fls. 08/187.
Inicial emendada às fls. 157/159.
Devidamente citado, o Estado do Rio de Janeiro apresentou contestação (fls. 168/171), mencionando, a título de defesa indireta de mérito, a incidência da prescrição qüinqüenal. Caso vencida esta questão, no mérito propriamente dito, enfatiza ser a imobiliária Salgado Imóveis responsável por todas as operações relativas ao negócio de compra e venda, tendo, inclusive, o livro de registro de escrituras sido assinado em sua sede. Além disto, conforme restou apurado, a lavratura da escritura definitiva não se fez em virtude da falta de assinatura do vendedor. Por conta desta situação, resta evidenciado o fato exclusivo da imobiliária, razão pela qual protesta o Estado pela improcedência do pedido.
Réplica às fls. 178/175.
Parecer do Ministério Público às fls. 183/186, no sentido da improcedência do pedido.
II
É o relatório. Fundamento e decido.
Inicialmente, cabe a análise da questão prejudicial de mérito, qual seja: prescrição.
A mesma não vinga. De acordo com o constante dos autos, verifica-se que o autor celebrou contrato de compra e venda do terreno descrito na inicial no ano de 1997 e, desde então, não conseguindo obter a escritura definitiva, face a problemas cartorários, postulou referido direito no âmbito administrativo, cujo procedimento veio a se encerrar no ano de 2012 (fl. 136).
Assim, durante este interregno encontrava-se suspenso o prazo prescricional a que alude o Decreto nº 20910/32, sendo insustentável a tese do Estado,
Superado este ponto, entra-se no mérito.
O cerne da matéria posta a debate diz respeito à presença de responsabilidade do Estado pelos atos praticados pelo Oficial do Cartório do RCPN e Tabelionato do 6o Distrito da Comarca de Magé que, de forma indevida, deixou de assinar escritura de compra e venda do autor, registrada no livro próprio, dando causa ao seu cancelamento posterior pelo interventor nomeado pela Corregedoria Geral da Justiça, ao detectar a irregularidade apontada.
Em um primeiro momento, deve ser visto que não há controvérsias acerca da lavratura da escritura de compra e venda. A tanto basta ver que a imobiliária responsável pela negociação afirma este fato (fl. 11), e o aludido Cartório confirma o seu registro no livro nº 112, fl. 139, ato nº 057, informando, porém, não encontrar-se a mesma assinada pelo Oficial da época (fl. 112).
Relevante, ainda, acrescentar que o Cartório do 6o Distrito da Comarca de Magé encontrava-se sob intervenção desde 19.08.97, face a presença de diversas irregularidades constatadas, conforme demonstram os documentos juntos com a inicial.
Considerando-se, portanto, que as atividades notariais constituem modalidade de serviço publico por delegação, incumbe ao Poder Público exercer fiscalização dos atos praticados, nos termos do art. 236, parte final da CRFB c/c arts. 69 a 75, da Consolidação Normativa.
Assim, na medida em que o Estado omite-se em relação ao cumprimento do seu dever – permitindo, com isto, que a prestação do serviço público feita pelo delegatório seja ineficiente e cause prejuízos a terceiros de boa-fé – responde pelas conseqüências da sua desídia.
A responsabilidade do Estado se subsume ao art. 37, §6o, da CRFB, por se estar diante de um prestador de serviço público.
Aliás, sobre o assunto, vale destacar o seguinte julgado do STF:
“Tabelião. Titulares de ofício de justiça. Responsabilidade civil. Responsabilidade do Estado. CF, art. 37, §6o. Natureza estatal das atividades exercidas pelos serventuários titulares de cartórios e registros extrajudiciais, exercidas em caráter privado, por delegação do Poder Público. Responsabilidade objetiva do Estado pelos danos praticados a terceiros por esses servidores no exercício de tais funções, assegurado o direito de regresso contra o notário, nos casos de dolo ou culpa” (RE 209358-Agr, Rel. o Min. CARLOS VELLOSO, DJ 16.08.99).
No caso em tela, não restam dúvidas quanto a presença dos elementos caracterizadores da responsabilidade do réu.
O autor teve a sua escritura de compra e venda cancelada por fato atribuído ao Oficial do Cartório, ao deixar de lançar a sua assinatura no ato negocial. Não foi observado, assim, o correto cumprimento das atribuições do cargo por parte do delegatório, resultando, consequentemente, em falha na prestação do serviço público.
E esta situação ocasionou danos ao autor, pois não conseguiu regularizar o imóvel, com vistas a transferência da propriedade. Os transtornos advindos da falha do serviço foram enormes, e perduram desde 1998, pois sequer, na via administrativa, foi dada solução adequada para o problema.
Deve aqui ser visto que este fato não foi isolado. O relatório do interventor (fl. 10), indica que foram encontrados diversos atos sem assinatura do Oficial do Cartório, dentre outras irregularidades.
E, ao contrário do que deixou transparecer a decisão proferida no âmbito administrativo (fl. 136), que adotou a cota do ilustre representante do Ministério Público (fls. 129/130), não contribuiu o autor para o surgimento dos obstáculos que impediram a correta formalização do ato.
Houve equívoco na decisão, pois o autor ao requerer a lavratura de nova escritura de compra e venda, informou que o alienante já havia falecido, havendo necessidade, portanto, de suprir a sua assinatura. Diante desta assertiva, houve interpretação errônea por parte do Ministério Público, levando a crer que a escritura registrada no Cartório do 6o Distrito de Magé não fora assinada pelo Oficial do Cartório, por ausência de assinatura do vendedor. E isto não era verdade.
As informações dos autos são claras no sentido de que apenas faltava a assinatura do Oficial do Cartório para legalização da escritura. Por óbvio que sendo a mesma cancelada, outra teria que ser feita, com colheita de nova assinatura por parte dos interessados e, neste caso, já não mais poderia se obter a do alienante, em virtude do seu falecimento.
Não houve, portanto, culpa do autor. Nem muito menos pode se pretender imputar a responsabilidade pelo insucesso da transmissão do direito de propriedade à imobiliária, pois esta não tinha qualquer ingerência nos atos que eram praticados pelo Cartório.
Encontrando-se, pois, demonstrado o dano, na medida em que até a presente data não conseguiu o autor regularizar a situação do imóvel, e o nexo de causalidade, na medida em que os fatos se deram por má prestação do serviço público, patente a responsabilidade do Estado, nos termos do art. 37, §6o, da CRFB, impondo-se o exame das verbas pleiteadas a título reparatório.
A primeira delas, referente ao dano material, não merece prosperar. Não trouxe o autor qualquer dado demonstrativo da presença de gastos, para fins de ressarcimento. Há um pedido genérico de reparação material sem qualquer especificação, o que impossibilita o Juízo de aferir exatamente em que consistiu os prejuízos.
Resta saber sobre o dano moral.
Quanto a este não restam dúvidas acerca da sua caracterização. O autor, por má atuação do Oficial do Cartório, não conseguiu legalizar o imóvel adquirindo. Houve frustração da sua legítima expectativa de se tornar proprietário do bem. Os dissabores e angústias advindos da situação são evidentes, na medida em que desde 1998, o autor luta para solucionar o problema.
Presente o dano moral, adentra-se na quantificação.
Para este fim, oportuno salientar que a reparação moral vem informada pela idéia compensatória e punitiva. A primeira traduzida pela tentativa de substituição da dor e do sofrimento, por uma compensação financeira. A segunda, significando uma sanção com caráter educativo, para estabelecer um temor e, por isso, trazer uma maior responsabilidade.
Na busca de uma gradação adequada, o legislador não vinculou o XXXXXXXXXXXX a uma regra, de forma a permitir uma discricionariedade que se faz presente dentro daquilo que se convencionou chamar de critério do “lógico-razoável”.
Na hipótese, considerando-se as circunstâncias em que se deram os fatos, tem-se por justo impor verba compensatória no equivalente a R$ 10.000,00 (dez mil reais).
III
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE em parte o pedido, para condenar o réu ao pagamento do valor equivalente a R$ 10.000,00 (dez mil reais), a título de compensação por danos morais, atualizado a partir da presente demanda, nos termos da Súmula nº 97, do Tribunal de Justiça deste Estado, e com incidência dos juros legais de 1% ao mês, (arts. 806 e 2035, do Novo Código Civil c/c art. 161, §1o, do CTN), a contar da citação.
P.R.I..
Rio de Janeiro, 12 de janeiro de 2013.