[MODELO] Título sugerido: Contestação – Revisão das Cotas de Pensão e alegação de prescrição e falta de interesse de agir
DEFESA
REVISÃO DAS COTAS DE PENSÃO
AÇÃO: Revisão das Cotas de Pensão
SÍNTESE DO PEDIDO: revisar o coeficiente de cálculo da renda mensal do seu benefício (anteriormente de 50% + 10% por dependente do SB), para que o referido coeficiente seja majorado de acordo com as alterações introduzidas por Leis mais benéficas posteriores à sua concessão, no caso da pensão por morte pela aplicação das Leis 8.213/91, quando passou para 80% mais 10% por dependente, e 9.032/95 quando passou para 100% do SB.
BENEFÍCIOS ABRANGIDOS: os benefícios de pensão por morte concedidos anteriormente à uma destas Leis, desde que já não fosse concedido em 100% em face do número de dependentes, por isso é importante verificar quando da contestação nos dados do benefício em qual percentual vem sendo paga a pensão, pois poderá ser carecedora de ação.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR XXXXXXXXXXXX PRESIDENTE DO XXXXXXXXXXXXADO ESPECIAL FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE SERGIPE,
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, Autarquia Federal, por seu Procurador "ex lege" ao final assinado, vem, à presença de Vossa Excelência, nos autos em epígrafe, que neste Juízo promove a parte autora, apresentar sua CONTESTAÇÃO, fazendo-o com os seguintes fundamentos fáticos e jurídicos:
PRESCRIÇÃO
Como prejudicial de mérito argúi o INSS a prescrição das parcelas vencidas anteriormente ao qüinqüênio que precede o aXXXXXXXXXXXXamento da ação, nos termos do art. 103, parágrafo único, da Lei n. 8.213/91.
FALTA DE INTERESSE DE AGIR
Existem casos em que a parte demandante já percebe o benefício de pensão por morte com base em 100% do valor da aposentadoria ou salário-de-benefício do instituidor da pensão. Nestas hipóteses, falece à parte autora interesse de agir para a propositura de demandas como a presente, merecendo o feito ser extinto sem o julgamento do mérito, em face da carência da ação.
Dessa forma, caso seja verificado que a Renda Mensal do benefício concedido à parte autora corresponda a 100% do valor da aposentadoria ou salário-de-benefício do segurado instituidor da pensão, o presente feito merece ser extinto sem o julgamento do mérito, porquanto ausente uma das condições da ação.
MÉRITO
Pretende a parte autora que os novos percentuais definidos para o cálculo da renda das pensões previdenciárias sejam aplicados ao seu benefício, que fora concedido sob a legislação pretérita.
Defende que a lei mais benéfica deveria ter aplicação a partir da data de sua vigência e alcançaria inclusive os benefícios cuja concessão já se aperfeiçoou sob a égide da lei anterior. Assim, requer seja o INSS condenado a majorar seu benefício de pensão por morte para 100% do salário-de-benefício, a partir da vigência da Lei 9.032/95.
Porém, não procede a sua pretensão, eis que o pedido contraria os arts. 5°, XXXVI e 195, § 5°, da CF/88, bem como a jurisprudência pacificada do STF.
normas aplicáveis ao caso
Cabe transcrever os dispositivos constitucionais diretamente contrariados, a fim de facilitar o exame da questão:
Art. 5°. XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;
Art. 195. § 5° – Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.
Outros artigos são úteis para o raciocínio aqui desenvolvido, embora não tenham sido contrariados diretamente. São eles:
Art. 201 § 8° É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios definidos em lei.
[Esse parágrafo demonstra que os benefícios previdenciários, uma vez concedidos, sofrem apenas reajustamentos para preservação de seu valor real]
Art. 5°. XL – a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;
[Esse inciso apresenta a única hipótese de retroação da lei mais benéfica estabelecida pela Constituição]
razões dA IMPROCEDÊNCIA Do pedido
Não se trata de investigar se no caso concreto houve ou não ato jurídico perfeito: é indiscutível que a concessão do benefício previdenciário é ato jurídico perfeito e acabado. A questão cinge-se a saber se uma Lei posterior ao ato da concessão do benefício (pensão) pode alterar o percentual dessa concessão, com efeitos nas prestações mensais a serem pagas após a sua publicação, sem ofender o princípio constitucional da irretroatividade das leis, consubstanciado no art.5°, XXXVI, da CF/88. A questão está no plano normativo, portanto, e sendo assim é de natureza constitucional.
A solução jurídica da questão que fundamenta a demanda resolve-se, simplesmente, ao se encontrar o evento que deve ser considerado para que se subsuma o caso a uma ou outra lei de regência.
Como se sabe, todas as prestações previdenciárias têm origem em determinados eventos sociais, nominados de “álea” e elencados em lei, os quais, se e quando ocorrem, geram necessidade para o trabalhador que o sofreu ou para seus dependentes, de modo que no caso em tela, como o próprio nome está a indicar, o fato gerador do benefício previdenciário, vem a ser a morte do segurado.
É neste momento, quando se desencadeia a possibilidade de atos que culminam com a CONCESSÃO retroativa à data do ingresso do requerimento, que deve incidir a legislação de previdência social, instaurando a relação jurídica que terá por objeto o pagamento da pensão pelo sujeito passivo (o instituto previdenciário) ao sujeito ativo (o beneficiário).
A questão passa, assim, pelo regime jurídico que rege a aplicação das leis no tempo.
O princípio que rege a aplicação da lei no tempo estabelece que, em regra, a lei possui eficácia imediata, regendo as relações jurídicas a que se referem desde o momento em que recebem execução até àquele em que cessa a sua virtude normativa.
Pautado no brocardo latino tempus regit actum, mencionado princípio estabelece que, em tese, a lei não pode alcançar fatos ocorridos em período anterior ao início de sua vigência, nem aplicada àqueles ocorridos após a sua revogação.
No entanto, poderão existir situações em que uma mesma relação jurídica possa, aparentemente, ser regulada por diplomas legais diversos, dando azo a um conflito aparente de normas.
Como bem doutrina Roberto de Ruggiero[1], para que se verifique o conflito de leis no tempo, é preciso que a vida de uma relação jurídica se prolongue tanto que apanhe dois momentos diversos, dois momentos em que sucessivamente vigorem normas de conteúdos substancialmente diversos.
A fim de dirimir tais conflitos aparentes, primeiramente, baseado no sentimento universal e com inspiração em fontes romanas (“leges et constitutiones futuris certum est dare formam negotiis, non ad facta praeterita revocari”), formulou-se o princípio da irretroatividade da lei, segundo o qual a lei sempre dispõe para as relações futuras e não tem efeitos retroativos.
No entanto, na prática, mencionado princípio não se mostrou suficiente para a resolução dos conflitos concretos.
Dessa forma, desenvolvendo a teoria da irretroatividade da lei, Lassalle formulou o princípio do respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada.
Tal princípio foi posteriormente abraçado e complementado por Gabba, estabelecendo que a proibição geral da retroatividade da lei se deve limitar ao direito adquirido e aos seus derivados: o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
Em sua obra Teoria da Irretroatividade das Leis, Gabba observa que o grande problema de retroatividade das leis está em que se não firam os direitos que se constituíram graças ao império da lei antiga e em sua plena conformidade.
Propõe assim, que o critério da retroatividade ou irretroatividade da lei não seja encontrado na própria natureza da norma jurídica, como pretendia Savigny, mas sim na situação jurídica que se constituiu à sombra da lei anterior, elaborando a noção de direito adquirido.
Entre nós, na atualidade, preceitua o artigo 5°, inciso XXXVI, da Constituição Federal:
“Art. 5°. (…) XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.”
A Constituição Federal deixa claro que adotou a Teoria de Gabba quanto ao conflito de leis no tempo.
Assim, a norma constitucional não impede a aplicação retroativa da lei, sendo esta, em tese, admitida, desde que não prejudique o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
Relembre-se que o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, como meros desdobramentos do direito adquirido, devem ser respeitados como fontes de direitos subjetivos adquiridos, e o fato de estarem previstos também em leis infraconstitucionais não implica desconstitucionalizar a questão.
Da conjugação dos textos legais reproduzidos observa-se que a lei nova não poderá fazer incidir seus efeitos sob ato jurídico, entendido este como todo o ato lícito que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos, já praticado sob a égide de lei anterior.
E não poderia ser de outra forma.
É que a lei, governando todos os fatos que se verifiquem na sua vigência, é idônea para regulamentar também os efeitos e conseqüências que delas derivem, não só os que se manifestem durante sua vigência, mas também depois da sua revogação.
Tem-se, assim, que, instaurada a relação jurídica, deve a mesma reger-se pela lei à época vigente, segundo o princípio tempus regit actum, sendo inoperante, para esta relação que já se concretizou, todas as alterações legislativas posteriores relacionadas ao cálculo da prestação inicial, sejam elas menos ou mais benéficas para o sujeito ativo, a menos que, evidentemente, a lei posterior contenha previsão de aplicação a situações fáticas pretéritas, circunstância inocorrente na hipótese.
A propósito, como o raciocínio subjacente à pretensão deduzida é o da retroatividade da lei vantajosa para o beneficiário, cumpre ressaltar que é irrelevante, para o efeito aqui discutido, considerar-se mais benéfico ao segurado o diploma legal posterior, pois não há em nosso direito vigente – assim como jamais houve no anterior – norma jurídica genérica que preveja a retroação benéfica, como ocorre com a lei penal, que pode, por expressa determinação constitucional e infraconstitucional, retroagir para beneficiar o réu.
A pretensão da parte autora contraria, expressamente, o art. 5°, inciso XXXVI, da CF, pois nele afasta-se olimpicamente a patente agressão ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito, operada quando da aplicação retroativa da Lei 8.213/91 em sua redação original e após, novamente, quando da aplicação da Lei 9.032/95 que deu nova redação ao art. 75 da Lei 8.213/91.
Ou seja, pretende, tendo em vista a natureza alimentar dos benefícios previdenciários e que a lei em discussão lhe é mais benéfica do que a lei vigente à época da concessão da pensão por morte, que sejam aplicadas as cláusulas pétreas somente em seu favor.
Ora, a concessão da pensão é um ato único, ao qual se aplicam as leis vigentes à época da concessão para o cálculo do valor a ser pago ao beneficiário. A concessão da pensão não é um ato continuado. A continuidade está presente apenas no pagamento mensal, mas o valor deste pagamento foi definido em ato único e não continuado.
Ocorre que, aquilo que as Leis n°s. 8.213/91 (redação original) e 9.032/95, alteraram foi o percentual utilizado para concessão de pensão, logo, seus efeitos alcançam somente pensões que forem concedidas durante a sua vigência. Não pode a Lei retroagir para alcançar o ato de concessão de pensões que já se encontram em curso, uma vez que a sua concessão já se perfectibilizou no passado. Diferente seria se a Lei estivesse tratando de reajustes, pois estes ocorrem mensalmente e sempre que seu critério for alterado alcançará as rendas supervenientes.
Com efeito, a lei tem vigência para o futuro não atingindo atos que se concretizaram sob a égide de legislação anterior, a fim de manter a segurança jurídica das relações sociais.
Pela interpretação do art. 5°, XL, da CF, percebe-se que somente a lei penal retroage para beneficiar o réu. A Constituição não permite tal exegese em relação à lei previdenciária. Ou seja, é inconstitucional a retroação de lei para beneficiar o segurado em detrimento da Autarquia Previdenciária e do Erário Público.
O inciso XXXVI do art. 5° da Constituição Federal, como dito, garante que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
Portanto, uma lei nova que modifica o valor das pensões concedidas após a sua vigência, não pode passar por cima do ato jurídico perfeito — no caso, a concessão de pensão antes do advento da lei nova — para alterar o valor de benefício legalmente consolidado, mesmo que este tenha natureza alimentar.
Atualmente, esse entendimento sobre os efeitos da lei no tempo está bastante sedimentado e pode ser considerado elementar. Em outras épocas a questão já suscitou maiores dúvidas, que vieram a ser dissipadas pela inteligente jurisprudência do STF, sumulada no verbete de n°. 359 (com enunciado alterado no julgamento do RE 72509, ED-Edv, RTJ-68/808):
“Ressalvada a revisão prevista em lei, os proventos da inatividade regulam-se pela lei vigente ao tempo em que o militar, ou o servidor civil, reuniu os requisitos necessários.”
O ato jurídico perfeito tem de ser respeitado independentemente da pessoa beneficiada pela lei nova. Não se pode admitir que o ato jurídico perfeito, garantido pela Carta Magna, seja desrespeitado em privilégio de um único cidadão e em prejuízo de toda a coletividade representada, aqui, pelo INSS.
Os princípios constitucionais são aplicáveis a todas as pessoas, inclusive, se for o caso, em benefício das Autarquias ou demais entes públicos.
Da mesma maneira, o princípio do tempus regit actum não pode ser aplicado apenas em benefício do segurado, mas também quando o beneficiário for o INSS.
No plano constitucional, o respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, insculpido no inciso XXXVI do art.5° da CF/88, constitui-se em garantia do direito fundamental à segurança jurídica e garantia dos indivíduos frente à retroatividade da lei.
Em razão mesma de sua finalidade – a de assegurar uma esfera de liberdade perante o Estado – os direitos fundamentais e a garantias que procuram salvaguardá-los não têm como titulares, em regra, o próprio Estado.
Esse entendimento já foi assentado pelo E. STF no enunciado 658 de sua súmula:
“658. A garantia da irretroatividade da lei, prevista no art. 5°, XXXVI, da Constituição da República, não é invocável pela entidade estatal que a tenha editado.”
Todavia, o entendimento desta C. Corte tem sido mal interpretado.
Em análise dos precedentes que levaram à edição deste enunciado pode-se ver claramente que o Excelso Pretório efetivamente comunga do entendimento de que o Estado não pode escusar-se no direito adquirido, no ato jurídico perfeito ou na coisa julgada para deixar de cumprir a norma por ele próprio editada.
Porém, é possível divisar ainda mais claramente que tal preceito refere-se somente aos casos em que a lei, expressamente previa sua aplicação retroativa, determinando sua aplicação sobre situações pretéritas em favor do cidadão.
Neste sentido o Voto do Min. Moreira Alves no RE177888-1/RS, que serviu de precedente à Súmula 658:
“É de acrescentar-se, apenas, no tocante à alegação de ofensa ao artigo 5°, XXXVI, da Constituição Federal, que se a lei estadual em causa determinou sua aplicação a período anterior à sua vigência, a fim de restabelecer pensões que haviam sido extintas, não pode o órgão da Administração Pública pretender não aplicá-la sob tal alegação, porquanto, integrando ele o Estado, não tem ele direito a uma garantia fundamental que é oponível ao Estado e não … a ele outorgada.”
Como exemplo, no âmbito de atuação do INSS, podemos citar o caso do art.188 da Lei 8.213/91 que previu expressamente o recálculo da RMI de todos os benefícios de prestação continuada concedidos entre a promulgação da CF/88 e a vigência da Lei 8.213/91. Nesse caso não poderia o INSS escusar-se de cumprir o disposto na lei invocando as garantias do direito adquirido e do ato jurídico perfeito, eis que a lei expressamente determinou a retroação das novas regras em benefício do segurado. Sendo exatamente esses os casos apreciados nos precedentes que levaram à edição da súmula 658, onde o Estado pretendia eximir-se de cumprir a lei por ele mesmo editada e benéfica aos segurados invocando as garantias constitucionais mencionadas.
Por outro lado, extrai-se, sem maior esforço, desses precedentes que as garantias constitucionais também podem ser invocadas pelo Estado, quando a lei for editada somente para o futuro, sem que haja previsão expressa de sua aplicação retroativa, ou seja, foi editada apenas para o futuro, razão pela qual não pode o Estado ser compelido a aplicá-la para fatos pretéritos, ou sobre seus efeitos produzidos após a vigência da mesma, sob pena de violação ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito, em face da retroatividade mínima ocorrente.
Nesse sentido é o magistério de J.J. Gomes Canotilho, ao apontar que “a natureza de direitos fundamentais não é puramente individualista, prosseguindo certas pessoas colectivas de direito público interesses protegidos por direitos fundamentais específicos”.
Recorda, inclusive, o insigne professor da Faculdade de Direito de Coimbra, que mesmo “a doutrina adversa à titularidade de direitos fundamentais das pessoas colectivas de direito público admite, no entanto, que estas gozam de alguns direitos processuais fundamentais, como o direito ao XXXXXXXXXXXX legal e o direito de ser ouvido.”
De se perceber que esses direitos relacionados: XXXXXXXXXXXX natural, devido processo legal e ampla defesa, estão diretamente imbricados com direitos como direito adquirido e ato jurídico perfeito, de modo que irrefutável a idéia de aplicação desses direitos ao INSS.
De outro tanto, não se há de afastar o socorro do princípio fundamental da segurança jurídica também em relação aos entes estatais, considerada a sua feição nitidamente objetiva, como, aliás, ressalta Canotilho: “a segurança jurídica está conexionada com elementos objectivos da ordem jurídica – garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito”.
Não há dúvida que a decisão judicial que manda aplicar retroativamente lei não retroativa acaba por gerar instabilidade jurídica, no que impacta negativamente sobre a segurança jurídica do sistema.
O voto do MIN. Octávio Gallotti no RE 188.099-8/DF bem sintetiza o entendimento pretoriano sobre a questão:
“Os princípios do direito adquirido e do ato jurídico perfeito são erigidos, pela Constituição, em garantia do indivíduo, perante o Estado, e não em sentido inverso.
Destarte, nada impede que este último (o Estado) edite norma expressamente voltada para o passado (…), em benefício do particular, seja tal prescrição inserta em lei, ou como no caso dos autos, em simples decreto, ao qual estão sujeitas, todavia, às autoridades subordinadas do Poder Executivo (as mesmas que ora procuram resistir à sua aplicação).
Já tem o Supremo Tribunal censurado, com fundamento no art.5°, XXXVI da Constituição (ou seu equivalente nas cartas revogadas), a aplicação retroativa, em benefício de servidores ou pensionistas, de leis editadas para o futuro. Mas não a expedição de regras que tenham como finalidade remontar ao pretérito, sem ferir direitos de seu destinatário.”
Visto que, a despeito de uma primeira impressão que a leitura da súmula 658 deste E. STF possa passar, pode sim, o Estado, invocar as garantias do direito adquirido e do ato jurídico perfeito em seu favor, vamos analisar a possibilidade de aplicação da lei nova aos efeitos ocorridos sob sua vigência, de atos e fatos já perfectibilizados no passado.
Dúvida não há, desse modo, que tal princípio também protege os entes estatais.
Em decorrência, é de se ter aplicado ao caso em discussão, o princípio da irretroatividade das leis.
O mesmo, como se sabe, trata-se de princípio constitucional implícito, decorrente daquele princípio, de função normogenética, do ato jurídico perfeito.
Note-se que o fato do referido princípio ser implícito não o desqualifica perante os demais princípios expressos na constituição, tampouco impede que a sua violação direta enseje o conhecimento do caso pelo Colendo Supremo Tribunal Federal.
Se, para aumentar rendas futuras, a Lei tem de alterar o próprio ato de concessão do benefício, então é evidente que ela está sendo retroativa e, o que é vedado pela Constituição, está prejudicando um ato jurídico perfeito. Tal é a posição tão bem construída no âmbito do STF, em especial através das sempre precisas observações do Ministro Moreira Alves.
Se a lei alcançar os efeitos futuros de contratos celebrados anteriormente a ela, será essa lei retroativa (retroatividade mínima) porque vai interferir na causa, que é um ato ou fato ocorrido no passado. – O disposto no artigo cinco, XXXVI, da Constituição Federal se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem publica e lei dispositiva. (STF, Pleno, ADI 893/DF, Ministro Moreira Alves, DJU 8-9-1992, p. 18089)
A teoria da retroatividade da lei nova mais benéfica, ultimamente acolhida no C. STJ, já foi, em mais de uma oportunidade, rechaçada pelo E. STF. Veja-se, por exemplo, o seguinte julgado:
O tempo de serviço é regido pela lei vigente à data de sua prestação. Com esse entendimento, a Turma, por ofensa ao princípio da irretroatividade das leis (CF, art. 5o, XXXV), deu provimento ao recurso extraordinário do Estado do Rio de Janeiro para reformar acórdão que, aplicando retroativamente a lei nova mais benéfica (Lei estadual 7.678/75), assegura o cômputo de afastamento do servidor para tratamento de saúde, em período que não havia previsão legal para tanto. Precedentes. (STF, RE 178150/RJ, Min. Octavio Gallotti, DJU 8-8-2000, grifo nosso)
Aplicar benefício da Lei nova aos que se inativaram antes de sua vigência, sem disposição legal expressa sobre efeito retroativo, importa em contrariar a garantia do ato jurídico perfeito … e substituir-se ao Legislador, a pretexto de isonomia, Súmula 339. (STF, RE 108810/RS, Min. Rafael Mayer, DJU 16-5-1986, p. 8190, grifo nosso)
No mesmo sentido vai a doutrina de Wladimir Novaes Martinez, quando afirma que “em Direito Previdenciário não é incomum ela [a lei] retroagir e beneficiar. Mas salvo na hipótese de fazê-lo expressamente, não tem eficácia para trás.” (MARTINEZ, Direito adquirido na Previdência Social. São Paulo: LTr, 2000, p. 95).
Igualmente o art. 5°, XXXVI, da CF, garante o respeito ao direito adquirido. Ora o INSS tem direito adquirido a pagar a pensão pelo valor estipulado na lei vigente à época da concessão do benefício. Forçar a Autarquia a majorar este valor com base em lei nova significa afrontar o direito adquirido protegido pela Constituição Federal.
Não é demais lembrar que conforme o enunciado da Súmula 359 – STF, os benefícios previdenciários são concedidos segundo a lei vigente ao tempo em que o servidor civil reuniu os requisitos necessários, salvo em caso de disposição legal em contrário. Pela leitura do art. 75, da Lei 8.213/91 – tanto em sua redação original quanto na posterior alteração dada pela Lei 9.032/95 – é de se concluir claramente que a pretendida alteração do percentual relativo ao valor mensal da pensão por morte não alcança aqueles concedidos antes da vigência da CF/88, observada a retroatividade estabelecida pelos seus arts. 188 e 185.
Assim, como resta patente, a aplicação de lei posterior ao caso em análise tem três implicações: representa clara ofensa ao ato jurídico perfeito (a pensão por morte já fora concedida); afronta o direito adquirido do INSS de pagar a pensão no valor determinado pela lei vigente à época da concessão do benefício; e, igualmente, consubstancia-se em aplicação retroativa de lei, sem, claro, competente autorização legal para tanto.
Salta aos olhos, portanto, a ofensa ao art. 5° , XXXVI, da CF/88.
De ver-se, outrossim, que o tema em debate é nitidamente de natureza constitucional, conforme já decidiu o Plenário da Corte Constitucional, verbis:
“Justiça do Trabalho. Embargos de Terceiro, Penhora de bem dado em hipoteca cedular.
– Falta de prequestionamento das questões relativas aos incisos II, LIV e LV do artigo 5° da Constituição.
– Inexistência de ofensa ao artigo 5°, XXXV, da Carta Magna.
– Por fim, inexiste, no caso, ofensa ao artigo 5°, XXXVI, da Constituição, porquanto os conceitos de direito adquirido e de ato jurídico perfeito, para a aplicação desse dispositivo constitucional, são ínsitos a questão de direito intertemporal, vedado que é constitucionalmente que a lei nova possa prejudicar o direito adquirido a o ato jurídico perfeito, e, portanto, ser aplicada nessas hipóteses retroativamente, o que, no caso, não ocorre, pois nele não está em causa a aplicação retroativa de norma jurídica, mas, sim, a questão de ser, ou não, aplicável na esfera trabalhista o disposto nos artigos 57 do Decreto-Lei n°.813/69 e 69 do Decreto-Lei 167/67. É de notar-se, ainda, que se assim não fosse, toda questão relativa à violação, no âmbito puramente legal ou convencional, de direito ou do estipulado em ato jurídico (assim, por exemplo, num contrato) daria ensejo à alegação de ofensa ao artigo 5°, XXXVI, da Constituição, porque todo direito seria direito adquirido (ou seja, direito que nasceu da ocorrência, no mundo real, da hipótese de incidência da norma jurídica cuja conseqüência é o nascimento desse direito) e todo ato jurídico validamente celebrado seria ato jurídico perfeito.
Recurso extraordinário não conhecido.” (RE n°. 226.898-2 PARANÁ, Rel. Min. Moreira Alves, DJU 07.08.2000)
De plano, percebe-se que o caso concreto identifica-se plenamente com o exemplo constante da ementa do aresto acima transcrito: in casu, não se discute qualquer requisito para aplicação de lei, mas, sim, sua aplicação retroativa, ferindo de morte o ato jurídico perfeito e o princípio constitucional da irretroatividade das leis.
Não bastasse tratar-se de ofensa nitidamente direta, mister observar que a jurisprudência do Excelso STF é amplamente favorável à tese do INSS, rechaçando tentativa de aplicação retroativa de lei. É o que se constata dos seguintes julgamentos:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONVERSÃO DE APOSENTADORIA PREVIDENCIÁRIA ACIDENTÁRIA.
– No tocante à alegação de aplicação retroativa da Lei n.° 8.213/91, é ela procedente, porquanto, no caso, a aposentadoria previdenciária convertida em aposentadoria acidentária foi concedida em 01.01.88 (fls. 62 dos autos), sendo a ela aplicável, portanto, a Lei vigente na época de sua concessão, ou seja, a Lei 6.367/76
– (…)
– Recurso extraordinário conhecido e provido” (RE 211.102-3/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Moreira Alves, j. 30.09.97, D.J. 06.02.98)
“DIREITO CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. CONVERSÃO EM APOSENTADORIA ESPECIAL. LEI N.° 6.887/80. DECRETO N.° 89.312/88, ART. 35. INAPLICABILIDADE DA LEI NOVA ÀS SITUAÇÕES PRETÉRITAS.
1. Viola o art. 5.°, XXXVI, da C.F., acórdão que aplica à aposentadoria previdenciária comum, deferida segundo a legislação da época, a lei posterior que criou a aposentadoria especial e não previu sua retroatividade (Lei n.° 6.887/80, Decreto n.° 89.312/88, art. 35).
2. Precedentes do S.T.F.
3. R.E. conhecido e provido” (RE 153.663-2/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Sidney Sanches, j. 03.11.98, D.J. 09.08.99, destacamos).
Não se evoque, como pretende a parte autora, o princípio da aplicação imediata da lei.
De fato, como bem destaca Washington de Barros Monteiro[2], entre a retroatividade e irretroatividade da lei, existe situação intermediária, a da aplicabilidade imediata da lei nova, porém, limitada às situações que embora nascidas sob a vigência da lei antiga, ainda não se aperfeiçoaram; não se consumaram.