[MODELO] Revisão Contratual c/ Repet. Indéb. – Banco Credicard – Ant. Tutela
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DO ___ JUIZADO ESPECIAL CÍVEL – COMARCA DA CAPITAL
XXXXXXXXXXXXXX, brasileira, solteira, aposentada, portadora do documento de identidade nº XXXXXXXX, expedida por XXX, inscrita no CPF sob o n.º XXXXXXXXXX, residente e domiciliada na Rua XXXXXXX XXXXX, Ap. XXX, XXXXXXXXX, Rio de Janeiro, Cep. XXXXXXXXXXX, vem propor, pelo procedimento sumário, a presente
AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO
C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO,
COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
em face de BANCO CREDICARD S.A., pessoa jurídica, inscrita no CNPJ sob o n.º 34.098.442/0001-34, estabelecida na Rua Sete de Setembro, 100, 11º andar, Centro, CEP.20050-002,Rio de Janeiro-RJ, pelos fatos e fundamentos que passa a expor:
I) DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA
Inicialmente, afirma, para os fins do art. 4º, da Lei n.º 1.060/50, com a redação dada pela Lei n.º 7.510/86, que não possui recursos financeiros para arcar com as custas do processo e honorários advocatícios sem prejuízo do próprio sustento e de sua família, pelo que indica, para assistência judiciária, a Defensoria Pública Geral do Estado.
II) DOS FATOS
A Demandante é usuária titular do cartão de crédito CREDICARD MASTERCARD, emitido e administrado pela empresa Demandada, sob o n.º 5493.4143.9889.0612.
A Autora sempre buscou o pagamento das faturas com exatidão, procedendo-o, ao menos, no patamar mínimo mensal. Contudo, em decorrência direta da abusividade dos juros aplicados, lançados a título de “encargos contratuais”, “encargos financeiros”, ou ainda, “taxa de rotativo” e “crédito rotativo”, fixados, arbitrariamente, pela administradora do cartão, a Demandante acabou submetida à situação de endividamento, conduzindo à inevitável inadimplência, até porque infrutíferos se tornaram todos os pagamentos efetuados desde fevereiro de 1999, uma vez que não impediram o evoluir exponencial do saldo devedor.
Além da ilegalidade e abuso na estipulação dos juros, a situação foi sensivelmente agravada em razão da execrável capitalização dos juros, a prática ilegal do ANATOCISMO, causa da elevação do saldo devedor em progressão geométrica.
Certo é que, confrontados os pagamentos efetuados pela Autora com os CRITÉRIOS DA LEGALIDADE e com o PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE, dentro de um almejado EQUILÍBRIO CONTRATUAL, verifica-se o pagamento excessivo, configurador, inclusive, de dano patrimonial indenizável pela repetição em dobro do indébito, já que a planilha em anexo demonstra que a autora, utilizados os critérios legais para incidência de juros, já pagou valores bem acima dos realmente devidos, possuindo saldo a receber no valor de R$ 15.621,17.
Hoje a autora, depois de muito sacrifício, já quitou a dívida existente em seu nome junto à empresa Ré, desejando a restituição dos valores que foram indevidamente cobrados e pagos pela autora. Nesse sentido, vale dizer, que optando a autora pela prestação jurisdicional do Juizado Especial Cível, renuncia aos valores que devem ser restituídos que excedam o patamar de 40 salários mínimos presvisto na Lei 9.099.
III) DO DIREITO.
III.I) DA NATUREZA DA ATIVIDADE DESENVOLVIDA PELA ADMINISTRADORA DE CARTÃO DE CRÉDITO.
Não obstante a surpreendente dicção da Súmula 283 do Superior Tribunal de Justiça, a caracterização da empresa administradora de cartão de crédito é de extrema importância, na medida em que não se pode confundir a outorga de crédito através do cartão plástico com atividade financeira típica. ADMINISTRADORA DE CARTÃO DE CRÉDITO É PRESTADORA DE SERVIÇO, atuando apenas na intermediação da circulação de mercadorias e serviços; a compra e venda; a utilização de serviços, levada a efeito entre fornecedor e consumidor, não exercendo atividade financeira típica, com se depreende do teor do art. 3º da Circular n. 2.044/91 do Banco Central.
Art. 3º. – Esclarecer que é vedado às empresas administradoras conceder financiamento direto aos usuários de cartão de crédito, relativamente à parcela da fatura mensal não amortizada pelos mesmos, por ser atividade privativa de instituições financeiras.(grifado)
Deve ser ressaltado, ainda, que mesmo quando o cartão de crédito (cartão plástico) é emitido por instituição identificada como financeira e administrado por pessoa jurídica integrante grupo econômico (holding), essa circunstância por si só não transmuda o CONTRATO QUE PERMANECE COM A NATUREZA DE PURA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, e ao final têm-se verificada na verdade na hipótese uma ATUAÇÃO ATÍPICA, estranha ao âmbito do art. 17 da lei nº 4.595/64, e, ainda mais grave, constituído em NEGÓCIO JURÍDICO CELEBRADO EM MANIFESTO ERRO SUBSTANCIAL QUANTO AS SUAS QUALIDADES ESSENCIAIS (ART. 139, I, DO CÓDIGO CIVIL), uma vez que, tratar-se-ia então de um simulacro de concessão de crédito direto ao consumidor, com a desagradável qualidade do conteúdo autorizativo de cobrança de taxas de juros exageradamente altas.
Ressalte-se que nem mesmo se pode argumentar a incidência da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, uma vez que não se pode emprestar interpretação no sentido de que as administradoras de cartões de crédito agora seriam instituições financeiras.
O § 1º do art. 1º da referida lei complementar dispõe que “são consideradas instituições financeiras, para os efeitos desta Lei”, ou seja, o legislador criou a ficção tão-só para atingir da finalidade da obtenção das “informações referentes a operações e serviços das instituições financeiras e das entidades a elas equiparadas, em conformidade com o art. 1º , §§ 1º e 2º”.
Dessa forma, a EQUIPARAÇÃO É CINGIDA PARA OS FINS DAS INFORMAÇÕES DAS MOVIMENTAÇÕES FINANCEIRAS, UMA VEZ QUE, INDISCUTIVELMENTE, EM FACE DA PRÓPRIA AUSÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO ESTATAL, AS MOVIMENTAÇÕES COMERCIAIS ATRAVÉS DO CARTÃO DE CRÉDITO PODEM SE TORNAR INSTRUMENTO HÁBIL PARA A PRÁTICA DE CRIMES.
Assim, resta óbvio que se instituições financeiras fossem, não seria necessária a edição de legislação complementar com objetivos específicos, para em seu corpo estabelecer tal equiparação.
Destarte, e por conclusão, como consectário lógico da ausência da natureza de instituição financeira das administradoras de cartões de crédito é a condução da submissão delas ao parâmetro de juros estabelecidos pelo legislador do novo Código Civil em seu art. 591, ou seja, tratando-se de mútuo com finalidade econômica aplica-se a taxa prevista para os juros moratórios, consoante o art. 406, remetendo-se à taxa aplicada em caso de “mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”, exatamente aquela fixada pelo parágrafo primeiro do art. 161 do Código Tributário Nacional, qual seja, 1% (um por cento), permitida a capitalização somente anual.
III.II) DA OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA TRANSPARÊNCIA E DA BOA-FÉ OBJETIVA.
Da particularidade do sistema funcional do cartão de crédito, decorre evidente enriquecimento sem causa das empresas administradoras, que percebem o lucro empresarial dos comerciantes, e posteriormente, atuando como mandatárias, ou como se instituições financeiras fossem, cobram do consumidor a remuneração do crédito com estratosféricas taxas de juros, muito acima daquelas praticadas pelas instituições financeiras para o chamado “Crédito Direto ao Consumidor”, conforme podem ser confrontadas com as indicadas na tabela anexa elaborada pelo Banco Central do Brasil.
É IRREFUTÁVEL, DENTRO DA PRÓPRIA EXPERIÊNCIA COMUM, QUE A RELAÇÃO CONTRATUAL NO SISTEMA DE CARTÃO DE CRÉDITO, SE APRESENTA DE MANEIRA DISSIMULADA, ENGANOSAMENTE FACILITADA, SEM A TRANSPARÊNCIA E BOA-FÉ EXIGIDAS, ESCAPANDO INCLUSIVE DE SUA FUNÇÃO SOCIALMENTE ADEQUADA (art. 421, Código Civil), pois somente serve ao aumento arbitrário de lucros das administradoras, com o correlato endividamento exagerado do consumidor.
A ofensa aos princípios basilares das relações de consumo se inicia com a notória violação do direito de “informação adequada e clara” (art. 6º, III, CDC), haja vista que não é demonstrado ao destinatário final do serviço o conhecimento e esclarecimento prévio do teor do instrumento de contrato, tipicamente de adesão, que nunca foi submetido à apreciação da Demandante, aplicável, portanto, o disposto no art. 46 do código consumerista, que torna imprescindível, para a validade da manifestação de vontade nos contratos que regulam as relações de consumo, o conhecimento prévio do consumidor do conteúdo do contrato.
A ilegalidade mais evidente e prejudicial aos interesses do consumidor se apresenta com a inserção no contrato da denominada “CLÁUSULA-MANDATO”, OU OUTRA DE EFEITO EQUIVALENTE, onde, sub-repticiamente, o consumidor-aderente outorga mandato amplo à administradora, para que essa, na qualidade de mandatária, e por conta e risco do mandante, ESTABELEÇA NEGÓCIO JURÍDICO DE OBTENÇÃO DE FINANCIAMENTO JUNTO AOS BANCOS ASSOCIADOS, SEJA PELA AUTORIZAÇÃO DE EMISSÃO DE TÍTULO DE CRÉDITO À ORDEM DO USUÁRIO-CONSUMIDOR, SEJA POR ABERTURA DE CRÉDITO ROTATIVO, estabelecendo para a administradora uma situação extremamente privilegiada, através de cláusula espúria que determina a capitulação do usuário perante o fornecedor.
A denominada cláusula-mandato é nula de pleno direito a teor do inciso VIII, art. 51, do CDC, portanto incapaz de gerar qualquer efeito jurídico, principalmente contra a parte vulnerável da relação contratual, ainda mais quando indemonstrada a composição dos débitos lançados a título de encargos.
Ora, se a Ré atua como sociedade intermediária, que exige a submissão do consumidor à autorização para a contratação, em seu nome, de abertura de crédito para cobrir o pagamento das compras em crédito rotativo, surge para ela o dever legal de prestação das informações pertinentes aos negócios estabelecidos, DEVENDO APRESENTAR CONTAS CLARAS ACERCA DAS VARIÁVEIS QUE COMPÕEM O EXAGERADO CUSTO FINANCEIRO COBRADO DO USUÁRIO, sendo insuficiente, à evidência, o lançamento do impreciso e vago termo “encargos do próximo período”.
Atuando a administradora de cartão de crédito como gestora de negócio de terceiro e mandatária para pagamento de transações efetivadas pelo usuário, deve ela demonstrar a contratação de crédito em nome do usuário, bem como demonstrar a taxa praticada pelo mercado, pois, não sendo assim, como bem percebeu com sua proficiência o Ministro Ruy Rosado, “ESTAR-SE-IA DIANTE DE CLÁUSULA POTESTATIVA, POIS O DEVEDOR NÃO SABE QUAL O ÍNDICE A SER USADO PARA O CÁLCULO DO SEU DÉBITO”(REsp. 276.003-SE)
Incontestável que, no complexo enredo contratual foram transgredidos vários princípios que norteiam o direito consumerista, em especial, os princípios da boa-fé objetiva e seu consectário o princípio da transparência.
O princípio da transparência foi instituído pelo CDC, no art. 4º, caput, como objetivo da Política Nacional de Relações de Consumo. O legislador, assim, exige do fornecedor informações claras e precisas sobre o conteúdo do contrato, para que o consumidor tenha plena consciência do que está assumindo. É o “dever de informação”, garantido pelos arts. 46 e 54, §3º, do CDC, violentamente desrespeitado pelo fornecedor, ora Réu, que inclui cláusulas abusivas no contrato, a exemplo da “cláusula-mandato” e da imposição de “encargos contratuais”, nulas de pleno direito por si sós e ineficazes por falta de esclarecimento ao consumidor.
O princípio da boa-fé objetiva, positivado pelo CDC em seus arts. 4º, III e 51, IV é o princípio máximo orientador do Código consumerista. Nas irretocáveis palavras da Professora Cláudia Lima Marques, “boa-fé objetiva significa, portanto, uma atuação ‘refletida’, uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a realização dos interesses das partes.”
Conclui-se, sem dificuldades, que o atuar da empresa administradora de cartões não é pautado na boa-fé objetiva, quando deixa de prestar contas do custo financeiro que repassa ao usuário, quando impõe ao consumidor taxa de juros acima do patamar médio das taxas de mercado sob a rubrica “encargos contratuais” e, ainda, quando submete o consumidor à situação de superendividamento ao fazer mau uso dos poderes que lhe foram outorgados (se se pode pensar em outorga de poderes sem o conhecimento e vontade ?) pela malfadada cláusula-mandato, ou de efeito equivalente.
III.III) DA LESÃO ENORME AUTORIZADORA DA REVISÃO DA OBRIGAÇÃO CREDITÍCIA.
Não se olvida que o objetivo de todas as atividades empresariais é o lucro, porém, não se pode aceitar o abuso deste direito, e, nesse aspecto, haverá de se buscar um equilíbrio no atendimento dos interesses econômicos das partes envolvidas, tendo em consideração o próprio sistema contratual, sempre em atendimento aos ditames da justiça social, exigência constitucional, como princípio reitor da ordem econômica (art. 170, CF), e a repressão ao abuso do poder econômico que vise o aumento arbitrário dos lucros (art. 173, § 4º, CF).
Neste raciocínio, e levando em consideração que o custo do dinheiro circulante na economia é regulado pelo próprio mercado, TENDO COMO PARÂMETRO O “RANKING DAS TAXAS DE OPERAÇÕES DE CRÉDITO” ELABORADO PELO BANCO CENTRAL, NÃO PODE SER ACEITA A IMPOSIÇÃO UNILATERAL DE TAXA EXCESSIVAMENTE SUPERIOR À MENOR TAXA MÉDIA DO MERCADO, bem como a cobrança de forma abusiva e extorsiva de juros, seja qual for a nomenclatura ou título, quando os parâmetros conduzem a patamares bem inferiores daquele praticado pelos agentes financeiros, CONFIGURANDO VERDADEIRO FATO DO SERVIÇO (ART. 14, CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR) NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO DE INTERMEDIAÇÃO COMO MANDATÁRIA E GESTÃO DO NEGÓCIO ALHEIO.
Ressalte-se, pois esse é o caminho do abuso do direito, que não se pode acreditar que a administradora de cartão de crédito, ao se valer da posição contratual privilegiada de mandatária e gestora de negócio alheio, ENVIDE OS “MELHORES ESFORÇOS” E OBTENHA JUNTO AO “BANCO ASSOCIADO” TAXAS DE JUROS ESTRATOSFÉRICAS DE MAIS DE 12% (DOZE POR CENTO) AO MÊS, QUANDO A TAXA MÉDIA DE JUROS PARA CRÉDITO PESSOAL APONTA PARA ALGO PRÓXIMO DE 2% (DOIS POR CENTO).
Por certo que, tratando-se de negócio comutativo, o equilíbrio entre débito e crédito deve estar presente tanto no momento da formação do negócio como na sua execução, resta evidente que o contrato apresenta, no momento de sua execução, grave desconformidade aos fins a que se deveria prestar, estando, pois, distanciado da legítima expectativa do consumidor, resultando sua inaptidão para a realização dos objetivos jurídicos e econômicos, sendo necessário, para tornar possível a continuidade de sua execução, e ajustado aos objetivos iniciais, proceder-se à sua revisão.
É necessário reafirmar que a empresa administradora do cartão de crédito é conveniada à instituição financeira exatamente para a captação de clientes, o que conduz à certeza da utilização de artifício comercial para a obtenção do aumento arbitrário dos lucros, com o ganho de vantagem exagerada em detrimento do usuário do cartão, posto que, se considerasse válida a obtenção de financiamento através da malfadada cláusula mandato, o custo desse financiamento não atingiria o patamar elevadíssimo de mais de 12% (doze por cento) ao mês.
Não resta dúvida que os juros cobrados na relação contratual extrapolam os limites da boa-fé configurando verdadeira desvantagem exagerada ao consumidor fato que, por si só, já seria suficiente para se entender nula a taxa de juros exorbitante de 12 % ao mês imposta ao consumidor (art. 51,IV, CDC).
Válida a lição da ilutre Cláudia Lima Marques :
“A boa-fé objetiva valoriza os interesses legítimos que levam cada uma das partes a contratar e assim o direito passa a valorizar. igualmente e de forma renovada. o nexo entre as prestações, .sua interdependência. isto é o sinalagma contratual (nexum). Da mesma forma, ao visualizar, sob influência do princípio da boa-fé objetiva, a obrigação como uma totalidade de deveres e direitos no tempo e ao definir também como abuso a unilateralidade excessiva ou o desequilíbrio irrazoável da engenharia contratual, valoriza-se, por conseqüência, o equilíbrio intrínseco da relação em sua totalidade e redefine-se o que é razoável em matéria de concessões do contratante mais fraco (Zumutbarkeit).”(Cf. Cláudia Lima Marques, Contratos …, p. 241)
E prossegue a mestre, com a peculiar proficiência:
“Parece-nos uma nova conscientização da função do contrato como operação econômica distributiva na sociedade atual, e a tentar evitar a exclusão social e o superendividamento através de uma visão mais social e controlada do contrato. O Estado passa, assim, a interessar-se pelo sinalagma interno das relações privadas e a revisar os excessos, justamente porque, convencido da desigualdade intrínseca e excludente entre os indivíduos, deseja proteger o equilíbrio mínimo das relações sociais e a confiança do contratante mais fraco.”(op. cit., p. 244, sem grifos no original)
Ofendida a boa-fé objetiva, atinge-se, de forma indisfarçável, a LESÃO ENORME enquanto considerada como a obtenção por uma parte, em detrimento da outra, de vantagem exagerada incompatível com a boa fé ou a eqüidade.
Vale destacar que o Código de Defesa do Consumidor veda expressamente a lesão enorme, quando no § 1º do art. 51, conceitua a vantagem exagerada (correlata à lesão enorme) sempre que tal vantagem “ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence”.
Destarte, dispondo o art. 4º, letra b, da Lei nº 1.521/51, o limite de 1/5 (um quinto), ou 20% (vinte por cento), para o “lucro patrimonial” em qualquer espécie de contrato, resta evidenciada a lesão provocada pelas administradoras de cartões de crédito, uma vez que, considerando como custo de intermediação financeira, a captação de recursos de terceiros, o percentual de lucro deveria permanecer adstrito no máximo 20% (vinte por cento) sobre os custos de captação, o que, com certeza não atingiria o patamar elevadíssimo de mais de 10%(dez por cento) ao mês.
Exatamente sobre esse ponto retoma-se as lições do ex-Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR:
“O principio da lesão enorme, que outro mestre desta Casa, o insigne Prof. Ruy Cirne Lima, sempre considerou incorporado ao Direito brasileiro, sobrevivia, no plano legislado apenas na hipótese da usura real, assim como definida no art. 4°, b, da Lei n°1.521/51: Obter, ou estipular, em qualquer contrato, abusando da premente necessidade, inexperiência ou leviandade da outra parte, lucro patrimonial que exceda o quinto do valor comente ou justo da prestação feita ou prometida. Com a regra atual, a conceituação de lesão enorme retoma aos termos amplos da nossa tradição, assim como já constava da Consolidação de Teixeira de Freitas, sendo identificável sempre que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada (art. 51, IV). A sanção é a mesma de antes: a cláusula é nula de pleno direito, reconhecível pelo Juiz de oficio. Vale lembrar que doutrina e jurisprudência davam as costas ao princípio da lesão enorme, presas do voluntarismo exagerado.”
O intervencionismo estatal nas relações contratuais de consumo, introduzido em nosso sistema legal pela Lei n.º 8.078/90, através de disposições de ordem pública, abandonando a visão tradicional da autonomia da vontade como baliza dos termos do contrato, transfere ao Poder Judiciário a relevante função de estabelecer o equilíbrio contratual ao controlar cláusulas abusivas, principalmente as impostas em contratos de adesão para remuneração do crédito.
Assim, tendo em vista a abusividade e manifesta ilegalidade da incidência e cobrança de taxa de juros desde fevereiro de 1999, visa a presente ação a revisão contratual e critérios de cobrança, com a declaração de nulidade das cláusulas contratuais abusivas, MORMENTE A DENOMINADA CLÁUSULA-MANDATO, ou OUTRA DE EFEITO EQUIVALENTE, autorizativa de emissão de título de crédito ou abertura de crédito rotativo, tudo em nome e em desfavor do consumidor, e aquelas permissivas da estipulação e flutuação dos juros cobrados, PARA FIXAÇÃO DO LIMITE DE 1% (UM POR CENTO) AO MÊS, consoante o art. 591 c/c art. 406, ambos do Código Civil e art. 161 do Código Tributário Nacional, e, após apurado o abuso de cobrança decorrente dos juros excessivos, provir mandamento judicial determinando a repetição em dobro do cobrado indevidamente (art. 42, Lei nº 8.078/90).
IV) DA NEGATIVA DE VIGÊNCIA DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS
No atual estágio da doutrina jurídica é lição assente que os princípios consagrados na Constituição brasileira são verdadeiras normas supra constitucionais, com incidência na relação jurídica entre particulares exatamente para a concreção do fundamento da República de proteção da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), e o cumprimento de seus objetivos mormente a construção de “uma sociedade livre, justa e solidária” (art. 3º, I), perpassando necessariamente pela proteção do consumidor (art. 5º, XXXII), de forma que a ordem econômica assegure a todos existência digna (art. 170, caput e inciso V).
A insistir-se em caracterizar a administradora de cartões de crédito como instituição financeira, e permitir a cobrança de juros exorbitantes, permitindo-se eficácia à cláusula-mandato, ou cláusula de efeito equivalente, assim como aquelas permissivas da estipulação e flutuação de juros, tudo a configurar de forma irrefutável a vantagem exagerada obtida pelo fornecedor com a correlata noção da lesão enorme imposta ao consumidor, e diante de todos os fundamentos fartamente discutidos nesta exordial, estar-se-ia, de forma irrefutável, negando vigência a dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, que são elencados para melhor apreciação
art. 170, caput, da Constituição Federal;
art. 173, § 4º, da Constituição Federal, reprime o aumento arbitrário do lucro;
art.4, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, que erige com princípio informativo a boa-fé objetiva;
art. 6º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor, que garante como direito básico do consumidor a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais;
art. 51, inciso IV, e § 1º do Código de Defesa do Consumidor, que estabelece como abusivas as obrigações que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou que sejam incompatíveis com a boa fé. O parágrafo primeiro define o que é vantagem exagerada;
art. 39, incisoV do Código de Defesa do Consumidor, que afirma como prática abusiva e vedada “exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva”;
art. 3º, inciso VII, Decreto 2.181/97, o qual dispõe sobre a organização do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, que define a competência do SNDC, para a vedação de abusos ;
art. 12, inciso VI, Decreto 2.181/97, que estabelece como prática infrativa exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;
art. 18, Decreto 2.181/97, que determina as penas para quem cometer as práticas infrativas, que vão de multa até cassação da licença do estabelecimento ou de atividade;
art. 22, incisos II e XV, Decreto 2.181/97, que determina o reembolso de quantia paga a maior, e a infração ao Código de Defesa do Consumidor, por cláusula que ameace o equilíbrio do contrato;
art. 4º da Lei 1.521/51, que prevê expressamente que constitui crime da mesma natureza a usura pecuniária ou real, assim se considerando:
a) (…)
b) – Obter, ou estipular, em qualquer contrato, abusando da premente necessidade, inexperiência ou leviandade de outra parte, lucro patrimonial que exceda o quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida.
art. 17, da Lei nº 4595/64, que dispõe sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias, definindo instituição financeira.
V) DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA
Com fulcro no § 3º, do art. 84, do Código de Defesa do Consumidor, que autoriza a ANTECIPAÇÃO DA TUTELA ESPECÍFICA, liminarmente, na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer, requer a Vossa Excelência, para que o provimento final possa vir a ser eficaz:
a) seja determinada a Ré a exibição do “CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO” efetuado em nome do consumidor, com a UTILIZAÇÃO DA CLÁUSULA-MANDATO, OU QUALQUER OUTRA COM EFEITO EQUIVALENTE, OBRIGANDO A ADMINISTRADORA DO CARTÃO DE CRÉDITO A DEMONSTRAR ter contratado empréstimo especificamente em favor do usuário titular, HAVENDO COBRADO DO CONSUMIDOR EXATAMENTE A MESMA TAXA PAGA À INSTITUIÇÃO FINANCEIRA E, AINDA, QUE AS TAXAS CONTRATADAS ERAM AS MELHORES DISPONÍVEIS NO MERCADO NA ÉPOCA, sob pena de incorrer em multa diária de R$ 200,00 (duzentos reais);
V) DO PEDIDO
Face ao exposto, requer:
a) seja concedida a gratuidade de justiça, de acordo com art. 4º, § 1º, da Lei n.º 1060/50, com nova redação introduzida pela Lei n.º 7510/86;
b) a concessão da antecipação da tutela específica (obrigação de fazer), inaudita altera pars, nos termos acima expostos;
c) após a concessão da antecipação da tutela, seja determinada a citação da Ré, para, comparecer à audiência de conciliação e, querendo, responder ao pedido, sob pena dos efeitos da revelia;
d) seja JULGADO PROCEDENTE o pedido para:
d.1) confirmar a antecipação da tutela específica (art. 84, §3º, CDC) mormente com a condenação da Ré na obrigação de fazer consistente na exibição da planilha da UTILIZAÇÃO DA CLÁUSULA-MANDATO, OU QUALQUER OUTRA COM EFEITO EQUIVALENTE, OBRIGANDO A ADMINISTRADORA DO CARTÃO DE CRÉDITO A DEMONSTRAR ter contratado empréstimo especificamente em favor do usuário titular, HAVENDO COBRADO DO CONSUMIDOR EXATAMENTE A MESMA TAXA PAGA À INSTITUIÇÃO FINANCEIRA E, AINDA, QUE AS TAXAS CONTRATADAS ERAM AS MELHORES DISPONÍVEIS NO MERCADO NA ÉPOCA;
d.2) emitir preceito declaratório da nulidade de todas cláusulas contratuais eivadas de abusividade, a teor do disposto nos incisos IV, VIII e X, do art. 51, do Código de Defesa do Consumidor, e itens n.º 07 e 08 da Portaria n.º 03, de 15 de março de 2001, expedida pelo Ministério da Justiça, especialmente aquela que autoriza a administradora do cartão de crédito, para, na qualidade de mandatária, e por conta e risco do mandante, estabeleça negócio jurídico de obtenção de financiamento junto aos bancos associados, SEJA PELA AUTORIZAÇÃO DE EMISSÃO DE TÍTULO DE CRÉDITO À ORDEM DO USUÁRIO-CONSUMIDOR, SEJA POR ABERTURA DE CRÉDITO ROTATIVO;
d.3) reconhecida a nulidade da cláusula-mandato, ou de efeito equivalente, e, como consectário lógico da ausência da natureza de instituição financeira das administradoras de cartões de crédito, emitir preceito constitutivo modificativo revisionista da relação obrigacional creditícia e critérios de cobrança desde fevereiro de 1999 até a atualidade, com a fixação do quantum debeatur exigível do Demandante ao longo da relação, estabelecido dentro dos parâmetros da legalidade, ou seja, aqueles estabelecidos pelo legislador do novo Código Civil em seu art. 591 c/c art. 406, exatamente aquela fixada pelo parágrafo primeiro do art. 161 do Código Tributário Nacional, qual seja 1% (um por cento) e subsidiarimente, com a aplicação da taxa SELIC do período, com o expurgo da capitalização dos juros;
d.4) caso ultrapassadas as proposições dos itens d.2 e d.3, não sendo reconhecida a nulidade das cláusulas abusivas, e mesmo a circunstância das administradoras de cartões de crédito não se constituírem instituições financeiras, SEJA RECONHECIDA A LESÃO ENORME, com a fixação dos juros remuneratórios devidos no limite da MENOR TAXA MÉDIA DO MERCADO PARA REMUNERAÇÃO DE EMPRÉSTIMO BANCÁRIO EM CRÉDITO PESSOAL, SENDO ESSA A ÚNICA ADEQUADA AO DEVER DE MANDATÁRIA OU GESTORA DO NEGÓCIO ALHEIO, sobejamente violado pelo Réu, CONFIGURADOR INCLUSIVE DE INEGÁVEL FATO DO SERVIÇO, pela violação ao dever anexo de proteção (art. 14 do CDC);
d.5) emitir preceito declaratório da nulidade do critério de cobrança com a utilização da capitalização dos juros (ANATOCISMO), ao teor da Súmula 121 do STF;
d.6) emitir preceito condenatório compelindo a Ré na devolução dos valores cobrados indevidamente pela empresa Ré, no valor de R$ 12.000,00 (planilha aponta para R$ 15.621,17), referentes ao pago pela Demandante durante todo o período acima indicado, principalmente das despesas exigidas em lançamento de operação de crédito com a cobrança dos juros abusivos de forma capitalizada, tudo devidamente corrigido monetariamente, com aplicação de juros moratórios legais de 1% ao mês desde a condenação.
Indica prova documental suplementar, oral, consistente na oitiva de testemunhas e depoimento pessoal do representante legal do Réu, sob pena de confissão.
Dá à causa o valor de R$ 10.000,00.
Rio de Janeiro, 25 de maio de 2010.