[MODELO] Resolução de contrato de promessa de compra e venda – inadimplência, perda de prestações
ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DA CAPITAL
JUÍZO DE DIREITO DA 10ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA
Processo nº 33832-8
Ação: Ordinária
SENTENÇA
Vistos etc…
I
COMPANHIA ESTADUAL DE HABITAÇÃO – CEHAB, qualificada na inicial, propôs a presente demanda em face de LEA FERREIRA GALVÃO, qualificada às fls. 02, pendido a resolução do contrato de promessa de compra e venda, celebrado entre as partes, bem como a perda das prestações já pagas, em favor do autor.
Como causa de pedir, alega a autora, em síntese, ter celebrado com a ré contrato de promessa de compra e venda do imóvel situado na Rua Jornalista Eduardo R. de Barros nº 158/303 – Conjunto Residencial Cícero Garcia Bastos, Miracema/RJ, encontrando-se a mesma inadimplente, conforme demonstra a notificação realizada, o que enseja a rescisão do negócio (fls. 02/08).
Com a inicial vieram os documentos de fls. 05/115.
Determinada a citação da ré, esta acabou por recebê-la via editalícia (fls. 183/185), vindo a Curadoria Especial a apresentar contestação às fls. 150/153, sustentando, em preliminar, a nulidade da citação. No mérito, oferta resistência por negativa geral, acrescentando a necessidade de devolução das prestações pagas pela ré.
Réplica às fls. 188/190.
A fim de evitar nulidade processual, foi determinada a expedição de ofício aos órgãos de praxe, objetivando a obtenção do endereço da ré (fls. 195).
Resposta dos ofícios às fls. 208/206 e 212.
Ministério Público se manifesta às fls. 218, no sentido da ausência de interesse no feito.
II
É o relatório. Fundamento e decido.
Inicialmente, cabe observar que a preliminar de nulidade da citação encontra-se superada, por força do despacho de fls. 195, que ensejou a expedição de ofícios aos órgãos de praxe, sem êxito quanto a obtenção do endereço da ré.
Desta forma, validada fica a citação editalícia realizada.
Ultrapassado este ponto, entra-se no mérito da demanda.
A matéria objeto de decisão é puramente de direito. Não existe necessidade de se alongar no presente feito. Cabe, pois, o julgamento antecipado da lide nos termos do art. 330, I, do C.P.C..
A questão posta versa sobre a existência, ou não, de culpa por parte da ré no que tange ao não cumprimento de suas obrigações contratuais, a ensejar o pedido de rescisão do mesmo.
A ré, em verdade, não compareceu em Juízo, encontrando-se em local incerto e não sabido, o que traz, juntamente com a notificação, uma presunção de mora. Veja-se, nesta parte, que por força do contrato junto (fls. 59/62), a prestação assumida pela ré é de caráter portável (cláusula 10a), o que projeta a esta a necessidade de demonstrar que não se encontra inadimplente, e que tentou realizar o pagamento.
Sobre esta parte, vale a seguinte passagem de ARNOLD WALD:
As dívidas são portables ou portáveis quando devem ser pagas no domicílio do credor ou onde ele indicar e quérables ou quesíveis quando pagáveis no domicílio do devedor. Em relação às primeiras, a mora surge em virtude de omissão do devedor, por não ter mandado o pagamento ao lugar estabelecido, enquanto nas segundas, a mora depende de recusa do devedor em pagar o débito quando o credor manda recebê-lo. A conseqüência prática da distinção é que, para evitar a mora, aconselha-se ao devedor de débito portável a consigná-lo, enquanto tal providência não é básica se a dívida for quesível, pois o credor terá que fazer a prova de que mandou receber e de que o devedor se recusou a efetuar o pagamento. (Curso de Direito Civil Brasileiro – Obrigações e Contratos, 10ª ed., RT, p. 81).
Assim, evidente fica a mora por parte da devedora, a acarretar um estado de descumprimento contratual. Tal fato projeta a aplicação direta do parágrafo único do art. 1.092, do C.C. (art. 875, do NCC), que enseja a rescisão do contrato de promessa por culpa da ré, notando que a autora realizou a notificação exigida por nosso ordenamento jurídico.
Passada esta parte, resta saber sobre a possibilidade da ré ser condenada nos ônus impostos pela sua inadimplência, conforme a cláusula 10a do contrato (fls. 61).
Para a melhor análise, deve-se buscar dois princípios norteadores dos contratos, quais sejam: o da autonomia da vontade e o da supremacia das normas de ordem pública. Quanto aos referidos princípios, vale a seguinte passagem de ORLANDO GOMES:
“O direito contratual compõe-se de leis supletivas, ou dispositivas, mas também, de leis coativas. Até mesmo quando o princípio da autonomia da vontade alcançou a maior amplitude se reconhecia a necessidade de normas imperativas, tanto de inspirações políticas, como por injunções da técnica jurídica. Em qualquer regime contratual, são indispensáveis normas inderrogáveis pela vontade das partes.
A liberdade de contratar, propriamente dita, jamais foi ilimitada. (Contratos, 13ª ed., Forense, p. 23/28).
Com isto, o que se tem é saber se a cláusula contratual, que prevê uma cominação a título de multa moratória, viola dispositivo de ordem pública.
O contrato, pelo que se retira de fls. 59/62, foi celebrado em 1969, época onde não se encontrava em vigência o Código de Defesa do Consumidor. Então, desde já não pode haver uma violação ao seu art. 53, que inegavelmente é uma norma imperativa, não podendo ser afastada pela livre vontade das partes.
Tal fato, entretanto, não é capaz de projetar a esperada validade ao dispositivo contratual, que prevê a perda de todas as prestações pagas, no caso do não cumprimento de quitar integralmente o preço.
Sim. O referido item contratual nada mais é do que uma modalidade de cláusula penal. Esta surge como um pacto acessório pelo qual as próprias partes contratantes estipulam, de antemão, pena pecuniária, fixando, assim, o valor das perdas e danos. Logo, não pode tal cláusula acessória projetar valores ilimitados, ou em desrespeito a uma proporcionalidade com o dano real sofrido. Tanto assim o é, que existem diversas disposições legais impondo um teto para a apontada cláusula penal, bem como uma regra geral que permite ao Magistrado minorar os efeitos da mesma, qual seja: o art. 928, do C.C. (art. 813, NCC).
Sobre este assunto, vale a seguinte passagem de MARIA HELENA DINIZ:
“ (…) A cláusula penal representa uma preestimativa das perdas e danos que deverão ser pagos pelo devedor no caso de descumprimento do contrato principal. Os contratantes serão livres para estabelecê-la, porém tal autonomia não é ilimitada (…)”. (In. C. Civil Anotado, p. 625, Saraiva).
Então, o que se tem é a impossibilidade de dar total eficácia ao convencionado pelas partes no contrato. Não cabe a perda total das prestações pagas pela ré.
Esta matéria já foi até decidida pelo S.T.J., que firmou o posicionamento acima, como se pode depreender da ementa que se segue:
CIVIL – COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA – CLÁUSULA PENAL COMPENSATÓRIA – SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA – CUSTAS E HONORÁRIOS.
I – No compromisso de compra e venda, existindo cláusula que prevê não tenha direito o promitente-comprador à devolução das importâncias pagas, tal cláusula deve ser considerada como de natureza penal compensatória, podendo ser reduzido o seu valor com base no art. 928, do C.C..
II – …
III – … (Resp nº 31.958-0 – RS. Rel. Min. WALDEMAR ZVEITER, 3ª Turma, Maioria, DJ 08/08/98).
Logo, finalizando, seria injusto impor a perda das prestações pagas pela ré.
Assim, por um juízo de equidade, nos termos do art. 928, do C.C., para efeitos da correta interpretação da cláusula contratual, e seguindo o comando do art. 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil, tem-se que a multa moratória deve ser reduzida a um patamar equivalente a 10% (dez por cento) do preço do imóvel conforme estabelecido no contrato.
III
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE em parte o pedido feito pela parte autora, decretando a rescisão do contrato de promessa de compra e venda, impondo a ré a condenação no montante equivalente a 10% do valor total devido, atualizado monetariamente, montante este que deverá ser deduzido dos valores, também atualizados monetariamente pelo mesmo índice e padrão, já pagos pela ré.
Imponho a ré os ônus sucumbenciais, fixando os honorários advocatícios em 10% do valor da condenação acima.
P.R.I..
Rio de Janeiro, 06 de outubro de 2003
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