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[MODELO] Réplica – Aumento abusivo da mensalidade do plano de saúde – Código de Defesa do Consumidor

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA 8ª VARA CÍVEL DA COMARCA DA CAPITAL

PROCESSO:2012.001.052107-7

, vem, nos autos da Ação Declaratória c/c Inibitória com Pedido de Antecipação de Tutela e Repetição de Valores Pagos que move em face da GOLDEN CROSS – ASSISTÊNCIA INTERNACIONAL DE SAÚDE LTDA., pela Defensoria Pública, apresentar, em cumprimento ao despacho de fls. 158, sua

RÉPLICA

pelos fatos e fundamentos que passa a expor.

Em sua contestação, alega a ré, em suma, que o contrato de plano de saúde firmado pelo autor é anterior à Lei 8656/0008 e que o aumento da mensalidade se deu em razão de o autor e sua esposa, sua dependente, terem completado 60 (sessenta) anos, ressaltando a empresa ré, ainda, que o referido aumento teve a autorização da SUSEP.

Contudo, cabe salientar que as alegações da ré não elidem a pretensão autoral, amplamente ligada à matéria protegida pelo Código de Defesa do Consumidor, bem como diretamente relacionada aos princípios que regem modernamente o Direito Contratual.

Destaca-se desde já que o percentual de aumento aplicado pela ré é evidentemente abusivo, tendo em vista que é bem superior ao percentual decorrente da migração dos planos antigos para os novos (15%), conforme defendido na inicial.

Ao que parece, a sugestão da ré – frise-se, por demais afastada da plausibilidade – é a de que o autor, APESAR DE SUA FRÁGIL SITUAÇÃO FINANCEIRA, deve arcar com despesas de plano de saúde em percentual absurdo se comparado com o valor de sua aposentadoria.

Dessa forma, percebe-se claramente que, uma vez que se trata de típica relação de consumo, é inegável que o contrato existente entre as partes está sob a regência da Lei nº 8.078/0000 (Código de Defesa do Consumidor), NORMA DE ORDEM PÚBLICA E APLICAÇÃO IMEDIATA QUE VEDA A PREVALÊNCIA DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS EXAGERADAS EM DETRIMENTO DO CONSUMIDOR (ART. 51, IV), principalmente porque o contrato celebrado entre as partes é DE ADESÃO, tendo por objetivo a cobertura de evento futuro e incerto.

Além disso, sendo certo que art. 421 do Novo Código Civil prescreve que "a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato", mister se faz analisar dois importantes princípios relativos ao Direito Contratual, quais sejam, o da boa-fé objetiva e o da função social do contrato.

Sobre a função social do contrato, assim se posicionou Eduardo Messias Gonçalves de Lyra Júnior[1], integrando o pensamento de Francisco Amaral e Orlando Gomes[2]:

“ Ao atribuir-se ao contrato uma função (social), acometendo a seu titular um poder-dever, traz-se para o direito privado algo que originariamente sempre esteve afeto ao direito público, que é o condicionamento do poder a uma finalidade.

(…)

No Estado Social exige-se que a ação dos poderes públicos se desenvolva em favor de uma maior justiça social. O legislador há de elaborar textos que permitam edificar uma ordem social mais justa, em benefício dos menos favorecidos, de modo a minorar a desigualdade de chances, tão característica de uma sociedade liberal. Como primeira conseqüência da função social do contrato tem-se que com base no princípio da autonomia da vontade não se poderá estabelecer pactos contrários aos ideais de justiça.

 Ao Judiciário cumprirá, quando instado pela parte interessada, exercer um controle efetivo sobre o conteúdo contratual, sempre que determinada estipulação impeça que o contrato exerça a função social exigida em lei.

 Percebe-se, assim, que a função social do contrato deve apresentar um matiz ativo, consistente em comportamentos positivos (prestações de fazer), de modo a impor, aos figurantes daquele negócio jurídico um dever de atuação em benefício de outrem e não, tão-somente, um dever de não causar prejuízo a outrem.” ( sem grifos no original)

No mesmo passo, deve ser observado o princípio da boa-fé objetiva, cujo assento legal está nos artigos 113 e 422 do Código Civil. Tal inovação, introduzida pelo art. 422 do Novo Código Civil, permitirá a expressa e indiscutível inclusão do instituto em nosso sistema jurídico, desempenhando no campo obrigacional três funções importantes: a) cânone hermenêutico-integrativo do contrato; b) norma de criação de deveres jurídicos; c) norma de limitação ao exercício de direitos subjetivos.[3]

Não se trata, portanto, de enfraquecer a posição do credor, o qual continuará a ser o titular da obrigação, podendo exigi-la coativamente do devedor, mas de: a) atribuírem-lhe determinados deveres de conduta em face do sujeito passivo, os quais deverão estar presentes antes, durante e após o cumprimento das prestações reciprocamente acordadas; e b) limitar-lhe o exercício de determinados direitos subjetivos, sempre que estes direitos, quando exercitados, revelem-se, afinal, abusivos.

Logo, a boa-fé objetiva, enquanto standard, patamar objetivo, genérico, implica em:

“ … uma atuação ‘refletida’, uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento contratual e a realização dos interesses das partes (LIMA, Fernando Andrade Pires de; VARELA, João de Matos Antunes. Código Civil Anotado – vol. II. 3 ed. Coimbra: Coimbra Editora, 100086, p. 3) “.

Nos dizeres do juiz Ramon Mateo Júnior, “com o advento do novo Código Civil, que traz em seu bojo a adoção expressa da função social e do princípio da boa-fé objetiva, consumou-se, nas relações intersubjetivas privadas, a proteção das pessoas envolvidas, mormente aquelas consideradas hipossuficientes para que não sejam, diante da inferioridade social – econômica ou cultural, submetidas a alguma armadilha contratual que as coloquem em desvantagem, exigindo dos contratantes, além disso, um comportamento transparente, digno, onde não prepondera a ganância lucrativa, mas a dignidade das pessoas.” (in A função social e o princípio da boa-fé objetiva nos contratos do novo Código Civil . Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 55, mar. 2012. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2786>)

 Assim, o Estado, como garantidor do direito à igualdade e do progresso da sociedade, deve interferir nas relações contratuais “definindo limites, diminuindo os riscos do insucesso e protegendo camadas da população que, mercê daquela igualdade aparente e formal, ficavam à margem de todo o processo de desenvolvimento econômico, em situação de ostensiva desvantagem”[4].

Cabe frisar, por conseguinte, a relevância de um dos princípios básicos das relações de consumo: o da hipossuficiência do consumidor. Assim, sendo a ré – fornecedora do serviço – instituição de grande poder econômico, como é o caso, há que se buscar firmemente um equilíbrio de forças entre as partes.

Nesse ponto, é importante ressaltar que, em que pese ser o princípio da autonomia da vontade um dos mais relevantes entre os princípios gerais dos contratos, este não é absoluto, conforme a lição do mestre ORLANDO GOMES, in Contratos, 12ª ed., página 27:

A liberdade de contratar propriamente dita jamais foi ilimitada. Duas limitações de caráter geral sempre confinaram-na: a ordem pública e os bons costumes.

(…) A lei da ordem pública seria aquela que entende como interesses essenciais do Estado ou da coletividade, ou que fixa no direito privado, as bases jurídicas fundamentais sobre as quais repousa a ordem econômica ou moral de determinada sociedade”. (grifamos)

Desse modo, sendo certo que o contrato de seguro saúde é típico CONTRATO DE ADESÃO, o que existe, segundo ORLANDO GOMES (in Contrato de Adesão, pp. 05-0000), é “a característica da irrecusabilidade”, somente sendo dado ao consumidor o ”direito de assinar”, dando sua anuência às cláusulas prévia e unilateralmente fixadas pela seguradora (art. 54, do CDC – “cláusulas redigidas prévia e unilateralmente por uma das partes”), não lhe sendo possível qualquer discussão a respeito das referidas cláusulas.

Portanto, como forma de proteção à sua integridade física e mental, não resta outra alternativa ao consumidor que não seja a assinatura do contrato.

Ainda nesse sentido, cabe transcrever o entendimento de CLÁUDIA LIMA MARQUES, in Contratos no CDC, 10000002, p. 31:

“… limita-se o consumidor a aceitar em bloco (muitas vezes sem sequer ler completamente) as cláusulas, que foram unilateral e uniformemente pré-elaboradas pela empresa, assumindo, assim, um papel de simples aderente à vontade manifestada pela empresa no instrumento contratual massificado”. (grifamos)

Por fim, cabe afirmar que o art. 10006 da Constituição da República, ao tratar de maneira específica da saúde, ressalta a relevância pública das ações e serviços de saúde, NÃO SENDO POSSÍVEL, PORTANTO, TRATÁ-LOS COMO UMA SIMPLES ATIVIDADE COMERCIAL EM QUE SE VISLUMBRA O LUCRO E NADA MAIS, COMO FAZ CRER A EMPRESA RÉ.

Esse é, inclusive, o entendimento maciço do Tribunal de Justiça, como podemos verificar nos INÚMEROS julgados transcritos na peça inicial.

Ademais, frisa-se que o aumento exagerado e arbitrário das mensalidades burla, ainda, o Estatuto do Idoso, em vigor desde 1o de janeiro de 2012, o qual proíbe o reajuste apenas devido à mudança de faixa etária, na forma do art. 15, parágrafo 3o. da Lei 10.741/03, principalmente porque, além de discriminatória, tal política deixa de observar os já citados princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, impondo ao idoso obrigação excessivamente onerosa no momento em que mais precisa de um sistema de saúde eficiente, bem como DESRESPEITA o princípio da eqüidade, ou do equilíbrio nas relações contratuais, do qual deve se valer o sistema para alcançar os escopos traçados na Carta Magna.

Assim, embora se tutelem, enquanto princípio fundamental, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (CF/88, art. 1.º, inciso IV), o estabelecimento das convenções deverá pautar-se nos ideais de justiça e eqüidade a fim de que se não avilte, de outro lado, a dignidade da pessoa humana, também princípio fundamental (CF/88, art. 1.º, inciso III) – em verdade o mais importante deles todos.

Logo, um equilíbrio entre as prestações contratuais, de modo que um dos contratantes não aufira, em face do outro, vantagem manifestamente excessiva, corresponde ao ideal de justiça contratual que permeia nosso ordenamento jurídico, razão pela qual o aumento ora em comento deve ser expurgado das mensalidades do autor a partir de dezembro de 2003, abstendo-se a ré de fazer novos aumentos em razão da idade do autor e de sua esposa, sua dependente, até porque, embora conste a previsão de aumento no contrato de adesão – claúsula 26 “ b” e parágrafo único da mesma, não há percentuais de reajuste que justifiquem o aumento aplicado, havendo clara desobediência aos arts. 4o, 3000, X e 51, VI, do CDC[5].

CONCLUSÃO

Por todo o exposto, verifica-se que os fatos alegados em contestação não servem para elidir a pretensão do autor, razão pela qual ratifica o pedido inicial, requerendo a V. Exa., por ser medida da mais lídima justiça, seja o mesmo julgado procedente.

Ratifica, por oportuno, o requerimento para produção de prova testemunhal, pericial e documental suplementar, caso necessárias, sem prejuízo da inversão do ônus da prova.

Nestes termos,

p. deferimento.

Rio de Janeiro, 2000 de julho de 2012.

  1. LYRA JÚNIOR, Eduardo Messias Gonçalves de. Os princípios do direito contratual . Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 62, fev. 2003. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=375000.

  2. . Cf. GOMES, Orlando. Contratos. 17 ed. Rio de Janeiro: Forense, 10000007, p. 20 / AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. Rio de Janeiro: Renovar, 2012, p. 356.

  3. BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Commentado – vol. V. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 100026, p. 205.

  4. TEPEDINO, Gustavo. As relações de consumo e a nova teoria contratual – in Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro, Renovar, 2012 – p. 204.

  5. Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (…) III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;(…)VI – coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores;

    Art. 3000. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (…) X – elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços;

    Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:(…) IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

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