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[MODELO] Réplica – Alegações da ré de que a aquisição do cartão de crédito foi de livre vontade do autor

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA 30ª VARA CÍVEL DA COMARCA DA CAPITAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Processo n.°3/125929-7

, já qualificado nos autos da Ação de Declaratória de Nulidade de Cláusula Contratual C/C Revisional de Obrigação Creditícia e c/c com Repetição de Indébito c/c Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela, movida em face de BBV – ADMINISTRADORA DE CARTÕES LTDA., vem, pela Defensoria Pública, apresentar

RÉPLICA

Aduzindo os seguintes fatos e fundamentos:

DA PRELIMINAR

Diferentemente do que pretende a ré, o autor faz jus a todos os pedidos que a época foram feitos e que são ratificados, uma vez que é fato notório a cobrança de juros exorbitantes que as administradoras de cartão de crédito repassam ao consumidor. Por tal motivo, há desencadeamento lógico da narração dos fatos até chegar à conclusão, afastando a preliminar argüida.

DOS FATOS E DO DIREITO

A ré em sua contestação (fls. 48/73) alega que a aquisição do cartão de crédito nº 544670.8800.2911.5389 pelo autor, foi por sua livre e espontânea vontade.

Cumpre destacar que o cartão de crédito é uma forma de democratização do crédito de curto e de médio prazo, que evita os riscos e os incômodos do transporte de dinheiro, bem como propicia a compra de serviços a prazo (FRAN MARTINS, Cartões de Crédito).

Sendo assim, o autor adquiriu o cartão de crédito oferecido pela ré, a fim de melhor administrar seus gastos, com a possibilidade de financiar suas despesas, todavia, jamais imaginou que a “preço” tão alto, literalmente.

Sendo certo que o contrato sub examine se constitui em uma relação de consumo, por isso, sob as diretrizes da Lei n.°8.078/90, citemos a lição de CLÁUDIA LIMA MARQUES, Contratos no CDC, 1992, pág. 123:

“Assim, o princípio clássico de que o contrato não pode ser modificado ou suprimido senão através de uma nova manifestação volitiva das mesmas partes contratantes sofrerá limitações. Aos juízes é agora permitido um controle do conteúdo do contrato, como no próprio Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, devendo ser suprimidas as cláusulas abusivas e substituídas pela norma legal supletiva (art. 51, do CDC).” (original sem grifo)

Não obstante, os contratos de administração de cartões de crédito são, inegavelmente, puros contratos de adesão ou como na lição de ORLANDO GOMES (Contrato de Adesão, págs.5-9) contratos por adesão inexistindo a “característica da irrecusabilidade”, onde ao consumidor só é dado o “direito” de assinar, ou seja, anuir às cláusulas, prévia e unilateralmente, fixadas pela administradora (art. 54, do CDC – “cláusulas redigidas prévia e unilateralmente por uma das partes”).

Segundo CLÁUDIA LIMA MARQUES, op. cit, 1992, pág. 31:

“…limita-se o consumidor a aceitar em bloco (muitas vezes sem sequer ler completamente) as cláusulas, que foram unilateral e uniformemente pré-elaboradas pela empresa, assumindo, assim, um papel de simples aderente à vontade manifestada pela empresa no instrumento contratual massificado.” (original sem grifo)

As relações de consumo, segundo o que dispõe o caput e inciso III, do art. 4°, do CDC, são informadas pelo princípio da boa-fé que, considerado em conjunto com o disposto no art. 51, XV, que declara abusiva as cláusulas que “estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor” e, ainda, considerando-se o fato de que as cláusulas contratuais que infrinjam frontalmente a lei (no caso, além das normas consumeristas, também, as que se referem ao Sistema Financeiro Nacional) não podem ser convalidadas, não pode o réu, querer valer-se de cláusulas contratuais abusivas, ilegais e, portanto, nulas de pleno direito.

Por conseguinte, a intenção do autor não é isentar-se do pagamento da dívida que sabe ter contraído, porém, que possa fazê-lo dentro dos limites legais para a correção de seu valor original. E não se diga que o presente pleito fere a segurança jurídica, uma vez que esta não se permeia, repita-se, pela aceitação de que cláusulas abusivas e fixadas unilateralmente por uma das partes contratantes, após assinado o contrato, neste caso, de adesão, estarão acima da lei, do direito e da justiça mas sim, na certeza de que sua ilegalidade, ilegitimidade e falta de razoabilidade serão obstadas pelo Poder Judiciário.

ØDa Cobrança de Juros acima do limite de 12% ao ano

Pretendeu a ré demonstrar que o repasse de juros ao autor (consumidor), seria lícito, uma vez que para suportar o financiamento do saldo devedor, ela, administradora, precisa captar recursos junto às instituições financeiras, para quem a limitação de juros prevista no §3°, do art. 192, da CF, antes do advento da EC n.º40/03, não se aplica (Sumula 596, do STF), estando legitimada a captar tais recursos, em virtude da denominada cláusula-mandato, constante do contrato de administração do referido cartão de crédito.

Diante de tais fatos, algumas considerações merecem análise. A primeira, referente à legalidade da cobrança de juros ao consumidor, acima do limite de 12% ao ano e, a segunda, quanto à legalidade da cláusula-mandato.

Quanto ao repasse dos juros acima do limite determinado por força de norma constitucional, aparentemente, não haveria mais o que se questionar, face à supressão de todos os parágrafos do art. 192, portanto, inclusive, o § 3º, pela Emenda Constitucional n.º40/2012.

Contudo, não é bem assim. A Constituição Federal, ao fixar o limite de 12% ao ano teve como objetivo, como não poderia deixar de ser, definir um parâmetro genérico quanto à cobrança de juros, a fim de que fossem evitados os usuais abusos ao poder econômico, praticados pelas Instituições Financeiras e, também, por via de conseqüência, às próprias administradoras de recursos financeiros, como é o caso das administradoras de cartões de crédito.

Todavia, não se pode deixar de considerar que as normas que regulamentam e limitam a cobrança de juros continuam em vigor, não somente as definidas pelo Banco Central, mas também, pela Lei n.º1.521/51 (Lei de Economia Popular) além do próprio Decreto n.º22.626/33.

Dispõe a Lei n.º1.521/51, em seu art. 4º que:

A estipulação de juros ou lucros usurários será nula, devendo o juiz ajustá-los à medida legal, ou, caso já tenha sido cumprida, ordenar a restituição da quantia paga em excesso, com os juros legais a contar da data do pagamento devido. (original sem grifo)

E, o art. 13 do Decreto n.º22.626/33, que:

É considerado delito de usura toda a simulação ou prática tendente a ocultar a verdadeira taxa de juros ou fraudar os dispositivos desta lei, para o fim de sujeitar o devedor a maiores prestações ou encargos, além dos estabelecidos no respectivo título ou instrumento.

Assim, não se poder permitir que o consumidor dos serviços fornecidos pelas administradoras de cartões de crédito sejam penalizados com a cobrança de juros infinitamente maiores que a desvalorização da moeda.

Não obstante, dispõe o art. 406 do Código Civil Brasileiro, que quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos a Fazenda Nacional (original sem grifo).

Não há qualquer divergência, seja na doutrina ou jurisprudência, de que os contratos de cartões de crédito sejam típicos contratos de adesão (art. 54 do CDC – cláusulas redigidas prévia e unilateralmente por uma das partes), motivo pelo qual, não são contratos pactuados, não há convenção entre as partes, haja vista que todas as suas cláusulas são unilateralmente impostas pela Administradora (emissora do cartão), com infinita superioridade técnica e financeira.

É certo que um dos princípios gerais dos contratos é a autonomia da vontade, contudo, este princípio não é absoluto, conforme explica ORLANDO GOMES, Contratos, 12ª Edição, pág. 27:

“A liberdade de contratar propriamente dita, jamais foi ilimitada. Duas limitações de caráter geral sempre confinaram-na: a ordem pública e os bons costumes”.

(…)

“A lei da ordem pública seria aquela que entende como interesses essenciais do Estado ou da coletividade, ou que fixa no direito privado, as bases jurídicas fundamentais sobre as quais repousa a ordem econômica ou moral de determinada sociedade.” (original sem grifo)

Segundo CLÁUDIA LIMA MARQUES, Comentários as Código de Defesa do Consumidor, 1992, pág. 31, ainda referindo-se aos contratos de adesão:

“…limita-se o consumidor a aceitar em bloco (muitas vezes sem sequer ler completamente) as cláusulas, que foram unilateral e uniformemente pré-elaboradas pela empresa, assumindo, assim, um papel de simples aderente à vontade manifestada pela empresa no instrumento contratual massificado.” (original sem grifo)

Assim, é inegável a necessidade de relativizar o princípio da autonomia da vontade ou pacta sunt servanda em contratos dessa natureza.

Por conseguinte, caso V. Exa. Entenda não ser aplicável a regra contida no antigo § 3º, do art. 192, da CRFB, em decorrência da EC n.º 40/2012 (apesar de vigente à época da propositura da ação) deve-se, no mínimo, ser aplicada regra prevista pelo art. 406, fazendo incluir a taxa SELIC ao contrato em referência, por ser essa taxa referencial de juros a Fazenda Pública, tal como entendimento da nobre jurista Maria Helena Diniz, em seu Código Civil Anotado, págs. 295/296 e 390, comentando os artigos 406 e 591, respectivamente.

Certo não ser pacífico o entendimento de ser a taxa SELIC o parâmetro para o cálculo dos juros legais, porém, o entendimento divergente, coloca em melhor situação os consumidores dos serviços bancários, uma vez que considera aplicável, no caso do referido art. 406, o que dispõe o art. 161, § 1º do Código Tributário Nacional, ou seja, se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de 1% (hum por cento) ao mês.

Nesse sentido, Jornada STJ 20, cujo trecho passamos a transcrever:

“A taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, 1% (hum por cento) ao mês. (…)”

(Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil Anotado, 2ª Edição, pág. 327, Ed. RT)

Assim, a taxa máxima a ser aplicada aos contratos da natureza dos que constituem objeto da presente demanda, seria correspondente à SELIC ou, caso V. Exa. assim entenda, a que corresponda à regra prevista pelo art. 161, do CTN.

ØDa Cláusula-mandato

Também não é possível, como quer a ré, vincular os encargos que assume junto a Instituições Financeiras (para arcar com o pagamento dos valores que financia) ao contrato de prestação de serviços que celebra com seus consumidores, por meio da chamada cláusula-mandato; a uma, porque às instituições financeiras, em regra, não se aplica a vedação constante no art. 4°, do Decreto n.°22.626/33, ao contrário das administradoras de cartões de crédito (neste caso, incluem-se as instituições financeiras que administram tais cartões), motivo pelo qual, a estas, vedada é a prática do anatocismo e da cobrança de encargos financeiros além dos limites legais; a duas, porque o consumidor não tem a menor responsabilidade sobre qualquer compromisso assumido pelo fornecedor de serviços junto a terceiros, por se tratarem de relações diversas e, sobre as quais, não tem o menor controle; a três, porque as administradoras de cartões de crédito, ao prestarem tais serviços, devem considerar os riscos inerentes à própria atividade que desenvolvem, os quais se constituem em álea ordinária da atividade econômica, e não responsabilizar o consumidor, penalizando-o ilicitamente.

Assim, quanto à denominada cláusula-mandato, sem prejuízo da citada decisão proferida pela Côrte Superior de Justiça, também aplicável à referida cláusula, citamos NELSON NERY JÚNIOR que ao comentar o Código de Defesa do Consumidor, registra que:

“A lei brasileira é clara ao proibir expressamente a imposição de representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor.

Não há lugar para discussões sobre a possibilidade ou não, do ponto de vista econômico e jurídico, de emprestar-se validade a cláusula que imponha representante ao consumidor.” (original sem grifo)

Contudo, ainda, que se considere que a mencionada captação é realmente necessária, e possível, a administradora do cartão deverá comprovar não somente que a utilizou para custeá-lo, mas, também, a que taxa de juros, caso contrário, seria prestigiar a “inversão do ônus da prova ao inverso”, ou seja, em benefício da parte que, no contrato, está em posição de absoluta superioridade econômica, em detrimento do consumidor que, neste tipo de “ajuste” é, sem dúvida alguma, a parte desfavorecida e hipossuficiente.

Neste sentido se posicionou o Egrégio Superior Tribunal de Justiça em recente publicação, ao julgar o Recurso Especial n.º522.491-RS, Rel. originário Ministro César Asfor Rocha, Rel. para acórdão Min. Aldir Passarinho Júnior, julgado em 08/10/2012:

CARTÃO – CRÉDITO – CLÁSULA MANDATO – REPASSE – ENCARGOS – ORIGEM

Tratou-se de contrato de cartão de crédito com cláusula-mandato, habilitando a administradora a agir como mandatária para captar empréstimo bancário junto a uma instituição financeira, caso o titular do cartão não pague o total da fatura até a data do vencimento. Ao julgar essa hipótese, prosseguindo o julgamento, a Seção entendeu, por maioria, que a administradora está sujeita a prestar contas não só dos encargos e condições que foram repassados ao titular do cartão, mas também dos encargos e condições que foram captados junto à instituição financeira na origem. Precedentes citados:

REsp. 387.581-RS, DJ 1º/7/2002; REsp. 473.627-RS, DJ 23/6/2012, e Resp. 397.796-RS, DJ 10/3/2012.

Ressalte-se que, pelo volume de recursos financeiros movimentado pela administradoras de cartões de crédito, parece muito claro que as mesmas não precisam captar recursos no mercado de capitais, uma vez que possuem plena condição de garantir o financiamento dos cartões por elas administrados, por seus próprios recursos.

A repetição de indébito e, em dobro, é um direito que decorre da própria Lei n.°8.078/90, quando o consumidor pagar quantia além do valor devido, motivo pelo qual, não há que se cogitar de sua inaplicabilidade.

No que pertine ao pedido de antecipação de tutela, presentes estão os requisitos descritos pelo art. 273, do CPC, haja vista que todo o pleito do autor, tem como fundamento normas claras e expressas, além de comprovação, conforme se depreende dos documentos acostados aos autos, caracterizando, pois, a verossimilhança de suas alegações bem como, não pode o autor ser penalizado com a inclusão de seu nome no cadastro de devedores, porque só não quitou sua dívida, por exclusiva responsabilidade do réu, que o está impondo condições irreais e abusivas, daí a existência de dano irreparável ou de difícil reparação.

Também não merece prosperar a “impugnação” ao pedido de inversão do ônus da prova, haja vista que o Código de Defesa do Consumidor rege, especificamente, as relações de consumo, por isso, trata-se de norma especial, derrogando, por conseguinte, a norma geral quanto ao ônus da prova, prevista pelo CPC, quando se tratar de relação contratual, onde uma das partes seja hipossuficiente em relação à outra, como no caso.

Desta forma e, tendo em vista que os fatos e fundamentos alegados em contestação, não servem para elidir a pretensão inicial, ratifica o autor todos os seus termos, requerendo seja julgado procedente o pedido, insistindo na inversão do ônus da prova, na requerida antecipação de tutela, além da manifestação do MM. Juízo quanto ao pedido de sustação dos descontos (conforme fls. 17, item a) que não fora apreciado pelo Magistrado.

P. Deferimento.

Rio de Janeiro, 09 de março de 2004.

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