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[MODELO] Recurso Ordinário – Mandado de Segurança – Medidas Cautelares

RECURSO ORDINÁRIO

Recuso ordinário em mandado de segurança contra sentença proferida tendo em vista os artigos 288; 168, § 1º, III, c/c o 71; 299, c/c o 71 todos do Código Penal brasileiro, alegando o uso indevido de analogia "in malam partem" e do seqüestro inadequado dos bens tendo-se em consideração os indícios referidos no artigo 126

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRIMEIRO VICE-PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS





Mandado de Segurança: (xxx)

Comarca: BELO HORIZONTE

Órgão Julgador: PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL DO TJMG

Impetrantes:  (XXX)   (XXX)

Impetrado: JUIZ DE DIREITO DA (xxx)ª VARA CRIMINAL.






(XXX) e (XXX), qualificados nos autos do Mandado de Segurança epigrafado, que impetraram nesse Sodalício em face de decisão proferida pelo Juiz de Direito da (xxx) Vara Criminal da Comarca de Belo Horizonte(MG), por seu advogado adiante assinado, inconformados, data venia, com o v. Acórdão que denegou a ordem impetrada, vêm respeitosamente perante Vossa Excelência, com base no artigo 105, II, “b”, da Constituição Federal, e 539, II, “a”, do Código de Processo Civil, manifestar RECURSO ORDINÁRIO ao Augusto Superior Tribunal de Justiça.

Posto isto, requerem a juntada das razões em anexo, bem como o processamento e admissão do recurso, remetendo-se em seguida os autos ao tribunal ad quem.

Pedem Deferimento,

Belo Horizonte(MG), 24 de outubro de 2.006.

Antônio Francisco Patente

Advogado – OAB/MG 38.778

AUGUSTO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

COLENDA TURMA

EMINENTE SENHOR MINISTRO



DA ADMISSIBILIDADE

Os requisitos objetivos formais para análise do pleito recursal se amostram presentes, vez que o recurso é próprio e adequado à espécie, atendendo, por outro lado, aos ditames da tempestividade, porque a intimação do v. Acórdão de fls. 291/301 foi efetivada com a publicação no Órgão Oficial do Estado, “Minas Gerais”, em 17 de outubro de 2.003, uma sexta-feira, conforme certidão de fl. 302.

Destarte, o prazo previsto no artigo 33 da Lei nº 8.038/90, assim como no artigo 508 do Código de Processo Civil, esgota-se na segunda-feira que corresponde ao dia 03 de novembro do ano corrente, relevando-se que o recurso acha-se devidamente preparado, vez que as custas cabíveis foram recolhidas através do recibo nº (xxx), desta data, em anexo.

DA EXPOSIÇÃO DOS FATOS E DO DIREITO

Os Recorrentes se viram denunciados pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, através do órgão de execução que tem atribuição junto à Promotoria Especializada na Defesa do Meio Ambiente e Patrimônio Cultural, como incursos nas sanções do artigo 288; nas do artigo 168, § 1º, III, c/c o art. 71; e, nas do artigo 299, c/c o artigo 71; combinados com o artigo 69, todos do Código Penal brasileiro, tendo em vista que se lhes foram imputadas condutas que se assemelham às figuras típicas dos delitos de formação de quadrilha, apropriação indébita e falsidade ideológica, cujas ações e omissões teriam sido levadas a efeito juntamente com 09 (nove) outros denunciados, na gestão dos interesses da pessoa jurídica Federação (XXX), com sede nesta cidade de Belo Horizonte(MG).

Na peça de oferecimento da denúncia aludida seus subscritores entenderam por requerer a decretação da prisão preventiva dos Recorrentes, bem como a do igualmente denunciado (XXX), à alegada necessidade de se garantir a ordem pública supostamente aviltada, tendo em vista a inferência de que tal medida se amostraria como imprescindível diante da “prática continuada de crimes perpetrados pelos denunciados”. Não obstante, como reforço aos mesmos argumentos, e como medida alternativa à prisão preventiva dos Recorrentes, requereram o “deferimento de medida cautelar inominada”, para o afastamento deles nas funções que exerciam na Federação (XXX), invocando a proteção do poder geral de cautela do Juiz e a aplicação analógica dos artigos 798 e 799 do Código de Processo Civil, segundo a autorização contida no artigo 3º do CPP.

No arremate da própria denúncia ainda requereram, dentre outras providências, a quebra dos sigilos bancário e fiscal dos Recorrentes, assim como a decretação do seqüestro de todos os seus bens imóveis, nos termos do que dispõem os artigos 125 e 128 do CPP.

Ao prolatar o despacho em que formalizou o recebimento da denúncia, sem forrar-se em justificativa qualquer que recomendasse a necessidade das medidas constritivas, o Juiz de Direito da (xxx) Vara Criminal da Comarca de Belo Horizonte(MG) houve por acatar o pedido de afastamento dos mesmos de suas funções na direção da Federação (XXX), assim como determinou que se procedesse ao seqüestro de todos os seus bens imóveis, com a conseqüente anotação do gravame no registro público competente.

Por entender que o procedimento cautelar extravagante determinado pelo Magistrado estava a ferir direitos líquidos e certos seus, os Recorrentes buscaram remediar o constrangimento valendo-se do Mandado de Segurança, certos de que as medidas baixadas sem fundamentação, ao arrepio do devido processo legal, e com espeque em inaquedada utilização de princípios da analogia e do poder geral de cautela do Juiz, atentavam contra liberdades fundamentais garantidas em sede constitucional, sobretudo aquelas asseveradas pelo artigo 5º, XIII, XVIII, XXII, LIV, LV, LVII, e artigo 93, IX, da Constituição da República.

Ao considerarem sobre a determinação judicial para que se afastassem imediatamente das funções que exerciam na Federação (XXX), os Recorrentes aduziram:

Anota-se do artigo 1º dos estatutos da Federação (XXX) que a mesma constitui-se como uma sociedade civil de direito privado, cuja característica essencial, como se sabe, é a detenção de autonomia irrestrita para gerenciamento dos seus próprios interesses. Sob essa condição, há se ver que os órgãos de implementação de suas atividades fins, bem como os de gerenciamento de suas conveniências patrimoniais e financeiras são aqueles dispostos nos seus atos de constituição, descabendo interferência exógena em suas atividades, que não aquelas admitidas pelo ordenamento jurídico.

Não é demais ressaltar que, nestas condições, a Federação (XXX)) é uma associação de clubes, os quais, por suas vezes, são associações de pessoas físicas. Como existem em função de um fim lícito, aplica-se às associações desportivas o disposto nos incisos XVII, XVIII e XIX do art. 5º da Constituição Federal, ou seja, a plena liberdade de criação e organização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento.

Assim, na consecução de seus objetivos a Federação (XXX), por assembléia regularmente convocada, elegeu o impetrante (XXX) seu presidente para o quadriênio de 02 de janeiro de 2.001 a 31 de dezembro de 2.004, bem como elegeu seu vice-presidente e o Conselho Fiscal, que foram regularmente investidos nas suas respectivas funções, todas honoríficas.

O impetrante (XXX), por seu turno, mantém com a Federação (XXX) uma relação de emprego, tendo em vista que foi admitido sob as normas da Consolidação das Leis do Trabalho, para trabalhar na seção de arrecadação, no dia 01 de outubro de 1.989, mediante remuneração anotada em sua Carteira de Trabalho.

Não obstante essa característica privada da Federação (XXX), o meritíssimo Juiz de Direito da (xxx) Vara Criminal da Comarca de Belo Horizonte houve por determinar o afastamento imediato, tanto do presidente eleito como do empregado, ainda que reconhecesse que a espécie não se encontrava abrigada em autorização específica, recorrendo, entretanto, para impor a medida, à disciplina do artigo 126 do Código de Processo Civil, que autoriza a utilização dos recursos da analogia, dos costumes e dos princípios gerais do direito.

Na hipótese vertente, todavia, não se cogitou de ressalvar que em sede de direito penal não se pode valer o intérprete de analogias in malam partem, nem se escorar em preceitos consuetudinários, ainda que a medida dela derivada não esteja adstrita à própria conceituação primária do delito, mas a um mero consectário seu. Finalmente, se não se pode aplicar tais preceitos para a definição do próprio crime, não se pode estender a interpretação excepcional da lei civil para criar gravames com característica de exacerbação da reprimenda de comportamentos penalmente censuráveis, ainda que típicos.

No exercício dessa interpretação analógica o digno magistrado estabeleceu um paralelo entre a condição especial dos impetrantes e aquela própria dos agentes públicos, em que o afastamento cautelar se acha autorizado pelo ordenamento, retirando daí, aparentemente, a ilação que o levou a concluir pelo afastamento imediato dos impetrantes.

Nada obstante, não cogitou de trazer à evidência que dentre as medidas cautelares nominadas pelo direito processual penal ordinário não existe uma sequer que autorize o afastamento cautelar de agente público; e que as existentes na legislação extravagante são todas submetidas a critérios temporais determinados, como na hipótese de afastamento de funcionário público no curso de processo administrativo, com o prazo limitado em sessenta dias(1), ou na circunstância de afastamento de agentes públicos por ato de improbidade administrativa, cujo lapso também não pode ultrapassar os mesmos sessenta dias(2).

De toda sorte, os motivos que relevam necessidade de afastamento cautelar dos agentes públicos, ainda que em situações especiais, estão jungidos à especialidade de sua condição pessoal e à qualidade da pessoa jurídica com que têm vínculo, e que merece proteção especial e resguardo objetivo determinado pelo interesse público.

Ressalvado isso, mesmo que fosse possível o exercício da analogia destacada em sede de direito penal, ainda assim a interpretação teria extrapolado os limites da razoabilidade, mormente em se levando em conta que o afastamento determinado implica, na prática, na cassação do mandato do presidente da Federação (XXX), diante da esperada e intuída demora para que se dê desenlace ao processo, e, no impedimento do outro ao exercício do seu trabalho e, conseqüentemente, da remuneração que dele obtém para sustento de sua vida.

Em face dessas circunstâncias, pois, não se tem como aplicar na realidade vertente o sobrelevado poder de cautela geral, devendo o julgador, em sede de processo penal, contentar-se com aquelas taxativamente previstas na legislação adjetiva, para que não venha agravar, pela inovação, direitos individuais postos a salvo pelo legislador.

Em relação ao decreto do seqüestro de todos os bens imóveis dos Recorrentes, restou assinalado:

Consoante ficou acima afirmado, os Promotores de Justiça que assinaram a denúncia contra os impetrantes, nos requerimentos finais da peça acusatória formalizaram o pedido de seqüestro de todos os seus bens imóveis, instando que, concedida a medida com base nos arts. 125 e 128 do CPP fossem comunicados todos os cartórios de registro de imóveis da Comarca de Belo Horizonte, sem justificarem, no entanto, a necessidade intrínseca de tal medida cautelar, nem explicitar, como deveriam, que tais bens teriam passado a integrar o patrimônio dos impetrantes por decorrência dos proventos das infrações a eles imputadas.

No dispositivo final da decisão que acatou a denúncia, o meritíssimo Juiz assim decidiu: “Nos termos dos art 125 126, do CPP, determino o seqüestro dos bens imóveis dos acusados (XXX), (XXX). e (XXX)., devendo em tal sentido a Secretaria do Juízo adotar todas as providências necessárias, inclusive, formando autos em apenso, com anotações referente ao seqüestro da distribuição, ainda, oficiando-se aos cartórios de Registro de Imóveis da Comarca de Belo Horizonte”.

Não se despendeu uma linha sequer para fundamentar a necessidade de tal medida excepcional, sobretudo para esclarecer porque razão o gravame incidiria sobre todos os bens imóveis dos impetrantes.

O seqüestro formalizado com fundamento no artigo 125 do CPP é, como se sabe, uma retenção da coisa litigiosa, inerente ao que dispõe o artigo 91, II, “b”, do Código Penal, sendo de sua natureza a busca do bem adquirido com os proventos do crime cometido, podendo ser decretado diante da existência de meros indícios da proveniência ilícita dos bens.

Torna-se certo, por outro lado, que são considerados como proventos do crime, na expressão utilizada pelo Código, “as coisas produzidas pela infração”, consoante definiu Eduardo Espínola Filho; ou apenas o produto da infração, que corresponde ao resultado útil imediato da operação delinqüencial: bens, ou bem, produzidos pela indústria do infrator; aqueles, que por causa do delito, foram ter às mãos do delinqüente, como o veículo furtado e o dinheiro roubado, na lição de Sérgio M. de Moraes Pitombo.

A finalidade especial, portanto, do seqüestro admitido pelo artigo 125 do CPP é diferente daquele outro que objetiva a hipoteca legal assecuratória dos reparos aos danos ocasionados pelo crime, tendo em vista que visa atender somente a norma do artigo 91, II, “b”, do CP, que é a decretação da perda, em favor da União, “do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso”, ressalvado o direito do ofendido ou de terceiro de boa-fé.

Na hipótese, ao que se vê de vista desarmada, o seqüestro foi determinado de forma genérica, sem se ater à necessidade intrínseca do detalhamento daqueles indícios referidos pelo artigo 126, ou mesmo da demarcação do prazo de aquisição do bem com o tempo da prática infracional relatada, de sorte que a decisão se apresenta absolutamente despida de fundamentação e desmerecida de amparo legal, porquanto alcançou a totalidade dos bens dos impetrantes, de forma unilateral.

Como conseqüência dessa unilateralidade anota-se que não se cogitou sequer de mandar intimar os impetrantes dessa decisão, para que pudessem exercer o direito de insurgência através do manejamento dos recursos ordinariamente cabíveis, o que, por si só, está a justificar o lançamento da via do mandamus.

A desfundamentação da decisão que determinou o seqüestro, por outro lado, e principalmente pela circunstância de sua destacada unilateralidade, faz evidenciar a dimensão do prejuízo que se operou sobre os direitos individuais dos impetrantes, tendo em vista que a Constituição Federal, como sabido, determina expressa necessidade de as decisões judiciais serem devidamente motivadas.

Sobre esse preceito bem adverte Antonio Scarance Fernandes:

Evoluiu a forma de se analisar a garantia da motivação das decisões. Antes, entendia-se que se tratava de garantia técnica do processo, com objetivos endoprocessuais: proporcionar às partes conhecimento da fundamentação para poder impugnar a decisão; permitir que os órgãos de segundo grau pudessem examinar a legalidade e a justiça da decisão. Agora, fala-se em garantia de ordem pública, em garantia da própria jurisdição. Os destinatários da motivação não são mais somente as partes e os juízes de segundo grau, mas também a comunidade que, com a motivação, tem condições de verificar se o juiz, e por conseqüência a própria Justiça, decide com imparcialidade e com conhecimento da causa. É através da motivação que se avalia o exercício da atividade jurisdicional. Ainda, às partes interessa verificar na motivação se as suas razões foram objetos de exame pelo juiz. A este também importa a motivação, pois, através dela, evidencia a sua atuação imparcial e justa.

E acrescenta:

Não há dúvida que a existência de motivação abrange todas as decisões relevantes do processo, definitivas ou interlocutórias, principalmente quando estas afetam direitos individuais.(3)

Tanto que já se firmou na jurisprudência:

PROCESSUAL PENAL, SENTENÇA CONDENATÓRIA, FUNDAMENTAÇÃO, DEFICIÊNCIA, NULIDADE.
Nos termos do artigo 93, IX, da Constituição Federal, todos os julgamentos dos Órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade… A sentença que vulnera tal preceito padece de nulidade absoluta, em face a regra do Estatuto Político e do disposto no artigo 381, II, c/c artigo 564, IV, do Código de Processo Penal, pelo que pode ser anulada de ofício. Hipótese em que, salvo uma breve referência à confissão no interrogatório, nada mais existe que possa dar supedâneo a uma condenação criminal, ausência de exame das provas contidas nos autos, da defesa ofertada pelo réu, ou das provas por ele apresentadas.
Decretação, de ofício, da nulidade da sentença, apelação prejudicada.(4) (g.p.)

Ainda que tal vício de origem não emergisse flagrante, de sorte a macular a decisão de inafastável pecha de nulidade, bem de se ver, conforme já se frisou alhures, que a constrição patrimonial recaiu sobre todos os bens dos impetrantes, sem qualquer obediência ao preceito do artigo 125 do CPP; bem como não se deu guarida à obrigação de se obedecer aos comandos derivados da necessidade de se colher manifestação dos próprios impetrantes, através de procedimento adequado; e, mais, o de dar a eles conhecimento formal da medida através de intimação específica, até mesmo para que pudessem se valer da via recursal ordinária, que assim ficou obstada, em que pese já terem sido seus efeitos publicados junto aos Cartórios de Registro de Imóveis, como se determinou.

Essa unilateralidade da decisão objurgada lança sobre ela, tanto quanto a ausência de processo legal, a eiva de idêntica nulidade, a exigir, portanto, plena e urgente reparação.

É da jurisprudência do egrégio Tribunal Regional Federal da Quinta Região:

PROCESSUAL PENAL. AUSÊNCIA DE DEVIDO PROCESSO LEGAL.
1. O seqüestro de bens para garantir ressarcimento de danos causados por delito penal só pode ocorrer em bens imóveis pertencentes ao acusado da infração e que foram adquiridos com o produto da mesma. Não impede o seqüestro se o bem se encontrar em poder ou sobre o domínio de terceiro.
2. Após a vigência da CF/88 o seqüestro autorizado pelos arts. 125 e 126, do CPP, está submetido ao devido processo legal. Há, assim, necessidade de se instaurar procedimento sumaríssimo onde se permita a defesa do proprietário do bem. A decisão há de ser fundamentada e vinculada aos fatos demonstrados no referido procedimento.
É extravagante a decisão judicial que concede seqüestro em bens de propriedade de um hospital, constituído sob forma de sociedade por responsabilidade limitada, com fundamento em acusação de ilícito penal que teria sido cometido por um dos seus sócios, pessoa física, na gerência de verbas públicas.
4. Mandado de segurança concedido.(5) (g.p.).


Impetrado que foi em 26 de fevereiro do ano ainda andante, o Mandado de Segurança não se viu brindado, dias após, com a reclamada LIMINAR, tendo em vista que o eminente Desembargador Relator, nada obstante reconhecer a pertinência do remédio jurídico invocado, não vislumbrou na espécie a ocorrência de uma decisão manifestamente teratológica.

Após lento tramitar o writ foi levado a julgamento no dia 14 de outubro pretérito perante a Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, para onde fora redistribuído por força de decisão administrativa. Na ocasião, à unanimidade, a ordem foi DENEGADA.

A denegação publicada se escorou no pressuposto de que é possível, à luz do Direito, e em sede de processo penal cautelar, a utilização do poder geral de cautela conferido ao juiz para determinar medidas preventivas que obstem a lesão ao direito da parte, e que, em relação ao seqüestro dos bens, não se tornava possível sua discussão na via angusta do Mandado de Segurança, que não se presta a substituir recurso próprio contra decisão judicial.

A decisão colegiada afiançou, ademais, que “a tese sustentada pelos impetrantes centra-se, é verdade, na impossibilidade de interferência exógena, Estatal, nas atividades da Federação (XXX), sociedade civil de direito Privado”.

A decisão do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, no entanto, passou à larga das considerações acerca de pontos levantados na impetração, caracterizados pela justificada impossibilidade de se declarar afastamento do Recorrente (XXX), empregado celetista da Federação, sem preservar-lhe o salário; da ausência de fundamentação do ato decisório, tanto em relação ao afastamento dos Recorrentes, quanto à necessidade da decretação da indisponibilidade dos seus bens; e, por último, da ausência do devido processo legal, com os meios de defesa a ele inerentes, para que tal constrição patrimonial fosse autorizada.

RAZÕES PARA A CASSAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO

Está a r. decisão proferida pela Corte de Justiça de Minas Gerais, rogata venia, a merecer reparo, tendo em vista que não enfrentou com a habitual percuciência a matéria jurídica submetida ao seu crivo, de sorte a fazer protrair o imenso constrangimento que a decisão monocrática fez recair cobre os direitos individuais dos Recorrentes.

Com efeito, consoante pode ser conferido no contexto objetivo da matéria que arrimou a impetração, os Recorrentes justificaram a necessidade do remédio invocado aos seguintes pressupostos:

– A decisão objurgada não poderia ter-se valido do princípio do poder geral de cautela conferido ao Juiz, para introduzir no ordenamento processual penal medida cautelar inominada que ordenou o afastamento de dirigente de sociedade civil de direito privado; e, muito menos, a de empregado seu, contratado sob a égide da Consolidação das Leis do Trabalho, sem preservar-lhe o salário; cujas conseqüências implicariam na cassação do mandado de um – ao arrepio dos interesses da assembléia dos sócios –, e na demissão do outro – sem atenção aos seus direitos trabalhistas;
– O invocado poder geral de cautela, se já não podia ser aplicado para criação de uma medida cautelar não inserida na previsão taxativa do Código de Processo Penal, igualmente não haveria de ser utilizado para aplicação de interpretação analógica, in malam parte, “ainda que a medida dela derivada não esteja adstrita à própria conceituação primária do delito, mas a um mero consectário seu”, conforme se argumentou;
– O seqüestro de todos os bens dos Recorrentes fora autorizado de forma irregular, no que tange à inexistência de justificativa que os vinculasse à prática dos supostos delitos, e, igualmente, por não ter sido precedido de procedimento específico, onde fosse facultado a todos o amplo direito de defesa; e,
– Por não conter o ato decisório, em relação a ambas decisões, a necessária fundamentação.

Ao enfrentar a questão alusiva à interpretação analógica utilizada pelo juiz para dar guarida ao poder geral de cautela, aventando que tal permissivo estaria contido no artigo 3º do Código de Processo Penal, a decisão colegiada não levou em consideração que essa interpretação só é autorizada em situações meramente processuais, em que não se leva em conta a possibilidade, ainda que tangencial, de constrição de direitos substantivos. Por mais “moderno” que seja o argumento de que “não seria uma falta de regulamentação que iria impedir o Judiciário de se pronunciar sobre matéria que aporta ás centenas na Justiça”, não se concebe que em face da ausência de leis, ou de regulamentações, possa se derruir, sem quaisquer restrições, princípios sedimentares do Direito, sobretudo aqueles que foram criados para resguardo da cidadania.

As normas processuais que configuram as medidas cautelares no processo penal são normas de natureza mista, por conterem o estabelecimento de procedimentos meramente instrumentais, mas que podem ensejar repercussão no âmbito do direito substantivo. Sabe-se que a interpretação analógica de tais normas implicaria em integração in malam partem, de norma de natureza híbrida, com conteúdo processual e penal, vedado pelo ordenamento jurídico.

A propósito disso é que o renomado Carlos Maximiliano já advertia:

“Como a exegese extensiva só se proíbe acerca de dispositivos que cominam pena ou agravam a criminalidade, segue-se que a forma rigorosa de interpretar concernente às leis penais não persiste relativamente ao Processo. Aplicam-se às prescrições de Direito Adjetivo as regras comuns de Hermenêutica; nem sequer o recurso à analogia é vedado. Entretanto o preceito não é absoluto: quando se tratar de exceções às regras gerais, bem como de limitação à liberdade individual, ao exercício de direitos ou a interesses juridicamente protegidos, o texto considerar-se-á taxativo, será compreendido no sentido rigoroso, estrito. Assim sucederá, p. ex., quando às prescrições que autorizem a prisão preventiva, o seqüestro dos bens do indiciado, ou restrições ao direito de defesa”.(6) (as sublinhas foram postas).

Da judiciosa lição do mestre retira-se a certeza de que muito embora a autorização para interpretação analógica esteja contida no artigo 3º do CPP, como relevado no Acórdão recorrido, não pode a mesma, efetivamente, ser estendida a preceitos instrumentais que fogem da regra geral, e que têm capacidade para interferir no exercício de direitos ou limitar a fruição de interesses juridicamente protegidos. Na espécie, ao que se vê, o constrangimento recaiu sobre o direito ao trabalho de um dos Recorrentes, que é norma constitucional inconteste (art. 7º, I, da CF); e, em relação ao outro, sobre o de exercer o mandato que lhe fora outorgado por assembléia de sócios de associação civil de natureza privada; convolando-se da mesma forma pela constrição indevida determinada pelo seqüestro autorizado sem o respaldo do devido processo legal.

Essa natureza mista da norma processual referente às medidas cautelares penais é endossada pelo renomado Romeu Pires de Campos Barros, ao sustentar que aquelas previstas no ordenamento são de enumeração taxativa, não comportando, por tal, que sejam alargadas, como na espécie.

Assim é que prelecionou:

“A possibilidade jurídica na ação cautelar consiste em se verificar, “prima facie”, se a medida cautelar pleiteada é admissível no estatuto processual ou em qualquer lei dessa natureza.
Existe uma tipicidade processual não diferente da tipicidade de direito substancial. Portanto, importa verificar se o pedido do autor pode subsumir-se num dos modelos descritos nos preceitos normativos do direito vigorante. Inexistindo no ordenamento jurídico a medida cautelar pleiteada, não há possibilidade jurídica para o pedido do autor”. (7)(g.p.).

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus nº 75.662-0 SP, cuja ementa foi parcialmente citada na petição do Mandado de Segurança denegado, incorporou o voto do Ministro Marco Aurélio, em que ficou assentado:

“Realmente, não se pode ter, fora das hipóteses contempladas, o implemento, no campo penal, de medida acauteladora, sob pena de fugir-se do campo da legalidade, contrariando-se, ainda, o princípio da não-culpabilidade”.(8)

Posta-se, pois, que os fundamentos do Acórdão recorrido não estão assentados na melhor razão de Direito, não se mostrando, portanto, plausível que tenham sido decretadas mediante interpretação analógica diante da ausência de previsão específica no ordenamento processual penal.

A impossibilidade de intervenção judicial em um ente privado, de natureza especial como as associações esportivas, que gozam de especial tratamento na norma do artigo 217, I, da Carta Política, mostra-se evidente, não principalmente pela qualidade da pessoa jurídica que sofreu a intervenção, mas, substantivamente, em face da impossibilidade de se abrigar no procedimento cautelar penal a medida inominada, como relevado.

A par isso, ademais, bem de se ver que, em relação ao seqüestro de todos os bens imóveis dos Recorrentes, decretado que foi, inaudita altera pars, também se mostra a decisão absolutamente desguarnecida de albergue jurídico.

Consoante ficou frisado na peça inaugural do mandamus o seqüestro formalizado com fundamento no artigo 125 do CPP tem a característica de operar a retenção da coisa litigiosa, sendo de sua natureza a busca do bem adquirido com os proventos do crime cometido, e que pode ser decretado diante da existência de meros indícios da proveniência ilícita dos bens.

Sua finalidade é atender ao que dispõe o artigo 91, II, “b”, do Código Penal, que autoriza a decretação da perda, em favor da União, “do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso”, ressalvado o direito do ofendido ou de terceiro de boa-fé.

Na hipótese versada nos autos, todavia, o seqüestro foi determinado de forma genérica, sem se ater à necessidade imperiosa de se detalhar os indícios que o recomendavam, ou, mesmo, de delimitar o prazo de aquisição do bem com o tempo da suposta prática delituosa.

No entanto, ainda que se pudesse despachar afoitamente tal seqüestro, bem de se ver que tal medida não prescinde do procedimento adequado, via do qual se favorece, em autos apartados do principal, ao acusado, o direito de opor-se a ele através da defesa que tiver e quiser; e, ainda, o de vir a ter conhecimento formal da decisão constritiva, para que possa dela recorrer, nos termos da lei.

Na hipótese, esse processo legal foi simplesmente ignorado, desconsiderado, de sorte que os Recorrentes não tiveram como se insurgir contra a decisão, até porque não existiu qualquer procedimento.

É de conhecimento cediço que em relação às medidas cautelares cuja instrumentalidade não possa vir a prejudicar a consecução de seus objetivos imediatos, e que é exatamente a qualidade da medida de seqüestro, que não tem como ser frustrado pela malícia do destinatário, não se concebe a possibilidade de serem deferidas inaudita altera pars. Essa é a regra. A excepcionalidade só se aceita quando o contraditório prévio importar em frustração da medida. Na hipótese de seqüestro, que se insere na regra, tem-se que cumprir a norma do artigo 129 do CPP.

É da jurisprudência do Egrégio Tribunal do Estado do Rio Grande do Sul:

Em se tratando de seqüestro prévio de imóveis sobre os quais incidirá, ao final, hipoteca legal para garantir a reparação de prejuízo causado a Fazenda Pública por imputação prática delituosa, o devido processo legal não prescindirá da representação da autoridade incumbida do processo administrativo ou do inquérito policial, exigência da lei específica, bem como das provas ou da indicação das provas em que se fundar a estimação da responsabilidade, a estimativa do valor dos imóveis a serem seqüestrados e a prova documental do domínio, como disciplinado no art. 135 do Caderno do Rito. O fato de se tratar de processo autuado em apenso a ação penal não desobriga o requerente de transpor para os autos apartados a prova dos pressupostos e requisitos atinentes a medida assecuratória requerida.(9) (g.p.).

Em razão de ter sido decretado o seqüestro do todos os bens dos Recorrentes da maneira como foi, sem qualquer respeito ao direito de defesa, e em ambiente processualmente esdrúxulo, tem-se que, como consectário natural, restou maculada a garantia da intimação, que se consubstancia na circunstância de que só se é possível a existência do contraditório e da ampla defesa se a parte tomar ciência dos atos do processo. Na hipótese, nada obstante, a rigor, como já se frisou, devesse o procedimento cautelar suscitado pelo Ministério Público ser processado em autos apartados, consoante a lei determina, não se cogitou de se dar aos Recorrentes ciência formal da decisão proferida, para que pudessem se opor no âmbito do próprio processo principal, à violência da medida.

Havendo sido desprezada essa regra comezinha, ficaram os Recorrentes desamparados de meios para exercitarem os recursos previstos para a hipótese, quando regularmente processadas, só lhes restando, então, diante da contundência do constrangimento operado, a utilização do mandamus.

Por último, resta considerar que o Acórdão recorrido não deu guarida à alegação despendida na inicial, segundo a qual a decisão atacada estaria contaminada por eiva insuperável de nulidade, tendo em vista que a autoridade coatora não se dera ao trabalho, tanto em relação a uma como a outra das medidas impostas, de fundamentar a necessidade de se aplicar o provimento cautelar, sustentando as razões de seu inconformismo na judiciosa lição de Antonio Scarance Fernandes.

Com efeito, não pende dúvida nos tempos hodiernos que a fundamentação das decisões judiciais é providência indeclinável, em razão de exigência assentada na Constituição da República.

O Professor José Cirilo de Vargas, consentâneo com aquele, asseverou em irretocável lição:

“Além das razões apontadas acima pelo prof. Bandeira de Mello, outro enfoque que pode ser concebido é o que vê na idéia de garantia uma fonte básica de inspiração da obrigatoriedade de motivação das decisões judiciais. O Processo penal é dotado de rara força de sacrificar as liberdades do cidadão. Quanto mais fundamentação houver nas decisões que impliquem restrição a direitos individuais, mais garantias teremos, notadamente aqueles de nós não ocupantes de cargos ou funções públicas que rendem prestígio e autoridade. As autoridades dispõem de foro privilegiado, caso sejam alcançadas por uma acusação penal. Além disso, as possibilidades de uma decisão condenatória imotivada são praticamente inexistentes. Nossas considerações levam em conta o homem comum, o pedido da multidão, a vítima potencial da arbitrariedade e da truculência..
Essa idéia de garantia comporta alguns desdobramentos: a) oferece elementos concretos para se aferir a imparcialidade do juiz; b) pelo exame da motivação da decisão, pode ser verificada sua legalidade; c) a motivação garante às partes a possibilidade de constatar terem sido ouvidas, na medida em que o juiz terá levado em conta, para decidir, o material probatório colhido e o que foi alegado.
(…).
A ausência de fundamentação dos atos decisórios, em que se acha em jogo a liberdade individual, é profundamente arbitrária e contrária à cultura, ale do contraste à Constituição e à justiça. Daí, a nulidade dos mesmos assim proferidos. O acatado mestre Barbosa Moreira, examinando o princípio da motivação no quadro do Estado de Direito, judiciosamente ensina: “A atuação eficaz da garantia jurisdicional exige que os órgãos incumbidos de prestá-la igualmente se submetam – até a fortiori – ao princípio da justificação necessária, no seu duplo momento, material e formal. É preciso que o pronunciamento da Justiça, destinado a assegurar a inteireza da ordem jurídica, realmente se funde na lei; é preciso que esse fundamento se manifesta, para que se possa saber se o império da lei foi na verdade assegurado. A não ser assim, a garantia torna-se ilusória: caso se reconheça ao garante a faculdade de silenciar os motivos por que concede ou rejeita a proteção na forma pleiteada, nenhuma certeza pode haver de que o mecanismo assecuratório está funcionando corretamente, está deveras preenchendo a finalidade para a qual foi criado”.(10)

Na hipótese, salta aos olhos a ausência de fundamentação do decisum, cuja alegação sequer foi analisada pelo r. Acórdão recorrido.

CONCLUSÃO

Diante do exposto, considerando que o ven. Acórdão objurgado deu guarida aos constrangimentos que pesaram sobre os direitos dos Recorrentes, aguardam os mesmos o processamento e admissão deste Recurso Ordinário, para que, a final, seja-lhe dado provimento para cassar a decisão monocrática, restaurando com isso a plenitude dos direitos cerceados.

Belo Horizonte, 22 de outubro de 2.006.


Antônio Francisco Patente

Advogado. OAB/MG 38.778.


__________________
NOTA

1. 147 da Lei nº 8.112/90

2. “A perda do cargo de prefeito na ação civil pública por improbidade administrativa somente tem lugar com o trânsito em julgado da sentença condenatória; e seu afastamento, temporário, cujo prazo não pode ir além de sessenta (60) dias, somente tem lugar quando comprovadamente esteja, em exercício das funções, embaraçando e prejudicando os trabalhos de investigação e/ou da instrução. (…) Inteligência dos arts. 17, § 3º, e 20, parágrafo único da LEI 8.112/90”. TJPR, 6ª C. Civ. Rel. Des. Cordeiro Cleve. J. 14.03.2012 – Acórdão 6461. Retirado da base de dados do TJPR, via internet.

3. FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. RT, São Paulo : 2.000 – págs. 119 e 120.

4. Apelação Criminal nº 97.05.08053-4/AL, 1ª Turma do TRF da 5ª Região, Rel. Juiz Castro Meira. J. 19.06.1997, Publ. 11.07.1997, p. 53561

5. TRF5. Mandado de Segurança nº 044760/PB. Rel. Juiz José Delgado. J. 14/06/1994, p. DJU 28/07/1995, p. 046827. Retirado da base de dados do TRF5 via internet.

6. Maximiliano, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 6ª Ed. Freitas Bastos, 1957. Pág.406

7. Campos Barros, Romeu Pires de. Processo Penal Cautelar. Forense, 1982, 1ª Ed. Pág. 58.

8. HC 75.662-0/SP. Segunda Turma. Rel. Min. Marco Aurélio. J. 03.03.1998. p. DJU 17.04.98.

9. Apelação Crime nº 697018075, 1ª Câmara Criminal do TJRS, Sapiranga, Rel. Des. Ranolfo Vieira. J. 09.04.1997

10. VARGAS, José Cirilo de. Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal. Forense. Rio de Janeiro: 2002. Pág. 239/240.

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