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[MODELO] Recurso de apelação criminal – Condenação por empréstimo dissimulado

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO –3ª TURMA

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2000.02.01.01400005-1

APELANTE: SALVATORE ALBERTO CACCIOLA

APELADO: JUSTIÇA PÚBLICA

RELATOR: DES. FEDERAL FRANCISCO PIZZOLANTE

Egrégia Turma

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ofereceu denúncia contra SALVATORE ALBERTO CACCIOLA, JOSÉ GEORGE TEIXEIRA BEZERRA, FRANCISCO DE ASSIS MOURA DE MELO e ROBERTO ORGLER como incursos nas penas do art. 17 da Lei 7.40002/86, por razões assim resumidas:

I – Em junho de 10000005, a Divisão de Fiscalização do BACEN teria constatado, em diligência junto ao MARKA S.A Banco de Investimento e Financiamento (hoje sucedido pelo Banco MARKA S.A), a existência de um empréstimo concedido, em maio de 10000001, de forma dissimulada, ao seu Diretor-Presidente SALVATORE CACCIOLA, a membros de sua família, e à empresa LACCA S.A Ind. e Com. de Móveis, gerida pelos seus filhos, fatos que se enquadrariam na moldura do tipo descrito no art. 17 da Lei 7.40002/86, tudo com a participação dos demais denunciados, àquela época diretores da instituição.

II – Segundo apurado pelo BACEN, o crime ocorrera mediante a interposição de JOÃO SIMÕES AFFONSO, que, beneficiário de um empréstimo de Cr$ 16.000.000,00 (dezesseis milhões de cruzeiros) do Banco MARKA, transferira ao amigo SALVATORE os valores em questão.

. A sentença de fls. 554/563 ABSOLVEU JOSÉ GEORGE TEIXEIRA BEZERRA, FRANCISCO DE ASSIS MOURA DE MELO e ROBERTO ORGLER, porque, quanto ao primeiro, “não há certeza de que tenha agido com plena ciência do objetivo das transferências, ao assinar alguns dos cheques que lhe serviram de meio” e, quanto ao segundo e ao terceiro, “além do fato de que integrar ato constitutivo de instituição financeira não é o bastante para resultar na responsabilidade penal, também não há nos autos nenhuma prova que levasse à certeza de suas participações conscientes no crime”.

. A mesma decisão CONDENOU SALVATORE ALBERTO CACCIOLA a quatro anos e seis meses de reclusão e três mil dias-multa, no valor de cinco salários-mínimos cada. Eis a suma das considerações que justificaram o decreto condenatório:

“No tocante à movimentação dos recursos do Banco MARKA para os destinatários SALVATORE, seus parentes e empresa por seus filhos gerida, tal como discriminado na documentação remetida pelo BACEN, parece não haver dúvida, sendo certo que trata-se de hipótese de transferência de recursos vedada e punida pelo art. 17 da Lei n. 7.40002/86. Sob este prisma, entende o MPF, escudado no resultado da apuração realizada pelo órgão de fiscalização e controle das instituições financeiras, responsável, pois, pelo poder de polícia inerente a esta área, cumpriu com o ônus que lhe é distribuído, demonstrando o preenchimento da figura típica imputada.

Afinal, indiretamente, valendo-se da interposição de terceira pessoa, os diretores da instituição financeira fizeram passar para o primeiro acusado, diretor presidente da mesma instituição, seus parentes e pessoa jurídica de sua gestão, recursos financeiros, o que infringiu a regra do art. 17, da Lei n. 740002/86.

Analisando, por outro lado, o contexto probatório em que a defesa entende que foi capaz de provar, com mais precisão, o álibi alegado em seu favor, entendo que não há como lhe conferir razão.

O depoimento de JOÃO SIMÕES, pessoa da qual os recursos foram repassados indevidamente para aquelas pessoas impedidas de os receber, por razões óbvias, deve ser visto com bastante reserva e pouca força probante em torno da verdade dos fatos.”

. Às fls. 581/50005, o condenado interpôs recurso de apelação, a argumentar:

  1. que sua condenação, bem como a desproporcionalidade da pena de multa que lhe foi aplicada (quinze mil salários-mínimos, equivalentes a mais de dois milhões de reais), teriam sido, se não motivadas, pelo menos influenciadas pelo seu envolvimento em notória operação de socorro aos Bancos MARKA e FONTE CINDAM, amplamente divulgada pelos meios de comunicação, fato que nada tem a ver com este processo;
  2. que nunca houve a tentativa de, por interposta pessoa, efetuar a operação de empréstimo descrita no tipo penal;

  1. que a não comprovação das acusações agora imputadas ao réu levou o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional a arquivar o processo administrativo que teve curso no Banco Central; e
  2. que a sentença violou a presunção de inocência do réu ao atribuir à defesa o ônus de comprovar a inocorrência do fato delituoso descrito na denúncia.

. Às fls. 605/620, contra-razões do Ministério Público Federal, a argumentar:

  1. que é de todo impertinente a referência ao socorro dado pelo PROER aos Bancos MARKA e FONTE CINDAM, fato que, por certo, não deve influenciar o julgamento da presente ação, mas não transforma, por si só, o apelante em “vítima do sistema jurídico-processual pátrio, que mostra seu lado perverso na atuação do seu órgão de persecução penal” (fls. 612) nem é capaz de justificar alguma dúvida acerca da imparcialidade do magistrado prolator da sentença recorrida;
  2. que a materialidade do delito está demonstrada de forma plena pela documentação de fls. 11/65, notadamente, pelas cópias das ordens de pagamento emitidas para débito em conta corrente de JOÃO SIMÕES AFFONSO e crédito nas contas de SALVATORE ALBERTO CACCIOLA e parentes seus, prova alguma existindo capaz de dar suporte à tese da defesa segundo a qual o “empréstimo” teria servido para a liquidação de uma dívida pessoal de JOÃO para com SALVATORE;
  3. que o arquivamento do processo administrativo, além de não vincular a decisão a ser proferida na esfera penal, não desqualifica as observações feitas pelo corpo técnico do Banco Central no sentido de que:

“(…) se, como afirma a defesa, o empréstimo pessoal poderia ser saldado na medida das disponibilidades do devedor, por que recorreu este à abertura de crédito e justamente no Banco controlado pelo credor?

Além disso, a defesa não apresenta qualquer documento que comprove a assunção da referida dívida do Sr. Affonso para com o Sr. Cacciola (…) Parece-nos estranho que um empréstimo estritamente pessoal, como quer fazer crer a defesa, viesse a ser saldado por meio de pagamentos inclusive à Lacca S/A Ind. e Com. de Móveis, empresa na qual o Sr. Cacciola detinha expressiva participação acionária.” (fls. 107/108)

  1. que não ocorreu aqui a alegada inversão do ônus da prova. Antes pelo contrário, a acusação demonstrou tanto a materialidade quanto a autoria do delito, e o magistrado a quo, valorando as provas carreadas aos autos, terminou por entender inconsistentes as justificativas apresentadas pela defesa. Daí a condenação.

. É o relatório.

. A teor do art. 17 da Lei 7.40002/86, constitui crime, sujeito à pena de 02 (dois) a 06 (seis) anos de reclusão, e multa

Tomar ou receber, qualquer das pessoas mencionadas no art. 25 desta lei, direta ou indiretamente, empréstimo ou adiantamento, ou deferi-lo a controlador, a administrador, a membro de conselho estatutário, aos respectivos cônjuges, aos ascendentes ou descendentes, a parentes na linha colateral até o 2º grau, consangüíneos ou afins, ou a sociedade cujo controle seja por ela exercido, direta ou indiretamente, ou por qualquer dessas pessoas

. Trata-se, segundo entendimento assente na melhor doutrina e na jurisprudência dos nossos tribunais, de crime “de perigo abstrato, independendo da efetividade de qualquer prejuízo econômico para a instituição”[1]. Versando o tema, o professor RODOLFO TIGRE MAIA[2] apresenta análise das mais lúcidas acerca do bem jurídico que o dispositivo visa a tutelar, esclarecendo:

“Pretendeu o legislador, uma vez mais, assegurar-se de que os detentores de funções relevantes no bojo das instituições financeiras não desviariam o poder que detém, em prejuízo do SFN, das empresas e de seus investidores, coibindo-se-lhes o nepotismo, através da vedação das práticas previstas no tipo objetivo, que poderão atingir o equilíbrio financeiro da empresa, atingir a poupança popular nelas investida e solapar a fé pública no sistema financeiro. Como já acentuado, por força do substrato ético-social que deve perpassar a atividade empresarial, que se origina de sua função social e da predominância do interesse público, ao administrador cabe manter uma postura de absoluta integridade na gestão da sociedade, conduzindo-a com probidade, diligência, lealdade, sigilo e transparência.”

. Lembrados estes conceitos teóricos, convém agora pôr em cotejo os elementos de convicção existentes nos autos com as razões do recurso de fls. 581/50005, para ver até onde guardam elas alguma coerência com a realidade dos fatos.

. O recurso interposto por SALVATORE ALBERTO CACCIOLA da sentença que o condenou, insistindo na negativa da existência do empréstimo que lhe teria sido concedido pelo Banco Marka, vem lastreado em três premissas básicas das quais já se socorrera em suas alegações de fls. 533/546: em primeiro lugar, João Simões Afonso há muito mantinha uma conta garantida junto ao Banco Marka S.A. que, ao tempo dos fatos apresentou saldo devedor, simplesmente porque o seu titular decidira utilizar-se do seu limite de crédito para saldar algumas pendências, dentre as quais um empréstimo afirmadamente contraído com CACCIOLA; em segundo, “o valor total destes 30 (trinta) cheques, que alcançava a cifra de aproximadamente R$ 30.000,00 (trinta mil reais), em valor de hoje, era insignificante para o Apelante, que tinha um patrimônio líquido, naquele ano, de mais de 27 milhões de UFIR (cf. Decl. Rendimentos, fls. 207). Assim, seria até por isso inverossímil que ele fosse buscar obter tal valor de forma criminosa no próprio banco que presidia” (item 14, ‘d’, às fls. 586); e, em terceiro e último, o próprio Conselho de Recursos do Sistema Nacional veio a arquivar o processo administrativo instaurado pelo Banco Central, em decisão unânime fundada na circunstância de não se encontrarem suficientemente comprovados o fatos ali imputados ao ora recorrente.

. Pelo menos o segundo desses argumentos, não há duvidar, seduz à primeira vista, pela lógica de que aparenta se revestir. Nenhum deles resiste, contudo, como a partir de agora procurarei demonstrar, a um exame mais atento.

Diga-se, antes de mais nada, relativamente à primeira dessas premissas, que a versão, confirmada, é bem verdade, pelo senhor João Simões Afonso no depoimento que prestou ás fls. 40003/40005, segundo a qual teria ele, para saldar o débito contraído com CACCIOLA, “utilizado créditos automáticos dados pelo banco”, certo que “os recursos não foram obtidos mediante um requerimento formal ou aprovação do comitê do banco, foram concedidos de forma normal”, contrasta frontal e flagrantemente com aquela apresentada pelo próprio Banco Marka na esfera administrativa, onde expressamente é declarado que

o Sr. JOÃO SIMÕES AFFONSO é cliente do BANCO em diversas operações no mercado de capitais há longa data, conforme atestado pela Ficha de Cadastro Básico datada de 100085 anexada aos autos do Processo Administrativo (fls. 7).

Contando com cadastro compatível e suficiente, sem uma única restrição e com reconhecida idoneidade, obteve do BANCO uma abertura de crédito, no final do mês de abril de 10000001, pelo valor aproximado de Cr$ 16.000.000,00 (dezesseis milhões de cruzeiros) que passou a utilizar para a realização de diversas despesas e liquidação de inúmeros compromissos pessoais. (defesa administrativa – fls. 87)

Se é assim, a operação detectada pela fiscalização do Banco Central nem de longe e em momento algum guarda qualquer identidade com a situação do cliente menos cuidadoso que, deliberada ou involuntariamente, excede o limite do seu cheque especial.

Ou, por outra, os fatos que inspiraram o oferecimento da denúncia e a condenação do réu CACCIOLA no caso específico, de modo algum se apresentam revestidos da aura de inocência que, agora, em sede judicial, lhe pretendem atribuir o apelante e a personagem de quem se socorreu como interposta pessoa para a obtenção do empréstimo que lhe era vedado tomar.

Não é, portanto, verdade que o crédito liberado pelo Banco Marka em favor do senhor João Simões Afonso fosse proveniente de “uma conta com limite de crédito, do tipo conta garantida” (v. alegações finais – fls. 535).

Pouco importa fosse o senhor João Afonso cliente antigo ou recente do Banco Marka; fosse seu cadastro imaculado ou comprometido. Fato é que pleiteou e obteve daquela instituição financeira a abertura de um crédito no valor aproximado de Cr$ 16.000.000,00 (dezesseis milhões de cruzeiros), dos quais fez repassar Cr$ 10.213.84000,64 (dez milhões, duzentos e treze mil, oitocentos e quarenta e nove cruzeiros e sessenta e quatro centavos) – fls. 11/12 – ao réu SALVATORE CACCIOLA, coincidentemente seu Diretor-Presidente. Apesar, fique isto claro, de cliente do Banco Marka desde 100085, só em abril de 10000001 resolveu João Afonso obter o crédito em questão.

. E mais, a declaração por ele prestada (fls. 0004) no sentido de que “não tem como conferir o número da conta”, além de pouco crível, deixa margem à ilação de que a conta, inaugurada em 10000001, não teve vida longa, na medida em que em 28.03.10000005 já não recordava o seu número ou detinha algum elemento que permitisse conhece-lo…difícil acreditar.

Certo é, contudo, que com base nesses elementos, o BACEN, em primeira instância, veio a condenar SALVATORE CACCIOLA, em decisão cujos fundamentos podem assim ser resumidos:

10. (…) entendemos estar caracterizada a transferência de recursos da empresa a seu administrador, por vias indiretas, ou seja, com trânsito de valores pela conta corrente do Sr. João Simões Affonso. Se, como afirma a defesa, o empréstimo pessoal poderia ser saldado na medida das disponibilidades do devedor, por que recorreu este à abertura de crédito e justamente no Banco controlado pelo credor?

11. Além disso, a defesa não apresenta qualquer documento que comprove a assunção da referida dívida do Sr. Affonso para com o Sr. Cacciola, qualquer documento que formalize o empréstimo nas condições descritas – para pagamento “quando pudesse, ao próprio ou a quem ele viesse a indicar”. Parece-nos estranho que um empréstimo estritamente pessoal, como quer fazer crer a defesa, viesse a ser saldado por meio de pagamentos inclusive à Lacca S.A Ind. e Com de Móveis, empresa na qual o Sr. Cacciola detinha expressiva participação acionária.

12. Mais ainda, a resposta do Sr. João Simões Affonso ao expediente DERJA/REFIS-II-.00.0302/0005, que solicitava esclarecimentos sobre a operação em tela, não contém, ao contrário do que sugere a defesa, qualquer informação relevante para a elucidação dos fatos. Na mencionada correspondência, o signatário limita-se a declarar vagamente que “embora não possa conferir o número da conta e as anotações feitas à mão com extratos recebidos naquela época, pois já não os tenho mais, certamente a movimentação está correta, pois durante o tempo que operei com aquele banco não tive qualquer dúvida.

A fase administrativa encerrou-se por decisão do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional que houve por bem convolar em arquivamento a multa pecuniária(…)por não ter restado comprovada a realização de empréstimos vedados via interposição de terceiros (fls. 421).

A este propósito convém lembrar não apenas o argumento tantas vezes repisado de que as esferas administrativa e criminal são independentes, não vinculando o que lá se decidiu o andamento ou a solução da ação penal regularmente instaurada. Tem-se aqui, além disso, que aquela decisão proferida pelo Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional concluiu, pura e simplesmente, pelo reconhecimento de que a burla às normas de proteção do sistema financeiro de cuja prática era acusado o ora apelante não se encontrava suficientemente comprovada. Não disse, de modo peremptório, que o delito não fora por ele perpetrado. De toda sorte, nada tolhia a produção de novas provas perante o Poder Judiciário ou mesmo fossem por ele valoradas aquelas que a autoridade administrativa houvera por bem desconsiderar.

Foi isto, a meu aviso, precisamente o que ocorreu nestes autos, dispensável, sobre este ponto específico, alguma nova consideração.

No âmbito da presente ação penal, o réu SALVATORE CACCIOLA procurou, desde sempre, descaracterizar o enquadramento de sua conduta ao tipo penal. Consta da ata do seu interrogatório (fls. 171/174):

“(…) que o que ocorreu foi uma operação de empréstimo pessoal do interrogando à JOAO SIMOES;

que o empréstimo não foi feito pelo banco;

que era um empréstimo do tipo que se faz a pessoas conhecidas, amigas, um irmão, um parente;

que emprestou algo em torno de 25 ou 28 mil dólares;

que JOAO SIMOES deveria pagar o empréstimo em dólar da forma que pudesse ou que o interrogando precisasse;

que JOAO SIMOES era pessoa do seu relacionamento e tinha conta garantida no BANCO MARKA que correspondia a um crédito de cerca de 60 mil dólares na época;

que JOAO SIMOES foi pagando a dívida que tinha com o interrogando e então os valores eventualmente pagos pelo empréstimo pessoal eram depositados nas contas de seus filhos, sua mulher, seu pai, seu irmão e pelo que se recorda também na conta da LACCA;

(…) que os depósitos eram feitos através de cheques nominativos;

que se o interrogando pretendesse qualquer operação vedada pela lei o faria em dinheiro e não através de cheques nominativos e com destinação especificada no verso;

que pode ser que JOAO SIMOES tenha ficado devedor em sua conta em razão de algum pagamento, quer do empréstimo, quer de despesas pessoais, mas se isso ocorreu fora um problema dele;

que o interrogando possuía e ainda possui conta corrente no então Banco Nacional, com limite de cheque especial de cerca de 100 mil dólares e que nunca utilizou tal limite;

(..) que por essa razão não havia porque sacar 30 mil dólares na operação que lhe é imputada;

que nunca foi preso nem processado [ver FAC às fls. 156, em sentido contrário] (…)”

No mesmo sentido, a tese defensiva apresentada como razões de apelação (fls. 581/50005), nas quais se tem consignado que:

os cheques eram emitidos pela Tesouraria, datilografados, e aqueles 30 (trinta) que foram objeto da acusação eram nominativos, o que constituiria, a ser verdadeira a acusação, uma desastrada e absurda ‘confissão’ de um delito (veja-se fls. 15/37); a propósito, em seu interrogatório judicial, afirmou o Apelante que ‘se pretendesse qualquer operação vedada pela lei o faria em dinheiro, e não através de cheques nominativos e com destinação especificada no verso (fls. 173);

o valor total destes 30 (trinta) cheques, que alcançava a cifra de aproximadamente R$ 30.000,00 (trinta mil reais), em valor de hoje, era insignificante para o Apelante, que tinha um patrimônio líquido, naquele ano, de mais de 27 milhões de UFIR (cf. Decl. Rendimentos, fls. 207). Assim, seria até por isso inverossímil que ele fosse buscar obter tal valor de forma criminosa no próprio banco que presidia;

somente no Banco Nacional S/A o Apelante tinha um limite de crédito equivalente a cerca de US$ 100 mil (cem mil dólares americanos), que jamais utilizou, e não faria sentido cometer um delito para obter de forma apenas momentânea algo em torno de R$ 30 mil;

Chega-se, pois, à terceira das premissas – ou o terceiro dos fundamentos – a que antes fiz referência: não seria razoável que alguém detentor de um patrimônio – declarado, vale o registro – de 27.438.743,0002 UFIR (fls. 207 e 20000) e livre acesso a um crédito de US$ 100 mil no Banco Nacional S/A cometesse crime tão elementar com a finalidade de obter Cr$ 10.213.84000,64 (U$ 3000.000,00 à época do fato).

É verdade: embora não haja nos autos um indício sequer da real existência do afirmado empréstimo pessoal, é razoável, em princípio, considerar que, para o titular de semelhante patrimônio, aqueles U$ 3000.000,00 não representassem o mesmo que para o comum das pessoas. Mas mesmo assim, ainda na falta de um contrato escrito (já que se tratava de empréstimo “do tipo que se faz a pessoas conhecidas, amigas, um irmão, um parente” – fls. 172), difícil crer que quem o recebe não seja capaz de pelo menos declinar por que precisou da indigitada quantia ou o destino que a ela foi dado.

Não fosse, repito, pelo fato de não existir prova alguma da dívida em questão, talvez fizesse sentido que, apesar de cliente do Banco MARKA há tantos anos, preferisse JOÃO se socorrer de um amigo, que, provavelmente não lhe cobraria juros nem exigiria garantias.

Entretanto, seria também inverossímil que, três meses depois do suposto empréstimo, o devedor resolvesse pleitear uma abertura de crédito junto a uma instituição financeira, com todos os encargos inerentes a esse tipo de operação, justamente para quitar aquele débito!

Voltemos, porém, ao argumento segundo o qual SALVATORE, rico como sempre foi, não teria o menor motivo para recorrer a um amigo a fim de, criminosamente, obter da instituição por ele mesmo administrada a importância aproximada de U$ 30.000,00, para ver que, também deste ponto de vista, a defesa não se sustenta.

É que se, por um lado, é verdade que SALVATORE CACCIOLA era e é detentor de um patrimônio sem dúvida respeitável, como resulta claro da sua declaração de rendimentos (fls. 201/21000), não é menos verdade que, em sua grande parte, ele se encontrava imobilizado, quem sabe sem a desejável liquidez, num momento em que, convém lembrar, o país vivia os efeitos do assim chamado “Plano Collor”, que determinou o bloqueio de todos os valores que, objeto de depósito em conta corrente, excedessem, salvo engano, a importância de Cr$50.000,00 (cinquenta mil cruzeiros).

Sobre não se constituir a prática dos crimes contra o sistema financeiro e, de resto, a de crime algum, não importa a sua natureza, prerrogativa de pessoas menos aquinhoadas e, portanto, mais necessitadas, no indigitado contexto, é o caso de perguntar: seria de fato tão ilógica a conduta cuja prática lhe é imputada nestes autos? Ou tão desimportante, ainda que em termos relativos, a quantia de Cr$ 10.312.000,00 (dez milhões, trezentos e doze mil cruzeiros)?

Disso ninguém duvida, outras fontes de recursos bem mais vultosos sempre estiveram ao alcance do ora apelante.

Nada há de absurdo, contudo, no fato de haver optado pela via mais fácil, lançando mão do expediente de buscar a quantia de que necessitava nos cofres do banco por ele mesmo dirigido, quem sabe corriqueiro no dia-a-dia dessas instituições, tamanha a dificuldade sempre enfrentada pelos órgãos fiscalizadores na produção da prova sem a qual sua atuação resulta, não raro, infrutífera.

Tudo isso, porém, serve antes de mais nada para demonstrar que a defesa não foi capaz de pôr em cheque os fundamentos da acusação e da sentença ora hostilizada, nada bastando à descaracterização do fato como crime, vez que a vontade livre do agente, como restou provado, o impulsionou à pratica de fato que se amolda à figura delituosa descrita na lei penal.

Sobre o elemento subjetivo necessário à configuração do tipo do art. 17 da Lei 7.40002/86, preleciona MANOEL PEDRO PIMENTEL[3]:

Tipo subjetivo. É o dolo, ou seja a vontade de fazer o que a lei proíbe, tendo consciência de que está agindo contrariamente ao direito, podendo agir de outra maneira. O tipo não requisita nenhum elemento subjetivo especial, consistente em uma particular intenção ou em uma finalidade determinada que o agente tenha em mira.

Seria, portanto, o dolo genérico da antiga classificação doutrinária, ao contrário, do que acontece com a figura prevista no art. 177, §1º, III do CP, na qual a expressão em proveito próprio ou de terceiro compõe um elemento subjetivo do tipo, que seria o antigo dolo específico.

A culpa não é admitida, por falta de previsão legal. Se a conduta for causada por imprudência, negligência ou imperícia, não haverá crime.”

A presença, no caso concreto, do dolo que a lei exige tem-se aqui suficientemente demonstrada.

A esta conclusão conduzem também os depoimentos colhidos no curso da instrução criminal, tudo a fazer certo que SALVATORE ALBERTO CACCIOLA tinha a consciência de que o crédito concedido pelo Banco Marka ao cliente JOÃO SIMÕES AFFONSO chegaria mais tarde às suas mãos. É conferir:

Do depoimento de JOSÉ GEORGE TEIXEIRA BEZERRA:

(…) a concessão de empréstimos é atividade ligada à área comercial do Banco, normalmente conduzida pelo primeiro acusado;

que inclusive na operação mencionada na denúncia o interrogando pode afirmar ter esta sido conduzida pessoalmente pelo primeiro acusado; que faz estas afirmações calcado em conversas com o próprio SALVATORE;

que já viu por diversas vezes no BANCO MARKA a pessoa de nome JOÃO SIMÕES; que JOÃO SIMÕES era cliente do Banco e tinha relações pessoais com o primeiro acusado;

(…) que todos os cheques do Banco deviam conter necessariamente duas assinaturas de diretores executivos;

que por esta razão o interrogando assinava muitos cheques diariamente; que esta seria a razão pela qual constam suas assinaturas nos referidos cheques; que, ao assinar os cheques, é impossível ao diretor saber exatamente do que se trata, quer em vista da grande quantidade, quer por serem relativos a operações não ligadas à área em que atuava;

Do depoimento da testemunha de defesa IRAPOAN SOUZA MOREIRA:

(…) que o depoente tem conhecimento que JOÃO SIMÕES AFONSO era cliente do banco na época; que o mesmo tinha uma linha de crédito pré-aprovada no banco; que esse fato não era um fato inusitado; que os clientes do BANCO MARKA não dispõem de talões de cheques;

que os clientes determinam débitos em suas contas através de solicitação verbal diretamente ao gerente da conta;

que foi isso que aconteceu no caso do Sr. JOÃO SIMÕES AFONSO;

que não tem idéia por quanto tempo o Sr. JOÃO SIMÕES utilizou o crédito automático em sua conta;

que normalmente os clientes indicam o beneficiário dos cheques quando fazem aquela determinação de débito.”

. Ora, se as ordens de pagamento foram emitidas por solicitação verbal, indicando-se os beneficiários, inevitavelmente o apelante, Diretor-Presidente da instituição financeira, tomou conhecimento de sua emissão, até porque, ao que tudo indica, JOÃO só tratava pessoalmente com o próprio CACCIOLA.

Sobre este ponto específico, aliás, nada a reparar nas considerações desenvolvidas pelo eminente magistrado de primeiro grau, na análise da culpabilidade do acusado:

(…) verifica-se que trata-se de pessoa ocupante de espaço sócio-cultural favorecido. Um homem de negócios, formado em economia e atuante no mercado há mais de trinta anos (fls. 173), capaz de conhecimento e boa compreensão da ilicitude do fato praticado, ao mesmo tempo em que, diante desta formação, maior se faz a exigibilidade de conduta conforme o direito que lhe é exigida.

Todavia, não obstante tudo isto, praticou o fato em circunstâncias reveladoras de maior potencialidade lesiva aos ditames legais e, por conseguinte, maior reprovabilidade, na medida em que adotou ardil elaborado (utilização de interposta pessoa) para burlar a proibição do art. 17 da Lei n. 7.40002/86, ardil este que, dada sua idoneidade para tornar opaca a natureza das transferências, ainda foi hábil a impedir, aos órgãos administrativos, uma clara identificação das irregularidades praticadas (…)

Não vejo, tampouco, haja de fato ocorrido a inversão do ônus da prova alegada no recurso.

. É certo que o Ministério Público logrou comprovar a autoria (já que o réu beneficiou-se do empréstimo concedido pelo Banco MARKA a seu amigo), a materialidade (consubstanciada nas ordens de pagamento de fls. 11/65) e a culpabilidade de SALVATORE ALBERTO CACCIOLA.

Sabido que, a teor do artigo 156 do Código de Processo Penal, "a prova da alegação incumbirá a quem a fizer (…), competia à defesa demonstrar a presença, na espécie, de algum fato excludente da culpabilidade do acusado. Se conseguiu se desincumbir deste ônus de maneira minimamente satisfatória, a condenação era de fato inevitável. Nesse sentido, a jurisprudência dos diversos Tribunais Regionais Federais, como dão conta as ementas que passo a transcrever:

PROCESSO PENAL. CRIME DE RECEPTAÇÃO DOLOSA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA RECEPTAÇÃO CULPOSA. PERDÃO JUDICIAL. DELITO DOLOSO. DESCABIMENTO. "MUTATIO LIBELI" NA 2 INSTANCIA. IMPOSSIBILIDADE. SUMULA 453 STF. CAUSA EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE. INCORRÊNCIA.

1. Restam induvidosas, quanto aos acusados, a autoria e a

materialidade do delito de receptação dolosa.

2. O perdão judicial somente é cabível para os delitos culposos.

3. A desclassificação dos delitos culposos para os dolosos somente é possível se as provas colhidas nos autos a autorizem.

4. Inadmissível a "mutatio libeli" no 2. grau, por força da Súmula 453 STF.

5. Inexistente nos autos prova de causa excludente de culpabilidade.

6. Apelação improvida.

(TRF – 4ª Região – ACR 0003. 417580-1/RS – DJ de 03-11-0004, p.63068 – Relator: JUIZA TANIA TEREZINHA ESCOBAR)

CRIME DE OMISSÃO DE RECOLHIMENTO DE IMPOSTO DE RENDA RETIDO NA FONTE.

Figuradas a autoria e materialidade, e indemonstradas as alegações de exclusão de culpa ou de tipo, é correta a condenação.

Continuidade bem sancionada e suspensão da pena conforme os propósitos da lei.

Recursos improvidos

(TRF – 4ª Região – ACR 0006. 444182-5/SC – DJ de 07-05-0007, p.31024 – Relator: JUIZ VOLKMER DE CASTILHO)

PENAL. DESCAMINHO.

1- Se comprovadas a autoria e a materialidade e ausentes as causas de exclusão da culpabilidade, há que se imputar ao réu as sanções cabíveis, expressas no tipo penal descrito no art. 334, parágrafo primeiro, ‘c’, do Código Penal.

2- As características pessoais, os dados subjetivos que informam o aplicador da pena foram considerados no caso concreto, tanto que a pena determinada foi a mínima para o tipo penal.

3- Apelação improvida. Sentença confirmada.

(TRF – 5ª Região – ACR 0000. 0500350-4/RN – DJ de 12-10-0000 – Relator: JUIZ JOSE DELGADO)

Acertado o decreto condenatório, entendo não obstante que a sentença recorrida fica a merecer reforma no tocante à pena de multa, fixada nos seguintes termos:

… fixo, para cada um dos trinta crimes praticados, a pena–base um pouco acima do mínimo legal, em … 100 (cem) dias multa, no valor de 5 (cinco) salários mínimos cada, à data do trânsito em julgado e corrigidos até o pagamento, pois a situação econômica do réu revela que se a pena pecuniária fosse fixada em outro patamar, restaria inócua para seus fins (…)

Destarte, é a seguinte a pena definitiva a ser executada: … 3.0000 (três mil dias multa), no valor de 5 salários mínimos cada, à data do trânsito em julgado e corrigidos até o efetivo pagamento.

A determinação de que o dia multa corresponda ao valor de cinco salários mínimos na data do trânsito em julgado ofende disposição expressa do art. 4000, §1º do Código Penal, segundo a qual

“o valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário”.

Induvidoso, portanto, que o dia multa deve tomar em consideração o valor do salário mínimo da data do fato (no caso concreto, maio de 10000001), incidindo, a partir daí, a correção monetária, impõe-se, nesta parte, a reforma da sentença apelada, tanto que o novo critério não venha a agravar a situação do condenado, já que não houve interposição de recurso pelo MPF. É como vem decidindo o Colendo Superior Tribunal de Justiça:

MULTA PENAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. MARCO INICIAL.

Diante dos expressos termos do par. 1. do art. 4000 do Código Penal, estabelecendo piso mínimo "ao tempo do fato" e não constituindo a correção monetária alteração da expressão nominal da divida, mas simples atualização monetária, o ponto de partida da correção deve ser estabelecido na data do fato.

Recurso especial conhecido e provido.

(STJ – 5ª Turma – REsp 41438-SP – Decisão de 28-0000-10000004 – Relator: ASSIS TOLEDO)

Do exposto, com esta única ressalva, o parecer é no sentido do não provimento do apelo, confirmando-se a sentença de primeiro grau por seus próprios fundamentos.

Rio de Janeiro, 08 de junho de 2000.

JOSÉ HOMERO DE ANDRADE

Procurador Regional da República

Acrim4000 – iorio

TEXTO VETADO (NÃO INTEGROU A VERSÃO DEFINITIVA DO PARECER):

Entendo, não obstante, que a sentença merece reforma no tocante à pena de multa, aplicada nos seguintes termos:

… fixo, para cada um dos trinta crimes praticados, a pena–base um pouco acima do mínimo legal, em … 100 (cem) dias multa, no valor de 5 (cinco) salários mínimos cada, à data do trânsito em julgado e corrigidos até o pagamento, pois a situação econômica do réu revela que se a pena pecuniária fosse fixada em outro patamar, restaria inócua para seus fins (…)

Destarte, é a seguinte a pena definitiva a ser executada: … 3.0000 (três mil dias multa), no valor de 5 salários mínimos cada, à data do trânsito em julgado e corrigidos até o efetivo pagamento.

É que no crime continuado há uma série de ações que, se tomadas individualmente, constituem vários crimes, mas que, quando unidas pela conexão natural das circunstâncias em que se repetem, recebem tratamento, para todos os efeitos de direito, como se fossem um crime único.

A esse respeito, esclarece o Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, em decisão transcrita na obra "Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial"[4]:

“A discussão doutrinária de que a unidade do crime é fictícia e, portanto, resultante da lei, ou verdadeira e real, mostra-se, contudo, totalmente dispensável em face da explícita afirmação legislativa de que, nesta espécie de crime, as ações criminosas subseqüentes devem ser havidas como continuação da primeira. Isto significa que a primeira ação e as que lhe sucedem constituem um ilícito único. ‘A unidade não é , então, ponto de discussão doutrinária mas princípio legal’. (…)”

(TACRIM-SP – AC – Rel. Silva Franco – ADV 3.000/056)

Em razão disso, o art. 72 do Código Penal ("no concurso de crimes, as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente") não encontra campo de aplicação nos casos de crime continuado. Não é distinta a orientação há muito adotada nos diversos Tribunais Regionais Federais, no Colendo Superior Tribunal de Justiça e mesmo no Supremo Tribunal Federal. Confira-se:

"É razoável a interpretação de que, no crime continuado, não há concurso de crimes mas crime único e, desta forma, em paralelismo com a pena privativa de liberdade, a unificação deve atingir também a pena de multa."

(STF – RE 0000.634-7 – Rel. Leitão de Abreu)

PENAL. CRIME CONTINUADO. PENA DE MULTA. INAPLICABILIDADE DO ART. 72 DO CP.

A pena de multa, aplicada no crime continuado, escapa à norma contida no art. 72 do Código Penal.

Recurso especial não conhecido.

(STJ – 5ª Turma – RE nº 68186-DF – Data da Decisão: 22-11-10000005 – Relator: ASSIS TOLEDO)

CRIME CONTINUADO. PENA PECUNIARIA.

Unificação. Sem embargo das doutas opiniões em contrário, na linha de princípio "odiosa sunt restringenda" é correto compreender-se que o crime continuado escapa à vedação estabelecida pela regra do art. 72 do Código Penal.

(STJ – 5ª Turma – RE nº 63742-SP – Data da Decisão: 07-08-10000005 – Relator: JOSÉ DANTAS)

PENAL – CRIME CONTA A PREVIDENCIA SOCIAL (ART. 0005, LETRA "D", DA LEI N. 8.212/0001) – ANISTIA – INCONSTITUCIONALIDADE – QUESTÃO DE ORDEM PREJUDICADA – FALTA DE RECOLHIMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DESCONTADAS DOS SALÁRIOS DOS EMPREGADOS – ALEGAÇÃO DE DIFICULDADES FINANCEIRAS – ESTADO DE NECESSIDADE NÃO CARACTERIZADO – PENA FIXADA NO MINIMO LEGAL – IMPOSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA DA ATENUANTE PREVISTA NO INCISO III DO ARTIGO 65, DO CÓDIGO PENAL – MAJORAÇÃO EXCESSIVA DAS PENAS EM RAZÃO DA CONTINUIDADE DELITIVA – SUBSTITUIÇÃO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS – APLICAÇÃO DO ARTIGO 44 DO CÓDIGO PENAL, COM A NOVA REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 000.714, DE 22.11.0008 – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

VI) O aumento decorrente da continuidade delitiva deve atender aos critérios objetivos e subjetivos, não podendo ser fixado no máximo legal quando se tratar de réu primário e de bons antecedentes. A pena pecuniária, igualmente, não é possível aplicar-se e disposta no artigo 72, do Código Penal, devendo seu aumento se dar pelos critérios da unificação.

(TRF – 3ª Região – Decisão de 02-02-2012 – ACR 0007.3066451-2/SP – Relator: JUIZ FED.CONVOCADO CASEM MAZLOUM)

CRIMINAL. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIARIAS. FIXAÇÃO DAPENA.

1. Desde que a confissão resulte na convicção do juiz de que a condenação é justa, é mister reduzir-se a pena, independentemente de quaisquer outros fatores subjetivos ou objetivos apresentados pelo réu no interrogatório – art-65, inc-3, let-d, do CP-40.

2. O não recolhimento de contribuições previdenciárias com interstícios mensais caracteriza o crime continuado, se presentes as demais condições do art-71 do CP-40.

3. O aumento previsto no art-71 é de natureza objetiva, isto é, tem por orientação o número de crimes praticados pelo agente.

4. A pena de multa no crime continuado escapa à norma contida no art-72 do Código Penal.

5. Apelação do MPF parcialmente provida.

(TRF – 4ª Região – Decisão de 23-06-10000008 – ACR 0007.420302-0/SC – Relator: JUIZ FABIO BITTENCOURT DA ROSA)

Deve, conseqüentemente, ser unificada também a pena de multa, sobre ela incidindo a mesma majoração determinada para a pena privativa de liberdade, qual seja, de metade.

Tendo em vista, porém, que “na fixação da pena de multa o juiz deve atender, principalmente, à situação econômica do réu” (art. 60, CP), recomendável que, após a referida unificação, esse Egrégio Tribunal se valha da faculdade que lhe é conferida pelo art. 33 da Lei nº 7.40002/86, segundo o qual

“Na fixação da pena de multa relativa aos crimes previstos nesta Lei, o limite a que se refere o §1º do art. 4000 do Código Penal, aprovado pelo Dec.-lei 2.848, de 7 de dezembro de 100040, pode ser estendido até o décuplo, se verificada a situação nele cogitada”.

Se, por um lado, a condenação imposta na sentença (15.000 salários-mínimos: 100 X 5 X 30) afigurava-se desproporcional ao perigo a que a ação delituosa do condenado (empréstimo vedado de US$ 3000.000,00) deu causa, por outro, a multa de 750 salários-mínimos [(100 + 1/2) X 5] seria ineficaz, diante de sua abastada situação econômica. Como asseverou o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, ao julgar a ACR 0006.101576-0, Rel. Juiz Tourinho Neto, a pena deve ser fixada de molde a ser necessária para a reprovação e prevenção do crime e reeducação do sentenciado”.

Nesse caso, não há falar em reformatio in pejus, pois da multiplicação da pena unificada por dez resultará o total de 7.500 salários-mínimos, ou seja, metade da condenação pecuniária originalmente imposta.

PENAL. SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. CRIME DO COLARINHO BRANCO. LEI-740002/86, ART-5, ART-33. ADMINISTRADORA DE CONSÓRCIO.

RESPONSABILIDADE PENAL DO SOCIO-GERENTE. PORTARIA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. INDEVIDA VANTAGEM FINANCEIRA. PENA DE MULTA ELEVADA AO DÉCUPLO.

1. Não se há falar em responsabilidade objetiva se a empresa não atua sem a vontade humana, sendo penalmente responsável o sócio-gerente da empresa por quotas de responsabilidade limitada, com plenos poderes de administração conferidos no contrato social.

2. Para a tipificação do crime contra o sistema financeiro nacional, inscrito no art-5 da lei de regência se faz necessário a inversão do título da posse, situação em que o agente se comporta como se dono fosse da coisa alheia de que tem posse legítima.

3. É típica a conduta livre e consciente do réu, administrador do plano de consórcio, apropriando-se da diferença para menos obtida junto às revendas de automóveis, deixando de repassar tal vantagem ao fundo de reserva do grupo consorciado.

4. De acordo com regulamentação do Ministério da Fazenda, o desconto obtido pela administradora de consórcio deve ser repassado ao consorciado e não ser indevidamente apropriado pelo administrador do plano, caracterizando o delito previsto no art-5 da lei-740002/86.

5. Em razão do caráter argentário do crime, dando maior substância à reprimenda penal por crime cometido em desrespeito à confiança depositada pelo consorciado, eleva-se a pena pecuniária, fixada no mínimo, em dez vezes, na forma do art-33, da lei-740002/86.

(TRF – 4ª Região – Decisão de 28-11-10000006 – AC 0006.4100000082-0/RS – Relator: JUIZA TANIA TEREZINHA CARDOSO ESCOBAR)

  1. MAIA, Rodolfo Tigre. Dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, 10000006, p. 115, Malheiros.

  2. Ob. cit., p. 110.

  3. PIMENTEL, Manoel Pedro. Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, 100087, p. 135, RT.

  4. FRANCO, Alberto Silva; e outros. Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, p. 475, 4ª ed, RT.

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