[MODELO] “Purgação da Mora – Termo Inicial e Prazo”
EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 00ª VARA CÍVEL DA CIDADE
Ação de Busca e Apreensão
Proc. nº. 445566-77.2018.10.09.0001
Autor: BANCO ZETA S/A
Réu: JOAQUIM DAS QUANTAS
JOAQUIM DAS QUANTAS, comerciário, casado, residente e domiciliado na Rua Xista, nº. 0000, Centro, em Cidade (PP), inscrito no CPF (MF) nº. 444.555.666-77, vem, por intermédio de seu patrono — instrumento procuratório acostado —, com o devido respeito a Vossa Excelência, para, com supedâneo no art. 3º § 2º do Decreto-Lei nº. 911/69 (Lei de Alienação Fiduciária), requerer AUTORIZAÇÃO PARA PURGAR A MORA, em face dos seguintes fundamentos.
( i ) TEMPESTIVIDADE
Como se observa do teor da contrafé do mandado de busca e apreensão (doc. 01), o veículo, alvo da constrição judicial, fora apreendido em 00/11/2222. Lado outro, colhe-se dos autos que o referido mandado fora acostado aos autos em 33/22/5555, nove dias após a apreensão (fls. 17).
Por isso, necessário se faz relevar algumas considerações no tocante ao termo inicial do prazo para se purgar a mora.
Reza o § 1º do art. 3º da Lei de Alienação Fiduciária que o interregno de cinco dias se inicia com a “execução da liminar”. Demais disso, certo é que doutrina e jurisprudência são firmes em tomar a juntada do mandado como marco inicial, máxime à luz da regra do art. 231 inc. II do Código de Ritos.
Com efeito, impende transcrever o magistério de Vilson Rodrigues Alves, quando, a esse respeito, leciona que:
“O prazo, à ‘emendatio morae‘, conta-se não da ‘execução da liminar’, mas de acordo com as regras jurídicas do art. 241 do Código de Processo Civil. [ 231 do Código de Processo Civil de 2015 ]
(…)
‘Mutatis mutandis‘, se ‘executada a liminar’, mas não citado o devedor fiduciante, não se poderá aludir ao quinquídio dela contado como o período de tempo preclusivo à emenda da mora.
A ‘emendatio morae‘ é um dos mecanismos de exercício do direito de defesa que cumpre seja assegurado em sua exercitabilidade em igualdade de circunstâncias em relação ao denominado ‘direito de ação’.
(…)
Em princípio, pois, só cabe aludir-se a emenda da mora se ela for possível nesse quinquídio, que se conta a partir da juntada aos autos do aviso de recebimento, ou do mandado inclusive, do último, se havendo litisconsórcio mais de um foi expedido -, da carta de ordem, precatória ou rogatória, ou do primeiro dia útil após o término da dilação assinada pelo juiz, se a citação foi por edital.” (ALVES, Vilson Rodrigues. Alienação Fiduciária. 2ª Ed. Leme: BH Editora, 2012, pp. págs. 395/396).
Nesse trilhar, é altamente ilustrativo transcrever os seguintes arestos:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO.
Decisão que, embora tenha deferido a liminar pretendida, reconheceu a inconstitucionalidade parcial do art. 3º, §§ 1º, 2º e 3º, do Decreto-Lei n. 911/69 para vedar a consolidação da posse e propriedade do veículo até o julgamento da lide, bem com ressaltou que o prazo para purgação da mora deve ser contado a partir da citação. Insurgência da instituição financeira. Consolidação da propriedade e da posse plena após a inércia do devedor quanto ao adimplemento. Viabilidade. Constitucionalidade do dispositivo já reconhecida pelos tribunais superiores e pelo órgão especial desta corte de justiça. Pretendida contagem do lapso temporal a partir do cumprimento da medida liminar. Tese parcialmente acolhida. Marco inicial para purgação da mora que deve fluir a partir da juntada aos autos do mandado de busca e apreensão cumprido. Precedentes deste órgão fracionário. Recurso conhecido e parcialmente provido. (TJSC; AI 0033721-41.2016.8.24.0000; Caçador; Terceira Câmara de Direito Comercial; Rel. Des. Jaime Machado Junior; DJSC 19/02/2018; Pag. 116)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. BUSCA E APREENSÃO.
Cédula de crédito bancário com alienação fiduciária em garantia. Decisão que deferiu a liminar, condicionando-a, no entanto, à permanência do bem na Comarca. Inexistência de previsão legal. Consolidação da posse e propriedade no patrimônio do credor fiduciante, após o transcurso de cinco dias da execução da medida. Inteligência do artigo 3º, § 1º, do Decreto-Lei n. 911/1969. Contagem do prazo para a purgação da mora. Exegese do artigo 231, II, do código de processo civil/2015. Lapso que começa a correr da data da juntada aos autos do mandado de busca e apreensão cumprido. Manutenção, todavia, da decisão agravada em razão da non reformatio in pejus. Recurso parcialmente provido. (TJSC; AI 4009185-92.2016.8.24.0000; Caçador; Quinta Câmara de Direito Comercial; Rel. Des. Cláudio Barreto Dutra; DJSC 16/03/2017; Pag. 296)
AGRAVO DE INSTRUMENTO.
Alienação fiduciária. Busca e apreensão. Ajuizamento da ação sob a vigência da Lei nº 10.931/04. Prazo de 5 dias para pagamento da integralidade da dívida pelo devedor. Termo inicial. Data da execução da liminar. Início do prazo para apresentação de contestação que se dá pela juntada aos autos do mandado de citação. Agravo de instrumento parcialmente provido. (TJSP; AI 2005833-72.2017.8.26.0000; Ac. 10200289; Hortolândia; Trigésima Sexta Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Jayme de Queiroz Lopes; Julg. 23/02/2017; DJESP 02/03/2017)
De todo modo, incontestável a tempestividade desta pretensão, haja vista feito este pedido dentro do quinquídio legal, seja contando-se do cumprimento da medida liminar, ou até mesmo da juntada do mandado.
( ii ) BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA (CPC, art. 98, caput)
A parte Requerida não tem condições de arcar com as despesas do processo. São insuficientes seus recursos financeiros para pagar todas as despesas processuais.
Destarte, formula pleito de gratuidade da justiça, o que faz por declaração de seu patrono, sob a égide do art. 99, § 4º c/c 105, in fine, ambos do CPC, quando tal prerrogativa se encontra inserta no instrumento procuratório acostado.
( iii ) VALORES RELATIVOS À PURGAÇÃO DA MORA
Antes de tudo, convém ressaltar discordância quanto aos cálculos, carreados com a inicial da Ação de Busca e Apreensão.
( a ) custas processuais e honorários advocatícios
Ainda que não acolhido o pleito dos benefícios da gratuidade da justiça, ainda assim é impertinente a cobrança de verba honorária advocatícia e, também, custas processuais.
Com esse foco, condiciona a Lei de Alienação Fiduciária que:
Art. 3º – O proprietário fiduciário ou credor poderá, desde que comprovada a mora, na forma estabelecida pelo § 2o do art. 2o, ou o inadimplemento, requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, podendo ser apreciada em plantão judiciário.
( . . . )
§ 2º – No prazo do § 1º, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus.
(destacamos)
A lei em espécie, como se percebe, somente pondera que o devedor pague a “dívida pendente” (tão só). Por isso, não convém trazer à tona interpretação extensiva, seja por conta da Legislação Substantiva Civil (CC, art. 423) ou, ainda, em decorrência do Código de Defesa do Consumidor (CDC, art. 6º).
A jurisprudência se encontra cimentada nessa mesma esteira de entendimento:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. SUSPENSÃO DA LIMINAR. PURGA DA MORA. DEPÓSITO DA INTEGRALIDADE DO VALOR APONTADO PELO AUTOR NA INICIAL EXPROPRIATÓRIA. PRESCINDÍVEL QUE O DEPÓSITO ENGLOBE AS CUSTAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DA PARTE ADVERSA.
No particular caso dos autos, a empresa fiduciante depositou a integralidade do valor apontado na inicial pelo credor suficente para purgar a mora. Assim, tornou-se ilegítima a manutenção da ordem de busca e apreensão. Prescindível que o pagamento englobe as custas processuais e honorários advocatícios do patrono da parte credora. Verbas de caráter processual, não dispostas no artigo 2º, §1º, do dl911/69. Negado provimento ao agravo de instrumento. (TJRS; AI 0005938-39.2018.8.21.7000; Viamão; Décima Terceira Câmara Cível; Relª Desª Elisabete Corrêa Hoeveler; Julg. 29/03/2018; DJERS 05/04/2018)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO.
Cédula de crédito bancário com garantia da alienação fiduciária. Permanência do bem na Comarca até o decurso do prazo para a purgação da mora. Impossibilidade. Previsão não encontrada no Decreto-Lei n. 911, de 1º.10.1969. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e da casa. Prazo para a purgação da mora e para a resposta que é contado da juntada aos autos do mandado cumprido. Artigo 231, inciso II, do código de processo civil de 2015. Purga da mora que compreende as parcelas vencidas e vincendas, sem o acréscimo das custas processuais e dos honorários advocatícios. Recurso parcialmente provido. (TJSC; AI 4010974-29.2016.8.24.0000; Caçador; Quinta Câmara de Direito Comercial; Rel. Des. Jânio Machado; DJSC 22/02/2017; Pag. 135)
( b ) despesas extrajudiciais de cobrança
A planilha de cálculo apresenta “despesas extrajudiciais de cobrança”. Isso, igualmente, encontra-se expresso na cláusula 29 do contrato (fls. 11/16). A toda evidência, impõe-se esse pagamento ao mutuário.
No particular, portanto, é forço concluir que a situação traz desvantagem ao consumidor, senão vejamos:
Art. 51 – São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
( . . . )
IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;
( . . . )
XII – obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;
Não por outro motivo, considera a jurisprudência que:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. BUSCA E APREENSÃO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. QUESTÃO SUJEITA A PRECEDENTE VINCULANTE. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. TEMA 722. PAGAMENTO. INTEGRALIDADE DA DÍVIDA. EXTINÇÃO DO PROCESSO. SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RECURSO DO CREDOR. SALDO REMANESCENTE. AÇÃO PRÓPRIA. IMPROVIMENTO.
1. Nas ações de busca e apreensão, decorrentes de contratos alienação fiduciária firmados sob a vigência da Lei nº 10.931/2004, cabe ao devedor, em até 5 dias após a execução da liminar, pagar a integralidade da dívida. 1.1. O pagamento para a liberação do bem deve ter como base os valores apresentados e comprovados pelo credor na inicial. 2. Questão sujeita a precedente vinculante, em julgamento repetitivo, sob o rito do art. 543 – C, do CPC de 1973. 2.1. (…) 1. Para fins do art. 543 – C do Código de Processo Civil: Nos contratos firmados na vigência da Lei n. 10.931/2004, compete ao devedor, no prazo de 5 (cinco) dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida. Entendida esta como os valores apresentados e comprovados pelo credor na inicial., sob pena de consolidação da propriedade do bem móvel objeto de alienação fiduciária. 2. Recurso Especial provido. (RESP 1418593/MS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, DJe 27/05/2014). 3. A existência de saldo remanescente, não incluído nos cálculos apresentados com a inicial poderá ser objeto de ação própria. 3.1. Confira-se: (…) 3. Inviável a inclusão de outras despesas de cobrança no montante devido para purga da mora, porquanto apenas podem ser incluídas no leito estreito da ação de busca e apreensão, as verbas expressamente previstas pelo § 1º, do artigo 2º, do Decreto-Lei nº 911/69. (…). (AGRG no RESP 1249149/PR, Rel. Ministro Paulo De Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe 09/11/2012). 4. Comprovado que o réu adimpliu com a integralidade do valor apresentado pelo autor na inicial, correta a sentença de extinção, sem apreciação do mérito. 4.1. Nesse sentido, precedente desta Corte: (…). 1. O pagamento integral da dívida ocasiona a perda superveniente do interesse processual a ensejar a extinção da busca e apreensão sem resolução do mérito. (…). (20130110525025APC, Relator: Fernando Habibe, 4ª Turma Cível, DJE: 19/04/2016). 5. Apelo improvido. (TJDF; APC 2016.03.1.005880-0; Ac. 102.2713; Segunda Turma Cível; Rel. Des. João Egmont Leoncio Lopes; Julg. 17/05/2017; DJDFTE 09/06/2017)
APELAÇÃO CIVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. CLÁSULA CONTRATUAL. DESPESAS DE COBRANÇA E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EXTRAJUDICIAIS. NULIDADE E ILEGALIDADE.
Nos contratos submetidos à sistemática do Código de Defesa do Consumidor, são nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor. A condenação ao pagamento de custas e despesas processuais e a fixação do valor dos honorários de sucumbência competem ao Juiz da causa, sendo ilegal sua estipulação contratual. (TJMG; APCV 1.0382.14.000804-8/001; Rel. Des. Veiga de Oliveira; Julg. 20/09/2016; DJEMG 30/09/2016)
Desse modo, avulta afirmar, como conclusão lógica e inarredável, como descabida essa cobrança.
( c ) quanto às parcelas vincendas
Noutro giro, a vestibular, tocante às parcelas vincendas, mostra-se por demais equivocada.
De mais a mais, convém repisar que o memorial do débito, alusivamente às parcelas vincendas, nada obstante procure receber antecipadamente essas, não expõe qualquer abatimento. É dizer, essas parcelas foram entabuladas com juros remuneratórios pré-fixados. Nesse compasso, ao se adiantar o pagamento, os juros, projetados, necessariamente merecem sofrer depreciação, correspondente ao período antecipado.
Para além disso, sobreleva considerar que aos juros remuneratórios, quando pré-fixados, como no ensejo, é incorporada a correção monetária.
É o que sustenta, também, Roberto Arruda de Souza Lima, quando aborda, verbo ad verbum:
“Os juros podem ser classificados de acordo com suas diversas características, por exemplo, quanto à incorporação de correção monetária. Neste caso, dividem-se em dois grupos: pós-fixados (quando são aplicados sobre o valor inicial, do empréstimo ou da aplicação, atualização pela correção monetária) e prefixados (quando incluem em sua taxa expectativa da correção monetária, sendo aplicados diretamente sobre o capital). “ (LIMA, Roberto Arruda de Souza. Contratos bancários: aspectos jurídicos e técnicos da matemática financeira para advogados. São Paulo: Atlas, 2007, p. 8)
Nessa levada, seguramente o capital emprestado, em que pese o pleito de antecipá-lo, teria que sofrer a redução proporcional.
E essa é a dicção contida na Legislação Consumerista:
Art. 52 – No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre:
( . . . )
§ 2º – É assegurado ao consumidor a liquidação antecipada do débito, total ou parcialmente, mediante redução proporcional dos juros e demais acréscimos.
(os destaques são nossos)
A esse propósito, faz-se mister colacionar o entendimento de Rizzato Nunes:
“Os juros remuneratórios, como o próprio nome diz, remuneram o capital no prazo do empréstimo apenas. Não podem ir além, já que não há empréstimo após o vencimento. Vencida a dívida, o credor tem direito a certo quantum, que daí para frente não pode ser acrescido de taxas contratuais remuneratórias.
( . . . )
E, naturalmente, esses juros remuneratórios vigoram apenas no tempo estipulado para o empréstimo, deixando de incidir a partir do vencimento de cada parcela (quando o pagamento da dívida se dá em prestação) ou a partir do vencimento final da dívida (no caso de ter sido pactuada uma única prestação), ou, ainda, no vencimento antecipado. “ (NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Comentários ao código de defesa do consumidor. 6ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011, pp. 692/693)
(sublinhamos)
Com efeito, inexorável a conclusão de que os cálculos, por mais esse motivo, encontram-se absurdamente elevados.
( iv ) DA POSSIBILIDADE DA PURGAÇÃO DA MORA
É cediço que atualmente prevalece o equivocado entendimento da impossibilidade de purgação da mora. As razões de maior efeito são: (a) alteração ocorrida no teor do art. 3º, § 2º, da Lei de Alienação Fiduciária, por conta da Lei nº 10.931/2004 e, igualmente; (b) motivado do entendimento pacificado no STJ, quando, do julgamento do REsp nº. 1.418.593/MS, analisado sob o enfoque dos recursos repetitivos, definiu-se que após a execução da liminar é facultado ao devedor somente pagar a integralidade da dívida.
(a) quanto ao impedimento por conta do recurso repetitivo
Há de se levar em conta que essa norma não tem efeito de “súmula vinculante”, máxime porquanto não emanada do STF. Não se pode impedir o aprofundamento do mérito da questão, pelo simples fato de contrariar, por exemplo, súmula do STJ, TJs, ou até decisão proferida com efeito repetitivo.
Lado outro, a edição de súmula vinculante é tarefa constitucionalmente atribuída ao Supremo Tribunal Federal (CF, art. 103-A). Nesse passo, é tarefa desse editar súmulas, simples ou vinculantes. Essas devem orientar e vincular suas teses a todo o Poder Judiciário nacional, além de órgãos da administração direta e indireta, na esfera federal, estadual e municipal.
Assim, não necessariamente o magistrado fica adstrito àquilo decidido em sede de recurso repetitivo.
(b) ainda persiste a possibilidade de purgação da mora
A despeito das alterações legislativas insertas na Lei de Alienação Fiduciária de Bens Móveis (Dec-Lei nº. 911/69), ainda persiste a possibilidade de purgação da mora nas Ações de Busca e Apreensão de veículos. Grande parte dessa controvérsia gira em torno da interpretação sistemática da Lei ora em debate. Não só isso. Há claramente um total conflito aos princípios da preservação dos contratos (CC, art. 479) e à função social dos mesmos (CC, art. 421).
Prima facie, ilustrativo questionar o significado de “interpretação sistemática”.
Um dos significados da palavra “sistema”, dentre tantos, é o da junção de elementos que se relacionam entre si, de sorte a produzir um todo, coerente, unitário.
É manifesto que o Direito é um sistema de normas. Assim, forma-se de um contexto em que as leis se concatenam uma com as outras. Com esses fundamentos, a norma jurídica não pode ser vista isoladamente, solta; ao revés disso, a interpretação da norma reclama uma visão mais extensa, abrangendo, desse modo, todo o ordenamento jurídico ou sistema jurídico.
Contudo, a decisão do STJ, antes comentada, filiou-se à impropriedade atual da purgação da mora com uma visão restritiva da Lei (uma coisa hermética mesmo). Desse modo, analisou-se o corpo frio e estático da regra prevista no do § 2º, do art. 3º, da Lei de Alienação Fiduciária.
Ora, com o menor esforço compreendemos que o pagamento tardio de uma dívida não pode representar a inutilidade da prestação.
Nesse enfoque, O Código Civil é peremptório ao conferir:
CÓDIGO CIVIL
Art. 395 – Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.
Parágrafo único – Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos.
Afora isso, há de existir um obstáculo insuperável, que atinja a própria substância do negócio, para que inviabilize a continuação da relação contratual. É o chamado “inadimplemento absoluto” (o contrário é o “inadimplemento parcial”, que é o caso tratado). Assim, não é porque algumas parcelas sucessivas de um pacto não estejam inadimplidas que, por isso, torna-se insustentável a continuação do negócio jurídico.
Acrescente-se, aqui a ligação fixada entre o mutuário e mutuante bancário é de relação de consumo (Súmula 297 do STJ). Destarte, mais claramente é devida a purgação da mora. É que, em harmonia ao que rege a Lei Consumerista, tratando-se de contrato de adesão, a cláusula resolutória é admitida, desde que alternativa e que a escolha pertença ao consumidor. Confira-se:
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Art. 54 – Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.
§ 2° – Nos contratos de adesão admite-se cláusula resolutória, desde que alternativa, cabendo a escolha ao consumidor, ressalvando-se o disposto no § 2° do artigo anterior.
Nessa esteira, caso exista cláusula que “resolva” o contrato de adesão (extinga), a alternativa de encerrar o pacto é uma escolha dada ao consumidor. Então, se há inadimplência no contrato de mútuo com garantia de alienação fiduciária de veículo, a eventual resolução do contrato não pode ocorrer pelo simples fato de algumas parcelas não terem sido pagas pelo mutuário, como na hipótese.
Além do mais, sobretudo motivada pela interpretação sistemática da norma em relevo, a purgação da mora é devida, quando relacionada a outras situações normativas similares.
A ratificar o exposto, abaixo algumas normas que permitem a purgação da mora, razão qual se deve adotar a interpretação sistemática, in verbis:
LEI DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM “IMÓVEL” ( SFI )
LEI nº. 9514/97
( Capítulo II – Da alienação fiduciária de Coisa Imóvel)
Art. 26 – Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.
§ 1º – Para os fins do disposto neste artigo, o fiduciante, ou seu representante legal ou procurador regularmente constituído, será intimado, a requerimento do fiduciário, pelo oficial do competente Registro de Imóveis, a satisfazer, no prazo de quinze dias, a prestação vencida e as que se vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação.
LEI DE LOTEAMENTO E VENDA DE TERRENOS A PRESTAÇÃO
DEC-LEI Nº 58/37
Art. 14 – Vencida e não paga a prestação, considera-se o contrato rescindido 30 dias depois de constituído em mora o devedor.
§ 2º – Purgada a mora, convalescerá o compromisso.
Do exposto, é inquestionável que, mesmo vigente as alterações advindas da Lei nº. 10.931/2004, ainda persiste o instituto da purgação da mora nas ações de busca e apreensão de veículos, mormente à luz dos princípios da preservação do contrato e da função social. Além disso, como sustentado, referido instituto é acolhido em razão de uma interpretação sistemática das normas que tratam do tema.
( v ) CONSERVAÇÃO DO VEÍCULO NA COMARCA
Por sua vez, arrimado nos fundamentos antes destacados, o Réu postula que o veículo, apreendido, permaneça nesta comarca até ulterior deliberação concernente à purgação da mora.
Decisão contrária a essa pode trazer danos a ambas as partes, especialmente com altíssimas despesas de remoção e restituição do veículo.
Lapidar nesse sentido o seguinte aresto:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. PRAZO PARA PURGAÇÃO DA MORA. EXECUÇÃO DA LIMINAR. DETERMINAÇÃO DIRIGIDA AO CREDOR PARA QUE SE ABSTENHA DE ALIENAR O VEÍCULO APREENDIDO ATÉ ULTERIOR DELIBERAÇÃO DO JUÍZO. POSSIBILIDADE. AGRAVO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
Nos termos do recurso paradigma, REsp nº 1.418.593/MS, a mora se descaracteriza com o pagamento da totalidade do contrato e, não apenas das parcelas vencidas, contando-se o prazo para purgação a partir da execução da liminar. A remoção da Comarca ou a venda antecipada do veículo apreendido depende de prévia autorização judicial, em atenção aos princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal. (TJMS; AI 1402065-46.2018.8.12.0000; Segunda Câmara Cível; Rel. Des. Marcos José de Brito Rodrigues; DJMS 04/04/2018; Pág. 190)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DO CONSUMIDOR. BUSCA E APREENSÃO. REMOÇÃO DO BEM. ALIENAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. VALOR DA MULTA DIÁRIA. RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO. RECURSO NÃO PROVIDO.
Havendo a possibilidade de o devedor purgar a mora, mostra-se coerente que no decorrer deste período o bem permaneça na Comarca do juízo onde tramita a ação, bem como que seja impedido de aliená-lo, haja vista que tal conduta visa resguardar eventual direito de devolução da coisa, caso o inadimplente purgue a mora, além de evitar futuros transtornos em prejuízo às partes, contribuindo para eficácia jurisdicional e ensejando um procedimento mais célere. Correta a decisão do magistrado a quo, que determinou a aplicação da multa diária em caso de descumprimento da ordem judicial, mostrando feição de plausibilidade e fixação razoável. Não deve ser acolhido o pedido de extinção ou redução do valor da multa arbitrada, posto que, a priori, presume-se que a Recorrente procederá ao devido cumprimento imediato da decisão, e a precoce minoração da multa diária seria chancelar eventual desígnio de descumprimento desarrazoado desta. (TJBA; AI 0021141-07.2016.8.05.0000; Salvador; Segunda Câmara Cível; Rel. Des. Edmilson Jatahy Fonseca Júnior; Julg. 31/01/2017; DJBA 06/02/2017; Pág. 292)
Como se nota, mostra-se prudente, cautelosa, a preservação do bem nesta comarca.
( vi ) REQUERIMENTOS
In fine, ancorado nos argumentos expendidos, o Promovido pede que os autos sejam remetidos à Contadoria, com a finalidade de se apurar o saldo em aberto (parcelas vencidas). Requer, ainda, seja admitida a purgação da mora, excluindo-se, mais, custas processuais, despesas de cobrança e honorários advocatícios.
Subsidiariamente (CPC, art. 326), pleiteia seja admitida purgação da mora, todavia adstrita a valores correspondentes ao débito vencido e vincendo, esse provido com abatimento decorrente da liquidação antecipada. Ainda assim, para esse caso, pede a exclusão de custas processuais, despesas de cobrança e honorários advocatícios.
Respeitosamente, pede deferimento.
Cidade, 00 de abril do ano de 0000.
Beltrano de Tal
Advogado – OAB 445566