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[MODELO] Petição inicial de ação civil pública para fornecimento de alimentação a presos provisórios da cadeia pública de um Município de Alagoas

Petição inicial de ação civil pública proposta pela Defensoria Pública para obrigar o Estado ao fornecimento de alimentação aos presos provisórios da cadeia pública de um Município de Alagoas

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA

 

            "O último dos criminosos tem o mais absoluto direito a que com ele se observe a lei; e tanto mais rigoroso há de ser, por parte dos seus executores, o empenho nessa observância, quanto mais excitada se achar a sociedade contra o delinqüente entregue à proteção dos agentes da ordem."

Rui Barbosa

 

            ao final subscrito, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, com arrimo no art. 37, da CF/88, no inciso II, do artigo 5º da Lei 7.347/85, na Lei 8.429/92, na Lei Complementar 80/94, na Lei Delegada 23/03 e demais mandamentos constitucionais e legais aplicáveis à espécie, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA em face do Estado de Alagoas, pessoa jurídica de direito público interno, na pessoa do Procurador Geral do Estado, com endereço na Avenida Assis Chateaubriand, 2578, Prado, Maceió, Alagoas, em face dos fatos e fundamentos jurídicos a seguir deduzidos.

             A Defensoria Pública, instituição com dignidade constitucional e função precípua de atuar na defesa e consolidação dos interesses da população mais pobre deste país, restou legitimada para figurar no pólo ativo da presente demanda judicial a partir da promulgação da Lei n° 11.448/07, que alterou o artigo 5º da Lei 7.347/85, que a inseriu no rol de legitimados para propor ação civil pública, na esteira das reformas que tem o escopo de dotar o sistema jurídico nacional de maior efetividade.

             A Lei n° 7.347/85 prescreve ser cabível a ação civil pública contra atos comissivos ou omissivos que causem danos a quaisquer direitos difusos ou coletivos, como é o caso dos autos.

             O Município de Matriz do Camaragibe é sede de uma Cadeia Pública, responsável pela custódia de presos provisórios advindos de uma série de outras cidades que formam a zona da mata norte do Estado de Alagoas, como, por exemplo, Porto Calvo.

 

            E o fato, notório, diga-se, é o de que essa cadeia pública, – não obstante seu diminuto tamanho – é o retrato fiel das mazelas que grassam o sistema penitenciário como um todo, reflexo de uma prática absolutamente dissociada do discurso dos administradores públicos quanto à segurança.

 

            Vivemos um momento de recrudescimento da violência, já não mais privilégio dos grandes centros urbanos, em que a sociedade clama por uma resposta rápida dos agentes públicos das mais diversas esferas de poder, com constantes ataques aos mais elementares direitos fundamentais da pessoa humana, como se aí residissem as causas das nossas dores sociais.

 

            Nada mais contraditório e ineficiente: as respostas produzidas até o momento passam pela imposição da força, de penas mais severas e de uma "fúria" legiferante que contribui para o inchaço de um sistema jurídico carente de efetividade, acima de tudo.

 

            As causas, porém, não são objeto de ataque.

 

            O déficit social, a brutal desigualdade social e ausência de oportunidades através da educação, não são enfrentados, pois é mais barato legislar e dar uma satisfação à sociedade. Mas somente até que a próxima crise ecloda.

 

            Neste cenário, não é nada surpreendente a situação de nosso sistema carcerário, habitado por mais de 300.000 (trezentos mil) indivíduos, segundo o último censo do Ministério da Justiça.

 

            A sociedade que clama por segurança pública e exige maior rigor no cumprimento das penas, não enxergou, ainda, que o seu foco está errado. Maior rigor no cumprimento das penas, não deve ser sinônimo de penas mais duras, mas sim efetivo cumprimento da pena imposta, sem redução daqueles homens e mulheres a condição de pessoas destituídas de qualquer dignidade.

 

            Ora, se não há pena de morte ou de caráter perpétuo no país, e se são vedadas as cruéis, resta muito claro que todo aquele que tenha transgredido uma norma e lesado um bem jurídico-penal, em algum momento retornará à sociedade e a pergunta é: como voltará?

 

            Neste diapasão, como aceitar, como imaginar possível, que pessoas presas, mormente aquelas que o estão em caráter provisório, ou seja, sem uma decisão transitada em julgado, como é o caso da cadeia pública de Matriz do Camaragibe, possam ser privadas de sua liberdade e não se lhes garantam o mínimo necessário para a existência humana, como a alimentação, por exemplo?

 

            Fere de morte os mais importantes preceitos que conformam o sistema jurídico-penal inaugurado a partir da CF/88 e a legislação da execução penal, essa restrição à liberdade associada a um tratamento cruel, degradante e desumano.

 

            Assim, com razão, concluiu Mirabete que "se de um lado se podem impor ao condenado as sanções penais estabelecidas na legislação, observadas as limitações constitucionais, de outro lado, não se admite seja ele submetido a restrições não contidas na lei". E, vale anotar, se é verdade que tais mandamentos devem ser observados com relação aos condenados, com muito mais razão ainda, se impõem para com os presos provisórios. 

 

            A defesa de uma existência digna aos presos é, antes e acima de tudo, uma defesa de toda a sociedade, pois é ela a destinatária final desses homens e mulheres que em algum momento serão libertos.

 

            Isto posto, afirmamos que a presente ação civil pública tem o escopo de ver efetivado, ao menos no âmbito desta Comarca de Matriz do Camaragibe, o cumprimento pela autoridade administrativa, daquilo que a lei de execução penal prescreve desde sua publicação há mais de 20 (vinte) anos: o direito dos presos ao recebimento de alimentação, enquanto custodiados na cadeia pública deste município.

            A gravidade da situação pode ser aferida in loco e atinge de maneira mais séria os presos advindos de outras comarcas e cujas famílias não detêm condições de se deslocar diariamente para provê-los desse mínimo vital.

 

             A Constituição Federal, em vigor no país, inaugurou um novo sistema de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana, conformando, inclusive, um novo modelo de sistema penal, submetido a esses mesmos princípios.

 

            Assim, é a partir da CF/88 que deve partir o nosso propósito de demonstrar a exigibilidade do pedido da presente ação civil pública de ver garantido aos presos desta comarca o direito à alimentação.

 

            Neste sentido, prescreve a CF/88 que:

 

            Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

 

            III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

 

            Ora, degradante ou desumano, como o próprio termo nos revela será o tratamento dispensado ao indivíduo que o retire de sua condição humana. E não se pode conceber que um ser humano seja privado da possibilidade de alimentar-se, sob pena de estar-se impondo, por via transversa, a pena de morte, posto seja este o resultado final da ausência de uma alimentação adequada.

 

            E assim, surgem duas possibilidades: ou o Estado, responsável pela custódia dos presos fornece a refeição ou constrói, no sistema prisional, uma infra-estrutura suficiente para que os próprios presos possam obter sua alimentação.

 

            Inadmissível, mormente nos casos de réus presos advindos de outras comarcas e até de outras unidades da federação, que às famílias dos presos seja imposta a obrigação de levar-lhes os alimentos.

 

            Nunca é demais repisarmos que a imensa maioria da massa carcerária é formada por pessoas pobres.

 

            Outra observação que nos parece pertinente, respeita a questão da responsabilidade civil do Estado, que pode advir de quaisquer danos à saúde ou a vida de um preso que esteja sob custódia da administração pública em função da omissão no dever de fornecer a alimentação.

 

            Assim, tanto os custos com a alimentação dos presos, como os custos de possíveis indenizações, recairão sobre a sociedade não sendo, pois, admissível a perpetuação do discurso fascista de alguns que julgam impertinente o gasto do dinheiro público com presos.

 

            No mesmo sentido, prossegue a CF/88, segundo a qual:

 

            XLVII – não haverá penas:

 

            e) cruéis;

 

            Ora, a pena deve ser imposta nos estritos limites previstos na lei, de forma que não poderá, por exemplo, ultrapassar a pessoa do preso para atingir sua família, e nem poderá impor um encargo sobre o réu que ele não possa suportar, como no caso das penas cruéis, ou seja, que impõem um sofrimento desmedido, além do querido pelo constituinte e necessário para a reabilitação do transgressor.

 

            Neste diapasão, a CF/88 prescreve que:

 

            XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

 

            Decerto que a integridade física do preso estará garantida se ao mesmo não forem impostos métodos de tortura, para fins de investigação ou intimidação, mas não é menos verdade que a integridade física e psíquica só restará preservada se ao indivíduo for permitido alimentar-se adequadamente.

 

            O Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de manifestar-se quanto ao caráter humanista da CF/88, ante a consagração de valores que privilegiam a dignidade da pessoa humana. Neste sentido:

 

            "Tanto quanto possível, incumbe ao Estado adotar medidas preparatórias ao retorno do condenado ao convívio social. Os valores humanos fulminam os enfoques segregacionistas. A ordem jurídica em vigor consagra o direito do preso de ser transferido para local em que possua raízes, visando a indispensável assistência pelos familiares. Os óbices ao acolhimento do pleito devem ser inafastáveis e exsurgir ao primeiro exame, consideradas as precárias condições do sistema carcerário pátrio." (HC 71.179, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 19-4-94, DJ de 3-6-94)

 

            Não fossem os argumentos e normas acima expostos suficientes ao convencimento da existência de um direito do preso a alimentação fornecida pelo Estado, a CF/88, ao inserir o país no âmbito das relações internacionais, restou por admitir a validade dos tratados internacionais relativos aos direitos humanos.

 

            Prescreve a CF/88 que:

 

            § 3º – Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

 

            Destacam-se: a) Declaração Universal dos Direitos Humanos, cujo art. 10, incisos 1 e 3, destaca:

 

            "Art. 10 – 1. Toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana; (…) 3. O regime penitenciário consistirá em um tratamento cujo objetivo principal seja a reforma e a reabilitação moral dos prisioneiros".

 

            b) a Convenção Americana de Direitos Humanos, segundo a qual:

 

            "Art. 5° – Direito à integridade pessoal: 1. Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral; (…) 6. As penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados".

 

            Conclui-se, portanto, que há uma evidente relação entre a preservação da dignidade da pessoa presa e a finalidade ressocializadora da pena, razão pela qual o emprego de penas ou a sua execução de maneira cruel, desumana ou degradante, viola, a um só tempo, o direito individual do preso e o direito difuso de toda a coletividade a uma atividade estatal que contribua para o bem comum.

 

            A Lei n° 7.210, de 11 de julho de 1984, que institui as normas para a execução penal, é anterior à CF/88, mas foi recepcionada pela mesma em razão da coadunação entre seu conteúdo e os dos princípios acima expostos, motivo pelo qual podemos asseverar que, sob o prisma material, a lei em questão encontra seu fundamento de validade na Carta Magna.

 

            Assim, logo em seu capítulo II, indigitada lei trata da assistência ao preso, a ser prestada pelo Estado, e será à saúde, jurídica, educacional e material, sempre a fim de orientar o retorno do preso à sociedade, de maneira que:

 

            Art. 12. A assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas.

 

            E ao dissertar os direitos dos presos, a lei é ainda mais específica:

 

            Art. 40 – Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios.

 

            Art. 41 – Constituem direitos do preso:

 

            I – alimentação suficiente e vestuário.

            Por fim, a preocupação com a integridade física dos presos é de tal ordem que o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, órgão ligado ao Ministério da Justiça, editou a Resolução n° 14, de 11 de novembro de 1994, que fixou as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil, que dentre outras regras, prevê que:

 

            Art. 3° É assegurado ao preso o respeito a sua individualidade, integridade física e dignidade pessoal.

 

            Art. 13. A administração do estabelecimento fornecerá água potável e alimentação aos presos.

 

            Art. 61. Ao preso provisório será assegurado regime especial em que se observará:

 

            III – a opção por alimentar-se às suas expensas.

 

            Logo, aquilo que deveria ser uma opção ao preso provisório, em Matriz do Camaragibe e em outras tantas cidades alagoanas, é a regra, vez que o estado tem se omitido sistematicamente.

 

            Como visto, a gama de normas que disciplinam e conformam a execução penal no país assegura firmemente o direito do preso, provisório ou não, a integridade física e, via de conseqüência, ao direito de receber uma alimentação adequada.

 

            Cumpre a Defensoria Pública, pois, trazer o presente problema para conhecimento deste Juízo, a fim de que cesse o arbítrio.

 

Pedido Liminar

 

            O fato de o direito à alimentação estar garantido há mais de 20 (vinte) anos no ordenamento jurídico pátrio, não invalida a urgência do presente pedido de concessão de liminar, uma vez que a urgência do caso renova-se a cada etapa do dia em que o ser humano deve alimentar-se.

 

            No mínimo, por 03 (três) vezes a cada dia a urgência revela-se e agrava-se, tornando ainda mais difícil os momentos de constrição da liberdade e, o que é pior, contribui para o recrudescimento do clima sempre tenso que permeia as cadeias públicas, não sendo raro a eclosão de rebeliões.

 

            O pedido, não só é urgente, como também, está devidamente amparado num grande número de normas, dos mais variados graus hierárquicos, razão pela qual deve ser concedida a liminar pleiteada, a fim de que o Estado de Alagoas seja compelido a no prazo de 24h (vinte e quatro horas) regularizar a situação e fornecer a alimentação devida, sob pena de pagamento de multa diária, a ser fixada por este juízo, nos termos do art. 11, Lei n° 7.347/85.

 

Pedido Final

 

            Ante todo o exposto, a Defensoria Pública requer:

 

            a)seja concedida a liminar pleiteada, a fim de que o Estado de Alagoas seja compelido a no prazo de 24h (vinte e quatro horas) regularizar a situação e fornecer a alimentação devida, sob pena de pagamento de multa diária, a ser fixada por este juízo, nos termos do art. 11, Lei n° 7.347/85;

 

            b)seja a parte ré citada, na pessoa de seu representante legal para que, no prazo legal, e em querendo, apresente defesa, sob as advertências legais;

 

            c)seja, ao fim, ratificada a liminar e julgado procedente o pedido exordial de que o Estado de Alagoas seja compelido a fornecer com regularidade os alimentos a que os presos têm direito, em razão de expressa disposição legal, sob pena de incursão em crime de desobediência e pagamento de multa diária, a ser fixada por este Juízo.

 

            Em arremate, protesta por todos os meios de prova em direito admitidos.

            Dá-se à causa o valor de R$ 380,00 (trezentos e oitenta reais) para efeitos meramente fiscais.

            

Nestes termos,

           

 Pede deferimento.

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