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[MODELO] Memorial defensivo – Inexistência de legitimidade do autor da ação de usucapião para requerer a proteção jurisdicional

Memorial oferecido defendendo a tese de que o autor da ação de usucapião era mero detentor, logo, não legitimado para requerer tal proteção jurisdicional.

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA …. ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE ….

Ação de Usucapião – Autos nº ….

Requerente: ….

…., já qualificado, por seu procurador adiante assinado, vem respeitosamente a presença de V. Exa., apresentar

MEMORIAL, o que fazem nos seguintes termos:

DOS FATOS

I)- Bastaria o exame do depoimento do autor, o Sr. …., para que se deslindasse a questão em definitivo. Naqueles suportes fáticos, toda a construção jurídica torna-se sólida e límpida, não deixando margens à dúvidas.

Com efeito, assim depõe o autor: "…. quando então …. contou que tinha um barracão, na Rua …., e que o depoente podia entrar lá e trabalhar …. uns dois anos depois de ter passado a ocupar o barracão, depois de ter conversado novamente com …., passou também a ocupar uma casa de madeira …. que antes de entrar na casa, como disse, falou com …. e este autorizou a entrada …"

E prossegue, ainda, no seu depoimento, que se de um lado é contraditório, por outro lado deságua num cristalino entendimento de que tinha plena consciência de que não era dono do imóvel e que o mesmo tinha dono e um responsável por sua guarda e conservação.

Assim é que prossegue em seu esclarecedor depoimento: "… não sabia de quem era a propriedade e só agora é que ficou sabendo que o dono mora na América do Norte …". Mas esclarece que "… vem pagando o imposto IPTU em nome de …., nada mais nada menos que o proprietário do imóvel, …. sendo que recebeu o primeiro aviso, pagou, e daí falou com …., o qual disse-lhe para que continuasse pagando ….".

Esclarece mais o depoente que é vizinho do Sr. …., distante umas três quadras, "… e que para ele de vez em quando executou alguns trabalhos de marcenaria, sem cobrar; os últimos trabalhos de marcenaria que fez foi há questão de uns três anos; não cobrava porque achava que …. também não fazia, e que por isso ficava …".

II) – Porém, o momento crucial do depoimento do autor foi aquele quando perguntando pelo requerente se sabia se o Sr. …. era responsável pelo imóvel, respondeu que não.

Porém, logo mais desnuda-se, declarando: "… mas depois que entrou, o mesmo disse: "eu mando aqui" …"; "… que o Sr. …. deu-lhe ordens para entrar no imóvel, mandou entrar; conversava com …. durante o tempo em que estava no imóvel, mas só quando …. precisava de algum serviço …"

Por final, nesta necessária análise do depoimento do autor, registre-se pergunta fundamental que lhe foi feita, ao que respondeu o autor: "… o depoente entrou no terreno ciente de que tinha dono, e tinha consciência de que o terreno era seu, do depoente, enquanto estivesse ocupando-o …".

Não resta a menor dúvida, Meritíssimo Juiz, de que o autor recebia, como sempre recebeu, ordens do procurador do proprietário do imóvel para permanecer na propriedade do Sr. …., em troca de alguns serviços de marcenaria e o pagamento dos impostos correspondentes. Nem mesmo benfeitorias fez no imóvel, usando-o num típico contrato de comodato.

III)- Está claro que o autor sempre soube quem era o proprietário do imóvel (pagava imposto em nome dele), e quem era o seu procurador e responsável, com quem tinha um relacionamento constante, fazendo para ele serviços de marcenaria, gratuitamente.

Tentou o autor, em seu depoimento, encobrir a verdade, mas esbarrou na sagacidade e precisão das perguntas de Vossa Excelência, que desmistificaram por completo a aventureira intenção do requerente.

Todas as demais testemunhas, tanto do autor como do Réu, vieram corroborar o que sobressaiu claro no desastrado depoimento do autor: que o imóvel é de propriedade do Sr. …., que nunca descurou em exercer seu mandato, cumprindo-o em toda a sua plenitude.

IV) – E, como ponto culminante, quanto à matéria de fato, registre-se a insidiosidade do autor ao declarar que "não sabia de quem era a propriedade", quando em seu pedido inicial esclarece que o proprietário é o SR. …, residente em local ignorado. Bastaria perguntar ao Sr. …., com quem mantinha relações negociais quanto ao uso do imóvel, para saber o endereço do proprietário.

Este registro é tão somente para evidenciar que, lamentavelmente, a prestação do autor não é honesta, revestida de absoluta má-fé.

V) – Talvez influenciado por terceiros, sabedor que o proprietário morava no …. e que o procurador (seu vizinho) estava adoentado, pensou que ao intentar esta ação, promovendo a citação por edital, conseguiria atingir o seu escuso desiderato.

Infelizmente para o autor, quis a generosidade de amigos e vizinhos que o Sr. …. ficasse sabendo da presente ação, quando prontamente diligenciou para proteger o seu patrimônio de seu amigo querido de longos anos, posto que está habilitado legalmente para o exercício destes direitos.

DO DIREITO

VI) – Pretendeu o autor lastrar-se no art. 550 do Código Civil Brasileiro para atingir seus objetivos.

Mas, para atingir este intento, deveria ficar provado, com a máxima clareza, de que, além de possuir o imóvel, possuía-o como seu.

VII) – A questão do autor, porém, não reside no art. 550. Reside, isto sim, no art. 487 do Código Civil, no qual não é possuidor aquele que se encontra em dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e cumpre ordens ou instruções suas.

Ou ainda, no art. 40007 do mesmo diploma, que diz: "Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância …".

O fato de receber ordens para entrar no imóvel, tolerando a permanência nele, o pagamento dos impostos em nome do proprietário e a realização de serviços de marcenaria para o procurador do proprietário como uma típica remuneração pelo seu uso e conservação, não induz posse, e revela a real situação do autor perante o imóvel.

A posse é, sem sombra de dúvida, do Sr. ….

O autor é mero detentor. Conserva a posse em nome daquele.

VIII) – Se não há posse, não há como usucapir. Não caberia, nem mesmo ao autor, amparar-se nos interditos proibitórios, caso fosse citado em ação relativa a coisa possuída, quando deveria, in casu, nomear a autoria o proprietário ou o possuidor. (art. 62 do C.P.C).

A mera tolerância em permitir que o autor use o imóvel, não caracteriza a posse, principalmente, no caso em questão, que se revestiu, e isto é relevante, de características humanitárias, e em troca de alguns serviços como pagamento pelo uso e promoção de sua conservação. Gesto este que deixava claro ao autor que o imóvel não era seu.

Mera detenção, nada mais, que não qualifica o autor a reivindicar a posse "ad usucapionem".

IX) – A posse e o ânimo de dono, suportes básicos para usucapir, estão ausentes nesta questão.

Washington de Barros Monteiro, na pág. 32, Curso de Direito Civil, Direito das Coisas, 3º Volume, Editora Saraiva, ensina:

"Para Ihering posse é a exterioridade do domínio. Não a tem, portanto, o simples detentor, que se limita a manter a posse em nome de terceiros, ou em cumprimento de suas instruções. Aliás, para Ihering, a detenção acha-se em último lugar na escala das relações jurídicas entre a pessoa e a coisa. No primeiro plano, estão a propriedade e seus desdobramentos, em segundo lugar, a posse de boa-fé, em terceiros, a posse, e por fim, a detenção".

A lição transcrita cabe como uma boa luva na questão presente.

No mesmo diapasão, Darcy Bressone, enfoca:

"Por isso mesmo, fala-se que a pessoa dependente, que se encontra no exercício da detenção, é instrumento de posse. Ela serve ao possuidor contribuindo para o exercício dela. Daí a expressão "fâmulo da posse", que é usual." (Direitos Reais, pág. 266, Editora Saraiva).

X) – Procurou-se neste memorial fazer o enquadramento da matéria fática com o direito.

Esta preocupação prende-se a peculiaridade da Ação de Usucapião, que, por envolver matéria possessória, o exame de cada caso é que leva ao deslinde da questão.

Há que se provar a posse, sem dependência, nem subordinação. A posse não tem tão somente a sua característica espacial.

Outros elementos, também fortes, devem existir para torná-la concreta.

A distância da posse à detenção é longa. A posse é um estado solitário. A detenção exige companhia. Esta imagem figurada, é para materializar as relações que o autor mantinha com o procurador do autor, com quem estabeleceu uma constante e absoluta dependência. E isto é detenção, e não posse.

XI) – Neste Memorial adotou-se a técnica de examinar com detalhes o depoimento do autor. Dali é que se esperou extrair o verdadeiro "animus domini", para então buscar as complementações necessárias.

O exame dos depoimentos das testemunhas só vêm corroborar o que ficou claro naquilo que diz o autor. A sua total dependência, a sua precariedade, e a sua transitoriedade, na condição de mero detentor, e nunca possuidor do imóvel.

E, o usucapião só é possível se houver posse, porque, sem posse, não há usucapião.

XII) – Examinados os aspectos fáticos e sua abordagem perante o Direito a que corresponde, espera o contestante, confiante nos elevados conhecimentos e na acuidade que sempre norteou as decisões de Vossa Excelência, seja a presente ação julgada improcedente, condenando-se o autor, nas custas e honorários advocatícios.

Pede Deferimento

…., …. de ….. de ….

………………

Advogado

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