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[MODELO] Med. Cautelar p/ Custeio de Tratamento

Medida Cautelar para Custeio de Tratamento até o Final da Ação Principal

Petições – Medidas Cautelares

Os requerentes, que contraíram o vírus da AIDS através de transfusões de sangue, pretendem a condenação dos responsáveis ao pagamento de indenização para arcar com o tratamento até o julgamento da ação principal.

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA …. ª VARA CÍVEL DE ….

…………………………… (qualificação), portador do CPF/MF nº …., residente e domiciliado nesta Cidade, por intermédio de seu procurador e advogado no final assinado, vem à presença de V. Exa., propor a presente

MEDIDA CAUTELAR

em face do

INSTITUTO NACIONAL DE ASSISTÊNCIA MÉDICA E PREVIDÊNCIA SOCIAL, com sede na Rua …. nº …., Bairro …. em ….

INSTITUTO NACIONAL DE SEGURIDADE SOCIAL, com sede na Rua …. nº …., Bairro …. em …. e

UNIÃO FEDERAL, na pessoa de um de seus Procuradores do Estado, situados na Rua … nº …., Bairro …., nesta cidade, pelos fatos e fundamentos jurídicos que passam a expor:

I – ASSISTÊNCIA JURÍDICA

Inicialmente, declaram os Requerentes, sob as penas da Lei, que não possuem recursos que lhes permitam arcar com as despesas processuais e honorários advocatícios sem prejuízo do próprio sustento e do tratamento de saúde.

Assim, requerem, com base no art. 2º da Lei nº 1.060/60, a isenção das taxas judiciárias e demais custas processuais, indicando para o patrocínio da causa o advogado qualificado no instrumento procuratório incluso, que declara, juntamente com os Requerentes, aceitar o encargo.

II – DOS FATOS

Os Requerentes apresentam alguns fatos dolosos em comum: são …., portadores do vírus HIV – causador da síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA/AIDS) – adquirido através do tratamento de hemofilia, que exige constantes transfusões sangüíneas e/ou recebimento de hemoderivados.

Para melhor entendermos a dimensão do problema dos Requerentes e o nexo casal entre as transfusões sangüíneas e a doença apresentada pelos referidos, faremos um breve relato sobre a hemofilia, sobre o sangue brasileiro e a aids.

Definição, natureza, aspectos clínicos e tratamento da hemofilia:

A hemofilia é uma desordem hemorrágica genética, ligada ao sexo, que resulta em deficiência do plasma da atividade coagulante do fator VIII (hemofilia A) ou Fator IX (hemofilia B). Sua incidência é da ordem de 1 caso para cada 10 a 15 mil nascimentos em indivíduos do sexo masculino.

A alteração genética dos hemofílicos expressa-se como doença pela deficiência na coagulação do sangue.

Pacientes com hemofilia grave têm menos que 1% da atividade coagulante com tendências hemorrágicas em articulações ou músculos após pequenos traumatismos. Os hemofílicos moderados possuem cerca de 1 a 5% da atividade de fator e sangram após trauma moderado, enquanto aqueles com hemofilia leve têm níveis de fator que variam de 5 a 30% e sangram após traumatismos, ou por intervenções cirúrgicas.

Os joelhos são as articulações mais freqüentemente afetadas, e as hemorragias repetidas nesses locais são as que determinam as seqüelas mais graves, podendo levar à invalidez se não tratadas corretamente. Os requerentes, por exemplo, já se encontram com suas articulações atingidas e tem dificuldades de locomoção.

O número de episódios hemorrágicos variam com cada paciente, porém, geralmente, os hemofílicos graves apresentam pelo menos um sangramento por mês.

O tratamento do fenômeno hemorrágico é baseado na retirada do sangue de pessoas normais dos fatores da coagulação que os hemofílicos são deficientes, sendo este o único tratamento eficaz contra as hemorragias.

Até meados da década de 60, só se dispunha de sangue total ou plasma, o que dificultava a reposição para se atingir níveis homeostáticos normais. A partir daí, os fatores VIII e IX puderam ser obtidos sob a forma de crioprecipitado ou concentrados purificados, o que permitiu cada vez mais o manuseio pelos próprios pacientes com segurança. Tal avanço proporcionou ao paciente hemofílico a dignidade de uma vida normal para a sociedade, transformando-se em uma pessoa economicamente ativa e seu tempo de vida semelhante aos das pessoas não hemofílicas.

Os concentrados de fatores são aplicados nos hemofílicos a cada episódio hemorrágico. Cada dose é calculada individualmente para coibir o sangramento apresentado. Ainda, devido a esses avanços, os pacientes podiam ser submetidos a tratamentos cirúrgicos de pequeno e grande portes com total segurança, antes do surgimento do vírus HIV.

Tais peculiaridades tornam os hemofílicos dependentes do sangue humano por toda a vida, pois, uma vez diagnosticada a hemofilia e seu grau, não há cura.

SANGUE, AIDS E HEMOFILIA

Infelizmente, este avanço no tratamento da hemofilia foi prejudicado com o advento da aids e a falta de controle do sangue, provocando uma verdadeira catástrofe para os hemofílicos. Em 1988 com a promulgação de lei que obrigava o exame no sangue doado (apesar de já conhecermos a doença desde 1981, e, portanto, meios de se reduzir seus riscos através do controle do doador), já tínhamos 95% dos hemofílicos contaminados, e, hoje, apesar da referida lei, a incidência da aids nos hemofílicos ainda tem índices alarmantes, como se pode notar nos boletins epidemológios anexos.

Caso o controle do sangue fosse eficiente, mesmo que tardiamente, em 1988, só as crianças de no máximo quatro anos estariam, teoricamente, fora do perigo.

Há anos, muitas vozes se levantaram para denunciar a situação catastrófica do sangue utilizado no Brasil para fins terapêuticos. A ausência de programas elaborados, tanto a nível federal quanto estadual, foi deteriorando o sangue, na mesma medida em que se degradava a saúde pública no país nas últimas décadas.

As organizações não governamentais imbuídas na luta por melhores condições de saúde calculavam, por exemplo, 20.000 casos anuais no país de doença de Chagas, em decorrência de transfusões. A falta de dados governamentais, que só agora começam a se organizar, ignoram completamente o número de casos de sífilis, hepatite, malária e outras doenças infecciosas transmitidas por transfusões. Essa ausência de dados, por si só, é um indicador da falta de controle da situação pelos organismos governamentais.

A questão do sangue, apesar da evidente calamidade, faz parte de um mundo misterioso, cheio de clandestinidade. Observe-se que apesar da Constituição de 1988 ter "estatizado o sangue", a lei que disporá sobre a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, prevista em seu art. 199 parágrafo 4º, sequer tem um projeto de Lei aprovado para votação, face aos interesses econômicos obscuros de alguns grupos que comercializam o sangue do povo brasileiro.

Com a divulgação dos primeiros números da epidemia de Aids, a consciência do Brasil foi alertada. A presença da morte transfundida serviu como reveladora de problemas antigos que vieram à tona na forma de crise aguda, servindo para "criminalizar o sangue", como bem definiu o sociólogo Betinho (hemofílico), também vítima do sangue contaminado, e que já conta com dois óbitos na família, seus irmãos Henfil e Chico Mário.

Assim, segundo o último boletim epidemiológico sobre a AIDS no Rio de Janeiro (Janeiro/92), 19,20% dos casos são decorrência da utilização de sangue ou hemoderivados contaminados, cifra sem paralelo no mundo, indicando uma verdadeira calamidade pública. Se buscarmos os números extra-oficiais, essas cifras são muito mais alarmantes, já que milhares de pessoas não revelam sua soropositividade em razão do preconceito e da discriminação que são vítimas (lembremos do caso da menina Sheila, em São Paulo, que só pode se matricular na escola por sentença judicial).

Esses números obrigam a adoção de medidas urgentíssimas. Não devemos esquecer o caráter real da tragédia que significa a perda da vida de tantos brasileiros. Não devemos esquecer que estamos sujeitos ao caos do sangue.

Tudo isso denuncia uma situação política. Não se trata apenas de um fato técnico – a contaminação por um vírus só recentemente identificado. Em outros países, onde há melhores serviços de saúde e maior controle do sangue, mesmo antes de 1985, enquanto não haviam testes capazes de identificar a presença do vírus HIV no sangue, nunca as estatísticas apresentaram uma contaminação tão alarmante quanto no Brasil. Isto é uma evidência clara de que o problema decorre de uma estrutura que envolve desde a coleta de sangue até sua prescrição ao doente, e não apenas a falta de recursos técnicos, que provem, igualmente, da falta de vontade política em melhorar a saúde pública.

Assim, se não houver mudanças radicais na própria base de um sistema de saúde perverso, não será possível controlar a epidemia apenas com a simples adoção da obrigatoriedade dos testes no sangue doado. Na verdade, o sistema que faz o sangue uma mercadoria continua infeccionando os cidadãos e, especialmente, os hemofílicos.

Os avanços da hemoterapia aperfeiçoaram as técnicas de transfusão, permitindo tratamentos mais eficazes. Ao mesmo tempo, criaram uma fantástica fonte de lucros para as indústrias que produzem os hemoderivados.

Os escândalos se sucedem. A imoral busca do lucro fácil teve conseqüências terríveis, em termos de degradação da qualidade de hemoderivados para os países desenvolvidos. A tal ponto que, a Assembléia Anual da Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1975, adotou uma resolução determinando que doações, em todo mundo, só poderiam ser realizadas de forma voluntária e gratuita, medida esta até hoje não adotada integralmente no Brasil, apesar da tentativa da Constituição de 1988, ainda não regulamentada, como já exposto acima.

O resultado dessa ação hedionda e não coibida pelo Poder Público é a morte de muitos. Hoje, no Rio de Janeiro, o vírus da Aids contamina mais de 80% dos hemofílicos. Dos casos notificados de aids transfusional na Secretaria de Saúde do Rio de Janeiro, pode-se observar que a população atingida é muito jovem e majoritamente de baixos recursos. Entre os hemofílicos, as vítimas, em sua maioria, são jovens e crianças como os Requerentes, dado o maior número de episódios hemorrágicos nesta idade e consequentemente maior utilização do sangue e hemoderivados.

Assim, o avanço conseguido pela Ciência, que tornou o hemofílico uma pessoa economicamente ativa e com expectativa de vida igual a de uma pessoa não hemofílica, foi retardado pelo o vírus HIV e a completa omissão do Estado no controle do sangue, resultado neste trágico quadro da população hemofílica, a qual além de ter que conviver com a própria hemofilia ainda tem que tentar viver com a aids e uma série de doenças oportunistas advindas da imunodeficiência adquirida, como: infeções generalizadas, toxoplasmose cerebral, sarcomas de Kapossi, entre outros, que atingem a saúde dos Requerentes, impossibilitando-os de exercer atividades laborativas, e diminuindo suas expectativas de vida. Sem contar com a total falta de recursos próprios e ausência completa de assistência médica e social a essas pessoas, impossibilitando os Requerentes viverem com mais dignidade.

II – DO DIREITO

Como facilmente se infere da leitura dos fatos acima, os Requerentes constituem mais um grupo de hemofílicos vitimados pelo sangue contaminado no País, cabendo-lhes uma indenização por todos os danos causados a sua saúde, bem como assistência integral no seu tratamento.

A expansão da aids, via transfusão sangüínea e outros hemoderivados nas pessoas sadias ou portadoras de doenças não relacionadas com as causas que a produzem, é conseqüência indiscutível da criminosa omissão das autoridades sanitárias estadual e federal, bem como a rede hospitalar, no tocante ao teste obrigatório do sangue empregado nas transfusões e outros tratamentos.

Em essência, a contaminação transfusional é mais um caso de infeção hospitalar no Brasil, uma triste rotina que matou até mesmo um Presidente da República – Dr. Trancredo Neves – confessada e denunciada pelas próprias autoridades públicas.

Como conseqüência, o flagelo provocado pelo Estado e seus agentes, por negligência e omissão, acarreta a obrigação deste indenizar suas vítimas de forma objetiva pelo dano irreparável que causou, face a adoção do risco administrativo adotado por nossa Constituição Federal, ou até mesmo pela a obrigação do Estado em cuidar da saúde e assistência social dos seus cidadãos.

Nossa Magna Carta garante, sem dúvida, muitos outros direitos, impondo às autoridades a assistência aos cidadãos deste país, como obrigação primeira de suas responsabilidades. Infelizmente, não vem sendo cumprida nem direta nem indiretamente pelos Réus, fazendo-se necessária a espada da Justiça para repor o equilíbrio da balança tão descompassada nos últimos tempos.

O art. 5º da Constituição Federal é claro:

"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do DIREITO A VIDA…"

O art. 196 combinado com o art. 200 da Constituição Federal garantem de forma objetiva o direito à saúde e determinam as atribuições do Estado.

"Art. 196 – A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à reprodução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação."

"Art. 200 – Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei;

I – controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos;"

Tais artigos conjugados com o parágrafo 6º do art. 37, o qual dispõe que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa; "condenam, por fim, os Réus a repararem solidariamente os danos causados à saúde dos Requerentes."

Mesmo na ausência de culpa, que não é o caso, estão os Requeridos obrigados a assistirem os Requerentes, face o que determina o art. 203 e seus incisos:

"A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independente de contribuição à seguridade social …"

A obrigatoriedade em reparar o dano causado a outrem por ação ou omissão não é nova em nossa legislação e desde 1942 nosso Código Civil já dispunha:

"Art. 159 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano."

"Art. 1.539 – Se da ofensa resultar defeito, pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua o valor do trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até o fim da convalescença, incluirá uma pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu."

A ofensa material e moral causada, bem como a invalidez permanente que provocou a grave lesão aos Requerentes, se encontra amplamente comprovada quer seja pelos documentos apresentados, quer seja pela realidade da saúde pública brasileira.

Isto posto, resta óbvio, o direito dos Requerentes a percepção de uma indenização compatível com os prejuízos causados pelos Réus, bem como a assistência social aos referidos até a sentença final.

III – DO PRESSUPOSTOS PARA A CAUTELA

Como é público e notório (art. 334 inciso I do CPC), a doença que acomete os Requerentes é letal, se desenvolve em curtíssimo prazo, e os medicamentos que controlam o desenvolvimento da doença são importados e muito caros, além dos gastos com própria manutenção e tratamento, imprescindíveis para mantê-los vivendo com o mínimo de dignidade. A completa falta de recursos dos Requerentes está devidamente comprovada nos autos.

A demora do procedimento ordinário impossibilitará os Requerentes de se tratarem, encurtado ainda mais a vida dos referidos.

Por tudo isso, inegável é a presença do PERICULUM IN MORA.

A fumaça do bom direito repousa no art. 203 da Constituição Federal que garante a assistência do Estado para as pessoas portadoras de deficiência (inciso V).

IV – DAS PROVAS

Provar-se-á o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos.

V – DO PEDIDO

Ante o exposto, requerem:

a – a isenção das taxas jurídicas e demais custas processuais com base na Lei nº 1.060/50;

b – a concessão liminar de uma prestação alimentar no valor de R$ …. (….) para cada Requerente, reajustada mensalmente pelo índice de inflação apurado no mês, até o final da ação principal, a título de assistência social.

c – a condenação dos Réus ao pagamento de uma indenização a fim de que possam os Requerentes arcarem com seu tratamento e manutenção até o final da ação principal, a ser arbitrada em liquidação de sentença.

d – a condenação dos Réus ao pagamento de custas e honorários advocatícios, tudo acrescido de juros e correção monetária.

e – a citação dos Requeridos para, querendo, contestarem a presente ação, sob pena de revelia.

VI – DA AÇÃO PRINCIPAL

Os autores ajuizarão, no prazo legal a competente ação ordinária de reparação de dano por responsabilidade civil, pelos mesmos fatos e fundamentos jurídicos da presente ação.

VII – DO VALOR DA CAUSA

Atribui-se à presente o valor de R$ …. (….).

Nestes termos,

Pede deferimento.

…., …. de …. de ….

………………

Advogado OAB/…

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