[MODELO] Mandado de Segurança – Trancamento ação penal, liberação bens
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO – 3ª TURMA
MANDADO DE SEGURANÇA Nº
IMPETRANTE:
IMPETRADO: JUÍZO DA 6ª VARA FEDERAL CRIMINAL DO RIO DE JANEIRO
RELATOR: DES. FEDERAL MARIA HELENA CISNE
Egrégia Turma
Trata-se de mandado de segurança impetrado por contra ato do JUÍZO DA 6ª VARA FEDERAL CRIMINAL DO RIO DE JANEIRO, pelos seguintes motivos:
I – O impetrante, cidadão norte-americano, foi preso no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro quando embarcava com destino a Nova Iorque/EUA, levando consigo vinte mil dólares e 17 pedras preciosas[1].
II – O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face do paciente, como incurso nas sanções previstas no artigo 22, parágrafo único, da Lei 7.892/86[2], c/c artigo 18, II, do Código Penal. Em sua cota denuncial, requereu o encaminhamento das pedras preciosas (17 diamantes) que foram apreendidas em poder do denunciado, no mesmo contexto, à Receita Federal, para a abertura de procedimento administrativo-fiscal de perdimento, com base no artigo 105, V, do Decreto-lei 37/66 c/c art. 518, V, do Regulamento Aduaneiro, bem como a devolução da quantia legalmente autorizada a sair ou ingressar do País, ou seja, US$ 10.000,00 (dez mil dólares).
III – SANDRA MEDEIROS DE ALBUQUERQUE impetrou habeas corpus[3] em favor de MARK ALLEN, disso resultando o trancamento da ação penal por atipicidade da conduta.
IV – Após o trancamento da ação penal, o magistrado determinou o encaminhamento das pedras apreendidas à Receita Federal, por vislumbrar infração administrativa autônoma, bem como autorizou a devolução “ao proprietário do valor correspondente a dez mil dólares, cuja saída do país sem declaração é tida como legal, permanecendo o restante à disposição do Banco Central, nos termos do art. 3º da Portaria nº 61/98, do Ministério da Fazenda.”.
V – Entende o ora impetrante que, “com a concessão da ordem e o trancamento da ação penal, todos os atos dali provenientes foram invalidados, tornando insubsistentes as apreensões informadas nos autos, motivo este que possibilita ao impetrante a retirada IMEDIATA dos objetos ali descritos.”
VI – Alega que, quanto ao numerário apreendido, existe prova nos autos de que é correntista de banco nos EUA e que, na véspera da viagem para o Brasil, retirou US$ 26.000,00. Assim, comprovado que o dinheiro que o impetrante portava lhe pertencia e com ele entrara no país, não há falar-se em confisco com fundamento na Lei 9.069/95.
VII – No que tange às pedras precisosas, “NÃO HÁ QUALQUER REGULAMENTAÇÃO que defina o porte de pedras preciosas como crime ou infração administrativa”. Argumenta, ainda que “se alguém cometeu algum ilícito administrativo foi a empresa que emitiu a nota fiscal e não o comprador de boa-fé que pagou o justo preço. Como é possível que um cidadão estrangeiro tenha o bem adquirido retido, simplesmente por não ter feito a averiguação da legalidade da nota fiscal? O fato é que o impetrante adquiriu as pedras da Lapidação Estrela do Sul, pagou e recebeu as pedras, conforme documento anexo”.
Às fls. 68/71, a autoridade impetrada prestou informações, a argumentar que:
I – Mesmo diante do trancamento da ação penal, impunha-se o encaminhamento das pedras preciosas à Receita Federal, por configurado, em tese, ilícito administrativo, conforme as normas que regem a matéria (Decreto-lei nº 37, de 18/11/66, o Regulamento Aduaneiro – aprovado pelo Decreto nº 91.030/85, a Instrução Normativa SRF nº 28, de 27/08/98, a Portaria SCE 02, DOU de 28/12/92 e a Carta Circular BCB 2.767, DOU de 18/07/97).
II – A Portaria SCE 02, de 28/12/92 equipara o estrangeiro não residente no país comprador de pedras preciosas no mercado interno ao exportador, exigindo-lhe, para a regularidade da exportação, o registro de venda no SISCOMEX. Diante da ausência desse registro, correto o encaminhamento das pedras à Receita, para abertura de procedimento administrativo-fiscal de perdimento, na forma do artigo 105, V, do Decreto-lei nº 37/66, c/c artigo 518, V, do Regulamento Aduaneiro (Dec. nº 91.030/85).
III – A clandestinidade da tentativa de exportação das pedras se teria demonstrada pelo fato de que, embora a obrigação de registro no SISCOMEX caiba ao vendedor (cf. Portaria 02/92), a nota fiscal de venda exibida pelo impetrante não se revestiu dos requisitos legais para ter validade fiscal, além do que a empresa emitente do documento seria inexistente no cadastro da Receita Federal.
IV – Por último, a Lei 9.069/95, que proíbe a saída do país de quantias superiores a US$ 10.000,00 sem declaração, autoriza a apreensão do que exceder esse valor.
Às fls. 73, a Relatora indeferiu o pedido de liminar, determinando, ainda, fosse oficiada a Receita Federal “para esclarecer se o estrangeiro, ao deixar o país, é informado sobre a necessidade de especificar ou declarar os valores dos bens que leva consigo”.
Às fls. 77, ofício do Superintendente Regional da Receita Federal – 7ª RF, informando que “a Alfândega do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro (Antônio Carlos Jobim), quando requisitada, esclarece aos estrangeiros que deixam o país das obrigações impostas por nosso arcabouço legal-administrativo no tocante às questões tributárias, entre estas da necessidade de especificar ou declarar os valores dos bens que leva consigo” e que “o impetrante agiu como exportador, conforme definição do item 1 da Portaria SCE nº 02/92, e para que a operação fosse regular seria necessário o seu registro no SISCOMEX”.
É o relatório.
O pedido do impetrante vem formulado nos seguintes termos:
“…espera o impetrante que seja determinado o IMEDIATO LEVANTAMENTO DAS PEDRAS PRECIOSAS, por ser certo que não há em nosso ordenamento jurídico qualquer dispositivo que considere o seu porte, inclusive para o exterior, como sendo ato ilegal ou como infração administrativa.
.
Por todos os fundamentos expostos, requer:
a) a concessão da medida liminar pelos seus jurídicos fundamentos, tendo em vista a presença dos requisitos legais exigidos por lei;
b) que seja concedida, no final, a ordem com a confirmação da liminar e ainda para que seja devolvido o restante do montante apreendido em espécie, uma vez que o dispositivo legal utilizado contraria frontalmente a Carta Magna; (…)”
A decisão impugnada, por sua vez, diz o seguinte:
“Considerando o teor da manifestação ministerial de fls. 187/190, calcada nas informações prestadas pela Receita às fls. 168/187, proceda-se ao encaminhamento das pedras apreendidas à Receita Federal.
Saliento, desde já, que cuidando-se em tese de infração administrativa desvinculada de qualquer ilícito penal, eventual impugnação de perdimento ou qualquer outra medida a ser tomada pela Receita deverá obedecer o trâmite próprio junto ao juízo cível.
Autorizo a devolução ao proprietário do valor correspondente a dez mil dólares, cuja saída do país sem declaração é tida como legal, permanecendo o restante à disposição do Banco Central, nos termos do art. 3 da Portaria 61/98, do Ministério da Fazenda.”
Evidenciada a existência, ainda que em tese, de infração administrativa, e carecendo de competência ou atribuição para apurá-la, outra alternativa não restava ao Juízo da 6ª Vara Criminal que não a de remeter – como de fato remeteu – a questão à autoridade a quem competia fazê-lo.
Essa conclusão, aliás, já constava do voto da Ilustre Desembargadora MARIA HELENA CISNE, proferido no habeas corpus em que concluiu pela atipicidade da conduta imputada ao ora impetrante: “quanto ao pedido de liberação das importâncias retidas e das pedras preciosas, o habeas corpus não se presta para esse fim. Como houve mera infração administrativa, deve a impetrante se dirigir à Autoridade Fiscal competente.”
Diferente seria quando houvesse a digna autoridade impetrada decretado – ela mesma – a pena de perdimento. Não é isso, contudo, o que se tem no caso específico.
Inexiste, portanto, ato abusivo ou ilegal que mereça ser coartado.
O magistrado, repita-se, limitou-se determinar o pronto encaminhamento dos bens apreendidos à autoridade fazendária, para instauração do indispensável processo administrativo no qual se há de assegurar ao ora impetrante o contraditório e a ampla defesa. A conclusão poderá ser tanto no sentido da existência de infração administrativa, a ser punida com perdimento ou com a simples aplicação de multa, quanto no da descaracterização da infração.
No caso, portanto, tem-se não só a ausência de ato ilegal como também a ilegitimidade do Juízo da 6ª Vara para figurar no pólo passivo deste mandado de segurança. Constatada que venha a ser alguma ilegalidade no referido processo administrativo, legitimado passivo será a autoridade da Receita Federal, não o Juízo que limitou-se a encaminhar-lhe o dinheiro e as pedras apreendidas.
Do exposto, o parecer é no sentido da extinção do processo sem julgamento de mérito.
Rio de Janeiro, 30 de janeiro de 2012.
JOSÉ HOMERO DE ANDRADE
Procurador Regional da República
A teor do art. 65 da Lei 9.069/95,
Art. 65. O ingresso no País e a saída do País, de moeda nacional e estrangeira serão processados exclusivamente através de transferência bancária, cabendo ao estabelecimento bancário a perfeita identificação do cliente ou do beneficiário.
§ 1º Excetua-se do disposto no caput deste artigo o porte, em espécie, dos valores:
I – quando em moeda nacional, até R$ 10.000,00 (dez mil reais);
II – quando em moeda estrangeira, o equivalente a R$ 10.000,00 (dez mil reais);
III – quando comprovada a sua entrada no País ou sua saída do País, na forma prevista na regulamentação pertinente.
§ 2º omissis
§ 3º A não observância do contido neste artigo, além das sanções penais previstas na legislação específica, e após o devido processo legal, acarretará a perda do valor excedente dos limites referidos no § 1º deste artigo, em favor do Tesouro Nacional.
Nos autos de prisão em flagrante, o Ministério Público Federal se manifestou no sentido da atipicidade da conduta e concluiu que, “comprovada a entrada no país, uma semana antes da apreensão, da indigitada quantia”, ter-se-ia exercício regular de direito. E prossegue: “a única falha reside no fato de não ter o alienígena preenchido a ‘Declaração de Porte de Valores em Espécie’, aprovado pela Portaria nº 61/98 do BACEN (…) Mas quem, nesta terra, já viu tal formulário? Se os próprios brasileiros, via de regra, desconhecem a norma, que dizer de um estrangeiro, que negocia costumeiramente no país, estando para tanto autorizado por visto regular, aqui ingressando várias vezes por ano, como se verifica às fls. 86/98 do Inquérito Policial, sem que jamais tal formulário lhe tenha sido apresentado? Os regulamentos, por aqui, são quase que clandestinos. Destinam-se a penalizar os cidadãos, e não a educá-los e impor a norma de conduta consentida. (…)”.
Data venia do então sustentado pelo ilustre membro do parquet, não creio que a questão se resuma à clandestinidade dos regulamentos.
A norma transgredida pelo impetrante, em verdade, é a própria Lei 9.069/95, que impõe que “o ingresso no País e a saída do País, de moeda nacional e estrangeira serão processados exclusivamente através de transferência bancária”. Admite-se, como exceção, o porte em espécie de valores superiores a US$ 10.000,00, desde que atendidas normas constantes do regulamento.
Nesse caso, em se tratando de comerciante profissional, que habitualmente ingressa no Brasil, tinha ele a seu alcance tanto a possibilidade quanto o dever de informar-se sobre a legislação de regência sobre entrada e saída de divisas. Da inobservância desse dever, ainda quando atípica a conduta do ponto de vista penal, há de decorrer a instauração de procedimento administrativo-fiscal de perdimento, como já decidiu a Quarta Turma desse Egrégio Tribunal Regional Federal:
I – ADMINISTRATIVO – MOEDA ESTRANGEIRA – APREENSÃO PELA RECEITA FEDERAL – DEVOLUÇÃO – DESCABIMENTO – A SAÍDA DO PAÍS SEM A DECLARAÇÃO DE MOEDA ESTRANGEIRA NÃO SÓ CONSTITUI INFRINGÊNCIA À PORTARIA Nº 61, DE 01.01.98, DO MINISTÉRIO DA FAZENDA, COMO SE CONSTITUI EM ILÍCITO PENAL PREVISTO NA LEI Nº 7.892/86 – A APREENSÃO DA MOEDA ESTRANGEIRA, NESTES CASOS, NÃO CARACTERIZA QUALQUER VIOLAÇÃO DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO E/OU DE ARBITRARIEDADE OU ILEGALIDADE DA AUTORIDADE, QUE AGE NO REGULAR EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA ESTRIBADO EM NORMA LEGAL – A AFIRMAÇÃO DE INGRESSO NO PAÍS COM A REFERIDA MOEDA NECESSITA DE SER DEVIDAMENTE COMPROVADA, BEM COMO A ALEGAÇÃO DE DESCONHECIMENTO DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA QUE OBRIGA À DECLARAÇÃO DE INGRESSO E SAÍDA COM MOEDA ESTRANGEIRA EM MONTANTE SUPERIOR A U$ 10.000,00 OU EQUIVALENTE, NÃO ENCONTRA RESPALDO DIANTE DO ART. 3º DA L.I.C.C.
II – APELAÇÃO IMPROVIDA. SENTENÇA CONFIRMADA.
(TRF – 2ª Região – 8ª Turma – AMS Processo: 95.02.19916-2 RJ – Data da Decisão: 19/06/1996 – Relator XXXXXXXXXXXX FREDERICO GUEIROS)
O mesmo raciocínio se aplica às pedras apreendidas. Segundo o art. 90 do DL 227/67 (Código de Mineração), “Fica sujeito ao registro especial, conforme regulamento que será baixado pelo Governo Federal, quer se trate de mercado interno ou externo, o comércio de pedras preciosas, de metais nobres e de outros minerais que venham a ser considerados objeto desse cuidado.”
O único procedimento previsto é o registro de declaração de despacho aduaneiro de exportação, no SISCOMEX (art. 52, II da IN/SRF nº 28/98) e a apresentação de nota fiscal no momento do embarque (art. 58 da mesma IN/SRF). No caso, o impetrante apresentou documento comprobatório da aquisição das pedras (fls. 87/50), que, entretanto, não se constitui em nota fiscal nos padrões brasileiros, apesar de compatível com os norte-americanos. Além disso, a empresa ‘vendedora’, LAPIDAÇÃO ESTRELA DO SUL, sequer consta do cadastro da Receita Federal.
E, ainda que tudo não estivesse a indicar tratar-se de tentativa de exportação clandestina das pedras, não se pode perder de vista que, em se tratando de infração administrativa, não há considerar a boa-fé do infrator. A respeito, a seguinte ementa:
TRIBUTARIO – PERDIMENTO DE MERCADORIAS IMPORTADAS IRREGULARMENTE E ADQUIRIDAS NO MERCADO INTERNO POR TERCEIRO, MEDIANTE A EXPEDIÇÃO DE NOTA-FISCAL, MAS SEM A EXIGENCIA, PELA EMPRESA ADQUIRENTE, DA COMPROVAÇÃO DA REGULAR IMPORTAÇÃO – IRRELEVANCIA, PARA A IMPOSIÇÃO DA PENA DE PERDIMENTO, DO ARGUMENTO DE QUE SE TRATA DE ADQUIRENTE DE BOA-FE, BEM COMO DE QUE O BEM FOI ADQUIRIDO PARA INCORPORAÇÃO AO ATIVO FIXO DA EMPRESA.
– CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA QUE DENEGOU A SEGURANÇA.
– IMPROVIMENTO DO RECURSO DE APELAÇÃO.
(TRF – 1ª Região – AMS 90.115171-0 DF – Decisão de 05-12-1990 – Relator: XXXXXXXXXXXX MURAT VALADARES)
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É certo que, quando a exigência administrativa caracteriza mera exigência burocrática, sua infração não implica lesão a bem jurídico algum, motivo pelo qual inaplicável pena de perdimento:
ADMINISTRATIVO-FISCAL. PENA DE PERDIMENTO. REGULAMENTO ADUANEIRO, ART-518, INC-8, APROVADO PELO DECRETO-91030/85.
1) Não sendo devidos impostos pela exportação dos bens, é de todo inaplicável a pena do perdimento, visto que se trata de mera irregularidade fiscal, sobre a qual poderia incidir multa mas não a perda dos bens.
2) Remessa oficial desprovida.
(TRF – 8ª Região – Decisão de 28-11-1995 –Remessa Ex Officio 821808-3/RS ANO:98 – Relator: XXXXXXXXXXXX JOÃO SURREAUX CHAGAS)