[MODELO] Mandado de Segurança – Promoção Inspetor 1ª Classe
ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DA CAPITAL
JUÍZO DE DIREITO DA 10ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA
Processo nº 2012.001.016638-3
SENTENÇA
Vistos etc…
I
WALDECI FIGUEIREDO MENDES, qualificado na inicial, aXXXXXXXXXXXXou o presente mandado de segurança em face do ESTADO DO RIO DE JANEIRO, postulando a promoção para o cargo de Inspetor de 1ª Classe.
Como causa de pedir, alega que na condição de ocupante, por mais de dez anos, do cargo de Detetive de 1ª Classe (último de sua carreira até a reestruturação implementada pela L. estadual n. 3.586, de 21/06/01), ostenta direito líquido e certo à promoção ao cargo-ápice da atual estrutura (Inspetor de 1ª Classe, cuja denominação foi recentemente alterada para Comissário de Polícia), por entender que o tempo de ocupação naquele cargo da anterior organização deve ser aproveitado para fins de composição do interstício mínimo (730 dias) exigido para a promoção ora pleiteada.
Com a inicial vieram os documentos de fls. 08/35.
Regularmente citada, a autoridade impetrada apresentou suas informações a fls. 72/78, asseverando inexistir o direito líquido e certo alegado pelo demandante, em razão do não-cumprimento, por parte deste, do interstício de 730 dias no cargo que atualmente ocupa, de acordo com o que estabelece o art. 170 do DL 218 – Estatuto dos Policiais Civis do Estado do Rio de Janeiro.
A douta Procuradoria do Estado, após regular citação, também apresentou suas informações (fls. 82/86), sustentanto, em síntese, que: 1) o impetrante não produziu prova pré-constituída do direito que alega titularizar; 2) o ato administrativo de indeferimento da promoção requerida presume-se legal, até que o contrário se comprove – ônus do qual não se desincumbiu o pleiteante. Por tais razões, requer o indeferimento da segurança.
Parecer do Ministério Público a fls. 92/93, no sentido da denegação da segurança postulada.
II
É o relatório. Fundamento e decido.
Inicialmente cabe observar que o Magistrado que primeiro despachou nestes autos, adotando orientação de LUCIA VALLE FIGUEIREDO – Mandado de Segurança, 5a ed., 2012 – determinou que se fizesse constar, no pólo passivo, o Ente Público que eventualmente sofrerá os efeitos da decisão neste processo.
Assim, não obstante o legislador falar em autoridade coatora, a denotar a necessidade de se indicar o órgão ou o agente na polaridade passiva, como quer grande parte da doutrina, este fato não poderá trazer maiores transtornos para a prestação jurisdicional.
Isto se dá por ter sido, como dito, o próprio Judiciário quem determinou a retificação, não podendo a parte autora sofrer as conseqüências deste ato. Mas não é só. A questão da polaridade passiva no Mandado de Segurança, como se dá, não representa conseqüências negativas para a defesa. Aquele que tem interesse em se manifestar foi, adequadamente convocado, e apresentou sua defesa. É o que basta.
Aliás, quanto ao que é dito, não seria muito ver a nota nº 88, ao art. 1o, da Lei nº 1533/51, feita por THEOTONIO NEGRÃO, em seu conhecido livro sobre a legislação processual. Aí, é mostrado que a jurisprudência mais atual vem colocando ser indiferente se apontar o agente ou a pessoa jurídica, da qual ele faz parte, no pólo passivo.
Feita a observação acima, passa-se à análise do mérito.
Segundo se depreende dos autos, em 1978, o impetrante ingressou no quadro funcional da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro. Após sucessivas promoções, no ano de 1987, chegou à última classe de sua carreira, correspondente ao cargo de Detetive de 1ª Classe, o qual passou a ocupar a partir de então.
Em 21/06/01, foi promulgada a Lei estadual n. 3.586, que modificou a carreira dos Detetives. Essa lei transformou os antigos cargos de Detetive em cargos de Inspetores, divididos em 8 classes.
Três meses após a edição do referido diploma, a Administração enquadrou o impetrante na classe imediatamente seguinte à inicial da nova carreira, isto é, a de Inspetor de Polícia de 3ª Classe.
Em 21/08/08, portanto menos de 3 anos após seu enquadramento, o impetrante, atendendo a todos os requisitos legais, foi novamente promovido, desta vez ao penúltimo cargo da nova carreira, qual seja, o de Inspetor de Polícia de 2ª classe.
Todavia, o impetrante entende que o fato de ter ocupado, por mais de dez anos, quando do advento da nova estrutura (em 2012), a última classe da antiga carreira (Detetive de 1ª Classe), conferir-lhe-ia o direito líquido e certo de, agora, ser promovido, automaticamente, à última classe da atual estrutura (Inspetor de 1ª Classe, cuja denominação foi recentemente modificada para “Comissário de Polícia”, conforme se extrai da L. estadual n. 8.368 de 05/07/08).
Argumenta o demandante que o interstício mínimo de 730 dias, exigido pelo art. 170 do Estatuto dos Policiais Civis do Estado do Rio de Janeiro (DL n. 218), bem como pelo respectivo Regulamento (D. n. 3.088/80), como condição para a promoção à última classe da nova carreira, já estaria satisfeito, com sobras, por aquele período (mais de dez anos) em que esteve a ocupar a última classe da extinta estrutura.
Em que pese a veemência dos argumentos, a tese do pleiteante não é a que vem sendo acolhida pela jurisprudência dominante de nossos Tribunais.
O deferimento da pretensão ora deduzida pressupõe, em verdade, o reconhecimento de que o requerente titulariza um direito adquirido à inalterabilidade do seu regime funcional, ainda que parcial.
E não é difícil ver por quê.
Deseja o impetrante aproveitar o tempo despendido em cargo-teto da anterior estrutura para fins de preenchimento do requisito intersticial de promoção na nova.
Equivale isso, na prática, a aplicar os efeitos jurídicos de uma determinada relação, em outra, posterior e distinta.
Seria como transplantar para a nova relação jurídica, instaurada entre servidor e Estado pelo advento da recém-criada estrutura, somente o tempo de serviço já expendido na anterior carreira. Em relação a todo o resto (nomenclatura, vencimentos etc), vigorariam, segundo essa tese, os termos da atual relação.
Equivocada esta idéia.
O regime estatutário, todos sabemos, é o conjunto de regras que regulam a relação jurídica funcional entre o servidor público estatutário e o Estado. Esse conjunto normativo, conforme sói ocorrer, se encontra no estatuto funcional da respectiva pessoa federativa.
Uma das características do regime estatutário, aponta a doutrina, corresponde à natureza pública, isto é, não contratual, da relação jurídica existente entre o servidor e o ente estatal.
Conforme salienta renomado administrativista pátrio,
“essa relação não tem natureza contratual, ou seja, inexiste contrato entre o Poder Público e o servidor estatutário. Tratando-se de relação própria do direito público, não pode ser enquadrada no sistema dos negócios jurídicos bilaterais de direito privado. Nesse tipo de relação jurídica não-contratual, a conjugação de vontades que conduz à execução da função pública leva em conta outros fatores tipicamente de direito público, como o provimento do cargo, a nomeação, a posse e outros do gênero”. (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro: ed. Lumen Iuris, pg. 883, 2012)
Por tal circunstância, é forçoso dessumir que o poder detido pela Administração, para proceder a eventual reestruturação funcional que seus interesses reclamem, ostenta nítida natureza discricionária.
Assim, se em um dos pólos jurídicos da relação estatutária – o da Administração Pública – se assenta um poder inequivocamente discricionário, não há como se erigir, no pólo oposto, em favor do servidor, um direito subjetivo, adquirido e inviolável, à inalterabilidade do seu regime funcional.
Não é outra, senão essa, a orientação já cristalizada no âmbito da Excelsa Corte, conforme se extrai do acórdão paradigma abaixo transcrito:
Ementa: Recurso extraordinário. Estabilidade financeira. Lei Complementar 83/92 do Estado de Santa Catarina.
A estabilidade financeira, que não se confunde com o instituto da agregação, não viola o princípio constitucional da vedação de vinculação ou equiparação de vencimentos.
Falta de prequestionamento da questão relativa ao artigo 17 do ADCT da Constituição Federal (súmulas 282 e 356).
Inexistência, no caso, de direito adquirido, porquanto é entendimento firme desta Corte o de que não há direito adquirido a regime jurídico.
Não observância, de outra parte, da súmula 339, não sendo aplicável, no caso, o § 8º do artigo 80 da Carta Magna, porquanto não houve tratamento diferenciado entre os em atividade e os inativos com o benefício da estabilidade financeira.
Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE 193.810-2 – Santa Catarina – Relator: Min. Moreira Alves).
No mesmo sentido, são os julgados do STJ e do TJ-RJ, os quais, em sua maioria, assim têm decidido:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS ativos. AUDITORES FISCAIS DO ESTADO DO CEARÁ. LEI Nº 12.582/96. RECLASSIFICAÇÃO FUNCIONAL. Possibilidade. Princípio da irredutibilidade de vencimentos. Observância.
A ordem constitucional confere à Administração Pública poder discricionário para promover a reestruturação orgânica de seus quadros funcionais, com a modificação dos níveis de referências das carreiras para realizar correções setoriais, desde que respeitado o princípio constitucional das irredutibilidade de vencimentos.
A Lei nº 12.582/96, conquanto tenha alterado a nomenclatura, as classes e as referências do Grupo TAF, de modo a promover uma reclassificação de cargos na escala funcional, não acarretou qualquer decréscimo remuneratório para os servidores em atividade que, em razão disso, não têm direito adquirido em permanecer na última referência do novo modelo. Recurso ordinário desprovido.
(RMS 9381 / CE ; RECURSO ORDINARIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – 1998/0001811-0 Rel. Ministro VICENTE LEAL – Órgão Julgador T6 – SEXTA TURMA – j. 28/11/2012, Data da Publicação/Fonte DJ 18.12.200, p. 238).
PROMOCAO – ATO ADMINISTRATIVO – INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO – VIA IMPRÓPRIA – ORDEM DENEGADA.
ADMINISTRATIVO. INSPETOR DE GUARDA JUDICIÁRIA. TRANSFORMAÇÃO DO CARGO. LEI 3.893/02. OMISSÃO DA LEI COM RELAÇÃO A ESTE CARGO. RESOLUÇÃO Nº 23/02. LEGALIDADE. A lei nº 3.893 delegou, implicitamente, à autoridade administrativa o poder de regulamentar a situação funcional do servidor, sem nível superior, que exercesse o cargo de inspetor de Segurança Judiciária ou da Guarda Judiciária e o fez, adequadamente, enquadrando-os como Oficial de Segurança I, a teor do art. 3º da Resolução nº 23/02, uma vez que a Administração Pública pode suprimir, transformar e alterar os cargos públicos ou serviços, independentemente da aquiescência do seu titular, haja vista que o servidor não tem direito adquirido à imutabilidade de suas atribuições, nem à continuidade de suas funções originárias. Esta é a posição do S.T.F. para o qual não há direito adquirido a regime jurídico (cfr. AgRg 761-PE, DJU de 22.3.96, RE 193.810-SC – DJU de 6.6.97 e RE 226.862-SC, DJU de 6.8.99), de forma que a Administração pode reestruturar os seus quadros de pessoal, exigir, como fez a lei sob exame, que determinadas categorias funcionais tenham adequado nível de ensino, pode lotar e relotar servidores, criar e extinguir cargos, porque isto está dentro dos limites do poder administrativo do Estado. Desta forma não se pode sustentar tenha havido ofensa a qualquer princípio basilar contido na Constituição Federal. Não houve redução de vencimentos, nem ofensa aos princípios da isonomia e da antigüidade e do direito adquirido. Ordem denegada. (2003.008.00598 – MANDADO DE SEGURANCA DES. GUSTAVO KUHL LEITE – J.: 22/09/2003 – ORGAO ESPECIAL).
Assim, vai de encontro ao entendimento majoritário a pretensão autoral de se mesclar, dentro da atual relação estatutária, elementos relacionados a uma outra, anterior e já encerrada.
É na vigência da nova estrutura que os critérios de promoção devem ser atendidos. Se o tempo de permanência nas classes da antiga carreira atinem a uma realidade jurídica já extinta, os efeitos daí advindos só àquela anterior estrutura se aplicavam.
Uma vez implementada a nova organização, inicia-se relação estatutária inédita, a partir da qual se verificam e consideram os efeitos que de então em diante se produzem.
Daí porque a impossibilidade de se considerar, para efeitos de promoção à última classe da nova estrutura (Inspetor de 1ª Classe/Comissário de Polícia), o tempo de ocupação expendido pelo impetrante na derradeira classe da estrutura anterior.
Ressalte-se, por fim, que a relação jurídica estatutária, em razão de sua natureza pública, sofre a incidência de todos os princípios regentes da atuação estatal.
Ao pretender que sobre a relação funcional recém-instaurada se apliquem efeitos à ela estranhos, de forma a compor situação jurídica que, em detrimento das normas regentes da matéria – e, por isso mesmo, desprezadora do interesse estatal -, melhor (ou, quiçá, tão-somente) atendam ao seu próprio interesse, perpetra o pleiteante insofismável violação ao postulado da supremacia do interesse público.
Nesse particular, cite-se o valioso magistério de ilustre jurista do qual já nos socorremos, linhas atrás:
“As atividades administrativas são desenvolvidas pelo Estado para benefício da coletividade. Mesmo quando age em vista de algum interesse estatal imediato, o fim último de sua atuação deve ser voltado para o interesse público. E se, como visto, não estiver presente esse objetivo, a atuação estará inquinada de desvio de finalidade”. (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op cit., pg. 23)
III
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido, denegando a segurança pleiteada, nos termos do art. 269, I, do CPC.
Custas pelo impetrante.
Sem honorários, em atenção ao disposto nas Súmulas 105 do STJ e 512 do STF.
P.R.I.
Rio de Janeiro, 30 de novembro de 2012.