[MODELO] Habeas Corpus – Prisão Preventiva Desproporcional

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DA SEÇÃO CRIMINAL DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Paciente:

Autos de Origem nº:

A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, dando cumprimento à sua função institucional de zelar pela ampla defesa das pessoas necessitadas, nos termos dos artigos 1º, 3º, 5º, inciso LXXIV, e 134 da Constituição da República e artigos 103 e 104 da Constituição do Estado de São Paulo, nos termos dos artigos 1º, 3º, 5º, inciso LXXIV, e 134 da Constituição da República e artigos 103 e 104 da Constituição do Estado de São Paulo, nos termos dos artigos 1º, 3º, 5º, inciso LXXIV, e 134 da Constituição da República e artigo 103 da Constituição do Estado de São Paulo, assim como com fulcro nos artigos, 1º, 3º-A e 4º, incisos V, IX e X, da Lei Complementar federal nº 80/94 e, ainda, nos artigos 2º, 3º e 5º, incisos III, VI, alínea b, e IX, da Lei Complementar estadual nº 988/06, vem, com o devido respeito, perante Vossa Excelência, fundamentada no artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal e nos artigos 647 e seguintes do Código de Processo Penal, impetrar a presente ordem de

HABEAS CORPUS com pedido liminar

em favor de _, contra ato coator do/a MM. Juiz/Juíza de Direito do Plantão Judiciário de _, pelos motivos a seguir exarados.

  1. RELATÓRIO

A pessoa assistida pela DPESP, ora paciente, foi presa em flagrante, indiciada por delito que não tem como elementares a violência ou a grave ameaça.

Apesar do reconhecimento, pela OMS, da pandemia de COVID-19, doença causada pelo novo coronavírus, foi decretada a prisão preventiva, mesmo diante da primariedade e da existência de endereço fixo.

Ainda não foi oferecida a denúncia.

Nesse cenário surge o presente writ.

  1. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

2.1. Considerações iniciais

Este Habeas Corpus visa garantir a liberdade da pessoa presa já que a fundamentação para a decretação da preventiva é inidônea, a prisão é desproporcional e cabe medida cautelar distinta do cárcere.

2.2. A liberdade

2.2.1. A inidoneidade da fundamentação que decretou a prisão preventiva

A decisão impugnada citou dados do caso concreto e concluiu pela existência dos requisitos para a prisão preventiva. Ela está, então, viciada, o que acarreta a soltura.

Os fatos utilizados somente compõem as elementares do delito vislumbrado no auto de prisão em flagrante. Com isso, já que eles não extrapolam o tipo penal, a decisão embasou-se, substancialmente, na gravidade ínsita ao crime. A postura é ilegal.

Se isso fosse suficiente para embasar a prisão provisória, haveria casos de prisão automática, onde o juiz seria dispensado do dever disposto no art. 93, IX, da Constituição. Ainda, não seria sequer necessária a existência dos arts. 312 e 313 do Código de Processo Penal. Estaria, então, ignorada a presunção de inocência. Logo, não é argumento idôneo para sustentar o cárcere, o que leva à soltura: “(….) A jurisprudência desta Corte Superior não admite que a prisão preventiva seja amparada na mera gravidade abstrata do delito, por entender que elementos inerentes aos tipos penais, apartados daquilo que se extrai da concretude dos casos, não conduzem a um juízo adequado acerca da periculosidade do agente (….)”(STJ. HC 463.931/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 23/10/2018, DJe 13/11/2018).

2.2.2. A desproporcionalidade da prisão preventiva

2.2.2.1. A pandemia do COVID-19 e a relação de homogeneidade

No último dia 11 de março, a Organização Mundial de Saúde classificou como pandemia a disseminação da contaminação pela COVID-19, doença causada pelo novo coronavírus[1].

No Brasil, a situação é mais grave. Isso porque há claro aumento exponencial da doença, denotando quadro pior do que o italiano no mesmo período[2], pais que notoriamente enfrenta seus mais intensos flagelos.

Diante disso, foi declarada Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), materializada na Portaria nº 188/2020 do Ministro de Estado da Saúde, e no Estado de São Paulo o Governador, através do Decreto Estadual nº 64.862/2020, reconheceu tal situação e adotou medidas temporárias e emergenciais de prevenção de contágio, dentre elas suspensão de aulas e eventos, evitando-se a aglomeração de pessoas.

Dessa forma, há uma enfermidade amplamente disseminada, cujo contágio cresce diariamente.

Diante disso, é desarrazoada a prisão, e sua soltura é devida, nos termos do art. 5º, LVI da CF[3].

O texto constitucional supracitado prevê a obediência ao devido processo legal, que compreende, também, a observância dos ditames da proporcionalidade[4]. Aqui, vale dar destaque ao voto do Min. Gilmar Mendes no IF. N.º 2.915, que bem condensa o conteúdo do princípio em voga:

O princípio da proporcionalidade, também denominado princípio do devido processo legal em sentido substantivo, ou ainda, princípio da proibição do excesso, constitui uma exigência positiva e material relacionada ao conteúdo de atos restritivos de direitos fundamentais, de modo a estabelecer um “limite do limite” ou uma “proibição de excesso” na restrição de tais direitos. A máxima da proporcionalidade, na expressão de Alexy, coincide igualmente com o chamado núcleo essencial dos direitos fundamentais concebido de modo relativo – tal como o defende o próprio

Alexy. Nesse sentido, o princípio ou máxima da proporcionalidade determina o limite último da possibilidade de restrição legítima de determinado direito fundamental.

A par dessa vinculação aos direitos fundamentais, o princípio da proporcionalidade alcança as denominadas colisões de bens, valores ou princípios constitucionais. Nesse contexto, as exigências do princípio da proporcionalidade representam um método geral para a solução de conflitos entre princípios, isto é, um conflito entre normas que, ao contrário do conflito entre regras, é resolvido não pela revogação ou redução teleológica de uma das normas conflitantes nem pela explicitação de distinto campo de aplicação entre as normas, mas antes e tão-somente pela ponderação do peso relativo de cada uma das normas em tese aplicáveis e aptas a fundamentar decisões em sentidos opostos. Nessa última hipótese, aplica-se o princípio da proporcionalidade para estabelecer ponderações entre distintos bens constitucionais.

Em síntese, a aplicação do princípio da proporcionalidade se dá quando verificada restrição a determinado direito fundamental ou um conflito entre distintos princípios constitucionais de modo a exigir que se estabeleça o peso relativo de cada um dos direitos por meio da aplicação das máximas que integram o mencionado princípio da proporcionalidade. São três as máximas parciais do princípio da proporcionalidade: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Tal como já sustentei em estudo sobre a proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal1, há de perquirir-se, na aplicação do princípio da proporcionalidade, se em face do conflito entre dois bens constitucionais contrapostos, o ato impugnado afigura-se adequado (isto é, apto para produzir o resultado desejado), necessário (isto é, insubstituível por outro meio menos gravoso e igualmente eficaz) e proporcional em sentido estrito (ou seja, se estabelece uma relação ponderada entre o grau de restrição de um princípio e o grau de realização do princípio contraposto).

Registre-se, por oportuno, que o princípio da proporcionalidade aplica-se a todas as espécies de atos dos poderes públicos, de modo que vincula o legislador, a administração e o judiciário, tal como lembra Canotilho2

Ou seja, para que seja determinada a prisão, ainda que haja motivos concretos para tanto, é necessário fazer um juízo de valor, ponderar entre a conduta que embasa a prisão e o resultado que o encarceramento presente e eventual, em razão de condenação, trará. Essa valoração leva, no caso, ao afastamento do cárcere. Vejamos os motivos.

Os fatos deduzidos do auto de prisão em flagrante indicam que, caso a pessoa presa seja condenada, o regime a ser imposto poderá ser diverso do fechado, como determina o art. 33, §2º, do Código Penal, contexto mais benéfico à liberdade do que a prisão atual. Ainda, não está afastada a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, nos termos do artigo 44 do CP, o que sedimenta a conclusão posta. Dessa maneira, a prisão é desproporcional.

Trata-se aqui da verificação da relação de homogeneidade entre a providência de direito material que será eventualmente aplicada na sentença (o bem jurídico que se restringirá do condenado), com a extensão e profundidade da própria medida cautelar, que, por ser instrumental, acessória e provisória, não pode tirar da pessoa presa mais do que ela deverá perder em virtude da condenação[5].

Além de tudo, a manutenção da prisão contribui para a disseminação da doença em tela. Afinal, o local reúne inúmeras condições propagadoras da doença, tais como a pouca ventilação, o compartilhamento de bens de uso comum, a dificuldade de higienização pessoal e coletiva e a concentração de várias pessoas em um único local.

Isso fica agravado pela inexistência equipe de saúde instalada em diversos CDP, e não há meios para o isolamento seguro de alguém com suspeita de contaminação.

Ademais, a esmagadora maioria dos CDPs do Estado têm mais presos do que vagas, e os demais estão próximos do limite[6].

Esse quadro mostra que a manutenção da prisão acarretará a propagação da doença interna e externamente. Vale ressaltar que a situação acima relatada é incontroversa. Tanto é a assim que o STF, ao julgar o pedido de Medida Cautelar na ADPF n.º 347, decidiu que “deve o sistema penitenciário nacional ser caraterizado como ‘estado de coisas inconstitucional’. Especialmente sobre as delegacias, a decisão dispõe o seguinte:

“Consta, na representação da Clínica UERJ Direitos, que, nos presídios e delegacias, por todo o país, as celas são abarrotadas de presos, que convivem espremidos, dormem sem camas ou colchões, em redes suspensas no teto, “dentro” das paredes, em pé, em banheiros, corredores, pátios, barracos ou contêineres. Muitas vezes, precisam se revezar para dormir.

Os presídios e delegacias NÃO OFERECEM, além de espaço, CONDIÇÕES SALUBRES MÍNIMAS. Segundo relatórios do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, os presídios não possuem instalações adequadas à existência humana. Estruturas hidráulicas, sanitárias e elétricas precárias e celas imundas, sem iluminação e ventilação representam perigo constante e risco à saúde, ante a exposição a agentes causadores de infecções diversas. As áreas de banho e sol dividem o espaço com esgotos abertos, nos quais escorrem urina e fezes. Os presos não têm acesso a água, para banho e hidratação, ou a alimentação de mínima qualidade, que, muitas vezes, chega a eles azeda ou estragada. Em alguns casos, comem com as mãos ou em sacos plásticos. Também não recebem material de higiene básica, como papel higiênico, escova de dentes ou, para as mulheres, absorvente íntimo. A Clínica UERJ Direitos informa que, em cadeia pública feminina em São Paulo, as detentas utilizam miolos de pão para a contenção do fluxo menstrual”

Portanto, a conhecida precariedade das instalações dos CDPS e sua inadequação às necessidades de higiene e salubridade para impedir a contaminação e disseminação da doença demonstram a desproporcionalidade da prisão, e fazem com que o cárcere extrapole os limites constitucionais da intervenção do poder sobre o indivíduo (art. 5o, XLVII, (a) e XLIX da Constituição Federal).

Tanto é assim que o CNJ, no dia 17/03/20, resolveu editar a Recomendação n.º 62/20, e indicou esse caminho para o caso em apreço:

Art. 4º Recomendar aos magistrados com competência para a fase de conhecimento criminal que, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus, considerem as seguintes medidas:

I – a reavaliação das prisões provisórias, nos termos do art. 316, do Código de Processo Penal, priorizando-se:

a) mulheres gestantes, lactantes, mães ou pessoas responsáveis por criança de até doze anos ou por pessoa com deficiência, assim como idosos, indígenas, pessoas com deficiência ou que se enquadrem no grupo de risco;

b) pessoas presas em estabelecimentos penais que estejam com ocupação superior à capacidade, que não disponham de equipe de saúde lotada no estabelecimento, que estejam sob ordem de interdição, com medidas cautelares determinadas por órgão do sistema de jurisdição internacional, ou que disponham de instalações que favoreçam a propagação do novo coronavírus;

c) prisões preventivas que tenham excedido o prazo de 90 (noventa) dias ou que estejam relacionadas a crimes praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa;

Prosseguindo, o artigo 319, alterado pelo mesmo título, traz um rol com 10 medidas cautelares, sendo a prisão apenas uma delas.

Com isso, a lei ratificou o que a Constituição preconiza há décadas, em seu artigo 5º, incisos LIV e LXVI: a liberdade é a regra, e a prisão, exceção.

A alteração legislativa vai mais longe, estabelecendo ao/à magistrado/a uma ordem hermenêutica imperativa, onde há relação de prejudicialidade: “Art. 282, §4º: No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 312, parágrafo único)” (grifo nosso).

Desse modo, pode ser determinado, por exemplo, o comparecimento periódico em juízo. É garantia razoável, quando considerado o presente caso, e que está em consonância com o fim constitucional e legal. Afinal, se descumprir a condição, a pessoa pode ser presa, como a própria lei determina no parágrafo único do art. 312.

Assim, deve aguardar em liberdade o deslinde da persecução penal.

    1. O cabimento da liminar

Diante de todo o argumentado, ficou demonstrada a ilegalidade do constrangimento imposto. Da mesma forma caracterizada a emergência da situação, tendo em vista que a manutenção da decisão impugnada implicará restrição continuada ao direito de locomoção.

Sendo assim, presentes os requisitos legais, é cabível, por decisão liminar, a expedição de alvará de soltura.

  1. OS PEDIDOS

Diante de todo o exposto, estando presente o fumus boni juris e o periculum in mora, requer a concessão da liminar para determinar a expedição do alvará de soltura, reconhecendo o direito à liberdade e, ao final, postula que seja concedida a ordem de Habeas Corpus, para reconhecer o direito de aguardar em liberdade o trâmite que envolve a persecução penal em apreço, com a confirmação da liminar.

  1. https://saude.abril.com.br/medicina/oms-decreta-pandemia-do-novo-coronavirus-saiba-o-que-isso-significa/. Acessado em 19/03/20.

  2. https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/03/vigesimo-dia-de-coronavirus-no-brasil-e-pior-que-o-da-italia.shtml. Acessado em 19/03/20.

  3. LIV – ninguém será privado de liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.

  4. STF – HC 106442 MC / MS. Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO Julgamento:  30/11/2010.

  5. “(….) Segundo o princípio da homogeneidade, corolário do princípio da proporcionalidade, não se afigura legítima a custódia cautelar quando sua imposição se revelar mais severa do que a própria pena imposta ao final do processo em caso de condenação (….)”(STJ. HC 463.931/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 23/10/2018, DJe 13/11/2018)

  6. Fonte: http://www.sap.sp.gov.br/. Acessado em 19.03.20.

Faça o Download Gratuito deste modelo de Petição

Compartilhe

Categorias
Materiais Gratuitos