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[MODELO] HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR – Prisão administrativa e solicitação de refúgio

EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Ref. Processo nº 2002.5101490210-8

Impetrante: DENNIS ARHIN PIZARRO

Autoridade Coatora: M.M.ª Juiza da 7ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro

Colenda Turma

Egrégio Tribunal

Eminente Juiz Relator

DENNIS ARHIN PIZARRO, Ganês, trabalhador autônomo, portador do passaporte A439487, expedido pela República de Gana, residente e domiciliado nesta capital, na Rua Carlos Ilidro, nº 148 – Cocotá, Ilha do Governador, atualmente recolhido no presídio Ary Franco, vem, respeitosamente, por intermédio do Defensor Público da União “in fine” assinado, impetrar o presente HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR em face da M.M.ª Juiza da 7ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro, com base no art. 648, inciso VI, do Código de Processo Penal e nos termos da Parte II, Título VI, Capítulo I, do Regimento Interno deste Egrégio Tribunal Regional Federal da 2ª Região, pelas razões que passa a expor:

I – DOS FATOS

1. A Polícia Federal, por meio de um de seus Delegados, representou à Exmª. Juíza Federal da 7ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro pela prisão administrativa do impetrante, alegando ter sido ele detido no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, haja vista sua inadmissão na Suiça, país onde tentou imigrar, procedente do Brasil, utilizando-se de passaporte falso, conforme covering letter suíça. Tal prisão foi requerida para fins de deportação.

2. Na verdade, o impetrante tentava chegar, através da Suiça, haja vista conseguir, desta forma, uma passagem aérea menos custosa, à Itália, onde haveria, segundo foi informado por colegas de trabalho, alguns também em situação irregular, grandes possibilidades de encontrar um emprego decente e levar uma vida digna. Posteriormente, ficou sabendo que tal informação lhe foi prestada por pessoas que tinham a intenção de ocupar o seu “ponto” de vendas quando de sua ausência.

3. A eminente Magistrada, baseando-se no art. 61 da Lei 6.815/80, decretou a prisão administrativa do impetrante, que atualmente encontra-se recolhido no presídio Ary Franco, fundamentando sua decisão no fato de não haver provas da verdadeira identidade do mesmo, dos meios de entrada e permanência no Brasil e de residência fixa ou profissão exercida.

4. Ocorre que o impetrante, a cerca de um ano e oito meses, ingressou regularmente, com visto temporário, no Brasil a fim de fugir de perseguições políticas que vinha sofrendo em Gana e da notória violação de direitos humanos resultante de guerras existentes em todo continente africano e do péssimo quadro sócio-econômico que apresenta o país.

5. Durante as últimas eleições presidenciais de Gana, o requerente, que era comerciante, juntamente com outros integrantes de sua categoria, participou ativamente da oposição ao partido político que restou vencedor no processo eletivo, inclusive através de manifestações de rua, que resultaram em confronto com a autoritária polícia local.

6. Com a vigência do novo governo, seus principais opositores foram vítimas de perseguições políticas que remontam a ditadura presenciada no Brasil.

7. Em razão do quadro que se instalou com a eleição do Presidente da República, o impetrante se dirigiu á Costa do Marfim, onde conseguiu obter um visto de permanência para o Brasil. Quando retornou à sua cidade, descobriu que a polícia ligada à Presidência da República havia lhe procurado, e como não o encontraram depredaram toda a sua loja. Desesperado e temendo por sua vida, ingressou no Brasil em busca de melhores condições de subsistência.

8. É notório que em países da África, populações inteiras sofrem os efeitos diretos de longos períodos de seca e das mazelas das guerras. Recentemente, foi veiculada matéria produzida pelo Jornal Nacional, telejornal da Rede Globo de Televisão, na qual se mostrou nações inteiras destruídas por décadas de guerras civis. É impossível se falar em países pobres, em populações sacrificadas pela miséria, em crimes contra a humanidade e não se pensar no continente africano.

II – DO DIREITO

1. Haja vista a ostensiva perseguição política de que foi vítima e as constantes violações de direitos humanos cometidos pela República de Gana, o impetrante veio buscar refúgio no Brasil. Para tanto, requereu junto às autoridades migratórias o reconhecimento de sua qualidade de refugiado no Brasil, conforme documento em anexo.

2. Com efeito, prevê o artigo 10 da Lei 9.474/97 que a solicitação de refúgio suspenderá qualquer procedimento administrativo ou criminal pela entrada irregular, instaurado contra o peticionário e pessoas de seu grupo familiar que o acompanhem. Portanto, seu encarceramento resta ilegal, cabendo, consequentemente, a concessão do writ a fim de assegurar ao estrangeiro o direito de liberdade provisória previsto no art. 5º, inciso LXVI, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

3. Durante o período de um ano e oito meses que o impetrante permaneceu no Brasil, teve como residência fixa a casa de seu primo, Oscar Dennis Owusu Afriyie, ganês naturalizado brasileiro, na Rua Carlos Ilidro, nº 148 – Cocotá, Ilha do Governador, Rio de Janeiro/RJ. Não obstante não possuir comprovante de residência, haja vista a irregularidade de sua permanência no país, em razão da expiração do prazo de seu visto, a declaração em anexo, prestada por vizinhos do impetrante, comprova que, durante todo tempo o em que permaneceu no país, residiu em um único endereço, qual seja, a casa de seu primo, onde também viviam a esposa deste e quatro filhos. Vale ressaltar que o Sr. Oscar Dennis funcionou como intérprete quando da lavratura do termo de declarações prestadas pelo impetrante na sede da Polícia Federal no Estado do Rio de Janeiro.

4. Nos últimos onze meses em que aqui esteve, o requerente exerceu com regularidade a atividade informal de vendedor ambulante de biscoito, nas proximidades da Central do Brasil, próximo ao prédio do Ministério da Fazenda, no centro, conforme declaração em anexo de pessoas que com ele conviviam. Portanto, apesar de informalmente, exercia atividade laborativa regular, lícita e em local determinado, não obstante ser o trabalho informal uma realidade brasileira, quanto mais para um estrangeiro na sua qualidade, haja vista o quadro sócio-econômico que apresenta o país.

5. Quanto à alegação de ausência de provas da verdadeira identidade do encarcerado, resta totalmente infundada, haja vista possuir o mesmo passaporte expedido pela República de Gana, documento público que qualifica o impetrante.

6. Dispõe o artigo 61 da Lei 6.815/80, que fundamentou a decisão judicial:

“Art. 61. O estrangeiro, enquanto não se efetivar a deportação, poderá ser recolhido à prisão por ordem do Ministro da Justiça, pelo prazo de sessenta.” (grifei)

7. A prisão prevista no referido dispositivo legal, apesar de administrativa, tem, nitidamente, natureza cautelar. Portanto possui como características essenciais a instrumentalidade, a excepcionalidade e a necessidade, principalmente quando se está em jogo o direito de liberdade, direito este constitucionalmente previsto.

8. A medida cautelar configura instrumento, meio e modo de garantir a efetividade de providências definitivas que constituem objeto do processo principal que, no caso em tela, é a deportação do estrangeiro em situação irregular. Só se justifica, portanto, se há real perigo para efetividade da providência definitiva, que é o periculum in mora.

9. Como ensina JOSÉ FREDERICO MARQUES:

“Se a providência acauteladora não se torna imprescindível, porquanto os efeitos dilatórios do processo não colocam em perigo a proteção ao bem jurídico que nele se procura assegurar, não há o periculum in mora e a media cautelar não deve ser concedida.” (in “ Elementos de Direito Processual Penal, volume IV, 1ª edição, p. 33, 1998, São Paulo, Ed. Bookseller.”

10. A exigência da excepcionalidade e da necessidade da prisão cautelar se justifica no cerceamento do status libertatis. Ou seja, só se configura cabível a violação do direito de liberdade quando há justos receios de que, sem a media acauteladora, não se efetivará a providência pretendida.

11. Tais requisitos nada mas são do que a Justa Causa prevista no ordenamento processual penal pátrio. A teor do disposto no art. 648, inciso I, do Código de Processo Penal, que, adotando a regra tradicional do Direito brasileiro, declara ilegal a coação quando não houver justa causa. E isto, no entender de JOSÉ FREDERICO MARQUES, significa que:

“A ilegalidade da coação não se mede apenas pelo que se contém no jus scriptum, pois a coação injusta enseja também o habeas corpus. Há, aí, medida coativa nula ex causa finali, como falava JOÃO MENDES JÚNIOR, pelo que a coação se torna ilegítima.” (idem, p.43) (grifei)

12. E continua, com brilhantismo:

Se a coação ilegal, por falta de justa causa, fosse apenas a coação sem justa causa legal, redundante estaria a redação do texto da lei processual. Necessário é, portanto, que o preceito se entenda como abrangendo a coação contra jus, embora o ato coercitivo encontre amparo em regra da lei escrita – o que significa que a coação à liberdade pessoal, sendo iníqua e desarrazoada, acaba por configurar-se como providência, não secundum jus e, sim, contra a própria lei (id est, coação ilegal).

Sendo assim, a coação cautelar, ainda que alicerçada em lei, não poderá subsistir, se injusta, iníqua e sem fundamento razoável em face do justo objetivo.” (idem, p. 44) (grifei).

13. Segundo, ainda, JOSÉ FREDERICO MARQUES, a constituição tutela a liberdade pessoal contra a ilegalidade e o abuso de poder, em termos tão enfáticos e categóricos, que não se pode admitir que fosse ela sancionar restrições ao jus libertatis tão-só porque fundadas em regras legais que, in casu, se tornem iníquas e injustificáveis.

14. Vale ressaltar que a norma do art. 648, inciso I, do Código de Processo Penal repete o que dizia o art. 353, inciso I, do Código de Processo Criminal de 1832, que assim preceituava:

“A prisão julgar-se-á ilegal: 1º) quando não houver uma justa causa para ela.”

15. Por justa causa entende DE PLÁCIO E SILVA ser:

“Toda razão que possa ser avocada, para que se justifique qualquer coisa, mostrando-se sua legitimidade ou sua procedência.” (in “Vocabulário Jurídico”, p. 471, 13ª Edição, 1997, Ed. Forense, Rio de Janeiro)

16. Portanto, não obstante dispor o art. 61, da Lei 6.815/80 sobre a possibilidade de prisão para deportação, tal cerceamento não se justifica uma vez tendo o estrangeiro documento de identidade, residência fixa e emprego regular.

17. Desta forma entende o Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região, in verbis:

“JCF.5.LXVI PRISÃO PROVISÓRIA – Estrangeiro. Medida excepcional. Necessidade. Requisitos indemonstrados. Nexo de causalidade. Impropriedade de soltar estrangeiro. Garantia à liberdade provisória. A prisão cautelar só se justifica em situações específicas, demonstrada sua necessidade, e em caráter de extrema exceção. O fato de que o réu, solto, poderia interferir na apuração dos crimes em tese por ele cometidos, no caso concreto não sustenta a decretação de prisão por conveniência da instrução criminal, eis que já se encontra evidenciada a materialidade dos delitos de falso e uso de documento falso a ele imputados. Não demonstrado o necessário nexo de causalidade entre a realidade do agente e o fim precípuo da prisão processual, por se tratar de estrangeiro com vínculo familiar no Brasil, residência fixa e ocupação lícita, torna-se necessária a concessão da ordem para que o paciente responda ao processo em liberdade. A eventual impropriedade de manter em liberdade estrangeiro em situação irregular no País, pela própria garantia constitucional à liberdade provisória (artigo 5º, LXVI). (TRF 4ª R. – HC 97.04.66213-0 – PR – 1ªT. – Rel. Juiz Gilson Dipp – DJU 04.02.1998). (grifei)

III – DA MEDIDA LIMINAR

1. O trato jurisprudencial criou a figura da liminar em “habeas corpus”. À semelhança do que ocorre com o mandado de segurança, há situações em que se exige a pronta intervenção do Judiciário, especialmente quando se trata da restituição ao indivíduo do bem jurídico maior de que dispõe ele, depois da vida, a saber, o “jus libertatum”;

2. Presentes o “periculum in mora” e o “fumus boni juris”, é de se conceder, liminarmente, a ordem de “habeas corpus” pleiteada.

3. Em primeiro lugar, vislumbra-se, com clareza meridiana, a fumaça do bom direito. Já se demonstrou ser flagrante a ilegalidade da manutenção da prisão do paciente, haja vista o disposto no art. 10 da Lei 9.474/97, referente ao requerimento de refúgio, e não haver justa causa para a referida medida, tendo o impetrante documento que o identifique, residência fixa, emprego lícito e vínculo familiar.

4. Da mesma forma, patentemente se apresenta o segundo requisito para a concessão da liminar. O periculum in mora se configura no próprio cerceamento da liberdade, se encontrando o réu, que nunca foi marginal mas apenas migrou para outro país em busca de sobrevivência, às vésperas do Natal, no meio de criminosos perigosos, correndo, inclusive, como é notório no sistema penitenciário pátrio, risco de vida. A probabilidade de perigo na demora da concessão do “writ” é vistosa.

IV – DO PEDIDO

Por tudo o que restou exposto, é a presente para requerer:

1. A concessão, “in limine”, da ordem de “Habeas Corpus” em favor de DENNIS ARHIN PIZARRO;

2. A expedição do competente alvará de soltura;

3. O mandamento de suspensão do Procedimento instaurado contra o impetrante perante o juízo da 7ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro, nos termos do art. 10 da Lei 9.474/97.

.

Nestes termos, pede e espera deferimento.

Rio de Janeiro, 18 de dezembro de 2002.

Rodrigo Esteves Rezende

Defensor Público da União

Dennis Arhin Pizarro

Impetrante

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