[MODELO] EMBARGOS À EXECUÇÃO – Alegação de falta de citação do outro executado e problemas com a notificação – Impenhorabilidade do bem de família do locador
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA 5a VARA CÍVEL DA COMARCA DA CAPITAL
Embargos nº.: 2004.001.001.039-3
RICARDO MIRANDA MOTTA , já qualificado nos autos dos Embargos do Devedor que move em face de MANUEL ABUD, inconformado com a r. sentença prolatada, com fulcro no art. 515 do CPC, pelo Defensor Público infra-assinado, vem, tempestivamente, interpor recurso de APELAÇÃO, cujas razões seguem em anexo.
Requer, ainda, a remessa dos presentes autos ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, após o cumprimento das formalidades de estilo
Pede Deferimento.
Rio de Janeiro, 05 de julho de 2004.
André Luís Machado de Castro
Defensor Público
Matr. 835.246-0
RECURSO DE APELAÇÃO
Apelante: RICARDO MIRANDA MOTTA
Advogado: DEFENSOR PÚBLICO
Apelado: MANUEL ABUD
Proc. nº. 2004.001.001.039-3 – 5ª Vara Cível – Capital
EGRÉGIO TRIBUNAL
COLENDA CÂMARA,
FATOS E FUNDAMENTOS
Em 16 de novembro de 2012, o Sr. Aftern Sanderson, de nacionalidade estado-unidense, alugou imóvel residencial do Apelado. Para a concretização do negócio jurídico, o Apelante anuiu em firmar o contrato conjuntamente com o Sr. Sanderson. Destaque-se, porém, que o Apelante nunca residiu no referido imóvel, inclusive, é proprietário do imóvel onde reside com sua família (hipotecado à Caixa Econômica Federal).
Ocorre que o Sr. Sanderson retornou ao seu país de origem, rescindindo a locação. Porém, o Apelado alega que os alugueis de dezembro de 2000 a março de 2012 (neste mês, apenas 26 dias de locação) não teriam sido pagos pelo efetivo locatário (Sr. Sanderson), movendo, assim, ação executiva.
Porém, cumpre destacar alguns problemas:
1º) É imprescindível a citação do outro executado, Sr. Sanderson, pois só ele poderá confirmar ou contestar os alegados débitos! O Apelante não pode fazer prova do pagamento, uma vez que não usava o imóvel locado! A citação do sr. Sanderson na ação executiva é um imperativo dos princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal (art. 5º, incisos LIV e LV da CF);
2º) Supondo serem verdadeiros os fatos alegados pelo Apelado quanto à falta de pagamento dos alugueis indicados, é certo que o locador deixou passar mais de cem dias para comunicar o Apelante sobre o problema e lhe exigir as chaves do imóvel;
3º) Em uma pronta resposta, o Apelante obteve cópia das chaves do imóvel – que já estava fechado – e entregou ao Locador, em 12 de março de 2012, e não em 26 de março, como alega a Apelada;
4º) Nesta ocasião, o Apelante solicitou ao locador o demonstrativo do suposto débito, mas não logrou êxito, sendo surpreendido pela execução judicial, ou seja, desde que foi comunicado, o Apelante tentou resolver o problema, mas a omissão do próprio locador em lhe negar a exibição do demonstrativo de débitos é que constituiu a causa determinante do atraso no pagamento (do eventual débito) desde o dia 12 de março de 2012;
5º) Na época da assinatura do contrato, o Locador exigiu o depósito em caução do valor equivalente a três alugueis. O depósito foi regularmente efetuado, no valor de R$ 1.140,00. Sendo certo que o apelante foi comunicado da cobrança 100 dias depois da suposta data do início do débito e certo também que, ato continuo ele entregou ao locador uma cópia das chaves do imóvel (devolvendo-lhe, portanto), não há fundamento para a presente cobrança.
O acordo prévio entre as partes estipulava que o atraso seria compensado com a caução. Não pode o locador, agora, pretender cobrar mais do que o estipulado no contrato!
Em resumo, se houve três meses de atraso, e tendo em vista que o imóvel já estava desocupado, caberia ao locador a retenção da caução e a liberação dos locatários que qualquer outra responsabilidade referente ao pagamento de alugueis. Ao proceder de forma diferente, pretende o locador obter vantagem excessiva, que deve ser rechaçada pelo Poder Judiciário, tendo em vista os princípios norteadores da das relações jurídicas de direito privado (boa-fé objetiva – art. 422 do CC – e equidade – art. 478 do CC);
6º) Por fim, o demonstrativo apresentado pelo locador é manifestamente excessivo. Note-se o valor do aluguel, tal como firmado no contrato, é de R$ 380,00. Porém, a petição inicial (de setembro de 2012) indicava um débito absurdo de R$ 4.005,72, referentes a três meses e vinte e seis dias de alugueis!
A correção do valor aluguel é incompatível com o índice contratado, a multa é exagerada (20%), os juros abusivos e, por fim, incabível a cobrança de honorários e custas judiciais, eis que o Apelante é beneficiário da gratuidade de justiça (bem como porque tentou solucionar o problema tão logo comunicado).
DA IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA DO LOCADOR
De qualquer forma, o imóvel penhorado constitui-se no bem de residência do locador e de sua família e não pode ser excutido, a teor do disposto no art. 1º da L. 8009/90, reforçado pela Emenda Constitucional 26, que explicitou o direito fundamental de moradia.
Sobre este tema, esclarece a Prof. Eliane Maria Barreiros Aina que:
“Antes de qualquer interpretação da legislação infraconstitucional e da subsunção do caso em concreto ao Direito Positivo, é preciso atentar-se para os programas constitucionais determinados pelo Constituinte e para a função promocional do Direito. Estabelece a nossa Constituição a determinação e a intenção de sejam reduzidas as desigualdades sociais, bem como, erradicada a miséria, além de instituir como princípio norteador maior do ordenamento jurídico nacional o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Pretender-se que estes dispositivos sejam meramente belíssimos ideais filosóficos, palavras ao vento sem qualquer consistência significa negar à nossa Lei Fundamental o seu próprio caráter de lei, norma a ser cumprida.
Os valores axiológicos constitucionais, estabelecidos nos princípios e direitos fundamentais constituem-se no núcleo material da Constituição. Isto implica dizer que, este núcleo material constitui-se nas diretivas constitucionais, que vinculam a todos, sejam os poderes públicos, legislador, administrador e julgador, sejam os cidadãos.
A partir dessas diretivas, impõe-se toda uma releitura do ordenamento infraconstitucional. Assim, se o Direito Privado tinha como seu núcleo a codificação civil, promulgada nos termos do liberalismo imperante no século passado, hoje esse núcleo transmudou-se para a Constituição Federal, que passou a ditar, ao menos primariamente, os princípios do Direito de Família, da Propriedade e sua função social e da limitação da autonomia da vontade pela preponderância do princípio da igualdade substancial.
A questão que se impõe é vencer a resistência quanto à aplicação dos ditames constitucionais, para ser cumprido o fim maior da ciência do Direito, qual seja, pacificar com justiça:
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‘como resultado da nova ordem constituída, enquanto o Código dá prevalência e precedência às situações patrimoniais, no novo sistema de direito civil, fundado pela Constituição, a prevalência é de ser atribuída às situações jurídicas não patrimoniais porque à pessoa humana deve o ordenamento jurídico inteiro, e o ordenamento civil em particular, dar a garantia e a proteção prioritárias. Por isso, neste novo cenário, passam a ser tuteladas, com prioridade, as pessoas das crianças, dos adolescentes, dos idosos, dos consumidores, dos não-proprietários, dos contratantes em situação de inferioridade, dos membros da família, das vítimas dos acidentes anônimos e de atentados a direitos da personalidade.” Maria Celina Bodin de Moraes, Constituição e Direito Civil: Tendências, in Revista de Direito da Defensoria Pública, Estado do Rio de Janeiro, nº 16, ano 12, julho de 2000.”
Ressalte-se que, com é sabido:
1º) Não consta do rol do art. 3º da Lei nº. 8.009/90, elenca os casos de exceção à regra da impenhorabilidade, a permissão de penhora do bem de família do locatário;
2º) A impenhorabilidade instituída pela Lei nº. 8.009/90 constitui norma de ordem pública e deve ser reconhecida pelo Poder Judiciário de ofício e em qualquer grau de jurisdição.
DO PEDIDO
Por todo o exposto, requer-se a o provimento da presente apelação para declarar a nulidade da r. sentença por violação dos princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal (art. 5º, incisos LIV e LV da CF) tendo em vista a não citação do co-executado; caso superada essa matéria, pede-se a reforma do r. decisum, para julgar procedente os embargos, (a) declarando extinta a obrigação e permitindo ao Apelado o levantamento da caução, ou (b) para desconstituir o excessivo débito exeqüendo e, em qualquer hipótese, (c) desconstituir a penhora sobre o bem de família do locador, por violação à norma de ordem pública constante da Lei nº. 8.009/90.
Pede deferimento.
Rio de Janeiro, 05 de julho de 2004.
André Luís Machado de Castro
Defensor Público
Matr. 835.246-0