[MODELO] CONTRA – RAZÕES AO AGRAVO – Pedido de Manutenção da Decisão do Juízo da Vara de Execuções Penais
EXMO. SR. DR. JUIZ DA VARA DE EXECUÇÕES PENAIS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
RG :
Prot: 2012/014000067-7
, já devidamente qualificado nos autos, vem, pela Defensoria Pública, apresentar, suas
CONTRA-RAZÕES AO AGRAVO
interposto pelo Ministério Público, com base nos fundamentos de fato e de direito apresentado.
Requer seja mantida a respeitável decisão pelo r. Juízo a quo, a juntada das contra-razões, em anexo, e remessa dos autos do Agravo ao E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro, 0000 de Dezembro de 2012.
CONTRA-RAZÕES DO AGRAVADO
AGRAVO N. : 2012/014000067-7
APENADO:
RG:
EGRÉGIA CÂMARA
Trata-se de apenado que obteve a remição, face aos dias trabalhados e que cometeu falta.
Contudo, em razão de falta cometida enquadrada como “grave”, requereu o Ministério Público a perda dos dias remidos, o que foi indeferido parcialmente pelo i. magistrado a quo, uma vez que foi declarada a perda dos dias remidos retroagidos pelo período de 1 ano anterior a falta cometida, com base na Uniformização das decisões do Juízo da VEP, Enunciado 0000.
Data máxima venia, merece ser mantida a corajosa e respeitável decisão do douto magistrado do Juízo da VEP, buscando uma interpretação teleológica da LEP, em maior conformidade com a Constituição da República e os fins da execução penal.
Assim, não merece prosperar o recurso ministerial pelas razões a seguir expostas:
A interpretação do artigo 127 da LEP como pretende o Ministério Público, além de ofender a coisa julgada, conduziria a decisões injustas, ilógicas, contrárias aos valores da política jurídica nacional, além de se chocar frontalmente com o caráter eminentemente educativo e libertador que, à vista dos demais institutos, inspira o processo de execução penal.
Apesar da “clareza indiscutível” que reveste o art. 127 da LEP, citada pela Recorrente, é evidente que o art. 127 da LEP fere a coisa julgada, o direito adquirido, os princípios da proporcionalidade, da individualização da pena, bem como é contrário aos valores sociais do trabalho, à regra do non bis in idem e dignidade da pessoa humana esculpidos em nossa Carta Magna.
Quanto à coisa julgada, não há como negar os efeitos que o fator “tempo” produz no Direito. Aliás, assiste razão ao ilustre Procurador do Estado Rui Carlos Machado Alvim que, ao discorrer sobre a remição, conclui, com sabedoria, que “… inexiste na orbe do Direito, ato ou fato ou negócio que não sofra a influência do transcurso do tempo: as ações judiciais prescrevem, os direitos decaem, os atos processuais precluem, as coisas se usucapem; até mesmo a pretensão punitiva do Estado sucumbe ante o curtir do tempo, dando ao criminoso a convicção da impunidade”.
Conforme leciona o ilustre Sidnei Agostinho Beneti, Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e Doutor pela Faculdade de Direito da USP, “a decisão que defere a remição opera a preclusão, não mais podendo ser revista se ultrapassada a possibilidade de interposição do recurso adequado”.
Neste sentido, citamos as seguintes ementas:
“PENA – Remição – Reconhecimento por decisão transitada em julgado – Cometimento de falta grave – Cancelamento dos dias remidos – Inadmissibilidade – Constrangimento ilegal caracterizado.
Ementa da Redação: Se inexiste remédio jurídico para rescindir uma decisão judicial transitada em julgado que concedeu remição a um condenado, não há como admitir que o cometimento de uma falta grave, infração administrativa, tenha a força de retroagir e agir como fator de rescisão de uma decisão judicial transitada em julgado, a qual fez coisa julgada material e formal. (TACrimSP HC 20003.00068/0 – 6ª Câm. – j. 21.08.10000006 – rel. Juiz Almeida Braga).” Grifos nossos.
Tendo sido concedida a remição por decisão transitada em julgado, não pode o Juízo da execução dar por perdidos todos os dias remidos pelo trabalho ante a superveniência de prática de falta grave, com manifesta violação do princípio constitucional que considera intocáveis as decisões transitadas em julgado favoráveis aos réus condenados. É, pois, à luz de tal princípio que deve ser interpretado o art. 127 da LEP, devendo-se entender que tal perda somente ocorrerá se a decisão concessiva da remição ainda não houver transitado em julgado, sendo impossível admitir-se a perda dos dias remidos em razão de falta grave cometida anos após esse trânsito em julgado”. (TACRIM-SP – 5ª Câmara -Ag. Execução 1.042.41000/2 – Relator Walter Swensson). Grifos nossos.
O apenado que trabalhou/estudou na prisão e tendo reconhecido por sentença a remição, não disporia de nenhuma segurança se a qualquer momento seus dias remidos lhe pudessem ser retirados. A se aceitar que as decisões no âmbito da execução penal possam ser revistas a qualquer tempo, chegaríamos a um absurdo que conduziria à total insegurança e insatisfação no sistema penitenciário, sem contar com a injustiça que seria retirar de um apenado a remição de 03, 06 ou mais anos de trabalho/estudo em razão de infração disciplinar.
A decisão judicial declaratória da remição contém em seu bojo o reconhecimento de que aqueles dias remidos não mais poderão ter seu cumprimento exigido pelo Estado, pois este mesmo, por meio de uma lei – a Lei de Execução Penal – estabeleceu uma forma de o apenado resgatar parte da pena privativa de liberdade que lhe foi imposta ao trabalhar/estudar no estabelecimento prisional.
Como permitir, então, que o penitente não tenha estabilizado a sua situação e definida a fração restante da sua pena a ser cumprida? Não se pode dizer ao apenado que a cada três dias trabalhados corresponderá um dia remido na sua pena total, e depois de uma decisão judicial reconhecer o benefício, aceitar que uma infração administrativa tenha o condão de revogar essa decisão, fazendo com que o apenado recue a uma etapa por ele tida como superada. A hipótese é , no mínimo, cruel, além de tratar-se de claro desestímulo à perseverança no trabalho prisional.
A norma do art. 127 da LEP fere, ainda, o direito adquirido, já tendo a jurisprudência se pronunciado também neste sentido, conforme se vê das ementas abaixo transcritas:
Remição – Falta grave – Perda do direito ao tempo remido – Inconstitucionalidade.
Na seção à remição nada existe capaz de autorizar o entendimento do agravante no sentido de fazer depender a decisão da juntada do histórico disciplinar do preso. Para remição dos dias trabalhados basta apenas a comprovação da atividade laborativa pelo apenado, ex vi do art. 126 e parágrafo da Lei 7210/84. Quanto à perda do direito ao tempo remido ante à comprovação de falta grave – art. 127 da LEP -, este dispositivo afronta o preceito constitucional que trata do direito adquirido, por isso que ao trabalhar para obter a remição de 1 dia de pena por 3 trabalhados, o preso incorpora esse direito que não pode ser fulminado por falta grave, pois remir significa quitação ou cumprimento de parte da pena imposta ( TACRIM-RJ – Ac. unân. da 3ª Câm. – julg. 12.08.0007 – Agr. 605/0006 – Rel. Juiz Valmir de Oliveira Silva; in ADCOAS 8158114) – Grifos nossos.
“Uma vez declarados remidos os dias, sem recurso ministerial, faltas posteriores a essa declaração não têm o condão de retroagir para afetá-la, pois, é evidente que o art. 127 da LEP só se aplica aos dias trabalhados ainda não declarados remidos por decisão judicial. Entender o contrário seria, com grave lesão ao estatuto constitucional a respeito dessa importantíssima garantia individual, afrontar o direito adquirido do sentenciado, que trabalhou, manteve bom comportamento, obteve declaração judicial neste sentido e, em razão de fato posterior, vê aquela declaração judicial tornar-se letra morta. Importa é que, no momento de ser decidido seu direito à remição, tinha ele atendido todos os requisitos legais e teve deferida sua pretensão, por decisão que transitou em julgado. Entender que uma decisão transitada em julgada possa ser objeto de ação retroativa de falta grave é, data venia, levar a interpretação do art. 127 ao campo do absurdo, o qual se sabe inaceitável na hermenêutica jurídica séria (TACRIM-SP – Ag. Exec. 1.025.10007/2 – São Paulo – relator designado Ivan Marques). Grifos nossos.
O princípio da proporcionalidade assegura que a sanção a ser aplicada diante da violação de uma norma será proporcional ao prejuízo por ela causado à sociedade. Por considerar que nenhum crime é tão grave que mereça penas como o trabalho forçado e morte, exceto em caso de guerra, é que a Constituição Federal veda essas sanções.
O princípio da individualização da pena, ao seu turno, garante que a previsão, aplicação e execução da sanção será baseada, não apenas no crime praticado, mas também levará em conta a personalidade do agente, suas condições peculiares e o modo como vem cumprindo a reprimenda. Tudo, enfim, para assegurar o atendimento à s finalidades da pena: repressão, prevenção e ressocialização.
Não há qualquer proporcionalidade entre a prática de uma falta disciplinar e a perda dos dias remidos, cuja quantidade é sempre inexata e casuística – outra característica lastimável decorrente da aplicação literal do art. 127 da LEP, pois o “castigo” atingiria de forma mais grave o preso que ostentasse um histórico carcerário melhor enriquecido com maior número de dias trabalhados. Ou seja, o preso que mais trabalhou acabaria sendo o mais castigado, suportando perdas mais pesadas. E, nos casos não raros em que a mesma falta foi cometida por dois ou mais condenados, o preso de maior mérito, com maior número de dias trabalhados, acabaria sendo castigado de maneira mais gravosa que os demais envolvidos na mesma falta disciplinar. Já o apenado que nunca trabalhou nada perderia, exatamente porque nunca trabalhou; este seria punido tão-somente disciplinarmente com alguns dias de isolamento ou suspensão de visitas, … – sem dúvida, uma incoerência.
Outra conclusão não se pode extrair da aplicação literal e mecânica da lei, pretendida por alguns intérpretes: quem participa e se dedica à atividade de trabalho proposta está sujeito a ser mais gravemente punido pela prática de uma eventual falta grave.
E ainda, de acordo com a lição de Sérgio Mazina Martins, “a falta, qualquer que seja ela, não tem a mesma substância da remição antes conquistada e, nesses termos, não são reciprocamente compensáveis, não guardam entre si qualquer relação minimamente garantida de intercambiamento” (RBCC nº 20, p. 482) (grifou-se).
Atentando para os princípios da proporcionalidade e individualização da pena e buscando, na interpretação sistemática da Lei de Execuções Penais, uma forma de afastar essa situação anômala e iníqua, o Egrégio Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, em acórdão pioneiro, decidiu que:
Se para as sanções severas, como o isolamente, a suspensão e a restrição de direitos, não se pode exceder de trinta dias o período de imposição (LEP art. 58), o mesmo deve ocorrer com a perda dos dias remidos, para cada falta grave. Aliás, isso possibilita não somente um limite para cada sanção dessa espécie como individualiza e gradua a punição aplicada sem que se percam todos os frutos do trabalho e bom comportamento do sentenciado de uma única vez.
Portanto, é de se entender que a sanção administrativa adicional, que é a perda de dias remidos, por conta de falta disciplinar grave, deve ser fixada pelo juiz, considerando os antecedentes de conduta do apenado e as consequências de seu ato, até o limite previsto no art. 58 da LEP” (AE 1.081.045/6, j. 25.11.10000007 – 4ª Câm – rel. Figueiredo Gonçalves) (grifos nossos).
Ou seja, somente o condenado que trabalha sofreria um bis in idem, pois seria punido, pelo mesmo fato, com alguns dias de isolamento ou outra sanção, além de perder os dias remidos. Evidentemente, essa dupla punição se afigura inconstitucional!
Ora, realmente não se pode imaginar que essa foi a intenção do legislador, pois tal situação demonstra uma completa e única inversão de valores e critérios, contrário à corrente educativa do ordenamento penal, cujo postulado básico é o de preservar os valores positivos da conduta humana, mesmo quando esses valores surgem no curso de fenômenos ilícitos, garantindo-lhes, sempre, sua exata e conclusiva repercussão (pense-se, por exemplo, em todo o sistema de atenuantes genéricas e de figuras privilegiadas do Código Penal, e na sabedoria do art. 5000 do CP onde devem ser ponderadas as circunstâncias do homem e do fato).
Demais disso, a Constituição da República tem como fundamentos a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho/estudo. O condenado é pessoa humana e, apesar do delito por ele cometido, deve ser tratado com dignidade, bem como deve ter a proteção dos valores sociais do trabalho/estudo, pois, além de constituir um dos fundamentos da Constituição de nosso país, não foi restringida aos trabalhadores livres.
É fato que a mais importante retribuição pelo trabalho/estudo dos condenados é a remição. Aliás, remição significa pagamento! Ou seja, o condenado paga, liquida com o suor de seu trabalho, seu esforço, parte de sua pena. Desta forma, a perda dos dias remidos caracterizaria o trabalho escravo, vedado pela Lei Maior.
Se um trabalhador livre cometer uma falta grave, dá a seu empregador o direito de rescindir o contrato de trabalho, e, ainda, que o empregador opte pela rescisão, o trabalhador não perderá o que obteve com o trabalho executado (salário, férias,…), e muito menos terá apagado de sua CTPS todo o tempo trabalhador anteriormente.
Portanto, a possibilidade de remir a pena pelo trabalho não pode configurar um benefício de caráter condicional, que pode ser revogado ou revisado em determinados casos, como ocorre por exemplo com o livramento condicional e o sursis, pois a remição somente foi alcançada após o trabalho/estudo efetivamente prestado. No livramento condicional e no sursis não há o trabalho do preso como contraponto a um benefício.
Por derradeiro, vale dizer que a questão é muito mais ampla que discutir se “a remição rege-se pela cláusula rebus sic stantibus” ou se trata de “direito adquirido”. Tampouco é necessário alteração da lei vigente para se adotar a solução preconizada pelo d. órgão monocrático, basta que se reconheça a flagrante inconstitucionalidade do disposto no art. 127 da LEP.
O juiz está livre para decidir com base na analogia, nos princípios gerais do direito, na equidade.
Ante todo o exposto, requer seja negado provimento ao recurso ministerial, no sentido de não ser reformada a decisão do juízo a quo e ainda manter a remissão parcial dos dias remidos, por ser medida que melhor se coaduna com os fins da execução penal e melhor atende aos interesses de equidade e justiça.
Rio de Janeiro, 0000 de Dezembro de 2012.