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[MODELO] Contestação com Preliminar de Incompetência Absoluta do Juízo

 

EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA DE DIREITO DA COMARCA DE VIRADOURO

 

 

 

 

 

Processo nº

Ação de Rescisão de Contrato c/c Reintegração de Posse

Requerente: Companhia Regional de Habitações de Interesse Social – COHAB/CRHIS

Requeridos:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Xxxxxxxxxxx vêm, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, dentro do prazo legal, via os advogados abaixo subscritos (procuração junta), com fulcro nos artigos 297 e ss. do Código de Processo Civil, apresentar CONTESTAÇÃO, pelo que passam a expor para abaixo requerer:

 

PRELIMINARMENTE

INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DESTE JUÍZO

 

Meritíssima Senhora Juíza,

 

Todo o arrazoado de mérito versará sobre as regras que vigem para o Sistema Financeiro de Habitação, o que, por si só, deslocaria a competência do feito para a Justiça Federal, em decorrência da interveniência necessária do Agente Gestor do sistema: Caixa Econômica Federal:

 

PROCESSUAL CIVIL – COMPETÊNCIA – AÇÕES RELACIONADAS COM O SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO –

I – Nas ações de execução contratual relacionadas com imóveis financiados pelo Sistema Financeiro da Habitação, ou naquelas que se discutirem reajustamento das

prestações da casa própria, impõem-se o chamamento do gestor do Sistema como réu, cabendo à Justiça Federal processar e julgar o feito. II – Agravo desprovido.

(TFR – 4ª T.; AI nº 52.018-SP; rel. Min. José de Jesus Filho; j. 03.02.1987; v.u.; DJU, 17.03.1988, p. 5.413, ementa). BAASP 1537/132, de 01.06.1988.

  

PROCESSUAL CIVIL – CONFLITO DE COMPETÊNCIA – AÇÕES RELACIONADAS COM S.F.H. – LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL – (CPC ART. 47) –

I – Nas ações relacionadas com o Sistema Financeiro da Habitação, a presença do Banco Nacional da Habitação é imprescindível, por força de litisconsórcio necessário. Deve o Juiz ordenar ao autor que promova a

citação do Banco, sob pena de declarar extinto o processo, pois a causa não pode ser decidida sem a sua presença no feito. II – Conflito conhecido para declarar competente o Juiz Federal suscitante.

(TFR – 2ª Seç.; Confl. de Comp. nº 6.648-Go; rel. Min. José Jesus Filho; j. 08.04.1986; maioria de votos; DJU, 05.06.1986, p. 9.790, ementa). BAASP 1445/209 de 27.08.1986.

 

PROCESSUAL CIVIL – CONFLITO DE COMPETÊNCIA – AÇÕES RELACIONADAS COM O REAJUSTE DA PRESTAÇÃO DA CASA PRÓPRIA – (S.F.H.) –

O Banco Nacional da Habitação empresa pública federal, disciplinador legal do Sistema Financeiro da Habitação, deve figurar como réu ou litisconsorte necessário nas ações em que os mutuários do Sistema discutirem reajuste da prestação da casa própria. Precedentes do TFR.

Conflito conhecido para declarar competente o Juiz suscitado.

(TFR – 2ª Seç.; Confl. de Comp. nº 6.511-Ce; rel. Min. José de Jesus Filho; j. 19.08.1986; v.u.; DJU, 04.09.1986, p. 15.667, ementa). BAASP

1451/246 de 08.10.1986.

 

Outro motivo que torna óbvio a competência da Justiça Federal é o fato de que o resultado da demanda interessa juridicamente ao credor hipotecário do contrato em tela: A Caixa Econômica Federal, conforme pode-se comprovar da leitura da cópia trazida pela Requerente, às fls. ________ dos autos.

 

O terceiro motivo a deslocar o feito à justiça especial é que, através da Associação Paulista dos Mutuários do S.F.H., entidade da qual os Requeridos são filiados (declaração anexa) os mesmos estão discutindo, na Justiça Federal de Ribeirão Preto(Processo nº ), o critério de reajustamento das prestações, havendo, por conseqüência, necessária conexão dos feitos:

 

PROCESSUAL CIVIL – COMPETÊNCIA JURISDICIONAL – AÇÃO ORDINÁRIA – BANCO NACIONAL DA HABITAÇÃO – REAJUSTE DA PRESTAÇÃO DE IMÓVEL ADQUIRIDO PELO SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO –

I – Se os autores – adquirentes de imóveis pelo Sistema Financeiro da Habitação – buscam discutir o percentual de reajuste das prestações fixado pelo Banco Nacional da Habitação, a competência para processar e julgar o feito é da Justiça Federal. Precedentes do TFR. II – In

casu, julga-se procedente o conflito negativo, declarando-se competente, para apreciar e decidir a ação ordinária, o Juízo Federal da Primeira Vara da Seção Judiciária do Estado do Ceará.

(TFR – 2ª Seç.; Confl. de Comp. nº 6.421-Ce; rel. Min. Geraldo Sobral; j. 10.12.1985; v.u.; DJU, 06.03.1986, p. 2.748, ementa.)

BAASP, 1433/137 de 04.06.1986.

 

Em último lugar, e talvez o principal motivo (ou sobre o qual a jurisprudência mais predomina) é que o contrato em tela prevê a incidência do Fundo de Compensação das Variações Salariais – FCVS, tornando necessária a intervenção da CEF no feito, nos termos das sem número jurisprudências:

 

Superior Tribunal de Justiça

ACÓRDÃO: CC 21803/DF (9800136932)

CONFLITO DE COMPETENCIA

DECISÃO: Por unanimidade, conhecer do conflito e declarar competente o Juízo Federal da 11ª Vara da Seção Judiciário do Distrito Federal.

DATA DA DECISÃO: 12/08/1998

ORGÃO JULGADOR: S 1 – PRIMEIRA SEÇÃO

E M E N T A

Processual Civil. Conflito Negativo de Competência SFH. Constituição Federal,

Art. 109, I. 1. Em litígio originado de contrato de financiamento de casa própria, regrado por normas gerais do SFH, verificado que será afetado o Fundo de

Compensação de Variações Salariais – FCVS, descortina-se o interesse da Caixa econômica Federal, ficando configurado o litisconsórcio necessário e avivada a

competência da Justiça Federal.(grifos nossos)

2. Conflito conhecido, declarando-se a competência da Justiça Federal.

RELATOR: MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA

FONTE: DJ DATA: 14/09/1998 PG: 00003

 

Origem: STJ – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Classe: CC – CONFLITO DE COMPETENCIA – 25945
Processo: 1999.00.40702-4        UF: SP        Orgão Julgador: PRIMEIRA SEÇÃO
Data da Decisão: 24/08/2000     Documento: STJ000376619

DJ DATA:27/11/2000 PÁGINA:119

RELATOR FRANCISCO PEÇANHA MARTINS

DECISÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do conflito e declarar competente o Juízo Federal da 11ª Vara Cível da Seção Judiciária do Estado de São Paulo, o suscitante. Votaram com o Relator os Ministros Milton Luiz Pereira, José Delgado, Paulo Gallotti, Francisco Falcão, Franciulli Netto e Garcia Vieira. Ausentes, justificadamente, as Sras. Ministras Eliana Calmon e Nancy Andrighi.

EMENTA: CONFLITO DE COMPETÊNCIA. SFH/FCVS. INTERESSE DA CEF. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
1. A Justiça Federal é competente para processar e julgar os feitos relativos ao SFH em que a CEF tem interesse por haver comprometimento do FCVS.
2. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo da 11ª Vara Federal da Seção Judiciária de São Paulo, suscitante.

 

 

Origem: TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Classe: AG – AGRAVO DE INSTRUMENTO – 74755
Processo: 98.03.095780-5        UF: SP        Orgão Julgador: PRIMEIRA TURMA
Data da Decisão: 29/08/2000     Documento: TRF300053697

DJU DATA:13/02/2001 PÁGINA: 389

RELATOR: JUIZ GILBERTO JORDAN

DECISÃO: A Turma, por unanimidade, deu provimento ao agravo, nos termos do voto do(a) Relator(a).

EMENTA: PROCESSO CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO -SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO – PREVISÃO CONTRATUAL DO FCVS – CEF LITISCONSORTE PASSIVA NECESSÁRIA – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL – RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO.
1- É da competência da Justiça Federal processar e julgar ações relacionadas a contratos hipotecários vinculados ao SFH que estejam sob a cobertura do Fundo de Compensação de Variações Salariais.
2- Nas referidas ações, a Caixa Econômica Federal CEF ocupa o polo passivo da lide, na qualidade de litisconsorte passiva necessária.
3- Precedentes do Colendo S.T.J.
4- Agravo de Instrumento a que se dá provimento.

 

Pelos quatro motivos alencados verifica-se que urge Vossa Excelência declinar da competência deste Juízo para remeter os autos à Justiça Federal de Ribeirão Preto, para que naquele juízo possa ser apreciado o mérito da presente, que passam os Requeridos a debater:

 

NO MÉRITO

DOS MÚTUOS NO SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO – BREVES CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

 

Nos contratos de financiamento habitacional, típicos e indiscutivelmente de adesão, predomina a regra da assinatura pelo mutuário no balcão do agente financeiro, às pressas, sem uma leitura acurada das quase sempre ininteligíveis cláusulas que vão gerar obrigações e compromissos de 10, 20 ou 25 anos.

 

O objetivo primordial do Sistema Financeiro da Habitação – SFH –, quando criado por proposição do Governo Federal – através da Lei 4.380/64 –, consistia na facilitação à aquisição da casa própria, sobretudo pela população de baixa renda, como é o caso dos Requeridos, tendo em vista os “fins sociais” e as “exigências do bem comum”.

 

Considerando-se que o SFH possui cunho estritamente social, proporcionando a aquisição da casa própria através de um contrato de mútuo que se propõe a respeitar uma proporção entre a renda familiar do mutuário e o valor das prestações do financiamento, sem comprometer a sua subsistência, não resta dúvida de que a atualização dos valores dos contratos habitacionais em hipótese alguma deveria ser superior aos reajustes salariais da categoria profissional do mutuário (princípio da equivalência salarial) ou à variação do poder aquisitivo da moeda perante o processo inflacionário (princípio da correção monetária de prestações e saldo devedor), quando não se conhecer o percentual daqueles reajustes.

 

Mas, infelizmente, o SFH não vem cumprindo o seu papel institucional, seja pelas práticas abusivas de seus agentes financeiros, seja pela inconstitucionalidade de atos legislativos forjados sob a justificativa da satisfação do “interesse coletivo” – na verdade, somente das classes que operam e controlam o mercado habitacional e financeiro –, mergulhando o mutuário-consumidor, às dezenas de milhares pelo país afora, no seguinte dilema: compromete seu bem-estar e de sua família, cortando gastos até com alimentação, para tentar manter em dia as exorbitantes prestações do financiamento; ou, torna-se inadimplente e perde seu imóvel de moradia ao agente financeiro.

Eis o “pesadelo” da casa própria.

 

Assim é que os instrumentos trazidos à revisão desse Juízo estão tisnados em sua essência – por abusos da Requerente (agente financeiro do SFH) e pela inconstitucionalidade de atos legislativos. Respeita a questão aos mecanismos adotados para a “correção” do valor das prestações e do saldo devedor dos financiamentos.

 

DA CARACTERIZAÇÃO DA RELAÇÃO DE CONSUMO – APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR

É inegável que o mutuário integrante da relação jurídica consubstanciada no contrato de mútuo, identifica-se como consumidor nos moldes do art. 2º da Lei 8.078/90 (CDC). Ao seu turno, o agente financeiro, ao pactuar o contrato de financiamento pelo SFH, exerce duas atividades: a primeira, a concessão do crédito (produto, art. 3º, § 1º, Lei n.º 8.078/90); a segunda, a aprovação de financiamento ao mutuário obedecendo às normas do SFH e a prestação de um serviço contínuo com prazo de duração equivalente ao número de meses do financiamento (serviço, art. 3º, § 2º, L. 8.078/90).

 

Destarte, as atividades da Requerente (agente financeiro) estão sedimentadas em ambos os conceitos estabelecidos nos §§ 1º e 2º do art. 3º do CDC: o produto: a concessão do crédito; o serviço: aprovação do financiamento e a prestação de serviço contínuo até o termo final do contrato.

 

Com efeito, os contratos de mútuo em referência têm por finalidade o crédito de dinheiro, que é utilizado para aquisição da casa própria, caracterizando relações jurídicas de consumo.

 

Nessa esteira proferiu o Eg. Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul[1][1] a seguinte decisão:

 

“Ementa Oficial: O conceito de consumidor, por vezes, se amplia no CDC, para proteger quem “equiparado”. É o caso do art. 29. Para efeito das práticas comerciais e da proteção contratual, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.

O CDC rege as operações bancárias, inclusive as de mútuo ou de abertura de crédito, pois relações de consumo.

O produto da empresa de banco é o dinheiro ou o crédito, bem juridicamente consumível, sendo, portanto, fornecedora; e consumidor, o mutuário ou creditado.”

 

Desse modo, estando identificados os Mutuários Requeridos como consumidores, lhes promove a lei a facilitação na defesa de seus direitos, por representarem a parte mais frágil na relação de consumo (princípio da vulnerabilidade do consumidor – CDC, art. 4º, I), prevendo a interpretação dos contratos sempre favorável a eles, a possibilidade de inversão do ônus da prova em proveito dos mesmos (CDC, arts. 47 e 6º, VIII, respectivamente), e a proibição de perda total dos valores já pagos a qualquer título (CDC, art. 51, II)

 

DO CONTRATO OBJETO DA PRESENTE AÇÃO

O Contrato em discussão originou-se de recursos do Sistema Financeiro de Habitação e como tal deveria seguir as leis cogentes que regem o sistema.

Visando a aquisição de imóvel para moradia própria através do Sistema Financeiro da Habitação – SFH –, celebraram os Requeridos com a Requerente contrato particular de promessa de compra e venda de imóvel, em que se previu o PLANO DE EQUIVALÊNCIA SALARIAL POR CATEGORIA PROFISSIONAL – PES/CP. (V. contratos modelo juntados pela Requerente – cláusula 5ª ).

 

Malgrado determine a Requerente que o reajuste das prestações serão em função do dissídio da Categoria Profissional do Mutuário, fazendo entender qie adotou o “Plano de Equivalência Salarial por Categoria Profissional” o sistema de reajuste dos contratos em tela, os critérios adotados nos financiamentos para atualização das prestações e dos saldos devedores, na verdade, estão em desacordo com as normas disciplinadoras do PES/CP e com o ordenamento legal do SFH.

 

Vejamos abaixo a redação dos dispositivos contratuais que estabelecem os critérios para reajustamento dos valores dos mútuos em questão:

 

 

CLÁUSULA QUARTA – ATUALIZAÇÃO DO SALDO DEVEDOR – O saldo devedor do presente financiamento será atualizado mensalmente, mediante a aplicação do índice de remuneração básica dos depósitos de poupança com aniversário no dia da assinatura deste contrato

 

cláusula quinta – DOS REAJUSTAMENTOS DAS PRESTAÇÕES – As prestações e os acessórios serão reajustados em função do dissídio da categoria proffissional do PROMITENTE COMPRADOR mencionada no quadro VII, mediante a aplicação do índice correspondente à taxa de remuneração básica aplicável aos depósitos de poupança livre com aniversário no dia da assinatura do presente contratono período a que se refere a negociação salarial, acrescido do índice de percentual relativo ao ganho real de salário definido pelo Conselho Monetário Nacional ou por quem este determinar, incidindo na prestação e nos acessórios no mês subsequante à época da referida negociação salarial.

PARÁGRAFO PRIMEIRO – As prestações e os acessórios serão reajustados mensalmente mediante a aplicação do índice correspondente à taxa de remuneração básica aplicável aos depósitos de poupança com aniversário no dia da assinatura do presente contrato, e incidirá de imediato no encargo do mês respectivo.

PARÁGRAFO SEGUNDO – Do percentual de reajuste de que trata o caput desta cláusula, será deduzido o percentual de reajuste a que se refere o parágrafo anterior.

PARÁGRAFO TERCEIRO – É facultado à PROMITENTE VENDEDORA aplicar, em substituição aos percentuais previstos no caput e no parágrafo primeiro desta cláusula, o índice de aumento salarial da Categoria Profissional do PROMITENTE COMPRADOR., quando conhecido.

PARÁGRAFO QUARTO ……………………………………………….

 

Verifica-se pelo expendido na cláusula supra que as prestações dos contratos em referência sofrem reajustes pela “taxa de remuneração básica aplicável aos depósitos de poupança” – a Taxa Referencial de Juros – TR –, criada pela Lei N.º 8.177, de 01.03.1991, sendo facultado unicamente à Requerente a substituição deste índice pelo aumento de salário da Categoria Profissional do Mutuário/Substituído

Eis o fato que configura o cerne da questão de fundo que ensejará a contestação da presente demanda.

DO PLANO DE EQUIVALÊNCIA SALARIAL POR CATEGORIA PROFISSIONAL – PES/CP.

 

O PLANO DE EQUIVALÊNCIA SALARIAL POR CATEGORIA PROFISSIONAL – PES/CP – instituído pelo Decreto-lei n.º 2.164 de 19-09-84, preceituava que o reajuste das prestações mensais dos mútuos vinculados a este sistema obedeceria ao percentual de aumento salarial auferido pela categoria profissional do mutuário.

 

Ante a dificuldade (ou impossibilidade) dos agentes financeiros em terem conhecimento dos índices repassados às várias categorias profissionais (sem mencionar-se que mutuários pertencentes a uma mesma categoria poderiam receber reajustes diversos uns dos outros, dependendo da região e da influência dos respectivos sindicatos), o art. 22 da Lei n.º 8.004/90, dando nova redação ao art. 9º do supra referido dec.-lei, veio determinar que os reajustes das prestações mensais dos financiamentos regidos pelo PES/CP ocorressem no mês subsequente ao da data-base da categoria profissional de cada mutuário, aplicando-se a variação acumulada do Índice de Preços ao Consumidor – IPC – apurada nas respectivas datas-base.

 

Art. 22, caput, L. 8.004/90: “(…) As prestações mensais dos contratos de financiamento firmados no âmbito do SFH, vinculados ao Plano de Equivalência Salarial por Categoria Profissional – PES/CP ­– serão reajustadas no mês seguinte ao em que ocorrer a data-base da categoria profissional do mutuário, utilizando-se a variação do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) apurada nas respectivas datas-base.”

 

 

No entanto, como vê-se no texto da cláusula 5ª dos contratos inclusos, a Requerente – ao reajustar os valores dos mútuos pela TR – despreza o critério definido no dispositivo acima, e faz absoluto descaso ao soberano e vinculante pronunciamento do Supremo Pretório na ADIn 493-0-DF, em 25.06.1992, onde se manteve, quanto ao mérito, a decisão tomada em caráter liminar em maio de 1991, ou seja: o Plenário do STF julgou inconstitucionais o art. 18, caput e §§ 1º e 4º, o art. 20, o art. 21 e par. único, o art. 23 e §§, e o art. 24 e §§, da Lei N.º 8.177/91, considerando definitivamente inaplicável a Taxa Referencial de Juros (TR) nas prestações e nos saldos devedores dos contratos da casa própria pactuados sob o Plano de Equivalência Salarial.

 

Ante a contradição existente entre o contrato e a lei, cumpre analisar qual a natureza jurídica das leis que regem o Sistema Financeiro da Habitação. Em outros termos: essas normas são cogentes, inafastáveis pela vontade das partes ou vigoraria, em sua total plenitude, a autonomia da vontade, podendo as partes recusar a aplicação da lei e contratualmente fixar novas formas de correção das prestações?

Quanto à sua obrigatoriedade as leis se dividem em imperativas e supletivas. As primeiras são inderrogáveis pela vontade privada, "criando situações jurídicas ou estabelecendo normas de procedimento que não dão ensancha a ninguém de agir diferentemente." (in CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA, Instituições de Direito Civil, vol. I, pág. 75). Geralmente as normas imperativas estão ligadas a disposições de ordem pública. Toda norma de ordem pública é ius cogens, apesar da recíproca não ser verdadeira.

A ordem pública é composta por um conjunto de princípios, de direito privado, que regulam interesses ligados ao bem comum. Há a tutela de um direito que envolve o interesse público e uma finalidade social.

As normas que regem o Sistema Financeiro da Habitação revestem-se desse caráter cogente, na medida em que visam assegurar uma forma de aquisição de moradia, e estabelecem um conjunto de normas protetivas dos mutuários, o que lhe atribui uma função social de segurança que seria impossível de se obter caso as partes tivessem a faculdade de afastar as normas editadas e celebrar contratos em outros termos.

Atribuir às normas do Sistema Financeiro da Habitação o caráter supletivo seria tornar inócuo o direito concedido, pois o agente financeiro, sempre em melhores condições de negociação, usaria da necessidade e dependência do adquirente para forçá-lo a contratar em condições desfavoráveis, atribuindo ao alienante condições mais vantajosas de correção do débito, desvirtuando a função desta espécie de contrato.

 

Como se demonstrará mais adiante em tópico próprio, de fato a incidência da TR (sobre prestações e saldos devedores) é ilegal em todos os financiamentos habitacionais do SFH firmados entre a Requerente e os Requeridos, independente da data de assinatura do instrumento de mútuo.

DA "TABELA PRICE" (OU SISTEMA FRANCÊS DE AMORTIZAÇÃO

Como é cediço, no Sistema Financeiro de Habitação é adotada o chamado “Sistema Frances de Amortização”, ou “Tabela Price”, que por si só não constitui uma ilegalidade, mas nos moldes que é aplicado pela Requerente, torna-se prática anatocista.

Senão vejamos:

O referido modelo é um sistema francês de amortização, e é assim definido por Abelardo de Lima Puccini, em sua obra "Matemática Financeira Objetiva e Aplicada (engenheiro civil pela PUC/RJ; M. S. em Engenharia Econômica pela Unifersidade de Stanford – USA, professor de matemática financeira no IAG/PUC, ADECIF, ABEG e IBMEC; Superintendente Geral da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro de 1983 a 1987; Diretor-Presidente do Grupo Supergasbrás):

 

"O financiamento é pago em prestações iguais, cada uma sendo subdividida em parcelas de:

  • –                    juros do período, calculados sobre o saldo no início do período;
  • –                    amortização do principal, obtida pela diferença entre o valor da prestação e o valor de juros do período.

Essa modalidade de pagamento é comumente conhecida com "Price". "

(texto obtido da página 17 da obra supra citada) (Grifos nossos)

 

"A sua grande característica é ter a taxa nominal como elemento de entrada, ao passo que os fatores são calculados com a taxa efetiva dela decorrente. Assim, muito cuidado deve ser tomado com a chamada "Tabela Price", pois a taxa nominal de juros de cada tabela é sempre menor do que a taxa efetiva anual correspondente, podendo essa diferença alcançar valores bastante significativos."

(texto obtido da página 107 da obra supra citada)

 

"Nos problemas desse item, usaremos um financiamento com as seguintes características

Principal financiado = 10.000,00

Taxa efetiva = 3% ao mês

Prazo = 10 meses

 

Mês

Principal

Juros

Amortização

Prestação Constante

0

10.000,00

1

9.127,69

300,00

872,31

1.172,31

2

8.229,21

273,83

898,48

1.172,31

3

7.303,78

246,88

925,43

1.172,31

4

6.350,58

219,11

953,20

1.172,31

5

5.368,79

190,52

981,79

1.172,31

6

4.357,54

161,06

1.011,25

1.172,31

7

3.315,96

130,73

1.041,58

1.172,31

8

2.243,13

99,48

1.072,83

1.172,31

9

1.138,11

67,29

1.105,02

1.172,31

10

34,20

1.138,11

1.172,31

Soma

1.723,10

10.000,00

11.723,10

 

(texto obtido da página 302/303 da obra supra citada)

 

 

Meritíssimo Senhor Juiz:

 

Conforme se percebe das informações técnicas do renomado autor, a chamada "tabela price" é um sistema de amortização constante, isto é, a prestação (amortização + juros) é imutável no decorrer do financiamento.

O principal objetivo do sistema é a liquidação do débito no término do prazo contratual, com o percentual relativo à amortização ser crescente, no decorrer do prazo, em relação ao juro.

Em seu país de origem (França) o método é perfeito, pois lá não se adota a figura da correção monetária. Toda a remuneração e correção do contrato está embutido na taxa de juros efetiva.

 

No Brasil, entretanto, e em especial nos contratos do Sistema Financeiro de Habitação, onde se prevê a incidência de correção monetária, a "tabela price" é inaplicável, pois, ao corrigirmos monetariamente seus valores, além de não alcançar seus objetivos (quitação ao final do prazo contratual), também haverá capitalização de juros sobre juros (já que o percentual de juros – que é a remuneração do agente financeiro – também receberá os efeitos da correção monetária) aumentando, consideravelmente, a remuneração do agente financeiro, o que vem configurar o antijurídico ANATOCISMO.

Veja o resultado da incidência da correção monetária no exemplo acima demonstrado:

 

Mês

Correç Monet

Principal

Juros

Amortização

Prestação Constante

0

5%

10.000,00

1

4%

9.584,08

315,00

915,92

1.230.92

2

5%

8.986,30

299,02

981,14

1.280.16

3

2%

8.374.52

283.07

1.061.09

1.344.16

4

5%

7.678.84

256.26

1.114.80

1.371.06

5

3%

6.703.56

233.96

1.205.64

1.439.60

6

2%

5.558.56

203.72

1.279.07

1.482.79

7

1%

4.270.36

168.66

1.343.78

1.512.44

8

3%

3.000.53

129.63

1.397.94

1.527.57

9

5%

1.667.47

90.31

1.483.08

1.573.39

10

4%

130.29

48.20

1.603.87

1.652.07

Soma

 

2.027.83

12.386.33

14.414.16

 

Conforme se vê, o percentual de remuneração do agente financeiro é consideravelmente aumentado, quando a correção monetária não deveria se prestar a tal, mas simplesmente atualizar o valor principal do financiamento em decorrência da perda de seu poder aquisitivo (inflação)

 

Além disso, como também se percebe, ao final do prazo contratual, com a incidência da correção monetária, sempre haverá resíduo, o que disvirtua a característica da "tabela price", cujo objetivo é a liquidação do débito ao final do contrato.

 

Por último, a adoção do referido sistema de amortização só traz ônus exagerado ao mutuário, que tem sua primeira prestação majorada sem que isto lhe traga qualquer benefício, caracterizando-se como cláusula abusiva, nula de pleno direito, nos termos do artigo 51, incisos IV e XV e I e III do § 1º do mesmo artigo da Lei 8.078/90 (CDC).

 

Assim também entende a vasta jurisprudência, considerando a "Tabela Price" onerosa e anatocista no Sistema Financeiro de Habitação:

 

N.º do Processo AG 96.01.54858-0 /BA ; AGRAVO DE INSTRUMENTO

Relator JUÍZA ELIANA CALMON (117 )

Órgão Julgador QUARTA TURMA DO TRF 1ª REGIÃO
Publicação DJ 04 /09 /1997 P.70973
Ementa

PROCESSO CIVIL – SFH – PRESTAÇÕES DE FINANCIAMENTO: MAJORAÇÃO.

1. Decisão equivocada quando manda que a prestação obedeça à Tabela Price .

2. A Tabela Price é forma de cálculo de juros.

3. Recurso provido.

Data Decisão 24/06/97
Decisão À unanimidade, dar provimento ao recurso.

 

Tribunal de Alçada do Paraná

APELACAO CIVEL 0145182-1 – IPORA – – Ac. 12070
JUIZ CONV. WILDE PUGLIESE – SEGUNDA CAMARA CIVEL – Revisor: JUIZ FERNANDO VIDAL DE OLIVEIRA – Julg: 09/12/99 – DJ: 04/02/00

Por unanimidade de votos, deram provimento parcial

EXECUCAO – EMBARGOS – INSTRUMENTO PARTICULAR DE
CONFISSAO DE DIVIDA ORIGINARIA DE CONTRATO DE ABERTURA DE CREDITO EM CONTA CORRENTE – DEBITO CONSOLIDADO – TITULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL – ART. 585, INC. II, DO
CPC – INTELIGENCIA DO ART. 131 DO CC – IMPOSSIBILIDADE
DE DISCUTIR-SE QUESTOES SOBRE O DEBITO ANTERIOR, DADO QUE CONSOLIDADO – CDC APLICAVEL – NULIDADE DA CLAUSULA REFERENTE AOS JUROS REMUNERATORIOS DECLARADA – VEDACAO DA CAPITALIZACAO DOS JUROS – SUCUMBENCIA RECIPROCA – ALTERACAO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1.- O INSTRUMENTO PARTICULAR DE CONFISSAO DE DIVIDA,
FORMALMENTE PERFEITO, E TITULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL, COMO TAL PREVISTO NO ART. 585, INC. II, DO CPC.
2.- OCORRENDO CONSOLIDACAO DO DEBITO MEDIANTE CONFISSAO DA DIVIDA, NAO MAIS SE DISCUTEM OS VALORES ANTERIORES, EMBORA NAO SE IGNORE A ORIGEM (INTELIGENCIA DO ART. 131 DO CC).
3.- "O CONTRATO DE ABERTURA DE CREDITO ROTATIVO EM
CONTA-CORRENTE, TAMBEM CONHECIDO COMO CONTA ESPECIAL OU CHEQUE ESPECIAL E UM DOS CONTRATOS BANCARIOS EM QUE MAIS FORTEMENTE SE DA A INCIDENCIA DAS NORMAS DE PROTECAO DO CONSUMIDOR, POIS, COM ESSA OPERACAO, O USUARIO DO SERVICO BANCARIO E EFETIVAMENTE O DESTINATARIO FINAL DOS RECURSOS QUE OBTEVE JUNTO AO BANCO, POR EMPRESTIMO, SENDO IRRELEVANTE QUE VA APLICAR O DINHEIRO EM PRODUCAO OU CONSUMO." (PROF. LUIZ RODRIGUES WAMBIER).
4.- A LEGISLACAO PROTECIONISTA NAO TOLERA A INCIDENCIA DE CLAUSULAS NEBULOSAS E INCOMPREENSIVEIS, A EXEMPLO DAQUELAS QUE SE REFEREM A INCIDENCIA DE JUROS REMUNERATORIOS COM BASE NA "TABELA PRICE", "METODO HAMBURGUES", "EXPONENCIAL" E OUTROS (INTELIGENCIA DO ART. 46 DO CDC).
5.- A CAPITALIZACAO DOS JUROS SOMENTE E ADMITIDA NAS
HIPOTESES PREVISTAS NA SUMULA N 93, DO C. STJ.
6.- RECONHECIDA A EXISTENCIA DE SUCUMBENCIA RECIPROCA,
AS DESPESAS PROCESSUAIS E OS HONORARIOS ADVOCATICIOS FIXADOS SAO DISTRIBUIDOS CONSIDERANDO O QUE CADA PARTE GANHOU OU PERDEU.

 

 

EMENTA: EXECUCAO. EMBARGOS. SFH. PRELIMINARES AFASTADAS. CONTROLE DE CLAUSULAS CONTRATUAIS ABUSIVAS ESTIPULADORAS DE ENCARGOS FINANCEIROS COM BASE NO CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. LIMITACAO DOS JUROS CONTRATUAIS, NO CASO CONCRETO, COM BASE NA CLAUSULA GERAL DE COBRANCA DE JUROS POR INSTITUICOES FINANCEIRAS ACIMA DO LIMITE LEGAL SEM EXPRESSA AUTORIZACAO DO CMN. CAPITALIZACAO PELA "TABELA PRICE" AFASTADA, FACE AO CDC E PRINCIPIO DA TRANSPARENCIA DOS CONTRATOS. CORRECAO DO VALOR DE MARCO DE 1990 PELA BTN, POIS FOI O INDICE USADO PARA CORRIGIR OS DEPOSITOS DE CADERNETA DE POUPANCA. NAO SE APLICA A TR COMO INDICE DE CORRECAO MONETARIA E SIM O INPC. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO. UNANIME. (20FLS.) (APC N.º 598588069, PRIMEIRA CAMARA ESPECIAL CIVEL, TJRS, RELATOR: DES. LUIS AUGUSTO COELHO BRAGA, JULGADO EM 30/08/2000)

 

 

EMENTA: CONTRATO DE FINANCIAMENTO DIRETO AO CONSUMIDOR OU USUARIO FINAL. EMPRESTIMO. JUROS – NAO ESTAO LIMITADOS AO PATAMAR DE 12% A.A., SEJA PELA LEGISLACAO CONSTITUCIONAL COMO PELA INFRACONSTITUCIONAL. CAPITALIZACAO – APESAR DE NEGADA A SUA COBRANCA PELA INSTITUICAO FINANCEIRA, O USO DA TABELA PRICE DEMONSTRA A OCORRENCIA DE JUROS COMPOSTOS. REPETICAO DO INDEBITO – TENDO O CREDOR RECEBIDO MAIS DO QUE LHE ERA DEVIDO, CUMPRE-LHE DEVOLVER O EXCESSO JUDICIALMENTE RECONHECIDO, INDEPENDENTEMENTE DA PROVA DE ERRO. SITUACAO QUE NAO SE CONFUNDE COM A PREVISTA NO ART.965 DO CODIGO CIVIL, QUE TRATA DO PAGAMENTO DE DIVIDA INEXISTENTE. CORRECAO MONETARIA E COMISSAO DE PERMANENCIA – INVIAVEL A COBRANCA DESTA ULTIMA SOB QUALQUER HIPOTESE. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. (9FLS.) (APC N.º 599258498, DECIMA OITAVA CAMARA CIVEL, TJRS, RELATOR: DES. JOSE FRANCISCO PELLEGRINI, JULGADO EM 16/12/1999)

 

Veja, Excelência, que a jurisprudência enfatiza o fato de que no Sistema Financeiro de Habitação, que possui normas protetivas do mutuário, não se deve aplicar a "tabela price", justificando sua aplicação quando o financiamento não está atrelado ao SFH:

 

EXECUÇÃO HIPOTECÁRIA – AQUISIÇÃO DE IMÓVEL – REAJUSTE – TABELA "PRICE" – Admissibilidade, por se tratar de contrato celebrado através de carteira hipotecária, com recursos do próprio banco, de acordo com as regras da Resolução

n.º 1.446/88 do Conselho Monetário Nacional, afastada a incidência das normas

relativas ao Sistema Financeiro da Habitação. Recursos dos embargantes improvidos. EXECUÇÃO HIPOTECÁRIA – Reajuste de prestações – Prevalência das regras contratuais, livremente pactuadas entre as partes, com incidência da

remuneração prevista na avença, sujeitando-se, ademais, os embargantes aos acréscimos decorrentes da mora. Hipótese em que, não tendo sido suscitada a nulidade de qualquer das cláusulas do contrato, não é dado ao juiz alterar o conteúdo da avença, ainda que por razões de eqüidade, excedendo, assim, os

limites da lide e em afronta ao princípio da força obrigatória. Recurso do embargado provido.

(1º TACIVIL – 3ª Câm.; Ap. n.º 666.322-5-São Paulo; Rel. Juiz Itamar Gaino; j.

06.05.1997; v.u.; ementa.)

BAASP, 2063/134-e, de 13.07.1998. (GRIFAMOS)

 

 

DA ILEGALIDADE DA APLICAÇÃO DO ÍNDICE DE REMUNERAÇÃO DA POUPANÇA (TR) PARA ATUALIZAÇÃO DOS MÚTUOS EM EXAME.

 

Como é cediço, com a entrada em vigor da Lei N.º 8.177/91, que, dentre outras providências (algumas contrárias ao texto constitucional), estabeleceu regras para a desindexação da economia, os depósitos em caderneta de poupança deixaram de ser corrigidos ou atualizados monetariamente, para serem remunerados pela Taxa Referencial (TR), por força do artigo 12, da cit. lei, in expressis:

 

“Art. 12. Em cada período de rendimento, os depósitos de poupança serão remunerados:

 

I- como remuneração básica, por taxa correspondente à acumulação das TRD’s, no período transcorrido entre o dia do último crédito de rendimento, inclusive, e o dia do crédito de rendimento, exclusive;

 

II- como adicional, por juros de meio por cento ao mês…”

 

Por outro lado, desde a criação do Sistema Financeiro da Habitação, através da Lei N.º 4.380/64 (que, após a promulgação da CF/88, foi promovida a lei materialmente complementar, a exemplo da Lei N.º 4.595/64 – reguladora do Sistema Financeiro Nacional, do qual o SFH é integrante), ficou sedimentado que o reajustamento das prestações e dos saldos devedores dos mútuos imobiliários deve ser feito pela aplicação de índice que reflita adequadamente as variações do poder aquisitivo da moeda nacional, i. é, índice de correção monetária ou de inflação, nos termos do art. 5º, § 1º, da ref. lei[2][2].

 

Não obstante tenha havido ao longo do tempo “n” mudanças de índices, esse princípio basilar do SFH somente poderá ser modificado através de lei complementar, consoante o comando constitucional do art. 192 da Carta Magna. Então, exceto por aprovação de lei complementar revogadora desse critério, não poderão os contratos habitacionais celebrados no âmbito do SFH adotar índice de reajuste que não exprima as variações do poder aquisitivo da moeda no processo inflacionário, tal qual a TR – taxa de juros remuneradora dos depósitos em poupança.

 

Aliás, o emprego (impróprio) da TR como índice de correção monetária já há vários anos vem sendo condenado pelos nossos Tribunais, inclusive Superiores, conforme se denota dos julgados abaixo reproduzidos:

 

“A taxa referencial de juros, TR, não é índice de correção monetária e, portanto, como tal não pode ser utilizada.” (STJ, 1ª T, REsp 57802-7, Rel. Min. Asfor Rocha, j. 5.11.94, DJU 13.2.1995, p. 2.223).

 

Índices TR e IPC (FIPE). O índice TR não mede a inflação e, mesmo que a Lei 8.177/91 não o excluísse, não podia ser adotado, devendo ser substituído pelo IPC (FIPE). Recurso provido para esse fim (1º TACivSP, Ap 494739, rel. Juiz Antonio de Pádua Ferraz Nogueira, j. 16.6.1992).

 

“EMENTA. Civil. Correção Monetária. Liquidação de sentença. Índice Aplicável em Débitos da Previdência Social. Precedentes do STF e do STJ (6ª Turma e 3ª Seção). Embargos Acolhidos.

 

I – A Taxa Referencial (TR) não é índice de correção monetária, uma vez que não reflete a variação do custo de vida, achando-se atrelada à captação dos depósitos bancários. Precedentes do STF: ADIN 493-0/DF e ADIN 959/DF.

 

II- Embargos de Divergência acolhidos para que o índice aplicado seja o INPC, e não a TR.

 

(Acórdão n.º 0038495, 3ª Seção, Rel. Min. Adhemar Maciel. Embargos de Divergência em Recurso Especial)”

 

No que pertine ao SFH, também caminha a jurisprudência decididamente em oposição à utilização da TR para correção dos valores nos mútuos habitacionais. Vejamos alguns arestos:

 

(…) 8. Contrariamente ao que vinha entendendo esta Turma, não pode a TR reajustar os saldos devedores; o INPC é o índice adequado, já que corresponde à variação do poder aquisitivo da moeda.” (TRF – 1ª Reg, DJ, Seção 2, de 17.05.96, p. 31.863)

 

O Eg. TRF da 5ª Região, por sua 2ª Turma[3][3], promulgou, na ementa e voto do Relator, o Juiz LÁZARO GUIMARÃES, o seguinte:

 

“Civil. Sistema Financeiro da Habitação. Plano de amortização mista. Aleatoriedade de índice prejudicial ao adquirente. Cláusula contratual abusiva. Apelo improvido.”

 

(…)

 

“O desequilíbrio entre a política salarial e a inflação motivou o descompasso entre o crescimento do saldo devedor e a sua amortização pelo pagamento das prestações, de tal modo que, ao final do contrato, o saldo remanescente eqüivale muitas vezes à soma superior ao valor de mercado do imóvel, o que implica em inviabilizar o sistema de cobertura.”

 

(…)

 

“O agente financeiro predispôs o contrato de modo a aplicar o maior índice de variação salarial ou na falta de parâmetro, o índice que serve à correção da poupança, ou seja, a TR, que mede a taxa de juros, e, por isso, não serve à correção monetária. Ambas as alternativas oneram excessivamente o mutuário.”

 

(…)

 

“Como as duas alternativas são injustas e desequilibram o contrato, depois da decisão do STF sobre a imprestabilidade da Taxa Referencial os agentes financeiros estão desesperados à cata de um índice para corrigir as prestações.”

 

 

A decisão do Supremo Tribunal Federal a que se refere o aresto retro transcrito foi proferida na já mencionada ADIN 493-0/DF, Relator o Ministro MOREIRA ALVES, sacramentando a tese advogada pelos doutos de ser inaplicável a TR como fator de correção por se tratar de taxa de juros, e, inobstante haver sido proferida em 25/06/92[4][4], surte efeitos ex tunc e erga omnes, alcançando inclusive contratos assinados posteriormente a ela.

 

No voto do eminente Ministro Relator, consta: “A TR é um indexador para o mercado financeiro de títulos e valores mobiliários, refletindo as variações do custo primário da captação dos depósitos a prazo fixo, não consistindo, portanto, índice que reflita a variação do poder aquisitivo da moeda. EM PERÍODO DE PLENA ESTABILIDADE MONETÁRIA, UM INDEXADOR COMO A TR PODERÁ CERTAMENTE APRESENTAR PERCENTUAIS ELEVADOS, REFLETINDO TAXAS DE CAPTAÇÃO ATRATIVAS AO MERCADO FINANCEIRO.” (destaques nossos).

 

Outro motivo que, por si só, já demonstra a ilegalidade do emprego da TR no contrato aqui discutido: — tendo em vista que o cálculo inicial das prestações dos mútuos foi executado utilizando-se o Sistema Francês de Amortização – TABELA PRICE e que nessa fórmula já incidem juros compostos, pré-fixados (q.v. Quadro Resumo, campo "C", item 5, dos contratos anexos), a aplicação da TR + 0,5% mensal em tais contratos na forma das cláusulas revisandas constitui, indubitavelmente, prática reprovável de anatocismo, vedada pela Lei de Usura (DL 22.626/33, art. 4º) e repelida pela Súmula 121, do Supremo Tribunal Federal.

 

A jurisprudência do Eg. Superior Tribunal de Justiça, como corolário do entendimento da Excelsa Corte, inclina-se neste sentido:

 

 

Capitalização de juros. Prevalece a proibição do Decreto-lei n.º 22.626/33, art. 4º, ainda em relação às instituições do Sistema Financeiro Nacional.” (STJ, 3ª T., REsp 13829-PR, Rel. Min. Dias Trindade, j. 29.10.1991, DJU 2.12.1991, p. 17.537).

 

“O Decreto-lei n.º 22.626/33, art. 4º, não foi revogado pela Lei n.º 4.595/64 (RTJ 108/277, 81/919). A capitalização de juros (juros de juros) é vedada pelo nosso direito, mesmo quando expressamente convencionada, não tendo sido revogada a regra do Decreto-lei n.º 22.626/33, art. 4º, pela Lei n.º 4.595/64. O anatocismo, repudiado pela Súmula 121 do STF, não guarda nenhuma relação com a Súmula 596 do STF. (RSTJ 22/197)”[5][5]

 

 

Mais um abuso praticado pela Requerente: esta, ao receber o pagamento das capitalizadas – revés de corrigidas – prestações dos financiamentos, primeiro remunera o saldo devedor pela TR (+0,5%), para depois deduzir da dívida a parcela de amortização paga pelo mutuário. O agente financeiro lesa o mutuário no índice aplicado e no ato de anteceder o reajuste do saldo devedor à amortização.

 

Pela lei criadora do SFH e instituidora da correção monetária nos contratos imobiliários, Lei 4.380/64, na alínea “c”[6][6] de seu art. 6º, o correto (e lógico) seria o agente financeiro primeiro abater da dívida o valor amortizável pago pelo mutuário, e somente depois atualizar monetariamente o saldo devedor remanescente por índice de correção monetária (como o IPC ou o INPC).

Mantida a aritmética da Requerente, baseada no antijurídico “binômio anatocista” TABELA PRICE + TR e na dedução atrasada da dívida, os saldos devedores dos empréstimos habitacionais continuarão em escala crescente, mesmo após longos anos de pagamento das prestações por parte do mutuário, gerando no final do prazo contratual um resíduo (para o qual não há plano de cobertura) muito superior ao preço de mercado do imóvel à época!

 

Então, dúvidas não restam de que a utilização da TR nos mútuos habitacionais em alusão é contrária à ordem jurídica e tem onerado excessivamente os requerridos (principalmente no período de estabilidade monetária que estamos vivenciando, onde existem meses em que os índices de correção registram, inclusive, taxas de deflação!), desequilibrando a relação contratual de consumo, assim não havendo como se falar em PACTA SUNT SERVANDA.

 

 

DOS PEDIDOS

Todo o aqui demonstrado está sendo discutido nos autos da ação civil coletiva que tramita perante a Justiça Federal de Ribeirão Preto, mas por si só demonstra a improcedência da presente ação de rescisão de contrato c/c reintegração de posse, visto que o atraso do requerido deveu-se, sem dúvidas, aos abusos cometidos pela Requerente.

Ademais, naquela ação da Justiça Federal requereu-se a tutela antecipada, que se concedida, permitirá ao mutuário adimplir suas obrigações, com o depósito judicial das prestações mensais dos contratos habitacionais.

 

Assim, passam a requerer:

 

  1. a)       o acatamento da preliminar levantada, determinando a INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DESTE JUÍZO para o julgamento da presente demanda, pelos fatos lá expostos;
  2. b)       O afastamento da possibilidade de os Requeridos perderem as parcelas já pagas e benfeitorias feitas, em caso de procedência da ação de rescisão (o que só admitem por hipótese) por contrariar frontalmente o inciso II, do artigo 51, da Lei 8.078/90;
  3. c)        A aplicação, no que couber do parágrafo único do artigo 42, do CDC;
  4. d)       A isenção de custas e demais cominações legais, declarando os Requeridos serem pobres na forma da lei 1.060, de 05 de fevereiro de 1.950;
  5. e)       A produção de todas as provas em direito permitidas, sobretudo a pericial, que demonstrará o abuso dos valores cobrados, depoimento pessoal do representante legal da Requerente, sem exclusão de qualquer outra prova.
  6. f)         Seja, ao final, julgada IMPROCEDENTE a presente ação de rescisão de contrato c/c reintegração de posse, com a manutenção do Requerido na posse e a condenação de Requerente em custas, despesas processuais e honorários advocatícios, determinados ao arbítrio de Vossa Excelência.

 

 

São os termos em que,

J. esta aos r. autos,

Pede Deferimento.

De Araraquara(SP) para Terra Roxa (SP), maio, 03, 2010.

 

 

 

 

Advogado

 

  1. [1] Ap. 193051216-7ª C Civ – Rel. Juiz Antonio Janyr Dall’Agnol Junior – RT 697/173.

     

  2. [2] Art. 5º- (omissis)

     

    § 1º- O reajustamento será baseado em índice geral de preços mensalmente apurado ou adotado pelo Conselho Nacional de Economia que reflita adequadamente as variações no poder aquisitivo da moeda nacional.

  3. [3] Apelação Cível n.º 24.004-AL-93/05/08378-1; Apte.: CEF e outros; Apdºs: Nilson….e outros.

  4. [4] RTJ 142/52-815.

  5. [5] In CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL COMENTADO e legislação processual civil extravagante em vigor; Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery, São Paulo, RT, 1997, 3ª edição, p.1439.

     

  6. [6] “ao menos parte do financiamento, ou do preço a ser pago, seja amortizado em prestações mensais e sucessivas, de igual valor, antes do reajustamento, que incluam amortização e juros.(g. n.)

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