[MODELO] CONTESTAÇÃO – Ação de despejo por falta de pagamento – Preliminar de ilegitimidade ad causam – Mérito da controvérsia.
EXMO.SR.DR. JUIZ DE DIREITO DA 5ª VARA CÍVEL DA COMARCA DA CAPITAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.
Proc. nº. 2004.001.034.488-0
SEVERINA MARIA GOMES, já qualificada nos autos da Ação de Despejo por falta de pagamento que lhe move PALESE IMOBILIÁRIA LTDA, vem, através da Defensoria Pública, apresentar CONTESTAÇÃO pelas razões de fato e de direito que passa a expor:
Inicialmente, afirma para os fins do art. 4º da Lei 1.060/50, com a redação dada pela Lei 7.510/86, que a Autora não possui recursos financeiros para arcar com as custas do processo e honorários de advogado, sem prejuízo do próprio sustento e de sua família, indicando para assistência judiciária a Defensoria Pública Geral do Estado.
PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE AD CAUSAM
Preliminarmente, cumpre informar que o imóvel objeto do contrato de locação em exame pertence a Sra. IDA CLETO, conforme consta de fl. 42 e do instrumento público acostado à presente contestação. Não consta dos autos nem ao menos o contrato de locação figurando o nome da autora.
Ocorre que é expressamente vedado pela lei postular interesse de outrem em nome próprio, ressalvados os caso de substituição processual (legitimação extraordinária), tal como disposto nos arts. 3º e 6º do Código de Processo Civil, o que não é o caso.
Assim, impõe-se a extinção do presente feito sem julgamento de mérito, com fundamento no art. 295, II do CPC (inépcia da inicial em decorrência de parte manifestamente ilegítima) e na forma do art. 267, I do mesmo diploma legal.
Em observância ao princípio da eventualidade, passa-se ao exame do mérito.
DO MÉRITO
Não é verdadeira a informação de que a Ré encontra-se inadimplente durante o período de julho de 2002 até a presente data.
A parte obrigada que primeiramente esteve em mora foi a própria locadora (que, ressalte-se, não se confunda com a autora da presente demanda), que deixou de realizar obras de caráter necessário e fundamentais à reposição das “condições de habitabilidade do edifício” (art. 22, par. único, alínea “c”, da Lei nº. 8.245/90).
Desde antes de 2002, o imóvel começou a apresentar sério problemas de conservação comprometiam – cada vez mais – a o uso pacífico e a própria segurança dos locadores das 11 unidades habitacionais.
A gravidade da situação do imóvel acabou por dar ensejo à lavratura de AUTO DE INTERDIÇÃO do serviço de Defesa Civil da Prefeitura Municipal (fls. 41), em 10 de setembro de 2000.
Não obstante, a locadora permaneceu inerte, obrigando os próprios moradores a se organizarem e, às suas próprias expensas, tocar as obras necessárias exigidas pela Defesa Civil, para evitar não apenas o desalijo promovido pela Prefeitura, mas também para prevenir contra uma possível tragédia.
Diversas foram as despesas suportadas pelos inquilinos, como fazem prova os inúmeros recibos e notas fiscais em anexo. A forma de rateio dessas despesas é bastante curiosa: ao invés de se dividir pelo número de habitações, como ocorre em um condomínio de apartamentos, a divisão é per capita, ou seja, pelo número de habitantes adultos. O mesmo método é adotado para a divisão das contas de água e outras despesas comuns.
A ré sempre se destacou pela defesa dos interesses dos inquilinos, revoltando-se contra a obrigatoriedade de ter que continuar a pagar os alugueis enquanto suportava as obras que deveriam ser promovidas pela locadora.
Note-se que, além da justa indignação, a ré não tinha condições financeiras de suportar as duas despesas (rateio da obras necessárias e aluguel) simultaneamente. Daí o não pagamento dos alugueis.
Intuitivamente, a ré exercia seu direito legal de exceção ao contrato não cumprido, expresso no art. 476 do CC/2002. Segundo a lição do mestre Caio Mário da Silva Pereira:
“O contrato bilateral caracteriza-se pela reciprocidade das prestações. Cada uma das partes deve e é credora, simultaneamente. Por isso mesmo, nenhuma delas, sem ter cumprido o que lhe cabe, pode exigir que a outra o faça. A idéia predominante aqui é a da interdependência das prestações.” (In. Instituições de Direito Civil, Vol. III, 11ª ed., 2012, p. 159).
Em síntese:
(a) A locadora descumpriu categoricamente as obrigações legais decorrentes do artigo 22 da Lei nº. 8.245/90 (Lei do Inquilinato), conforme inequivocamente comprovado nos autos pelo Auto de Interdição da Defesa Civil, de 09/2000; a intimação do Departamento de Vistoria Estrutural (DVE) da Prefeitura, em 07/2012 e; finalmente, novo Aviso de Auto de Infração, de 03/2004;
(b) Com sua conduta, a locadora expôs os inquilinos a sérios riscos contra suas integridades físicas e suas vidas;
(c) Premidos pelas circunstâncias, os inquilinos ratearam as despesas com as obras necessárias, benfeitorias essas que eram da exclusiva responsabilidade da locadora e que, portanto, devem ser integralmente reembolsadas aos locatários, que gozam do direito de retenção, consoante o disposto nos artigos 96 e 1.219 do CC/2002:
(d) Sufocada financeiramente pelas despesas com as obras necessárias e sem receber o devido reembolso, a ré deixou de pagar o alugueis amparada pelo princípio da exceção ao contrato não cumprido (art. 476 do CC), sendo certo que o alugueis de todo esse período só tornarão e ser exigíveis – e, portanto, passíveis de cobrança judicial – quando a locadora cumprir as suas obrigações legais;
(e) Ainda, quando os alugueis se tornarem exigíveis, deverá haver a pertinente compensação (arts. 368 a 380 do CC) com as despesas suportadas pela ré, despesas essas que, enquanto não forem pagas, lhe dão o legítimo direito de retenção, garantindo a sua manutenção na pose direita do imóvel.
DA IMPUGNAÇÃO À PLANILHA
A planilha apresentada pelo Autor é totalmente discrepante da realidade:o mérito, posto que (a) há cobrança de alugueis em valor acima do estipulado, ou seja, R$ 200,00 (duzentos reais); (b) diversos valores exigidos a titulo de juros estão incorretamente calculados, (c) a multa praticada está em desacordo com o Código Civl de 2002 (art. 1.336, §1º) e (d) as custas judiciais e os honorários de advogados deverão ser excluídos, na forma da Lei nº. 1050/60, caso esse MM. Juízo defira à ré a imprescindível gratuidade de justiça.
Deste modo e se houver necessidade, requer sejam os autos remetidos ao Contador Judicial, para feitura e/ou conferência dos valores apresentados na inicial, pois, embora o texto legal disponha que o locatário poderá evitar a rescisão, requerendo, no prazo da contestação, autorização para pagamento do débito atualizado, independentemente de cálculo, tal disposição não se coaduna com a realidade. A esse respeito, transcrevemos sempre o valoroso ensinamento do Desembargador Pestana de Aguiar, in Nova Lei das Locações Comentada, Editora Lumem Iuris, Rio de Janeiro, 1992, pág. 121, verbis:
“Em primeiro lugar, o texto legal parece fora da realidade forense, pois não se torna razoável a dispensa do cálculo do contador e a aceitação irrestrita do cálculo elaborado pela locadora inicial, que muitas vezes não agirá corretamente. Em segundo lugar, se a lei desautoriza o locatário a requerer a elaboração do cálculo pelo contador, poderá determiná-lo o juiz, dentro de um critério que lhe é conferido pelo artigo 130 do CPC. E, no mais, das vezes, cremos tornará de todo conveniente a ida dos autos ao contador do Juízo, para conferir o cálculo feito pelo autor, a fim de que n~o aconteça a cobrança de um débito exorbitante a inviabilizar a emenda da mora.”
Isto posto, requer-se:
- seja deferida a gratuidade de justiça;
- em fase probatória, a remessa dos autos ao Contador Judicial, para efetuar o cálculo dos aluguéis devidos, expurgadas as demais cobranças;
- seja julgado extinto o feito sem julgamento de mérito, acolhendo-se a preliminar de ilegitimidade ad causam (art. 295, II c/c 267, I do CPC) ou, ainda, julgado integralmente improcedente o pedido do Autor, na forma do art. 269, I do Código de Processo Civil;
- Seja a autora condenada a pagar os ônus defluentes da sucumbência, .arbitrando-se em 20% os honorários advocatícios em favor do Centro de Estudos Jurídicos da Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro (CEJUR/DPGE-RJ).
Ainda, pugna a ré pela produção de provas documental suplementar, testemunhal, depoimento pessoal do representante legal da autora e pericial.
Pede Deferimento.
Rio de Janeiro, 09 de junho de 2004.
André Luís Machado de Castro
Defensor Público
Matr. 835.246-0