[MODELO] Contestação à Ação Rescisória – Descabimento e Fundamentos Jurídicos
Exmo. Sr. Dr. Relator da 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
Processo n .00000
Autor: Fulana de Tal Ltda.
Réu: Município de Pelotas
Município de Pelotas, Pessoa Jurídica de Direito Público, com sede na Praça Coronel Pedro Osório, n. 101, Pelotas, RS, vem respeitosamente perante V. Exa. para apresentar contestação à Ação Rescisória ajuizada por Fulana de Tal Ltda., já qualificada no feito em epígrafe, pelos seguintes fatos e fundamentos e jurídicos:
Preliminarmente, o Município alega o descabimento da ação rescisória. A Autora ajuizou "Ação Ordinária Declaratória Cumulada com Pedido de Antecipação de Tutela e de Condenação para Repetição de Indébito Tributário" no processo n. 0000001, na 2a Vara Cível da Comarca de Pelotas, vindo a ação ser julgada improcedente.
Da decisão, foi protocolada apelação em 24 de março de 2003 (cópias anexas), que não foi recebida por ser julgada deserta.
Procura, na presente ação, reiterar os argumentos expendidos na malograda apelação.
Funda-se o argumento da rescisória que a sentença de primeiro grau violou literal disposição de lei (CPC, art. 485, V), porquanto o STF "pacificou a jurisprudência existente no sentido de ser inconstitucional, e portanto, inexigível a cobrança (sic, folha 4 da inicial)."
Não é assim.
O próprio RE n. 116.121-3, decisum o qual o Autor funda seu pedido, foi decidido por escassa maioria.
Aludido julgamento refere-se à decisões anteriores que entenderam pela constitucionalidade do item 79 da lista de serviços do ISSQN, contido no Decreto-Lei 406/68, neste sentido:
ISS. Locação de bens móveis, expressamente incluída no item 52 da lista de incidência. Inexistência de inconstitucionalidade. Conceito de Serviços. Art. 24, II, Constituição Federal não violado. Textos não prequestionados. Cabimento pela alínea “c” indemonstrado. Recurso extraordinário não conhecido. RE 113.383-0-SP.
ISS. Locação de bens móveis, expressamente incluída no item 52 da Lista de Incidência. Inexistência de inconstitucionalidade. Conceito de serviços. Art. 24, II, da Constituição Federal, não violado. Textos não questionados. Cabimento pela alínea c indemonstrado. Recurso extraordinário não conhecido. RE 115.103-SP.
Tributário. ISS na locação de bens móveis. O que se destaca utilitatis causa, na locação de bens móveis, não é apenas no uso e gozo da coisa, mas sua utilização na prestação de um serviço. Leva-se em conta a realidade econômica, que é a atividade que se presta com o bem móvel, e não a mera obrigação de dar, o que caracteriza o contrato de locação, segundo o art. 1188 do Código Civil. Na locação de guindastes, o que tem relevo é a atividade com eles desenvolvida, que adquire consistência econômica, de modo a tornar-se um índice de capacidade contributiva do Imposto sobre Serviços. Recurso não conhecido. RE 112.947-SP.
Nesta senda, a matéria está longe de ser pacífica nos pretórios. Polêmica que inclusive se reflete neste E. Tribunal:
Mandado de Segurança. Atividade de Locação de Bens Móveis. Incidência do ISS. É devido o ISS sobre a atividade de locação de bens móveis. Primeiro, porque expressamente capitulada, no item 79 da Lista de Serviços anexa à LCM 07/73 do Município de Porto Alegre e no item 79 do DL n. 406/68, com a redação que lhe foi dada pela LC 56/87. Segundo, porque a locação de bens móveis constitui efetivo serviço prestado. Apelação Cível 70005446729, 1a Câmara Cível, Porto Alegre, RS. Presidente e Relator Henrique Osvaldo Poeta Roenick em 19/03/03.
Sinale-se que a decisão do Pretório Excelso foi prolatada exercendo o controle difuso, “também conhecido como controle por via de exceção ou defesa, caracteriza-se pela permissão a todo e qualquer juiz ou tribunal realizar no caso concreto a análise sobre a compatibilidade do ordenamento jurídico com a Constituição Federal.” (…) Na via de exceção, a pronúncia do Judiciário, sobre a inconstitucionalidade, não é feita enquanto manifestação sobre o objeto principal da lide, mas sim sobre questão prévia, indispensável ao julgamento do mérito. Nesta via, o que é outorgado ao interessado é obter a constitucionalidade somente para o efeito de isentá-lo, no caso concreto, do cumprimento da lei ou ato, produzidos em desacordo com a Lei Maior. Entretanto, este ato ou lei permanecem válidos no que se refere à sua força obrigatória com relação a terceiros (Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, pág. 577, 10º Edição). ”
Anote-se, ainda, que a lei só deixará de ser válida quando suspensa sua execução através de resolução exarada pelo Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 52, X da CF.
Nesta vertente, a sentença não violou nenhum dispositivo de lei. Visto que baseou-se em lei vigente e eficaz.
Não é outra a lição de Humberto Theodoro Júnior: “O conceito de violação de “literal disposição de lei” vem sendo motivo de largas controvérsias desde o Código anterior. Não obstante, o novo estatuto deliberou conservar a mesma expressão.
O melhor entendimento, a nosso modo de ver, é o de Amaral Santos, para quem sentença proferida contra literal disposição de lei não é apenas a que ofende a letra escrita de um diploma legal; “é aquela que ofende flagrantemente a lei, tanto quanto a decisão é repulsiva à lei (error in judicando), como quando proferida com absoluto menosprezo ao modo e forma estabelecidos em lei para a sua prolação (error in procedendo).”
Não se cogita de justiça ou injustiça no modo de interpretar a lei. Nem se pode pretender rescindir a sentença sob invocação de melhor interpretação da norma jurídica aplicada pelo julgador (Curso de Direito Processual Civil, Humberto Theodoro Júnior, Vol. I, pág. 579-580, 31a Edição, Editora Forense) ”.
Pode-se dizer que a sentença adere a uma posição minoritária da jurisprudência. Contudo, a matéria é polêmica, o que não pode ser confundido, de maneira nenhuma, com decisão que viola dispositivo de lei. Sobre esta questão, foi pronunciada a Súmula n. 343 do STF: “Não cabe ação rescisória por ofensa literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.” Súmula que deve ser aplicada ao caso em tela, não obstante os esforços do Autor em tentar afastá-la do caso telado.
Ressalte-se que a Suprema Corte inclusive prestigia decisões que dão “razoável interpretação à lei, ainda que não seja melhor, não autoriza recurso extraordinário pela letra a do art. 101, III da Constituição Federal (Súmula 399).”
Por demasia, aduza-se que pelo caráter excepcional da ação rescisória, que reforma a coisa julgada, as razões para seu ajuizamento devem ser interpretadas restritivamente, sob pena de gerar insegurança nas relações jurídicas, não podendo ser maneada como um simples sucedâneo de uma apelação deserta.
No mérito, improcede a ação.
É uma controvérsia ainda não solucionada pelos tribunais a expressão “locação de móveis”, inscrita no item 79 da lista de serviços referida no art. 119 da Lei Municipal 2758 (Código Tributário Municipal) que prevê fato gerador para incidência do ISSQN a atividade de locação de bens móveis. Este dispositivo legal é comum a inúmeros municípios.
Contudo, o item 79 do Código Tributário Municipal foi recepcionado pela atual Carta Magna, conforme demonstraremos a seguir.
A teor do art. 156 da Constituição da República é estatuído que:
“Compete aos municípios instituir impostos sobre:
I- (…)
II-(…)
III-serviços de qualquer natureza, não compreendidos no artigo 155, II, definidos em lei complementar”;
Na obra “Enciclopédia Saraiva de Direito”, volume 50, pág. 309, é ensinado que “contrato de locação, que na terminologia do direito romano se chamava locatio et conductio, tem por objeto coisas e serviços (grifo nosso). Quer de coisas, quer de serviço, é um dos contratos mais usuais e mais necessários. Disciplina-o nosso Código Civil em três seções, a primeira dedicada à locação de coisas, a segunda, à locação de serviços, e a terceira, à empreitada. Mais adiante, ao enumerar os requisitos do contrato de locação de coisas, refere-se a remuneração como “segundo elemento do contrato é a remuneração, que é essencial, recebendo a denominação específica de aluguel ou renda, paga geralmente em dinheiro. É a presença desse elemento que distingue a locação do comodato, pois esta, e não aquela, será a relação jurídica, se o uso e o gozo da coisa são cedidos a título gratuito (grifamos).”
Auferindo renda, por meio de locação de coisas, adquire, o sujeito passivo capacidade de contribuição para o pagamento do ISSQN.
Neste sentido: Tributário. ISS na locação de bens móveis. O que se destaca, utilitatis causa, na locação de bens móveis, não é apenas no uso e gozo da coisa, mas sua utilização na prestação de um serviço. Leva-se em conta a realidade econômica, que é a atividade que se presta com o bem móvel, e não a mera obrigação de dar, que caracteriza o contrato de locação, segundo o art. 1188 do Código Civil. Na locação de guindastes, o que tem relevo é a atividade com eles desenvolvida, que adquire consistência econômica, de modo a tornar-se um índice de capacidade de capacidade contributiva do Imposto sobre Serviços. Recurso não conhecido. RE nº 112.947-6/SP.
Ora, para cobrança do ISSQN, pouco importa a rígida distinção doutrinária entre locação e prestação de serviços. O que de fato é relevante ao direito fiscal é a destinação econômica da atividade realizada pelo contribuinte. Destarte, ao auferir renda, com atividade da locação, o contribuinte adquire capacidade contributiva.
Ao alegar que o ISSQN incide apenas sobre prestação de serviços, no sentido de excluir a locação de coisas, olvidam os partidários da inconstitucionalidade da incidência do tributo sobre locação de móveis que o tributo incide sobre serviços de qualquer natureza, não sendo a distinção semântica relevante para a incidência do imposto.
Em voto no Recurso Extraordinário n. 116.121-3/SP, o Ministro Octávio Galloti proferiu a seguinte entendimento: “não poderia, igualmente, ignorar que o nome “locação de serviços”, resíduo tradicionalista do direito romano, utilizado, pelo Código Civil Brasileiro, de par com a “locação de coisas”, não esconde a diferença essencial entre um e outro pactos. Mas devo igualmente considerar que não se encontra apoio, no texto constitucional (art. 24, II da Carta de 1967), para atrelar estritamente, no âmbito do contrato denominado “locação de serviços”, a hipótese tributária sobre “serviços” tout court , expressão muito mais ampla que a compreendida naquela espécie contratual típica. Mostra-o, com exuberância, o memorial da douta Procuradoria Geral da República.
Até mesmo porque da expressão “de qualquer natureza”, gravada na Constituição, há de se extrair algum efeito útil.”
Com efeito, se o legislador constituinte desejasse excluir a locação de coisas, e preferisse, por questão de eqüidade fiscal, tributar apenas a prestação de serviços profissionais denominaria o ISSQN de simplesmente “imposto sobre serviços”, e não imposto sobre serviços de qualquer natureza.
Serviços de qualquer natureza implica na possibilidade do legislador municipal tributar qualquer serviço, indiferentemente de sua distinção doutrinária, desde que não venha a incidir sobre fatos geradores já tributados pelo ICMS, sob pena de incidir no “bis in idem” (CF 156, III).
Admite-se que argumento que defende a inconstitucionalidade da locação de bens móveis é resultado de uma sedutora e apurada técnica de interpretação jurídica.
Contudo, impossível deixar de concluir que pelas atuais regras de direito tributário, ela deixa praticamente imune a atividade de locação de bens móveis, porquanto se for ilegal a incidência do ISSQN sobre locação de bens móveis, mais ainda seria a exação do ICMS, porquanto na locação de móveis, como é da sabença geral, não há transmissão de propriedade da coisa, o que torna a aquisição de renda pela locação de móveis uma profissão imune a qualquer tributo até o dia que for instituído imposto específico para a atividade.
Nesta senda, o entendimento pela inconstitucionalidade da tributação do ISS sobre a locação de bens móveis leva a iniqüidade fiscal, violando o princípio da igualdade tributária (CF, art. 150, II).
Isto posto, protestando por todos os meios de prova em direito admitidos, requer que seja a ação julgada improcedente, em todos os seus sentidos, condenando a Autora nas custas, despesas processuais e honorários advocatícios.