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[MODELO] Contestação à Ação Ordinária com Pedido de Antecipação de Tutela – Fornecimento de Medicamentos pelo Município

Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da ª Vara Cível de Pelotas

Processo nº 00/0000000
Autor: Fulana de Tal
Réu: Município de Pelotas

Município de Pelotas, Pessoa Jurídica de Direito Público, com sede na Praça Coronel Pedro Osório, n°101, CNPJ nº 87.455.531/0001-57, por meio de seu procurador abaixo firmatário, com a Procuradoria Geral sita na Rua Professor Araújo nº 1653, vem respeitosamente perante V. Exa. para apresentar contestação à Ação Ordinária com Pedido de Antecipação de Tutela ajuizada por Fulana de Tal, já qualificada no feito em epígrafe, pelos seguintes fatos e fundamentos jurídicos:

1) Cumpre informar que o Município está provisoriamente cumprindo a liminar, eis que já efetuou a compra dos medicamentos requeridos na inicial.

2) Inegável que “é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cuidar da saúde” (CF, art. 23, II).

O Município, na esfera de sua competência, atua em caráter supletivo ao atendimento à saúde, conforme determina o art. 198, § 1º da CF:

“As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: §1º o sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.”

Assim sendo, a Carta Magna prevê que o Município deve atender às necessidades de saúde da população em caráter complementar.

Por sua vez, a Constituição Estadual segue a mesma disposição estatuída na Carta Federal:

“Art. 241 – A saúde é direito de todos e dever do Estado e do Município, através de sua promoção, proteção e recuperação.”

Nesta vertente, a Constituição Estadual determina ao Estado do Rio Grande do Sul que “as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada do Sistema Único de Saúde no âmbito do Estado, observadas as seguintes diretrizes: II- integralidade na prestação de ações preventivas, curativas e reabilitadoras, adequadas às diversas realidades epidemiológicas (CE, art. 242, II)”.

Observe-se que ainda foi promulgada a Lei Estadual nº 9908/93, na qual estatui no seu art. 1º, § único, que “o Estado deve fornecer, de forma gratuita, medicamentos excepcionais para pessoas que não puderem prover as despesas com os referidos medicamentos, sem privarem-se dos recursos indispensáveis ao próprio sustento e de sua família. § único- Consideram-se medicamentos excepcionais aqueles que devem ser usados com freqüência e de forma permanente, sendo indispensáveis à vida do paciente.”

3) Ressalte-se, ainda, que o Autor pretende na antecipação de tutela obter efeito de cunho satisfativo. Logo, se for obtida a medida de antecipação de tutela, esgotará, por completo, o objeto da ação.

Todavia, o art. 1º da Lei nº 9494, de 10 de setembro de 1997 c/c o art. 1º da Lei nº 8437 de 30 de junho de 1992, proíbe liminares de caráter satisfativo, estatuindo que “não será cabível medida liminar contra atos do Poder Público, no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal.

§ 3.º Não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou em parte, o objeto da ação.”

Sobre a matéria, o E. TJRS já se manifestou: “Tutela antecipada. Liminar satisfativa. É vedada, por força do disposto no art. 1º parágrafo 3º da Lei 8437/92, a concessão de liminar satisfativa contra a Fazenda Pública, onde se esgote o objeto da ação, com a antecipação do provimento judicial perseguido. Agravo provido (AGI nº 597264555, 4º Câmara Cível, TJRS, Relator. Des. João Carlos Branco Cardoso, julgado em 04/03/98).”

4) Sequer há prova nos autos da demonstração de risco de vida que corre o paciente. Por sua vez, o Poder Público só deve fornecer transporte, medicamentos, exames etc. no caso de urgência, conforme já foi decidido no E. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

EMENTA: ANTECIPACAO DE TUTELA – PRETENSAO DE CUSTEIO PELO MUNICIPIO DE EXAME DE RESSONANCIA MAGNETICA CEREBRAL – POSSIBILIDADE EM TESE, EMBORA NAO SE TRATE DE FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS – IMPOSSIBILIDADE NO CASO CONCRETO, CONSIDERANDO QUE O ATESTADO MEDICO NAO CONSIGNA URGENCIA E RISCO A VIDA E A SAUDE, MOSTRANDO-SE O EXAME MERAMENTE ELUCIDATIVO NA BUSCA DE UM DIAGNOSTICO. AGRAVO PROVIDO. (5FLS.D) (AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 70004929105, QUARTA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: JOÃO CARLOS BRANCO CARDOSO, JULGADO EM 06/11/2002) .

5) Anote-se que os dispositivos constitucionais que disciplinam o direito à saúde são de caráter programático, definidas por Jorge Miranda como “de aplicação diferida, e não de aplicação ou execução imediata; mais do que comandos-regras, explicitam comandos-valores; conferem elasticidade ao ordenamento constitucional; têm como destinatário primacial-embora não único-o legislador, a cuja opção fica a ponderação do tempo e dos meios em que vêm a ser revestidas de plena eficácia (e nisso consiste a discricionariedade); não consentem que os cidadãos ou quaisquer cidadãos as invoquem já (ou imediatamente após a entrada em vigor da Constituição), pedindo aos tribunais o seu cumprimento só por si, pelo que pode haver quem haver afirme que os direitos que delas constam, máxime os direitos sociais, têm mais natureza de expectativas que de verdadeiros direitos subjectivos; aparecem, muitas vezes, acompanhadas de conceitos indeterminados ou parcialmente indeterminados (citado em ´Direito Constitucional`, Alexandre de Moraes, pág. 41, 9º Edição, Editora Atlas, 2012).” Portanto, normas programáticas são normas jurídico-constitucionais de aplicação diferida que prescrevem obrigações de resultados, e não obrigações de meio, sendo, no caso brasileiro, vinculadas ao princípio da legalidade ou referidas aos poderes públicos ou dirigidas à ordem econômico-social.

Sinale-se que o Município não nega o direito de todos à saúde, apenas ressalta a necessidade de que o princípio seja aplicado de forma ordeira, nos termos da lei, sob pena de causar a falência total do sistema.

6) Sobre a real efetividade das normas constitucionais, e sua implementação de seus princípios de imediato, aviva uma reflexão de Gustavo Zagrebelsky sobre o ethos da Constituição na sociedade moderna. Diz aquele eminente Professor italiano no seu celebrado trabalho sobre o direito dúctil – il diritto mitte: "As sociedades pluralistas atuais – isto é, as sociedades marcadas pela presença de uma diversidade de grupos sociais com interesses, ideologias e projetos diferentes, mas sem que nenhum tenha força suficiente para fazer-se exclusivo ou dominante e, portanto, estabelecer a base material da soberania estatal no sentido do passado – isto é, as sociedades dotadas em seu conjunto de um certo grau de relativismo, conferem à Constituição não a tarefa de estabelecer diretamente um projeto predeterminado de vida em comum, senão a de realizar as condições de possibilidade da mesma" (Zagrebelsky, El Derecho Dúctil. Ley, derechos, justicia. Trad. de Marina Gascón. 3a. edição. Edt. Trotta S.A., Madrid, 2012. p. 13).

Interpretar a Constituição a luz do pensamento jurídico do possível é expressão, conseqüência, pressuposto e limite para uma interpretação constitucional aberta (Häberle, P. Demokratische Verfassungstheorie im Lichte des Möglichkeitsdenken, in: Die Verfassung des Pluralismus, Königstein/TS, 1980, p. 9).

A propósito, anota Häberle: "O pensamento do possível é o pensamento em alternativas. Deve estar aberto para terceiras ou quartas possibilidades, assim como para compromissos. Pensamento do possível é pensamento indagativo (fragendes Denken). Na res publica existe um ethos jurídico específico do pensamento em alternativa, que contempla a realidade e a necessidade, sem se deixar dominar por elas. O pensamento do possível ou o pensamento pluralista de alternativas abre suas perspectivas para "novas" realidades, para o fato de que a realidade de hoje poder corrigir a de ontem, especialmente a adaptação às necessidades do tempo de uma visão normativa , sem que se considere o novo como o melhor" (Häberle, Die Verfassung des Pluralismus, cit., p. 3). Nessa linha, observa Häberle, "para o estado de liberdade da res publica afigura-se decisivo que a liberdade de alternativa seja reconhecida por aqueles que defendem determinadas alternativas". Daí ensinar que "não existem apenas alternativas em relação à realidade, existem também alternativas em relação a essas alternativas" (Häberle, Die Verfassung des Pluralismus, cit., p. 6).

O pensamento do possível tem uma dupla relação com a realidade. Uma é de caráter negativo: o pensamento do possível indaga sobre o também possível, sobre alternativas em relação à realidade, sobre aquilo que ainda não é real. O pensamento do possível depende também da realidade em outro sentido: possível é apenas aquilo que pode ser real no futuro (Möglich ist nur was in Zukunft wirklich sein kann). É a perspectiva da realidade (futura) que permite separar o impossível do possível (Häberle, Die Verfassung des Pluralismus, cit., p.10). Os textos supra foram selecionados nos embargos infringentes da ADIn nº 1289/DF.

7) Observe-se que diante da proliferação indiscriminada de medidas liminares, a possibilidade do Estado (em lato senso) de fazer política de saúde tem sido amesquinhada a ponto da possibilidade de um dia limitar-se ao atendimento de medidas liminares, que nem sempre configuram situações de risco à vida, tal como no caso em tela. De passagem, sinale-se ainda a imposição de pesadas multas diárias, que vem a agravar ainda mais o sistema, sendo o maior prejudicado destas medidas a própria população.

Sobre esta delicada questão cite-se a ementa do processo nº 70009306358:

“constitucional. direito À VIDA. FORNECI­MENTO DE FRALDAS DESCARTÁVEIS. RISCO DE VIDA NÃO CONFIGURADO. IMPOSSIBILI­DADE. 1. A exigência de prestações positivas na área de saúde está condicionada à comprovação de situação excepcional em que haja risco à vida do paciente. 2. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. VOTO VENCIDO. Agravo de Instrumento Nº 70009306358.

8) Dessume-se que o ideal seria que todos tivessem acesso imediato e gratuito aos serviços de saúde. Ocorre que o pensamento daquilo que é possível funda-se na idéia que obrigar os Municípios a fornecer medicamentos ou procedimentos de custo expressivo em ações individuais consiste em negar remédios de menor custo a população carente, eis que estamos lidando com questões de saúde coletiva. Sinale-se que o Poder Público Municipal lida com recursos escassos e limitados, fato que é sempre oportuno lembrar.

9) Sem sombra de dúvida que o art. 196, caput, da Constituição Federal prevê o princípio da igualdade de todos ao acesso à saúde, ao dispor que: “a saúde é direito de todos e dever do Estado…”

Ocorre que os dispositivos legais previstos na Constituição Federal, na Constituição Estadual e na Lei Estadual nº 9908/93 são estatuídos justamente para atender o princípio da igualdade, ao dispor que os medicamentos, procedimentos e exames de elevado custo, de uso contínuo, são de responsabilidade do Estado do Rio Grande do Sul, pelo fato notório de possuir maior capacidade financeira do que os Municípios.

Ressalte-se que a Constituição não exclui a possibilidade do Estado (em sentido lato) em eleger prioridades, sem excluir o princípio da igualdade:

“art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

§único. Compete ao poder público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: I-(…); II-(…); III-seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV-(…); V-(…);VI-(…); VII-(…)”.

Comentando o princípio da seletividade, Marina Vasques Duarte leciona que: “pelo primeiro princípio (seletividade) o legislador tem uma espécie de mandado específico com o fim de estudar as maiores carências sociais em matéria de seguridade social, oportunizando que essas sejam priorizadas em relação às demais…” (Marina Vasques Duarte, Direito Previdenciário, 3º Edição, pág. 18, Editora Verbo Jurídico).

10) Portanto, é necessário que o direito à saúde seja atendido nos termos da lei, com a eqüitativa distribuição de responsabilidades entre os entes públicos conforme as disponibilidades orçamentárias, sob pena de causar a falência do sistema e prejudicando toda a população.

11) Fato não menos importante, observamos muitas ações ajuizadas com o escopo de se antecipar a requerimentos administrativos previamente agendados por terceiros, postulando tratamento diferenciado, mesmo quando não se configura situação de risco para a vida, como no caso em tela.

Ocorre que lamentavelmente, existe uma enorme demanda na área da saúde e a Administração deve atender a todos, sem distinção ou privilégios, a teor do princípio da igualdade. Gize-se que nem sempre é possível atender com a agilidade merecida a toda população, nada restando senão organizar a fila de espera por ordem dos pedidos. Princípio da igualdade e razoabilidade.

Data venia, não é razoável que o Judiciário possa interferir na delicada questão do agendamento de tratamentos médicos, procedimentos, fornecimento de próteses etc. sem a comprovação de perigo para a vida do paciente, vindo a, pela via transversa, também administrar.

12) O autor foi representado pelo Serviço de Assistência Judiciária da Universidade Católica de Pelotas. Anote-se que a UCPEL exerce uma função estatal por delegação do poder público. Por sua vez, o Serviço de Assistência Judiciária da UCPEL exerce o munus público de defender judicialmente as pessoas carentes, função equivalente à Defensoria Pública, cujos integrantes são proibidos de receber honorários advocatícios a qualquer título, nos termos do art. 130, III da LC 80/94: “receber, qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais, em razão de suas atribuições”.

Neste sentido, com a condenação do Município de Pelotas em pagar honorários advocatícios, tem-se o instituto da confusão, visto que de um lado há uma entidade que exerce sua função por delegação estatal obrigando-se através de um munus público na defesa judicial das pessoas carentes, e de outro lado figura o Município de Pelotas.

Assim sendo, é inevitável afastar o instituto da confusão, eis que os entes estatais figuram como credor e devedor, o que exclui a verba honorária.

Neste sentido, a jurisprudência:

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Descabe a condenação do Estado do Rio Grande do Sul em arcar com honorários advocatícios em favor da Defensoria Pública, sob pena configurar-se o instituto jurídico da confusão entre as pessoas do credor e do devedor. Inteligência do art. 381 do Código Civil. Apelo não conhecido e, em reexame necessário, reformada em parte a sentença. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70009779471, SÉTIMA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: MARIA BERENICE DIAS, JULGADO EM 22/12/2004)”

Precedentes no STJ:

DEFENSORIA PÚBLICA. LITIGÂNCIA. ESTADO. RÉU. Restando vencedora em demanda contra o Estado parte representada por defensor público, não há falar em condenação a honorários advocatícios, pois o credor, Defensoria Pública, é órgão do devedor, Estado, ocorrendo a causa extintiva das obrigações denominada confusão (art. 1.046 do CC/1916 e art. 381 do CC/2002). REsp 654.705-RJ, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 17/8/2004.

Portanto, da confusão resulta a extinção da obrigação (CC, art. 381), devendo ser expungida, portanto, a condenação em honorários.

Por fim, sinale-se que a condenação em honorários advocatícios agravará ainda mais a situação do sistema de saúde, sendo o prejuízo da própria sociedade que necessita dos serviços da seguridade social.

Isto posto, requer:

A improcedência da ação, condenando o autor em custas, despesas processuais e honorários advocatícios.

Pelotas, 25 de outubro de 2013.

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