TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO – 8ª TURMA
APELAÇÃO EM MS nº 2000.02.01.021632-3
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SERVIÇO SOCIAL – INSS
APELADO: FRANCISCO BARRETO
RELATOR: DES. FEDERAL VALMIR PEÇANHA
Egrégia Turma
Trata-se de mandado de segurança impetrado contra ato do SUPERINTENDENTE REGIONAL DO INSS, que determinou a suspensão de benefício previdenciário, sob alegação de conversão indevida do tempo de serviço em condições insalubres.
Regularmente notificada, a autoridade impetrada prestou informações, a sustentar que a Autarquia Previdenciária tem o dever-poder de exercer o controle administrativo de seus atos, em respeito ao erário.
A sentença CONCEDEU a segurança.
É o relatório.
Direito líquido e certo
O mandado de segurança não se constitui na via mais adequada à certificação do direito à aposentadoria, na medida em que a liquidez e certeza que o devem qualificar, quando existentes, não resultam do ato administrativo concessório, mas do atendimento de determinados requisitos legais. O writ somente se prestará a esta finalidade nas hipóteses em que o impetrante tenha meios de comprovar, de plano, o direito a ser garantido.
Admissível, entretanto, o remédio no caso concreto, em que se pleiteia apenas a reativação do pagamento, por afronta ao direito à ampla defesa e ao devido processo legal. A Administração deve suspender atos eivados de vícios, sem que isso justifique abrir mão do regular processo administrativo e do respeito ao princípio do contraditório. É como tem decidido esse Tribunal Regional Federal da 2ª Região:
DIREITO PREVIDENCIARIO – DIREITO PROCESSUAL CIVIL – DIREITO CONSTITUCIONAL – SUSPENSÃO DE BENEFICIO DE SEGURADO DO INSS.
– A preliminar de decadência não merece prosperar. Com efeito, a percepção da aposentadoria se dá mês a mês, constiuindo-se, portanto, em prestação de trato sucessivo.
– O thema decidendum não deve, como o defendeu em suas informações a autarquia, gravitar em torno da necessidade da produção de prova do atendimento pelo segurado das condições necessárias à concessão dos benefícios.
A questão que se coloca atém-se à regularidade e legalidade do bloqueio do pagamento do referido benefício, ate que o INSS proceda a apuração da irregularidade.
– É ilegal a suspensão de beneficio previdenciário por mera suspeita de fraude em sua obtenção, sem que a irregularidade presumida tenha ficado comprovada em processo administrativo, em que se assegure ampla defesa ao interessado.
– A Constituição não se contenta com o contraditório meramente formal.
– Pelo provimento do apelo, para conceder a segurança; no entanto, a teor do Enunciado 271 da Súmula do STF, a presente decisão surte efeitos financeiros somente a partir da impetração do mandamus.
– Sem honorários (Enunciados 512 – STF e 105 – STJ). Custas despendidas pelo impetrante devem ser devolvidas pelo INSS.
(TRF – 2ª Região – Decisão de 28-03-1998 – AMS 97.225698-1/RJ – Rel.XXXXXXXXXXXXA VERA LUCIA LIMA)
Possibilidade da revisão administrativa
No magistério de HELY MEIRELLES, “se por erro, culpa, dolo ou interesses escusos de seus agentes, atividade do Poder Público se desgarra da lei, se divorcia da moral, ou se desvia do bem comum, é dever da Administração invalidar, espontaneamente, ou mediante provocação, o próprio ato (…)”.
O benefício ou o direito obtido em face da Administração mediante emprego de fraude, segundo jurisprudência remansada no Superior Tribunal de Justiça, é fruto de ato nulo, insuscetível, como tal, de convalidação pelo mero decurso do tempo. Confira-se:
PREVIDENCIARIO – APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO – REVISÃO – PRESCRIÇÃO – SUSPENSÃO – ART. 207, DEC. 89312/88 – SUMULA 873 DO STF.
1 – Na hipótese de suspensão de beneficio previdenciário obtido mediante fraude, não se aplica o prazo prescricional qüinqüenal previsto no art. 207 do Dec. 89312/88, devendo, incidir, na espécie, a Súmula 873 do Supremo Tribunal Federal, eis que ato nulo não produz efeitos.
2 – Seria esdrúxula a hipótese de se considerar ocorrida a prescrição, impedindo a Administração Pública de rever o processo de aposentadoria nos moldes em tela e, mesmo assim, entender viável a "persecutio criminis" do pretenso fraudador.
3 – Recurso não conhecido.
(STJ – 6ª Turma – REsp 78703/RS – DJ 22/06/1998 – Rel. Min. ANSELMO SANTIAGO)
Coerente com esse entendimento, a Lei nº 9.788/99, editada para regular o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, veio esclarecer que após cinco anos, a Administração só decai do direito de anular o ato decorrente de erro, culpa ou mesmo dolo de seus agentes, desde que não tenha havido má-fé por parte de seu destinatário; em caso de comprovada má-fé, entretanto, o benefício concedido fraudulentamente sempre poderá ser revisto:
Art. 53 A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos. (Súmula 873 do STF).
Art. 58 O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
Base legal do ato
Cabe ao INSS, diante da suspeita de fraude, instaurar auditoria para aferir a exatidão dos elementos que hajam justificado a concessão do benefício. Detectados indícios do cometimento de fraude (vínculos inexistentes, ou aqueles afirmadamente estabelecidos com empresas fictícias; tempo de serviço majorado, ou conversão de tempo indevida; laudos médicos periciais falsos, etc), surge oportunidade para a instauração do processo tendente ao bloqueio definitivo do pagamento.
Entretanto, como a carta de concessão materializa ato revestido de presunção de legitimidade, não deve ser afastada a hipótese de que tais problemas decorreram de falhas atribuíveis à própria entidade previdenciária (extravio do processo concessivo, inexatidão de dados cadastrais de várias empresas sobre ex-funcionários, dentre outros).
Concluída a auditoria, duas situações podem surgir: uma, a fraude se apresenta, já neste momento, inequivocamente comprovada, parecendo, nesta hipótese, lógico e razoável que se suspenda, de imediato, todo e qualquer pagamento; a segunda, são apurados meros indícios de irregularidade, caso em que o INSS costuma, ainda que posteriormente à notificação do segurado, suspender provisoriamente o benefício, que somente será cancelado ao final do procedimento.
Pretendendo evitar as injustiças que facilmente podem ocorrer nessas situações, o art. 69 da Lei nº 8.213, com a redação da Lei nº 9.528/97 (conversão da MP nº 1.523), estabeleceu procedimento que, para assegurar o contraditório, garante ao administrado a oportunidade de se manifestar logo após a auditoria (antes de qualquer suspensão, portanto), e entre a suspensão e o efetivo cancelamento.
Art. 69. O Ministério da Previdência e Assistência Social e o Instituto do Seguro Social – INSS manterão programa permanente de revisão da concessão e da manutenção dos benefícios da Previdência Social, a fim de apurar irregularidades e falhas existentes.
§1º. Havendo indício de irregularidade na concessão ou na manutenção do benefício, a Previdência Social notificará o beneficiário para apresentar defesa, provas ou documentação que dispuser, no prazo de trinta dias.
§2º. A notificação a que se refere o parágrafo anterior far-se-á por via postal com aviso de recebimento e, não comparecendo o beneficiário nem apresentando defesa, será suspenso o benefício, com notificação ao beneficiário por edital resumido publicado uma vez em jornal de circulação na localidade.
§3º. Decorrido o prazo concedido pela notificação postal ou pelo edital, sem que tenha havido resposta ou caso seja considerada pela Previdência Social como insuficiente ou improcedente a defesa apresentada, o benefício será cancelado, dando-se conhecimento da decisão ao beneficiário.
Creio, não obstante, que o procedimento assim estruturado não realiza satisfatoriamente a garantia constitucional da ampla defesa, principalmente em se tratando de mera alegação de conversão indevida de tempo de serviço especial. Notificação prévia nunca será motivo suficiente a ensejar a suspensão, mesmo que provisória, do benefício, cuja percepção constitui direito revestido de caráter alimentar. Se o INSS não foi diligente no ato da concessão, nem por isso está autorizado a inverter o ônus da prova e exigir do segurado a apresentação dos documentos que entender suficientes.
Todas as recentes decisões dos Tribunais Regionais Federais a respeito do assunto consagram a garantia de defesa em níveis mais amplos que os propostos pela lei:
PREVIDENCIARIO – SUSPENSAO DE BENEFICIO – SUSPEITA DE FRAUDE – PROVA EM SENTIDO CONTRÁRIO – PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO PREVIO – GARANTIA DO CONTRADITORIO, DA AMPLA DEFESA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.
– O beneficio previdenciário goza de presunção de legalidade e legitimidade. Presunção iuris tantum.
– A prova em sentido contrario é ônus do INSS. Deve ser produzida em sede administrativa ou judicial, garantidos o contraditório e a ampla defesa.
– Suspensão de beneficio por suspeita de fraude sem procedimento administrativo prévio, que se adapte a moldura constitucional, deve ser repelido pelo Poder Judiciário.
– Apelação provida. Sentença reformada.
(TRF – 2ª Região– AMS 99.0203637-6 – Rel. XXXXXXXXXXXX FRANCISCO JOSÉ PIZZOLANTE – Decisão: 05.05.99)
PREVIDENCIARIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. ATIVIDADE INSALUBRE. SUSPENSÃO INDEVIDA. EXIGENCIA NOVA. IMPOSSIBILIDADE. PROVA INDIRETA. ACEITAÇÃO.
1. Se a segurada, comprovou, de acordo com as exigências da Administração, na época da concessão do beneficio, o exercício de atividades consideradas insalubres, durante o período previsto em lei, faz ela jus à aposentadoria especial.
2. Beneficio concedido há quase dois anos não pode ser suspenso ou cancelado unilateralmente pela Previdência Social, sem a abertura de procedimento administrativo, assecuratório do direito de defesa, a simples alegação de ausência de requisitos intrínsecos e extrínsecos necessários à concessão de aposentadoria especial.
3. Tratando-se de ato de aposentadoria, que é ato jurídico perfeito e acabado, não se pode exigir prova nova, advinda de norma posterior a concessão do beneficio.
8. Ademais, em face das circunstâncias, é mais do que razoável aceitar, na hipótese, o laudo técnico resultante de perícia em empresa congênere.
5. Apelo provido.
6. Decisão reformada.
(TRF – 1ª Região – 1ª Turma – Decisão: 06.11.1990 – AC 90.103359-8/DF – Relator: XXXXXXXXXXXX PLAUTO RIBEIRO)
Conclusão
Além da afronta ao procedimento estabelecido no art. 69, §2º, vez que o bloqueio do pagamento precedeu a notificação da impetrante, os documentos trazidos aos autos pelo INSS são insuficientes para ilidir, de plano, a presunção de legalidade inerente ao ato administrativo que reconheceu ao impetrante direito ao benefício. Aos indícios existentes, dever-se-iam somar outros capazes de produzir alguma certeza quanto à afirmada ocorrência de fraude.
Do exposto, o parecer é no sentido de negar provimento ao apelo, para confirmar a decisão que determinou fosse restabelecido o pagamento do benefício, admitida, desde logo, a realização de novas investigações.
Rio de Janeiro, 30 de outubro de 2000.
JOSÉ HOMERO DE ANDRADE
Procurador Regional da República
Suspensão Benefício – isdaf