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[MODELO] Apelação em Mandado de Segurança – Contribuição Social sobre o Lucro – EC 10/96 e Lei 9.289/95

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO – 2ª TURMA
APELAÇÃO EM MS nº

APELANTE: GERLING SUL AMÉRICA S/A – SEGUROS INDUSTRIAIS e outros

APELADO: UNIÃO FEDERAL/FAZENDA NACIONAL

RELATOR: DES. FED. SILVERIO CABRAL

Egrégia Turma

GERLING SUL AMÉRICA S/A- SEGUROS INDUSTRIAIS e outros impetraram mandado de segurança contra ato do DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO, visando ao não pagamento das alíquotas de 18% e 30% acrescidas à Contribuição Social sobre o Lucro pela EC 10/96 e pelo art. 19, pár. único, da Lei 9.289/95. São fundamentos do pedido:

a) com a criação do Fundo Nacional de Emergência desvinculou-se o produto da arrecadação da CSSL do financiamento exclusivo, integral e direto da Seguridade Social, em virtude do que se teria alterado sua natureza jurídica de contribuição, agora mais assemelhada à de imposto;

b) a Emenda 10/96, de 07.03.96, teria desrespeitado o princípio da irretroatividade ao pretender alcançar fatos ocorridos em janeiro, fevereiro e março;

c) a CSSL deve se sujeitar ao princípio da anterioridade;

d) as alíquotas de 18% e 30% contrariam a isonomia e a proporcionalidade à capacidade contributiva, na medida em que não guardam correlação com o montante do lucro apurado nem com a margem de lucratividade dos setores econômicos tributados; inexistindo razão para o tratamento desigual, o imposto ostentaria nítido efeito confiscatório.

O pedido de depósito foi autorizado na forma do art. 150, II, do CTN (fls.128).

Notificada para prestar informações, a autoridade coatora manifestou-se às fls. 186/188.

A sentença de fls. 183/185 denegou a segurança, a argumentar que “a Contribuição Social contestada não foi estabelecida por lei, mas por emenda constitucional, oriunda do poder reformador. Nesse passo, penso que as limitações materiais e formais foram respeitadas. Nenhuma cláusula pétrea foi abolida. Tal como o art.195,§ 6º constitui exceção à norma do art.150, III, b da Constituição Federal, a Emenda Constitucional nº 10 constitui exceção àquele”.

Inconformadas, as impetrantes apresentaram recurso de apelação às fls.199/218.

É o relatório.

A irresignação merece parcial acolhida.

A transformação da CSSL em imposto

A EC 10/96 conferiu a seguinte redação ao art. 71 do ADCT, ao prorrogar o Fundo Social de Emergência e renomeá-lo Fundo de Estabilização Fiscal:

Art. 71. Fica instituído, nos exercícios financeiros de 1998 e 1995, bem assim no período de 1º de janeiro de 1996 a 30 de junho de 1997, o Fundo Social de Emergência, com o objetivo de saneamento financeiro da Fazenda Pública Federal e de estabilização econômica, cujos recursos serão aplicados prioritariamente no custeio das ações dos sistemas de saúde e educação, benefícios previdenciários e auxílios assistenciais de prestação continuada, inclusive liquidação de passivo previdenciário, e despesas orçamentárias associadas a programas de relevante interesse econômico e social. (…)

Versando tema relacionado ao Fundo Social de Emergência, no que se refere a sua destinação, CELSO RIBEIRO BASTOS preleciona que:

“Por força da dita emenda, as verbas por elas criadas ou definidas passam a constituir-se como que numa massa de manobra a ser utilizada pelo Executivo, segundo critérios de prioridade por ele mesmo formulados. (…) Essa última cláusula [programas de relevante interesse econômico e social], sobretudo, pelo seu grande subjetivismo, acaba por abarcar quase toda sorte de despesa, porque será sempre difícil por-se de acordo sobre o que seja e o que não seja um relevante interesse econômico e social.”

(Emendas à Constituição de 1988, Saraiva, p. 68)

Não só o grau de subjetividade da expressão “relevante interesse econômico e social” dá margem a abusos, como também a inclusão do vocábulo “prioritariamente” serve de carta branca para o Executivo destinar os recursos do fundo ao que bem lhe aprouvenha. Vale, a propósito, a advertência do Ministro ILMAR GALVÃO, em voto que proferiu no RE 186.733/SP, no sentido de que “a especificidade da destinação do produto da arrecadação do tributo em causa é que, obviamente, lhe confere o caráter de contribuição.”

A redação introduzida pela EC 10/96, ao descrever os contornos do FEF, desnatura as contribuições, na medida em que permite a destinação das receitas dele originadas a hipóteses que não se inserem na seguridade social. A esse respeito, sustenta GABRIEL LACERDA TROIANELLI:

“… em virtude de o Fundo de Estabilização Fiscal, que é um todo revestido de unidade, se destinar, em parte impassível de aferição pelo intérprete e pelo aplicador da lei, a custeios não previdenciários, aquilo que, a priori, pareceria ser mero aumento de alíquota da contribuição social sobre o lucro instituída pela Lei nº 7.689, de 15.12.88, consiste, na verdade, na instituição de novo imposto sobre a renda/lucro, materialmente semelhante à contribuição social sobre o lucro, mas que com ela não se identifica, pois com destinação não exclusivamente adstrita à seguridade social, devendo, portanto, obedecer não ao regime jurídico das contribuições, mas ao dos impostos, no qual se insere a precedência da lei em relação ao exercício, que constitui cláusula constitucional pétrea, conforme lição do Egrégio Supremo Tribunal Federal … ADIn nº 939-7/DF …”

(Revista Dialética de Direito Tributário nº 9, p. 38)

Estabelecido, portanto, que o tributo conhecido como Contribuição Social sobre o Lucro, com o advento da EC 10/96 passou a revestir natureza jurídica de genuíno imposto, examinemos os demais fundamentos da pretensão aqui veiculada.

Anterioridade

A teor do art. 72, §1º, do ADCT, mantido incólume pela Emenda 10/96:

Art. 72 – …

§ 1º As alíquotas e a base de cálculo previstas nos incisos III e V aplicar-se-ão a partir do primeiro dia do mês seguinte aos noventa dias posteriores à promulgação desta Emenda.

A cobrança da CSSL na forma preconizada pela EC 10/96, publicada em 07.03.96, depende, portanto, do transcurso do prazo de 90 dias, por expressa determinação constitucional. Decorre daí que não se lhe pode reconhecer o caráter retroativo que o impetrante pretendeu conferir.

Esse Colendo Tribunal Regional Federal, apesar de não ter adotado a tese de que a CSSL constitui imposto novo, já decidiu que as alterações introduzidas pela EC 10/96 obrigam ao menos à observância da anterioridade nonagesimal prevista no art. 195, §6º, como se vê da ementa que passo a transcrever:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – DECISÃO QUE INDEFERIU PEDIDO LIMINAR – MANDADO DE SEGURANÇA OBJETIVANDO AFASTAR A INCIDÊNCIA DA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 10/96, QUE MAJOROU A ALÍQUOTA DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO – ILEGÍTIMA A COBRANÇA ANTES DE EXPIRADO O PRAZO FIXADO PELO ART. 195, . 6., DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

I – A majoração da alíquota da contribuição social sobre o lucro, de 18% para 30%, pela emenda constitucional n. 10, de 08/03/96, não institui imposto novo, mas esta sujeita a anterioridade de 90 dias de que trata o art. 195, §6., da Carta Magna, circunstancia que configura a plausibilidade do direito pleiteado liminarmente.

V – Agravo parcialmente provido, para eximir a agravante, liminarmente, do recolhimento da contribuição social sobre o lucro de que trata a emenda constitucional n. 10, no período anterior ao prazo de 90 (noventa) dias da sua publicação, facultando-se-lhe o deposito dos valores respectivos.

(TRF 2ª REGIÃO – AG Nº 96.02.215957 – REL . JUÍZA NIZETE ANTONIA LOBATO RODRGUES – DJU 06/01/98)

Entretanto, parece-me, como acredito haver demonstrado, que a CSSL assumiu a natureza de imposto e, por isso, deve sujeitar-se à anterioridade geral prevista no art. 150, III, b, da CRFB.

É falso admitir que por Emenda se possa alterar a técnica de tributação concebida pela Constituição, ou restringir as limitações por ela erguidas contra o Poder Tributante, para submeter, como na espécie, autêntico imposto ao regime jurídico das contribuições. A análise mais atenta do caso específico evidencia uma tentativa de flexibilização da garantia fundamental da anterioridade de exercício, pretendendo substituí-la pela anterioridade meramente nonagesimal.

Desde a ADIn 939-7/DF, em que a EC 03/96 foi declarada inconstitucional, o Egrégio Supremo Tribunal Federal admite expressamente o controle de emendas, em contraste com as chamadas cláusulas pétreas. Nessa decisão, proclamou entendimento no sentido de que o princípio da anterioridade constitui garantia fundamental dos cidadãos diante do poder fiscal, insuscetível de modificação ainda que pela via qualificada da Emenda Constitucional (art. 60, §8º, IV, da CRFB).

Por mais que a prorrogação do Fundo de Estabilização Fiscal, quem sabe, atenda ao interesse público, permitir a cobrança da CSSL já no mês de junho de 1996 – e não em janeiro de 1997 – abriria precedente perigoso, de resto divorciado da sistemática tributária constitucional.

Isonomia

O art. 150, II, da Constituição da República, ao proibir sejam tratados de modo desigual contribuintes que se encontrem “em situação equivalente”, permite, a contrario sensu, o tratamento diferenciado àqueles que, em face de particularidades relevantes de ordem econômica e social, mereçam não ser tratados da mesma forma. Para isso, entretanto, a lei deve identificar um critério de desiguldade e verificar se esse discrimen justifica a atribuição do tratamento jurídico diferenciado.

HUGO DE BRITO MACHADO esclarece que “… a questão de saber se é válido o estabelecimento de alíquotas diferenciadas para as contribuições de seguridade social, em razão de pertencer o contribuinte a determinado setor da atividade econômica, deve ser resolvida com o exame da capacidade contributiva correspondente. Se os contribuintes que integram determinado setor da atividade econômica são dotados de capacidade contributiva mais elevada, o discrime não lesa o princípio da isonomia. Sem o exame da capacidade contributiva a questão não pode ser enfrentada.” (Caderno de Pesquisas Tributárias v. 17, 1996). Nesse sentido, confira-se o precedente do Egrégio Tribunal Regional Federal da 5ª Região:

CONSTITUCIONAL E TRIBUTARIO. PRINCIPIOS DA ISONOMIA E EQUIDADE.

INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. INCIDENCIA. PERCENTUAL DE 2,5% (DOIS VIRGULA CINCO POR CENTO). ART. 22, PARAGRAFO 1., DA LEI N. 8.212/91.

– O princípio da isonomia deve ser interpretado em harmonia com o princípio da capacidade contributiva: os que podem pagar mais devem arcar com os maiores ônus.

– O setor financeiro, mesmo diante das dificuldades conjunturais da crise da economia nacional, é aquele que se acha em melhores condições de absorver os custos indispensáveis para a realização dos objetivos da seguridade social.

– A exigência da contribuição adicional de 2,5% prevista no art. 22, parágrafo 1., da Lei n. 8.212/91 das empresas creditícias não ofende o principio da isonomia, sobretudo em face da situação peculiar de tais instituições, que estão dispensadas do custeio para o sistema confederativo SESI/SENAI, SESC/SENAC, equivalente ao mesmo percentual de 2,5%.

– Apelação improvida.

(TRF 5 – 1ª Turma – Decisão 06.08.98 – AMS 98.00563377-8 /CE – Relator: XXXXXXXXXXXX CASTRO MEIRA)

As entidades financeiras foram excluídas do pagamento da contribuição social sobre o faturamento, a COFINS pelo art. 11 da LC 70/91. Pronunciar a inconstitucionalidade da alíquota diferenciada da CSSL, por infração à isonomia, implica necessariamente reconhecê-la também em relação a essa exclusão. A respeito, esclarece o Procurador da Fazenda Nacional SÉRGIO AUGUSTO G. PEREIRA DE SOUZA:

“Veja-se que a contribuição ora questionada pelas instituições financeiras recai sobre o lucro, enquanto que os demais sujeitos do gênero ‘contribuinte pessoa jurídica’, além de também sujeitarem-se à contribuição aqui discutida – com alíquota inferior -, sujeitam-se também à Cofins, acima mencionada, que recai sobre o faturamento e, por isso mesmo, resulta num valor significativamente maior.

Assim, perfeitamente adequado ao conceito puro do Princípio da Isonomia, aliado ao da Capacidade Contributiva, que a alíquota à qual sujeitam-se as instituições financeiras, espécie do gênero ‘contribuinte pessoa jurídica’, seja superior àquela a que se sujeitam as demais espécies do mesmo gênero.

Percebe-se, portanto, é que a Emenda Constitucional nº 10/96, sem ferir o Princípio da Isonomia e aplicando o Princípio da Capacidade Contributiva, utilizou como fator de discrime para a instituição de diferentes alíquotas da Contribuição Social sobre o Lucro a maior capacidade contributiva das instituições financeiras e o fato dessas mesmas instituições gozarem de isenção de pagamento de Cofins.”

(Revista Dialética de Direito Tributário nº 32, p.90-93)

O tratamento diferenciado visa a realizar a participação equânime no custeio da seguridade social. Se determinada categoria de contribuintes (referidos no art. 22, §1º, da Lei 8212/91) tem lucro significativo mas baixo faturamento, é razoável que sua participação no custeio da seguridade social se dê com alíquotas elevadas de CSSL e baixas de COFINS.

“…o estabelecimento, pelo legislador, de diferentes alíquotas de contribuições sobre o lucro e sobre a folha de salários apenas para determinados setores da atividade econômica, se analisado isoladamente, pode levar o intérprete a concluir que está havendo quebra do princípio da isonomia (…)

Contudo a questão deve ser analisada, também no contexto das fontes de recursos para custeio da seguridade social, sob pena de levar o intérprete a conclusões precipitadas.

(…) se em relação à contribuição social sobre o lucro as instituições financeiras são mais oneradas, em relação a outra, sobre o faturamento, elas merecem tratamento mais benéfico em confronto com os demais contribuintes sujeitos, igualmente, a ambas as exações.

É que na verdade demonstrou existir uma não equivalência entre a situação das primeiras [as instituições financeiras] e das demais [pessoas jurídicas], se comparadas do ponto de vista dos respectivos faturamento e lucro.

Enquanto as instituições financeiras têm alto lucro e faturamento irrisório, as demais pessoas jurídicas estão em situação inversa, pois o faturamento alto, mas o lucro quase sempre pequeno, sendo certo que para o custeio da seguridade social concorrem com contribuições sociais sobre estas duas bases de cálculo.

Essa desigualdade fática autoriza o legislador, exatamente para atender à isonomia e à equidade na forma de participação no custeio, a estabelecer tratamentos diferenciados, que, ao final, irão conduzir exatamente ao equilíbrio desejado pelo Constituinte.

Não fosse assim, estariam as instituições financeiras sendo beneficiadas, vez que pagariam idêntica contribuição sobre o lucro e nenhuma sobre o faturamento, praticamente inexistente para elas, quando se sabe que o maior ônus para os empregadores decorre da contribuição sobre o faturamento.

Nesse contexto, não entendemos ilegítima a discriminação que, inclusive, decorre de texto legal devidamente fundamentado e vinculado a uma desoneração no âmbito da contribuição social sobre o faturamento.” (Fátima Fernandes de Souza Garcia e Maria Aurora Cardoso da Silva Omori, in Cadernos de Pesquisas Tributárias nº 17, p. 810 e ss).

Do exposto o parecer é no sentido do provimento parcial do apelo, para que se atenda à garantia da anterioridade.

Rio de Janeiro,

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