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[MODELO] Apelação Criminal – Fraude em Financiamentos no Banco Amazônia S/A

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO – 3ª TURMA

APELAÇÃO CRIMINAL nº 000000.02.31084-2

APELANTE: JUSTIÇA PÚBLICA

AUGUSTO BARREIRA PEREIRA JUNIOR

ANTÔNIO NUNES DA SILVA

FRANCISCO CARMO JOSÉ IANNUZZI

JOÃO CARLOS BUSSE

GUILHERME FELDHAUS

APELADOS: AUGUSTO BARREIRA PEREIRA JÚNIOR

JUSTIÇA PÚBLICA

RELATOR: DES. FED. FRANCISCO PIZZOLANTE

Egrégia Turma

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ofereceu denúncia em 0000.03.10000008 contra WILLIAM BLANCO DE ABRUNHOSA TRINDADE, GUILHERME FELDHAUS, AUGUSTO BARREIRA PEREIRA, AUGUSTO BARREIRA PEREIRA JÚNIOR, ANTÔNIO NUNES DA SILVA, JOÃO CARLOS BUSSE e FRANCISCO CARMO JOSÉ IANUZZI como incursos nas penas do art. 8º da Lei 7.40002/86 c/c art. 288 do Código Penal, nos seguintes termos (fls. 02/04):

“O grupo Masson, constituído pelas empresas PLANINTER – PLANEJAMENTO E INTERMEDIAÇÃO S/A, CASA MASSON COMÉRCIO & INDÚSTRIA LTDA., CIA. CONSTRUTORA PEDERNEIRAS E COMPANHIA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO E PARCIFICAÇÃO S/A, através do Sr. William Blanco de Abrunhosa Trindade, ex-funcionário do Banco Amazônia S/A e elo de ligação entre Belém, onde se destacava a atuação “lobbysta” do Sr. FELDHAUS que intermediava os financiamentos – ante o pagamento da comissão de 8 a 10%, pagas pelos tomadores, obteve diversos empréstimos no Banco da Amazônia S/A

Os pedidos de financiamento eram encaminhados pela Agência Rio/Metro, que elaborou o cadastro destas empresas e, como os mesmos continham restrições, omitiu-os. Era chefe do Setor de Crédito JOÃO CARLOS BUSSE e Gerente o Sr. FRANCISCO CARMO IANNUZZI (fls 103/107).

Os empréstimos concedidos foram de CZ$ 6.000.000,00 (seis milhões de cruzados), que era o limite de alçada do Diretor de Crédito Geral do Banco – AUGUSTO BARREIRA PEREIRA. As ligações telefônicas da Ger. da Ag. Rio/Metro eram recebidas e anotadas por Antonio Nunes da Silva e homologados por telex e telefone.

A Casa Masson e a Construtora Pederneiras pagaram 8% de “comissão”, enquanto que a Planinter e a Cia. Brasileira de Administração e Participação 10%; mediante a emissão de 12 (doze) cheques que foram distribuídos CZ$ 60.000,00 (sessenta mil cruzados ) para William Blanco; Cz$ 120.000,00 mais ou menos (cento e vinte mil cruzados) para Guilherme Feldhaus; cerca de CZ$ 1.680.000,00(um milhão e seiscentos e oitenta mil cruzados) para Augusto Barreira Pereira Júnior e Augusto Barreira Pereira.

O denunciado William Blanco de Abrunhosa Trindade e Guilherme Feldhaus admitiram a intermediação (fls.81/88), enquanto que Augusto Barreira Pereira e Augusto Pereira Júnior negaram a imputação, comprovada pela auditoria da BASA – fls.142/145; pelos cheques emitidos – fls 200/201 e pelos depósitos nas contas dos indiciados – conforme se vê do relatório do Banco Central – fls.146, bem como, pelo laudo pericial de fls. 44/82 do Apenso I.

Reserva-se o Ministério Público Federal para aditar a denúncia oportunamente em relação as empresas beneficiárias.

Desta forma, estão incursos no art. 8º da Lei 7.40002/86 – Augusto Barreiras Pereira, posto que evidenciada a exigência de comissão para a concessão de financiamento, através de WILLIAN BLANCO DE ABRUNHOSA TRINDADE e GUILHERME FELDHAUS, que praticaram tal infração em co-autoria; coadjuvados que foram pelos Srs. JOÃO CARLOS BUSSE e FRANCISCO JOSÉ IANNUZZI da Agência Rio /Metro e AUGUSTO BARREIRAS PEREIRA JÚNIOR em Belém/PA.

Os empréstimos somente eram liberados por Belém, isto é, o diretor Augusto Barreira Pereira mediante os recebimentos das comissões, por isso, que se lhe atribui a violação ao art. 8º da Lei 7.40002/86.”

Em suas alegações preliminares (fls. 20006/30000), os réus afirmaram que as condutas que lhes são imputadas pela presente denúncia são rigorosamente as mesmas de que são acusados no “processo-mãe” nº 7054 (arts. 4º e 8º da Lei 740002/86), que, desmembrado, deu origem a todos os outros relativos às fraudes perpetradas na instituição. Opuseram, ainda, exceção de incompetência, já que, ostentando o Banco Amazônia S/A natureza de pessoa jurídica de direito privado sediada em Belém, e tendo em vista que os arts. 26 da Lei 740002/86 e 125, IV, da Constituição da República de 10006000, que justificariam a competência da Justiça Federal, apenas encontram campo de incidência nos casos em que bens, serviços ou interesses da União, de suas autarquias ou de empresas públicas estejam ameaçados. Sustenta, sob este fundamento, a competência da Justiça Estadual do Amazonas para o processamento e julgamento da causa.

Às fls. 602/603, o Ministério Público Federal, em alegações finais, requer a condenação de todos os acusados.

Às fls. 623, é noticiada nos autos decisão proferida pelo plenário do Supremo Tribunal Federal no habeas corpus nº 66.405-000, impetrado em favor de Augusto Barreira Pereira, determinando a competência da Justiça Estadual para processar e julgar o feito.

Remetidos os autos ao Juízo da 26ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, acompanhados de todas ações a ele conexas, não apenas para exame do pedido de extensão a outros co-réus da ordem concedida pelo STF a Augusto Pereira, como também para que observada a “possibilidade de unificação dos processos, através de uma só denúncia…” (fls. 633).

Às fls. 635, entretanto, o Ministério Público Estadual peticionou para “requerer a remessa dos autos à Justiça Federal, face a regra da nova Constituição Federal, em seu artigo 10000, VI, determinar que os crimes de natureza econômica e financeira ser da competência da mesma” (sic).

Às fls. 641/642 (verso), o Juízo do Estado acolheu o pedido de fls. 635. Esse despacho foi, contudo, reconsiderado (fls. 647), tendo em vista a incompatibilidade entre ele e decisão proferida pela 4º Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que, no julgamento dos recursos em sentido estrito nºs 53 e 138/88, interpostos pelos acusados, restabelecera sua prisão preventiva, determinando a livre distribuição dos autos (fls. 645) entre as diversas varas estaduais.

Extraiu dessa determinação o Juízo da 26ª Vara Criminal – RJ que o fato de haver seu juiz titular julgado aqueles habeas corpus, dos quais resultou concedida a ordem aos réus, “não se prestou a validar a distribuição dos processos ao Juízo”, de modo que os autos deveriam ser, efetivamente, redistribuídos. Dessa forma, a discussão acerca da competência do Juízo Estadual – ou do Federal – para o exame da matéria de que se cuida na espécie, em verdade, não lhe competiria, mas sim ao juízo a quem coubesse, “por correta distribuição, o recebimento dos autos” (fls. 648).

Redistribuídos ao Juízo da 34ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, o Ministério Público Estadual, conquanto adotasse entendimento no sentido de que da Justiça Federal seria a competência para processar e julgar o feito, optou, ainda que com ressalva do seu ponto de vista, por conformar-se com a orientação no sentido de que tivesse ele prosseguimento no próprio juízo local, como “medida de bom senso e de proteção do interesse da justiça e da sociedade”, re-ratificando, desse modo, em 07.12.88, a denúncia (fls. 651/653).

O Banco da Amazônia (fls. 662/663) requereu o envio dos autos à Justiça Federal. O Ministério Público Estadual, às fls. 665, concordou com a postulação, indo os autos ao Juízo da 34ª Vara Criminal-RJ, que a acolheu por decisão de fls. 667. Logo em seguida, com base na decisão do Supremo Tribunal Federal, noticiada às fls. 623, retratou-se, mantendo sua a competência para processar e julgar o feito (fls. 668/672).

Nas alegações finais de fls. 776/778, o Ministério Público Estadual, reiterando aquelas já oferecidas nos autos de ação conexa à presente, postulou a condenação dos acusados, atribuindo, contudo, nova classificação jurídica aos fatos narrados na denúncia, por considerá-los subsumidos à regra do art. 4º da Lei 740002/86 e não à de seu art. 8º.

Alegações finais de GUILHERME FELDHAUS (fls. 782/825), WILLIAN BLANCO (fls. 856/860), AUGUSTO BARREIRA PEREIRA e AUGUSTO BARREIRA PEREIRA JR (fls. 861/874) e JOÃO CARLOS BUSSE e FRANCISCO IANUZZI (fls. 875/877).

No julgamento do conflito positivo de competência suscitado por AUGUSTO BARREIRA PEREIRA, às fls. 00004/0000000, ao argumento de que estaria sendo ele julgado pelo mesmo crime perante os Juízos Estaduais do Rio de Janeiro e do Pára (5ª Vara Criminal de Belém), o Superior Tribunal de Justiça concluiu inexistir litispendência entre os dois processos, já que, no primeiro, os fatos imputados aos réus corresponderiam aos tipos legais previstos na Lei 7.40002/86, enquanto, no segundo, àquele descrito no art. 171 do Código Penal.

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o habeas corpus nº 6600014 (fls. 00012/00018), impetrado em uma das ações conexas à presente, reconheceu, finalmente, a competência da Justiça Federal para a apreciação da matéria.

O Ministério Público Estadual requereu a remessa de todas as ações relativas ao “caso BASA” à Justiça Federal (fls. 00020). O pedido foi acolhido às fls. 00022/00024. Os autos foram recebidos na Justiça Federal em data de 16.0000.0001 (fls. 00057, vº).

A sentença de fls. 1027/1052, com base na prescrição da pretensão punitiva pela pena in abstracto, reconheceu a extinção da punibilidade do réu WILLIAN BLANCO, e absolveu AUGUSTO BARREIRA PEREIRA JR., cuja participação não se teve por comprovada. Quanto aos outros réus, julgou procedente a pretensão estatal para condenar, com base no art. 4º da Lei 740002/86 c/c art. 71 do Código Penal, AUGUSTO BARREIRA PEREIRA a 000 anos e 4 meses de reclusão (regime fechado) e 280 dias-multa (no valor de 50 salários mínimos vigentes); JOÃO CARLOS BUSSE e FRANCISCO IANUZZI, a 6 anos e 8 meses de reclusão (regime semi-aberto) e 240 dias-multa (no valor de 25 salários mínimos) cada, GUILHERME FELDHAUS, a 5 anos e 6 meses de reclusão (regime semi-aberto) e 200 dias-multa (no valor de 5 salários mínimos), e ANTÔNIO NUNES DA SILVA, a 4 anos de reclusão (regime aberto) e 13 dias multa (no valor de 5 salários mínimos).

Os embargos de declaração opostos por AUGUSTO PEREIRA BARREIRA às fls. 1071/1080 foram rejeitados (fls. 1101/1102).

O Ministério Público Federal apelou da absolvição de Augusto Barreira Pereira Jr. (fls. 1104/1108).

Os réus Augusto Barreira Pereira, Antônio Nunes e Guilherme Feldhaus também interpuseram recurso de apelação (fls. 1118/1141, 1151/1156 e 110005/1214, respectivamente), reiterando as alegações de cerceamento de defesa:

a) não foram examinadas as diversas exceções de incompetência opostas, sendo que, nulos os atos praticados pelo Juízo Federal a quem foram apresentadas (à época incompetente), deveriam ser todas elas reapreciadas;

b) deveria ser declarada a nulidade do processo porque os interrogatórios a ele acostados são, em verdade, cópias de outros, prestados nos processo conexos ao presente;

c) não foram ouvidas todas as testemunhas arroladas, tampouco oferecida a oportunidade de manifestação a que se refere o art. 384 do CPP – após modificada a classificação jurídica do delito e acrescida de novos fatos a denúncia;

d) já responderiam em outros processos pelo mesmo crime de que são acusados no presente.

No mérito, insistem na negativa de autoria, sustentando, além disso, a imprescindibilidade da comprovação de dano, ou ao menos de efetiva ameaça ao Sistema Financeiro Nacional. De mais a mais, prosseguem, a novação das obrigações decorrentes dos empréstimos e a satisfação de parte delas viriam demonstrar a inexistência do prejuízo e, portanto, do crime.

Às fls. 1161/1175, o Ministério Público Federal, em contra-razões, após rechaçar os argumentos invocados pelos apelantes, suscita a nulidade da sentença, pelo fato de não se haver ela ajustado à “causae petendi objeto da presente ação penal, erro a que foi levada a magistrada em virtude do tumulto processual dos autos”, tendo em vista que, em verdade, “a imputação correta a ser dada aos fatos era efetivamente a do art. 1000 e não a do art. 4º ou 8º da Lei 740002/86”.

Às fls. 1217/1226, em contra-razões à apelação de Guilherme Feldhaus, o Ministério Público Federal pede, inobstante a nulidade da sentença, seja absolvido o apelante, por falta de comprovação de seu envolvimento na fraude.

As fls. 1272/1280, FRANCISCO BUSSE e JOÃO CARLOS IANUZZI apresentam, perante este Egrégio Tribunal Regional Federal, suas razões de apelação, apoiadas, em síntese, nos mesmos fundamentos já expostos pelos demais acusados.

Contra-razões do MPF pela manutenção da sentença quanto aos dois últimos acusados (fls. 1282/1287).

É o relatório.

PRELIMINARMENTE

1. As questões da competência e da validade dos atos praticados pelos juízos federal e estadual a quem foram remetidos, alternadamente, os presentes autos, não obstante hajam contribuído para a morosidade e a complexidade do processo, restaram esclarecidas.

A denúncia foi oferecida por Procurador da República e recebida pelo Juízo Federal da 13ª Vara. Tendo em vista a decisão do Supremo Tribunal Federal no habeas corpus nº 66355-000 (cf. fls. 626/630), os autos foram remetidos à Justiça Estadual.

O Promotor de Justiça requereu a remessa dos autos à Justiça Federal (fls. 635), pedido acolhido às fls. 641/642 e reconsiderado logo depois (fls. 647).

Depois, às fls. 662/663 e 665, o Banco da Amazônia e o Ministério Público Estadual voltaram a pedir o reconhecimento da incompetência da Justiça Comum. O pedido foi acolhido por decisão de fls. 667, da qual se retratou o juízo às fls. 668/672.

A competência da Justiça Federal foi reconhecida, finalmente, às fls. 00022/00024, após a decisão do Supremo Tribunal Federal no HC nº 6600014 (fls. 00012/00018).

As contra-razões de fls. 1161/1175, subscritas pela eminente Procuradora da República Drª LILIAN GUILHON DORE, sintetizam com bastante lucidez as implicações da indefinição registrada nestes autos pelas decisões que se sucederam, no sentido de reconhecer, ora à Justiça do Estado, ora à Federal, a competência para o processo e julgamento da causa. Confira-se:

“Com efeito, tendo o STF declarado a competência da Justiça Estadual para processar e julgar o feito, anulou, em 22.06.88, todos os atos praticados perante a Justiça Federal, inclusive o recebimento da denúncia.

Por outro lado, quando veio o parquet estadual a oferecer a ratificação de fls. 646/648, em 07.12.88, já não possuía atribuição para fazê-lo, eis que a Justiça Estadual era inconstitucionalmente incompetente para processar e julgar o feito, em face do disposto no art. 10000, VI, da nova Carta Política, como teve o cuidado de ressaltar em seus requerimentos e manifestações de fls. 630, 646, 656/657 e 666.

Assim sendo, restaram absolutamente nulos os atos realizados perante a Justiça Estadual, pelo que a decisão que recebeu a ratificação em 07.12.88 não interrompeu o prazo prescricional.

Desta forma, somente em 16.0000.0001, quando o magistrado federal recebeu a ratificação realizada pelo MPF (fls. 00052), regularizou-se o feito e interrompeu-se o prazo prescricional, pelo que improcede a preliminar argüida pelo apelante Antônio Nunes da Silva de que ocorreu a prescrição retroativa da pretensão punitiva estatal.

Sobre o alegado bis in idem que resultaria da afirmada repetição, nestes autos, da causa a que se refere o processo em curso no Juízo Estadual da 5ª Vara de Belém, sede do BASA, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Conflito Positivo de Competência de fls. 00004/0000000, decidiu que:

os fatos são claramente diversos e diversas as acusações que um e outro MP fazem ao suscitante: no Pará (…) a digna Procuradoria afirma a inexistência de recebimento de comissões, caracterizando a conduta do indiciado como estelionato praticado contra a própria empresa; já no Rio de Janeiro, a acusação é exatamente a de recebimento de comissões e gestão fraudulenta.” (destaquei)

Todas as exceções de incompetência suscitadas pelos réus foram, portanto, resolvidas segundo entendimento manifestado pelos tribunais superiores, motivo pelo qual deve ser rejeitada a preliminar.

2. Não deve ser acolhida a alegação de que o apelante AUGUSTO PEREIRA não foi interrogado, limitando-se o Ministério Público a acostar aos autos cópias dos interrogatórios já levados a efeito nos processos conexos ao presente. Como esclarecido às fls. 1165, o interrogatório de fls. 282/28000 destinava-se a instruir não só o “processo-mãe” nº 7054, como também todos os outros 14 processos surgidos de seu fracionamento.

3. Quanto à falta de oitiva de algumas das testemunhas arroladas por Augusto Barreira Pereira, os documentos de fls. 453, 465, 512 e 553, indicam que as intimações foram expedidas, havendo sido noticiado às fls. 1167 que os referidos depoimentos estão acostados aos autos do processo 87.0003223 (antigo “processo mãe” nº 7054), faltando apenas nestes autos a juntada de suas cópias.

4. Tampouco se teve verificado o cerceamento de defesa na circunstância de haver sido emendada a denúncia (fls. 776/778), sem que concedido, naquela oportunidade, novo prazo para a defesa. É que o Ministério Público Estadual, quando do aditamento, deixou de acrescentar qualquer fato novo à denúncia, limitando-se a adequar aqueles já nela expostos a diverso tipo penal (art. 383 do Código de Processo Penal, emendatio libelli). Não é o caso de se observar, portanto, a regra do art. 384, do CPP, que se refere a hipóteses em que a denúncia é acrescida de novos elementos.

MÉRITO

O relatório de fls. 206/227, que buscou fundamento na farta documentação resultante da auditoria a que se procedeu no Banco Amazônia S/A (fls. 03/42-apenso I), mediante, inclusive, levantamento contábil das operações irregulares, assim como nos depoimentos prestados pelos réus e testemunhas de acusação, resume bem os elementos que ficam a comprovar o notório e evidente envolvimento de todos os acusados na fraude de que nestes autos se cogita.

O esquema consistia, basicamente, numa rede de informações que se iniciava pela indicação, por FRANCISCO IANUZZI e JOÃO CARLOS BUSSE, administradores da agência Madureira, no Rio de Janeiro, de empresas interessadas em obter financiamento, em contatos estabelecidos, de um lado, com AUGUSTO BARREIRA PEREIRA (Diretor Geral de Créditos do BASA em Belém) e seu assessor, ANTÔNIO NUNES DA SILVA, e, de outro, com WILLIAM BLANCO, ex-funcionário do BASA (agência do Rio de Janeiro).

WILLIAM era representante, no Rio de Janeiro, de GUILHERME FELDHAUS, com quem mantinha contatos em Belém e a ele incumbia telefonar para AUGUSTO BARREIRA PEREIRA JÚNIOR, seu sócio de fato e filho do Diretor Geral de Créditos do BASA. Recebendo o diretor as informações de seu assessor ANTÔNIO, reiteradas por seu filho, concluía a cadeia delituosa deferindo os empréstimos, digamos, agenciados (cf. fluxograma de fls. 210).

É o que se depreende de depoimentos como aquele prestado pelo auditor do Banco, Antônio Adolfo Albuquerque, segundo o qual:

“Guilherme Feldhaus era o intermediário em Belém, William era o preposto de Feldhaus no Rio de Janeiro, Augusto Júnior era o intermediário do grupo em Belém com seu pai Augusto Barreira; era ele ainda quem recebia o dinheiro; ele recebia um cheque nominal a Guilherme Feldhaus, este entregava o cheque em Belém para o Augustínho Barreira, e através de seis cheques ocorria o repasse para os demais; Francisco Iannuzzi e João Carlos Busse, administradores da Ag. Madureira do BASA, recebiam os seis cheques; após o recebimento dos cheques, era deferido o valor do empréstimo…” (fls. 40000)

Restou clara, além disso, a participação de AUGUSTO BARREIRA PEREIRA JÚNIOR, “Augustinho”, absolvido pela sentença recorrida, e de GUILHERME FELDHAUS, cuja absolvição foi postulada nas contra-razões de fls. 1217/1226, não obstante a intempestividade de seu apelo.

Concluiu-se que “Guilherme Feldhaus depositava parte da comissão na conta de Júnior, que repassava o valor para a conta de seu pai” (fls. 403) e que “existe o registro de depósitos na conta de Júnior no valor de Cz$ 28.000.000,00.”, mantendo ele forte ligação com Feldhaus (fls. 406). “Das vinte e quatro operações fraudulentas do BASA, em todas Guilherme Feldhaus levou comissão em percentual” (fls. 30007).

De, resto, o rastreamento dos cheques emitidos nas operações ilegais (fls. 150/174), acostados às fls. 204/206, deixa claro o recebimento das comissões por FELDHAUS dias depois da liberação do empréstimo e o repasse das importâncias a AUGUSTO BARREIRA PEREIRA, que chegou a perceber, ao todo, mais de Cz$ 1000.000.000,00, pretendendo, de certo, encobrir os fatos quando lograsse assumir o cargo de presidente do BASA.

O suposto erro de tipo, em que GUILHERME FELDHAUS sustenta a ausência de tipicidade na sua conduta, por ignorar que ela se adequava à definição de “gerir fraudulentamente” a instituição, mesmo que se admita haja ocorrido, configuraria, em verdade, erro de proibição inescusável.

O acusado recebia comissões da empresa para, em seguida, repassar parte delas aos dirigentes do BASA, alegando desconhecer, contudo, a subsunção dessa conduta – a seu aviso, simples lobby – a um tipo legal.

Considerando-se pouco crível, diante do esquema do qual fazia parte, a versão segundo a qual desconhecia a ilegalidade do ato, o caso seria de erro de punibilidade, inescusável, em que “o agente sabe que faz algo proibido, ou devia e podia sabê-lo, mas supõe inexistir pena criminal para a conduta que realiza, desconhece a punibilidade do fato. Quando muito, havendo, realmente, ignorado a irregularidade de sua conduta, seria de vigência o erro, já que nele “o agente desconhece a existência de um preceito legal – ignorantia legis – ou ainda não pôde conhecer uma lei recentemente editada”, ainda assim inescusável. [1]1

Desnecessária comprovação de dano, sem a qual, segundo os acusados, inexistiria conduta criminosa. O art. 4º, da Lei 740002/86 tem por objeto a “a transparência, a lisura, a honradez e a licitude na gestão das instituições financeiras, requisitos indispensáveis à credibilidade e à existência destas e do sistema que conformam”[2]2, suficiente para sua consumação a só prática da conduta nele descrita, prescindindo-se, desse modo, de qualquer dano patrimonial comprovado ou de condição objetiva de punibilidade, como a falência da instituição.

De toda sorte, várias foram as informações no sentido de que a agência em que perpetrada a fraude esteve na iminência de interromper suas atividades, chegando o prejuízo, segundo informações do próprio banco, ao valor de U$ 52.000.000,00.

Pouco importaram, além disso, para a pretendida descaracterização do crime a novação da dívida e a quitação lograda por algumas das empresas envolvidas. Quando muito, configurariam arrependimento posterior, não fosse o fato de haverem ocorrido não por vontade dos acusados, mas sim por iniciativa do banco, em acordos celebrados nas execuções judiciais movidas contra aquelas empresas (fls. 878/80001).

Finalmente, é registrar que o único dos acusados beneficiado pela prescrição da pretensão punitiva, porque, contando mais de setenta anos à época em que proferida a sentença, teve reduzido o prazo prescricional aplicável à espécie, foi WILLIAM BLANCO DE ABRUNHOSA TRINDADE.

ANTÔNIO NUNES DA SILVA equivocou-se ao tomar por termo a quo para a contagem do prazo prescricional o dia 07.12.88. Era, então, incompetente para o exame da matéria o Juízo da 34ª Vara Criminal do Rio de Janeiro (fls. 651/653). A data a ser levada em conta deve ser a de 16.0000.0001, quando, às fls. 00057/vº, o Juízo da 13ª Vara Federal-RJ, ele sim competente para processar e julgar o feito, recebeu a ratificação da denúncia, realizada pelo Ministério Público Federal às fls. 00041/vº.

DA CORRETA CLASSIFICAÇÃO DOS FATOS E DO APARENTE BIS IN IDEM

Não obstante, como se viu, a suficiência dos elementos trazidos aos autos para que se tenham comprovadas a materialidade e a autoria dos crimes, precisa foi a argumentação do Ministério Público Federal, nas contra-razões de fls. 1161/1172, sobre as conseqüências da incorreta classificação dos fatos narrados na presente denúncia, inicialmente como o delito previsto no art. 8º da Lei 740002/86 e, em seguida, como aquele de que cuida seu art. 4º, quando a conduta descrita se adequava, em verdade, à do art. 1000 daquela lei.

Os processos que seguiram conexos ao presente, todos versando sobre o “caso BASA”, imputavam aos ora acusados e a outros personagens também envolvidos na fraude ora a prática do crime previsto no art. 4º da Lei 740002/86 (gestão fraudulenta), a exemplo da primeira denúncia, acostada às fls. 728/740 ( proc. nº 7054/ 8732323-000), ora a daquele descrito em seu art. 8º (exigência de comissão), caso das denúncias de fls. 741/755 e 753/755 (processos. nº 750008/ 88640000-4 e 7610/ 88000638000-6, respectivamente).

A denúncia da qual se originou o presente feito (proc. nº 760000/ 88.6388-8, acostada às fls. 756/758), conquanto pretendesse atribuir aos réus a conduta de “obter mediante fraude financiamento em instituição financeira” (art. 1000 da Lei 740002/86), classificou os fatos nela narrados como correspondentes ao delito previsto no art. 8º da referida lei, mesmo tipo legal a que havia considerado subsumidas as condutas objeto de algumas das denúncias anteriores. Daí o possível bis in idem, em verdade inexistente, não apenas porque os fatos imputados aos acusados eram distintos, mas também porque os processos seguiriam juntos, de modo que uma só sentença abrangeria todos eles, evitando repetidas condenações.

Da posterior separação dos processos, entretanto, resultou que a sentença de fls. 1027/1052, acatando a emendatio libelli proposta pelo Ministério Público Estadual, acabou por considerar que “efetivamente o delito de gestão fraudulenta é o que melhor se adequa à conduta dos acusados”, sem que se desse conta sua prolatora de que já se cuidava em outro processo daquele mesmo crime (art. 4º da Lei 740002/86) e de que no presente, outra era a conduta examinada: a de “obter mediante fraude financiamento em instituição financeira”.

Não logrou êxito, portanto, embora fosse essa sua intenção, em corrigir o equívoco anteriormente cometido, evitando o alegado bis in idem, já que nele, do mesmo modo, incorrera.

Sequer procederia, dessa forma, o argumento segundo o qual, por haver a defesa se apoiado nos fatos narrados e não em sua tipificação legal, inexistiria qualquer prejuízo aos réus. É que a própria conduta apreciada pela decisão recorrida deixou de corresponder àquela que se lhes pretendeu, originalmente, imputar: não a do art. 8º, ou a do art. 4º, da Lei 740002/86, mas sim a de seu art. 1000.

Outra solução não resta, portanto, senão aquela recomendada pelo Ministério Público Federal, às fls. 1161/1172, qual seja, a declaração da nulidade da sentença, por não corresponder ao verdadeiro objeto da presente ação penal:

“Pela leitura das cópias das exordiais dos processos 87.3223-000, 88.640000-4, 88.638000, que encontram-se acostadas às fls. 723/750, e a do presente feito, verifica-se, inicialmente, que as ações eram diversas. Enquanto o primeiro processo buscava a condenação dos acusados pelas infrações dos art. 4º e 8º da Lei 7.40002/86 e do art. 288 do Código Penal, as demais, inclusive a presente, embora não estivessem corretamente capituladas, visavam a condenação dos acusados por fraudes cometidas para a obtenção de empréstimos bancários, delito previsto no art. 1000 da Lei 7.40002/86, do qual teriam os ora apelantes participado, na forma do art. 2000 do Código Penal.

Entretanto, devido à incorreta classificação da inicial, e pela não observância deste fato pelo MPF, as ações propostas têm sido reiteradamente julgadas extintas pelo reconhecimento da prescrição, em relação ao art. 8º da Lei 7.40002/86.

Outrossim, após a diversa definição jurídica dada aos fatos pelo órgão ministerial estadual, às fls. 771/773, não para o art. 1000, mas para o art. 4º da chamada “lei do colarinho branco”, verificou-se um aparente bis in idem, eis que esta ação penal passou a ter o mesmo pedido condenatório da ação penal 87.3223-000.

É certo que os processos 7054, 750008, 760000 e 7610 encontravam-se reunidos e seguiam juntos visando a uma única sentença, pelo que a duplicidade de pedidos sequer iria se configurar.

No entanto, devido `a designação de audiência em algum dos feitos para o dia 1000.06.0008 (fls. 00088), o MPF, em função da complexidade da matéria, requereu vista dos autos e acabou manifestando-se pelo prosseguimento dos feitos em separado, o que causou o desmembramento dos processos supra referidos, e conseqüentemente, o aparente bis in idem.

É verdade que este órgão somente percebeu o fato quando veio a analisar os autos por ocasião da abertura de vista para oferecimento das suas razões de apelação de fls. 110000/1112, mas àquela altura já encontrava-se tolhido em recorrer quanto à perfeita adequação da conduta delituosa dos demais acusados, em virtude da apelação parcial de fls. 1063, eis que a imputação correta a ser dada aos fatos era efetivamente a do art. 1000 e naõ a do art. 4º ou 8º da Lei 7.40002/86.

Por derradeiro, o tipo previsto no art. 4º da Lei 7.40002/86 não exige nenhuma condição objetiva de punibilidade, bastando o perigo concreto de dano para a sua configuração. (…)

Porém, apenas a conduta de obter financiamento bancário fraudulento é objeto do presente feito, visto que a gestão fraudulenta e a exigência de comissão são apuradas na ação penal 87.3223-000.

Isto posto, não se ajustando a sentença recorrida à causae petendi objeto da presente ação penal, erro a que foi levada em virtude do tumulto processual dos autos, impõe-se a nulidade da sentença “a quo”, tendo em vista a infringência ao princípio da correspondência entre o objeto da ação e o objeto da sentença.”

É o parecer.

Rio de Janeiro, 12 de dezembro de 2000.

JOSÉ HOMERO DE ANDRADE

Procurador Regional da República

Acrim63 – fern e isdaf

  1. 1 Princípios Básicos de Direito Penal. Francisco de Assis Toledo. Ed. Saraiva. Pg. 271

  2. 2 Dos Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional. Rodolfo Tigre Maia. 1ª Ed. Malheiros Ed. Pg: 56

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