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[MODELO] Apelação Criminal – Estelionato – Rejeição da denúncia – Recurso em sentido estrito

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO – 3ª TURMA

APELAÇÃO CRIMINAL nº 2000.02.01.028777-000

APELANTE: JUSTIÇA PÚBLICA

APELADO: LUIZ MAURICIO DA COSTA MEMORIA

JOSE ROMULO LATADO

RELATOR: DES. FEDERAL FRANCISCO PIZZOLANTE

Egrégia Turma

O Ministério Público ofereceu denúncia contra LUIZ MAURICIO DA COSTA MEMORIA e JOSE ROMULO LATADO como incursos nas sanções do crime de estelionato (art. 171, §3º, CP), nos seguintes termos (cf. fls. 02 e 02-A):

“01. Os denunciados na qualidade de dirigentes da empresa GOLDINVEST – INDUSTRIA E COMERCIO DE OURO S/A, ocupando, respectivamente, os cargos de diretor-presidente e de diretor administrativo-financeiro (fls. 88), tentaram, em nome da sociedade, induzir em erro o antigo Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (IAPAS), no período de novembro/87 a agosto/88, simulando o recolhimento das contribuições previdenciárias devidas mensalmente pelas filiais daquela empresa localizadas não só nesta cidade como ainda nas cidades de Recife, Belo Horizonte, Campinas, Curitiba, Goiânia, São Paulo, Porto Alegre e Salvador (conf. fls. 121/5).

02. Assim, a pretexto de quitarem os valores consignados nos documentos de arrecadação de receitas previdenciárias (DARP) insertos às fls. 168/227, subscreveram cheques ao portador que eram sacados diretamente na agência bancária por terceiros não-identificados (conf. fls. 246), os quais providenciavam a inserção de autenticações bancárias falsas nos respectivos DARP’s.

03. Uma das vias dos DARP’s ideologicamente falsos ficava arquivada na empresa para comprovação do recolhimento das contribuições perante a fiscalização do IAPAS.

04. O segundo denunciado providenciava, inclusive, a contabilização dos valores que deveriam ter sido recolhidos ao IAPAS (conf. fls. 248/50).

05. Encontram-se, pois, incursos nas penas dos artigos 171. §3º do Código Penal em continuidade delitiva.”

Às fls. 253/255, a denúncia foi rejeitada, “entendendo que a inicial de fls. 2/2-A não atende satisfatoriamente aos requisitos apontados no CPP, art. 41”.

O Ministério Público interpôs, às fls. 258/266, recurso em sentido estrito da decisão que deixou de receber a denúncia.

O parecer do Ministério Público como custos legis foi no sentido do provimento do recurso:

“Exige-se, para o recebimento da denúncia, que o fato narrado constitua crime e que haja indícios suficientes da autoria. Está documentalmente comprovado que houve simulação do recolhimento das contribuições previdenciárias devidas pela empresa GOLDINVEST – INDUSTRIA E COMÉRCIO DE OURO S/A, no período de novembro de 100087 a agosto de 100088, constando dos autos cópias dos documentos de arrecadação previdenciária, cujos originais não forma apreendidos em razão da recusa da empresa em apresentá-los (fls. 121) e cópia da correspondência dirigda ao IAPAS pelo Banco Bradesco S.A. informando que as autenticações deles constantes não eram verdadeiras. Há também prova de que os cheques emitidos para pagamento das contribuições contra a Agência Cinelândia do mesmo Banco, pela GOLDINVEST – INDUSTRIA E COMÉRCIO DE OURO S/A (fls. 0008) foram, na verdade, sacados no caixa (fls. 246).

O recurso foi provido pelo Tribunal (fls. 20006), em decisão de 30.11.10000004.

Às fls. 314, ofício da Delegacia de Prevenção e Repressão a Crimes Previdenciários, encaminhando um apenso com 44 DARP’s originais da empresa GOLDINVEST – INDUSTRIA E COMÉRCIO DE OURO S/A.

Às fls. 354/357, interrogatório dos réus.

Às fls. 381/384, termo de depoimento da testemunha PAULO CESAR DA SILVA CORREA.

Às fls. 428/432, o Ministério Público, em alegações finais, requer a condenação dos acusados, uma vez que:

a) A materialidade do delito resta corporificada nos 44 DARP’s em anexo, cuja falsidade decorre da inexistência de autenticações mecânicas similares nas instituições bancárias onde deveriam ter sido realizados os respectivos pagamentos (fls. 235)

b) Esses DARP’s falsos foram inseridos no sistema de informática da DATAPREV, constando como se efetivamente os valores correspondentes tivessem entrado na conta corrente da Autarquia Federal.

c) A falta do recolhimento das contribuições foi admitida pela própria empresa que confessou os débitos e solicitou ao IAPAS parcelamento da quantia devida.

d) JOSÉ LATADO era, na época dos fatos, diretor administrativo-financeiro da empresa GOLDINVEST, responsável pela autorização de pagamentos em nome da firma. Paulo César da Silva Correa (que assumiu em setembro de 100088 a gerência de contadoria da empresa GOLDINVEST), nas duas vezes em que depôs, acrescentou que, nesse período, a empresa estava sem contador, sendo a gerência de pagamentos exercida por JOSÉ.

e) A cumulação da atribuição de autorizar pagamentos com a gerência da parte contábil da empresa evidencia a responsabilidade de JOSÉ LATADO. Esclareça-se, além disso, que também a contabilidade das filiais da empresa em outros Estados (incluindo o controle dos DARP’s relativos aos pagamentos de contribuição ao IAPAS) era centralizada na diretoria administrativo-financeira exercida pelo réu.

f) “Os cheques para pagamento de todos os encargos da empresa no período de 100087-100088 eram assinados pelo segundo denunciado. Outrossim, é esclarecedor o fato de que os pagamentos referentes aos DARP’s falsos não terem sido contabilizados, em sua integralidade, pela empresa, significando tal procedimento que a tesouraria da firma não encaminhou qualquer autorização para pagamento (fls. 24000)”.

g) A LUIZ MEMÓRIA, diretor presidente da empresa, também competia autorizar pagamentos, tendo ele endossado a conduta praticada pela diretoria financeira da firma. Como uma das vias dos DARP’s falsos necessariamente deveria ficar arquivada na própria empresa, não há como supor que o réu ignorava os procedimentos ilícitos desenvolvidos.

Às fls. 438, a defesa, em alegações finais, requer, preliminarmente, o reconhecimento antecipado da prescrição retroativa, com base na pena ideal. No mérito, argumenta que

“Na própria denúncia, o MPF às fls. 02 relata que os acusados tentaram em nome da sociedade induzir em erro o antigo IAPAS. Tentaram, portanto não consumaram o suposto delito do art. 171 do CPB. Terceiros não identificados sacavam diretamente na agência bancária cheques supostamente subscritos pelos acusados e estes terceiros não identificados providenciavam a inserção de autenticações bancárias falsas nos DARP’s.

Não restou também comprovado na instrução criminal a individualidade dos delitos, ou seja, não restou caracterizado no processo a especificação dos fatos delituosos à cada acusado. O próprio MPF às fls. 430 em suas Alegações Finais comenta esse fato:

“11. É certo que o longo lapso temporal transcorrido desde a data dos fatos em testilha até o presente momento dificulta o acertamento da responsabilidade individual pela ultimação da empreitada criminosa. Contudo, no entendimento do Parquet, há elementos de cognição nos autos que permitem caracterizar a responsabilidade dos denunciados pela prática do crime descrito na peça acusatória” ”

A sentença de fls. 447/44000 ABSOLVEU os réus, por entender o magistrado a quo que “não foram reunidas provas cristalinas que permitam concluir, com certeza, quanto à participação dolosa dos acusados na empreitada criminosa. Ademais, o depoimento das testemunhas de acusação não são esclarecedores, não chegando a apontar evidências de que foram os réus os autores dos ilícitos mencionados na inicial.”

Às fls. 452/460, o Ministério Público interpôs recurso de apelação da sentença absolutória.

Às fls. 482/485, contra-razões, pedindo a manutenção da decisão apelada.

É o relatório.

A fraude de que nestes autos se cogita consistia na falsificação de Documentos de Arrecadação de Receitas Previdenciárias (DARP’s), mediante autenticação mecânica que não correspondia ao padrão da agência bancária autorizada.

A conduta do agente, já se vê, não se bastou na falsificação, indo além desse ato, já que os valores tidos como pagos foram inseridos posteriormente no sistema de computação de dados da DATAPREV.

O efeito dessa manobra, como é fácil concluir, consistia em fazer com que a Previdência Social considerasse que a empresa GOLDINVEST havia efetuado regularmente os recolhimentos relativos à contribuição previdenciária a que estava obrigada.

Obteve o agente, desse modo, vantagem ilícita em prejuízo do extinto IAPAS (atualmente INSS), que sofreu lesão em seu patrimônio. Tem-se, isso, afastada a incidência do verbete nº 107 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. Tratando-se de crime de estelionato praticado em detrimento de entidade de direito público, incide, o art. 171, § 3º do Código Penal, que – segundo pacífica jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, é da competência da Justiça Federal.

PENAL. COMPETÊNCIA. ESTELIONATO. FALSIFICAÇÃO DE DARP’S E INTRODUÇÃO DE DADOS FALSOS NO SISTEMA DE COMPUTAÇÃO DA DATAPREV. PREJUÍZO À AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA.

1. Ocorrendo lesão direta a bens, serviços ou interesses da Previdência Social, compete à Justiça Federal processar e julgar crime de estelionato, praticado mediante falsificação de Documentos de Arrecadação das Receitas Previdenciárias – DARP e na posterior introdução de dados no sistema de computação da DATAPREV.

2. Conflito conhecido. Competência do Juízo Federal, o suscitado”.

(STJ – 3ª Seção – CC nº 0006.0016735/RJ – Rel. Min. Vicente Leal – DJ de 01.0000.0007, p. 40.727).

A materialidade da infração penal, por sua vez, restou devidamente comprovada, na medida em que, apesar de a empresa não ter fornecido os DARP’s que deveriam estar registrados em seu poder, foi possível conhecê-los por meio das cópias autenticadas extraídas dos registros de microfilmagem da DATAPREV (fls. 168/228). O ofício do Bradesco (fls. 235) nega a autenticidade da autenticação mecânica constante dos DARP’s.

Também restou incontroverso que aos réus, JOSÉ LATADO e LUIZ MEMÓRIA, respectivamente, diretor administrativo-financeiro e diretor-presidente da GOLDINVEST, cabia assinar os cheques para pagamento das contribuições previdenciárias. Em suas alegações de defesa, negaram apenas ter ciência de que esses cheques não estivessem sendo utilizados para o pagamento de DARP’s, ou seja, sustentam desconhecer que a empresa estivesse falsificando as guias de recolhimento.

Creio, entretanto, que há nos autos elementos de convicção suficientes para ensejar a reforma da sentença recorrida e autorizar seja proferido decreto condenatório.

É inévitável a conclusão de que as provas constantes dos autos estão a atribuir a autoria do delito a ambos os réus, como bem sintetizou a Procuradora da República ANDRÉA BAYÃO em suas razões de apelação:

“Paulo César da Silva Corrêa, gerente da Contadoria da empresa Goldinvest – Indústria e Comércio de Ouro S/A, desde setembro ou outubro de 100088, prestou depoimento na Polícia, às fls. 248a 250, e em Juízo às fls. 381 a 384. São justamente dos seus depoimentos que se extraem os principais elementos de convicção para a conclusão de que os denunciados agiram com dolo. Paulo afirma que a diretoria-administrativa-financeria era exercida à época dos fatos pelo denunciado José Rômulo, o qual acumulou as funções relativas à parte contábil, em razão da empresa estar sem contador. Os trâmites da empresa para o recolhimento das contribuições previdenciárias são descritos por Paulo. Em síntese, narra que os DARP’s da matriz e das filiais eram elaborados na diretoria administrativa financeira, que procedia o cálculo dos valores a serem recolhidos. Após os cálculos a tesouraria encarregava-se de preparar o cheque destinado ao pagamento de todos os DARP´s, que eram assinados pelo diretor José Romulo Latado e mais uma pessoa. A tesouraria também elabora documento denominado autorização para pagamento no qual ficavam registrados dados sobre o cheque utilizado para determinado pagamento. Pelo interrogatório de Latado, sabe-se que depois os cheques eram encaminhados a um mensageiro que efetuava os pagamentos e, pelo interrogatório de Maurício, sabe-se que os cheques eram ordinariamente nominais, essa informação é confirmada por Paulo, em seu depoimento, fls 383.

Voltando ao depoimento de Paulo César da Silva Corrêa é importante também ressaltar que os lançamentos efetuados no Livro Diário da empresa são feitos com base nas autorizações para pagamento encaminhas pela Tesouraria e as segundas vias dos DARP`s da matriz e das filiais costumavam ficar arquivadas no Departamento de Pessoal da Empresa. Confirmou que estava presente por ocasião da diligência realizada pelo delegado e pelos fiscais do IAPAS junto à empresa que redundou na apreensão das Autorizações Para pagamento de fls. 000000 a 104, as quais foram assinadas pelo Diretor José Romulo Latado. Esclareceu que as autorizações mencionadas estavam devidamente contabilizadas na página 130 do Livro Diário da empresa, cuja cópia se encontra à fl 0007. No entanto na referida diligência não foi possível encontrar nos Livros Diários da empresa os demais lançamentos referentes ao pagamento de DARP’S falsificados. Tal situação significa que a Tesouraria não encaminhou qualquer Autorização Para Pagamento relativa aos referidos DARP’s, acreditando que sequer foram emitidas, tampouco foram localizadas as segundas vias dos DARP’s falsos, sendo certo que nunca viu os mesmos.

As informações acima demonstram que o denunciado Latado tinha pleno controle do pagamento dos DARP’s, de modo que dificilmente fugiria do seu controle qualquer iniciativa de fraude por parte dos seus funcionários. Existiam vários mecanismos de controle, sendo que o maior deles certamente era a emissão de cheques nominais, o que impediria o desvio do dinheiro referente ao pagamento do DARP. O fato da empresa deixar de fornecer os elementos de controle dessa atividade é bastante sintomático. É evidente que se Latado não estivesse por trás do crime em comento, teria percebido e comunicado a fraude, pois ausentes os elementos de controle do pagamento dos DARP’s, não havia como ele deixar de detectar a fraude.

A fraude só poderia ter sido praticada à revelia da empresa, se os cheques não fossem nominais, o que se sabe não era a regra, como se pode esperar de qualquer empresa que pretenda ter um mínimo de controle dos seus gastos. As poucas Autorizações Para Pagamento que foram fornecidas à fiscalização pela empresa e que são referentes ao pagamento de NFLD por meio de DARP’s falsos estão assinadas pelos denunciados e não constam registro de entrega a qualquer pessoa para efetuar o pagamento. Além do mais, os cheques eram ao Portador e foram sacados no caixa, conforme informação de fl.246.

Enfim, tudo que foi trazido para esses autos indica que a empresa não estava nem um pouco interessada em apurar quem eram os responsáveis pela falsificação dos DARP´s em foco. Nesse sentido, não forneceu as Autorizações Para Pagamento, os DARP´s, os Livros Contábeis da empresa, não forneceu lista dos nomes dos seus funcionários que poderiam estar envolvidos na fraude, e por fim, providenciou rapidamente o parcelamento da dívida. Esse quadro só demonstra que a fraude foi praticada no interesse da empresa, portanto com a aprovação dos responsáveis legais pela sua direção, únicas pessoas que se aproveitariam da fraude e que poderiam prescindir dos mecanismos de segurança da empresa contra o desvio dos numerários destinados ao pagamento dos DARP´s.

Importante enfatizar que se, a princípio, parece que o denunciado Luiz Maurício tinha um controle menos efetivo sobre o pagamento das contribuições previdenciárias, tal impressão se desfaz com sua atitude passiva em harmonia com o denunciado José Rômulo Latado, não fornecendo a documentação ou o nome dos responsáveis pelo processo de emissão dos cheques e DARP´s, e demonstrando ciência de que os cheques deveriam se nominais.

Enfim, há elementos suficientes nos autos que autorizam deduzir que os denunciados agiram com dolo quando fraudaram o INSS com a utilização de guias de recolhimento falsas, obtidas com quadrilhas que se dedicavam a esse tipo de empreendimento criminoso, com o intuito de beneficiar a empresa que geriam.”

Do exposto, o parecer é no sentido do provimento do recurso.

Rio de Janeiro, 17 de julho de 2000.

JOSÉ HOMERO DE ANDRADE

Procurador Regional da República

Acrim55.doc – isdaf

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