UNIÃO FEDERAL
APELADO:
RELATOR: DES. FEDERAL SILVERIO CABRAL
Egrégia Turma
propôs ação em face da UNIÃO FEDERAL, objetivando ver reconhecido o direito à percepção de pensão deixada pelo oficial do Exército, com quem viveu em união estável (cf. procedimento de justificação nº 89.10338-5 às fls. 38).
Seu pedido de habilitação junto à Seção de Inativos e Pensionistas foi indeferido sob o argumento de “falta de amparo legal, vez que não preenchidos os requisitos estabelecidos no art. 78 da Lei 5778/71” (fls. 07), em especial a “verificação de impedimento legal para o casamento”.
Citada, a União ofereceu a contestação (fls.81/85), a alegar que o art. 78 da Lei nº 5.778/71 só permite o pagamento do benefício àquele que viva sob a dependência econômica do militar quando preenchidas cumulativamente as seguintes condições:
A resposta da ré ratifica, portanto, o entendimento da Seção de Inativos e Pensionistas:
“(…) tendo o referido militar falecido sem nenhum impedimento para o casamento, é evidente que a pensão por ele deixada não podia ser concedida à Autora, que não preenchia os requisitos legais na data do óbito (16.09.88)”.
Às fls. 58/55, SERGIO PIO GONÇALVES, filho do militar falecido, afirmandamente incapaz (fls. 60) representado por sua mãe WANDA PIO PEREIRA, requer sua inclusão no pólo passivo da relação processual alegando que o art. 77 da Lei nº 5.778/71 confere aos filhos inválidos preferência no recebimento do benefício.
Afirma ser filho do oficial falecido, o qual teria coabitado com sua mãe por mais de 20 anos, e acrescenta que a autora, LUZIA MOSQUINI, propositalmente omitiu a existência de um incapaz pensionista do de cujus – ele mesmo – , na tentativa de induzir o Juízo em erro – disso resultando a não intimação do Ministério Público e a conseqüente nulidade do feito.
A sentença de fls. 99/107 julgou procedente em parte o pedido, para reduzir a 50% a pensão paga ao filho inválido, concedendo os outros 50% à autora. Fundamenta-se a decisão em três argumentos:
Na apelação de fls. 113/118, SERGIO PIO GONÇALVES alega a nulidade da justificação que embasa a presente ação (porque nela não se fez menção à existência de outro beneficiário) e a má-fe de LUZIA MOSQUINI, na medida em que também a petição inicial deste processo omite seu nome. Requer que o processo da 21ª Vara Federal em que WANDA PIO PEREIRA postula pensão do companheiro GILSON RUFINO GONÇALVES seja, em virtude da conexão, distribuído para a 20ª Vara. Existe inclusive, às fls. 186/187, cópia da sentença da justificação nº 92.0053859-2, reconhecendo a união estável, por vinte anos, entre um e outro.
Às fls. 175, o advogado UBIRAJARA RIBEIRO DE SOUZA renuncia ao mandato que lhe fora outorgado, sendo substituído por MARLENE MARCHITTO DE PAULA (procuração de fls. 182).
A UNIÃO FEDERAL interpôs recurso de fls. 183/186, sustentando a nulidade do feito tendo em vista a circunstância de não se haver mencionado, nem na justificação nem na petição inicial, a existência de filho inválido do de cujus. O fato de não ter tido oportunidade de se manifestar sobre as alegações de SÉRGIO PIO GONÇALVES poderá vir a resultar em absurda condenação a duplo pagamento. Aponta a fragilidade dos elementos oferecidos como prova da existência de união estável e requer, caso deferida a pensão, que a sentença só produza efeitos a partir do seu trânsito em julgado, para que a União não tenha de cobrar a parcela que vem sendo paga ao atual beneficiário.
Em contra-razões (fls. 191/198), a apelada requer a manutenção da sentença apelada. Defende a lisura do procedimento de justificação, já que as testemunhas ouvidas eram todas amigas próximas do falecido e esclarece que a existência de filho do de cujus com a apelante era, àquela época, desconhecida. Conhecia apenas a Sra. WANDA PIO FERREIRA “através de inúmeros escândalos promovidos pela mesma, na época, na porta da residência da Apelada com o companheiro …, o que deixava o militar bastante amargurado e envergonhado, quando sempre lamentava aos amigos, tendo um dia envolvido-se com tal pessoa (sic)”. Por fim, lembra que o militar designou-a expressamente, LUZIA MOSQUINI, sua dependente para a finalidade de perceber o benefício (fls. 21).
É o relatório.
1.1 Em princípio, o deslinde da questão passa pela análise dos arts. 77 e 78 da Lei 5778/71:
“Art. 77 – a pensão militar defere-se nas prioridades e condições estabelecidas a seguir e de acordo com as demais disposições da Lei de Pensões Militares
“Art. 78 – O militar viúvo, desquitado ou solteiro poderá destinar a pensão militar, se não tiver filhos capazes de receber o benefício, à pessoa que viva sob sua dependência econômica no mínimo há 5 (cinco) anos e desde que haja subsistido impedimento legal para o casamento.
§1º – Se o militar tiver filhos, somente poderá destinar à referida beneficiária metade da pensão militar.”
1.2 A conclusão é de que SÉRGIO PIO FERREIRA, na condição de filho inválido, teria direito à percepção da pensão (Art. 77, b). Quanto às companheiras, os requisitos para que venham a receber metade da pensão (com consequente redução da pensão de Sérgio) são:
1.3 O primeiro requisito é atendido por ambas as pretendentes, como provam as Justificações.
1..3.A Note-se que o fato de LUZIA MOSQUINI não ter mencionado a existência de filho inválido não nulifica o procedimento de justificação que tinha por único fim fazer provada sua relação estável com GILSON RUFINO GONÇALVES – independente da existência de outras pessoas. Mesmo que assim não fosse, Luzia alegou desconhecer a existência do rapaz. Presume-se a boa-fé, e a própria certidão de óbito do militar (fls. 13, verso) não faz qualquer referência à existência de Sérgio, bastando-se na menção a outro filho, havido na constância de casamento anterior.
1.3.B A Justificação se processa perante XXXXXXXXXXXX, mas é procedimento administrativo, sem definitividade. Decorre daí que a nenhuma das duas justificações – nem à de Wanda, nem à de Luzia – poder-se-ia reconhecer o caráter de provas incontestáveis. Porém, diante da inexistência de prova suficiente para firmar convicção contrária à efetividade das relações estáveis das duas mulheres com o militar falecido, aceitam-se esses fatos como verdadeiros.
1.8 O segundo requisito deve ser desconsiderado, em face dos princípios que nos dias atuais regem a relação concubinária, inspiradores do verbete nº 253 da Súmula do extinto Tribunal Federal de Recursos, no sentido de que “a companheira tem direito a concorrer com outros dependentes à pensão militar, sem observância da ordem de preferência”.
1.5 Por fim, o último dos requisitos só é atendido pela companheira LUZIA MOSQUINI, como comprova o documento de fls. 21, segundo o qual a vontade expressa do falecido foi destinar a pensão a ela, e não a WANDA PIO GONÇALVES.
1.6 Portanto, a conclusão a que se chega de uma leitura superficial dos autos é de que a sentença estaria conforme à legislação de regência, na medida em que, escorada nas disposições da Lei 5778/71, determinou que a pensão fosse dividida entre SÉRGIO e LUZIA.
. Porém, numa análise mais aprofundada, não são poucas as irregularidades de natureza processual com que o julgador mais atento se irá deparar. Por isso mesmo, a única solução razoável para o caso específico não é outra mas a anulação da sentença, pelas razões a seguir elencadas.
2.2 Sob esse aspecto, releva notar, antes de mais nada que, embora se deva, para além de qualquer questionamento, reconhecer a Sérgio a condição no caso dos autos, litisconsorte passivo necessário, é certo que, no direito pátrio, a condição, de parte só é adquirida por aquele que ajuíza uma ação ou por quem, para os seus termos, venha a ser citado. Nele inexiste a figura do litisconsorte passivo, por assim dizer, “voluntário”.
2.3 De toda sorte, no caso dos autos, o pedido nunca foi apreciado pelo magistrado. A ele segue-se imediatamente a sentença de fls. 101/107. Logo, Sergio nunca poderia ter sido considerado parte da relação processual..
2.8 Mesmo que o pedido houvesse merecido deferimento e o Ministério Público sido intimado, haveria violação às normas processuais. É que em nosso sistema jurídico só há duas formas de alguém ser considerado parte – propostitura da ação ou citação para integrar o pólo passivo – e Sérgio pretendeu valer-se de terceira via para ingressar na relação.
3. No tocante à suposta ‘incapacidade’ de SÉRGIO PIO GONÇALVES, há mais a considerar: a teor do art. 886 do Código Civil os ‘loucos de todo o gênero’ estão sujeitos à curatela – desde a decretação da interdição (art. 853).
3.2 A representação de Sérgio por sua mãe apenas se justificaria, portanto, quando os problemas neurológicos de que alega padecer perturbassem sua vontade a ponto de impedir se manifestasse validamente. Ocorre que em nenhum momento é provada nos autos a interdição de Sérgio, o que põe em dúvida sua afirmada incapacidade. E mais: caso se viesse, realmente, a concluir pela sua incapacidade, duas irregularidades insanáveis haveria, ainda, a obstar o desenvolvimento regular deste processo:
a) Sua mãe nunca poderia atuar como sua representante, pois seus interesses são conflitantes com o do filho – fato evidenciado pela propositura de ação em que também postula pensão do militar falecido (fls. 115);
b) A não intervenção do Ministério Público em primeira instância implicaria, como venho de referir, a nulidade do processo.
3.3 O documento às fls. 60 diz expressamente “DIAGNÓSTICO: Transtorno esquizóide da personalidade sujeito a distúrbios reativos. CID/75-OMS. PARECER: É invalido. Não é alienado mental.”. Isto autoriza a conclusão de que o autor é inválido para a atividade laborativa, mas não ‘louco’ a ponto de precisar de interdição. Consequentemente, deveria, ao que tudo indica, ter vindo a Juízo por si, dispensável e mesmo ilegítima a intervenção de sua mãe a qualquer título.
8. Além das que venho de apontar, outra irregularidade de natureza processual, não menos importante, justifica, no caso específico, a decretação da nulidade da sentença objeto dos recursos de fls. 113 e 183.
8.2 Realmente, o pedido veiculado na inicial (fls.08) pretendia ver:
“… autorizada sua habilitação para que inicie o recebimento da pensão militar que faz jus, desde a data do seu requerimento em 30 de maio de 1990.”
Lê-se, entretanto, na parte dispositiva da decisão apelada (fls. 107): “… julgo procedente, em parte, o pedido, condenando a União Federal a reduzir a 50% a pensão do Exército do filho inválido, Sérgio Pio Gonçalves e conceder os outros 50% para a autora, tendo em vista ter comprovado a convivência more uxorio”.
8.3 É cotejar um e outro, já se vê, para concluir que a decisão não apenas impôs restrição ao direito de quem não chegou a participar da relação processual, como delirou dos limites do libelo para conceder à autora o que em momento algum foi postulado: a redução da pensão de Sérgio. Proferida, conclua-se, extra petita (CPC, art. 860), impõe-se, por mais esta razão, seja decretada sua nulidade.
. É o parecer.
Rio de Janeiro
A nossa missão é lutar por essa causa lado a lado do advogado em busca de honrar os valores da advocacia, garantir os direitos fundamentais da sociedade e resgatar o verdadeiro status quo do operador do direito.
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