[MODELO] Apelação Cível – Imposição Indevida de ICMS sobre Transmissão de Energia Elétrica
CÂMARA ÚNICA – MUTIRÃO CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000.09.012099-9
APELANTE: CENTRAIS ELETRICAS DO NORTE DO BRASIL S/A
ADVOGADO: DR. ALEXANDRE DANTAS
APELADO: O ESTADO DE RORAIMA
PROCURADOR DO ESTADO: DR. VENUSTO DA SILVA CARDOSO
COORDENADOR DO MUTIRÃO/RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA
RELATÓRIO
Trata-se de Apelação Cível interposta pelas CENTRAIS ELETRICAS DO NORTE DO BRASIL S/A em desfavor da sentença proferida pelo Juiz Titular da 8ª Vara Cível, que julgou improcedente a pretensão autoral quanto à extinção da execução movida pelo apelado contra esta por entender indevido o imposto ou a redução da multa aplicada por reputar abusiva a ponto de ser confiscatória.
O Apelante sustenta, em síntese, que a sentença não pode ser mantida, uma vez que "… sendo a Eletronorte geradora e repassadora da energia a CER, não tinha a obrigação de recolher o ICMS…", e que tal seria "… violação ao princípio da não-cumulatividade do ICMS, incidindo o imposto por duas vezes na mesma cadeia de circulação da mercadoria, hipótese essa proibida pelo texto constitucional (art. 155, §2º)…".
Pleiteia, ainda, a apelante, se considerada correta sua condenação, que seja minorado o valor fixado em multa, pois tal seria exorbitante.
Ao final, requer, o provimento do recurso para que seja reformada a sentença vergastada.
A Apelada não apresentou contrarrazões (fl. 275v).
Subiram os autos a este Tribunal.
É o breve relato.
Encaminhem-se à revisão.
Boa Vista – RR, 28 de fevereiro de 2014.
Des. Almiro Padilha
Coordenador do Mutirão/Relator
VOTO
A sentença merece reparo. Vejamos.
Acerca do tema, já houve a análise da eventual incidência do ICMS sobre a transmissão de energia elétrica da geradora para a distribuidora pelo STJ, conforme o voto proferido pelo Min. Luiz Fux, em que assenta as seguintes premissas:
"O consumo de energia elétrica pressupõe, logicamente, sua produção (pelas usinas e hidrelétricas) e sua distribuição (por empresas concessionárias ou permissionárias). De fato, só se pode consumir uma energia elétrica anteriormente produzida e distribuída. A distribuidora de energia elétrica, no entanto, não se equipara a um comerciante atacadista, que revende ao varejista ou ao consumidor final, mercadorias de seu estoque.
É que a energia elétrica não configura bem suscetível de ser " estocado ", para ulterior revenda aos interessados. Em boa verdade científica, só há falar em operação jurídica relativa ao fornecimento de energia elétrica, passível de tributação por meio de ICMS, no preciso instante em que o interessado, consumindo-a, vem a transformá-la em outra espécie de bem da vida (luz, calor, frio, força, movimento ou qualquer outro tipo de utilidade).
Logo, o ICMS-Energia Elétrica levará em conta todas as fases anteriores que tornaram possível o consumo de energia elétrica.
Estas fases anteriores, entretanto, não são dotadas de autonomia apta a ensejar incidências isoladas, mas apenas uma, tendo por único sujeito passivo o consumidor final.
A distribuidora, conquanto importante neste contexto, não é – e nem pode vir a ser – contribuinte do imposto, justamente porque, a rigor, não pratica qualquer operação mercantil, mas apenas a viabiliza, nos termos acima expostos. Obviamente, a distribuidora de energia elétrica é passível de tributação por via de ICMS quando consome, para uso próprio, esta mercadoria. Não, porém, quando se limita a interligar a fonte produtora ao consumidor final. Este é que é o sujeito passivo da obrigação tributária, na condição de contribuinte de direito e, ao mesmo tempo, de contribuinte de fato.
(…) A distribuidora, ao colocar a energia elétrica à disposição do consumidor final, assume a condição de " responsável "pelo recolhimento do ICMS. Melhor explicando, ela, no caso, paga tributo a título alheio, isto é, por conta do consumidor final. Este, na verdade, o contribuinte do ICMS, nas duas acepções possíveis: contribuinte de direito (porque integra o pólo passivo da obrigação tributária correspondente) e contribuinte de fato (porque suporta a carga econômica do tributo)." (Roque Antonio Carrazza in ICMS, 10ª ed., Ed. Malheiros, p. 213/215) 3. A regra matriz constitucional estabeleceu como critério material da hipótese de incidência do ICMS sobre energia elétrica o ato de realizar operações envolvendo energia elétrica, salvo o disposto no art. no art. 155, 2º, X, b. Embora equiparadas às operações mercantis, as operações de consumo de energia elétrica têm suas peculiaridades, razão pela qual o fato gerador do ICMS ocorre apenas no momento em que a energia elétrica sai do estabelecimento do fornecedor, sendo efetivamente consumida. Não se cogita acerca de tributação das operações anteriores, quais sejam, as de produção e distribuição da energia, porquanto estas representam meios necessários à prestação desse serviço público."(…)
(AgRg no REsp 797.826/MT "http://www.jusbrasil.com.br/busca?s=jurisprudencia&q=titulo:REsp%20797.826/MT" , Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 3.5.2007, DJ 21.6.2007, p. 283.)
Portanto, como se verifica dos argumentos acima, inexiste previsão constitucional e legal para a cobrança do ICMS na venda da energia elétrica da geradora para a distribuidora, in casu, Eletronorte e CER, respectivamente.
Neste sentido, os seguintes precedentes também da Corte Superior:
"TRIBUTÁRIO – ICMS – ENERGIA ELÉTRICA – TRANSFERÊNCIA INTERESTADUAL PARA ESTABELECIMENTO DO MESMO TITULAR – NAO-CONFIGURAÇAO DE CIRCULAÇAO DE MERCADORIA – VALOR ADICIONADO – NAO-OCORRÊNCIA DA HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA.
1. O cálculo do valor adicionado de participação do Município no produto da arrecadação do ICMS inclui o valor das mercadorias saídas acrescido do valor das prestações de serviços, no seu território, deduzido o valor das mercadorias entradas, em cada ano civil; sendo que as operações imunes do ICMS, entre as quais se inserem as que destinem energia elétrica a outros Estados da Federação (artigo 155 , 2º, X, b, da CF/88), são computadas, para cálculo do valor adicionado em tela.
2. Esta Corte firmou o entendimento no sentido de que a mera saída física da mercadoria do estabelecimento produtor para o estabelecimento distribuidor não configura operação tributável pelo ICMS, cujo fato imponível demanda a circulação econômica do bem, razão pela qual não pode ser computada para o cálculo do valor adicionado de participação do Município na arrecadação da exação pelo Estado Membro.
Agravo regimental improvido."
(AgRg nos EREsp 933.890/GO, Rel. Min. Humberto Martins, Primeira Seção, julgado em 12.12.2007, DJ 7.2.2008 p. 1.)
TRIBUTÁRIO. ICMS. DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. "SERVIÇO DE TRANSPORTE DE MERCADORIA". INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. CIRCULAÇÃO DE MERCADORIA NA TRANSMISSÃO DA ENERGIA ELÉTRICA. NÃO OCORRÊNCIA. SÚMULA 166/STJ – PRECEDENTES – SÚMULA 83/STJ . 1. Inexiste previsão legal para a incidência de ICMS sobre o serviço de "transporte de energia elétrica", denominado no Estado de Minas Gerais de TUST (Taxa de Uso do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica) e TUSD (Taxa de Uso do Sistema de Distribuição de Energia Elétrica). 2. "Embora equiparadas às operações mercantis, as operações de consumo de energia elétrica têm suas peculiaridades, razão pela qual o fato gerador do ICMS ocorre apenas no momento em que a energia elétrica sai do estabelecimento do fornecedor, sendo efetivamente consumida. Não se cogita acerca de tributação das operações anteriores, quais sejam, as de produção e distribuição da energia, porquanto estas representam meios necessários à prestação desse serviço público." (AgRg no REsp 797.826/MT, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 3.5.2007, DJ 21.6.2007, p. 283). 3. O ICMS sobre energia elétrica tem como fato gerador a circulação da "mercadoria", e não do "serviço de transporte" de transmissão e distribuição de energia elétrica. Assim sendo, no "transporte de energia elétrica" incide a Súmula 166/STJ, que determina não constituir "fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte". Agravo regimental improvido.
(STJ, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 08/02/2011, T2 – SEGUNDA TURMA)
Por essas razões, conheço do recurso e lhe dou provimento, julgando procedente a pretensão autoral para reconhecer a não incidência de ICMS sobre a venda de energia elétrica da geradora para a distribuidora, extinguindo a respectiva execução fiscal n.º 010.01009105-5.
É o voto.
Boa Vista, 1º de abril de 2014.
Des. Almiro Padilha
Coordenador do Mutirão/Relator
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL EMBARGOS A EXECUÇÃO FISCAL ICMS SOBRE VENDA DE ENERGIA ELÉTRICA DA GERADORA PARA A DISTRIBUIDORA HIPÓTESE DE NÃO INCIDÊNCIA RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
1. O consumo de energia elétrica pressupõe, logicamente, sua produção (pelas usinas e hidrelétricas) e sua distribuição (por empresas concessionárias ou permissionárias).
2. Só há falar em operação jurídica relativa ao fornecimento de energia elétrica, passível de tributação por meio de ICMS, no preciso instante em que o interessado, consumindo-a, vem a transformá-la em outra espécie de bem da vida (luz, calor, frio, força, movimento ou qualquer outro tipo de utilidade).
3. Logo, o ICMS-Energia Elétrica levará em conta todas as fases anteriores que tornaram possível o consumo de energia elétrica.
4. Estas fases anteriores, entretanto, não são dotadas de autonomia apta a ensejar incidências isoladas, mas apenas uma, tendo por único sujeito passivo o consumidor final.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os membros da Turma Cível da colenda Câmara Única do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, à unanimidade de votos, em conhecer o recurso e lhe dar provimento, nos termos do voto do Relator.
Estiveram presentes à sessão os Desembargadores Almiro Padilha (Presidente e Relator) e Lupercino de Sá Nogueira Filho e o Juiz Convocado Leonardo Pache de Faria Cupello, bem como o ilustre representante do Ministério Público.
Sala das Sessões do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, em Boa Vista-RR, 1º de abril de 2014.
Des. Almiro Padilha
Coordenador do Mutirão/Relator
RESUMO ESTRUTURADO
APELAÇÃO CÍVEL EMBARGOS A EXECUÇÃO FISCAL ICMS SOBRE VENDA DE ENERGIA ELÉTRICA DA GERADORA PARA A DISTRIBUIDORA HIPÓTESE DE NÃO INCIDÊNCIA RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
1. O consumo de energia elétrica pressupõe, logicamente, sua produção (pelas usinas e hidrelétricas) e sua distribuição (por empresas concessionárias ou permissionárias).
2. Só há falar em operação jurídica relativa ao fornecimento de energia elétrica, passível de tributação por meio de ICMS, no preciso instante em que o interessado, consumindo-a, vem a transformá-la em outra espécie de bem da vida (luz, calor, frio, força, movimento ou qualquer outro tipo de utilidade).
3. Logo, o ICMS-Energia Elétrica levará em conta todas as fases anteriores que tornaram possível o consumo de energia elétrica.
4. Estas fases anteriores, entretanto, não são dotadas de autonomia apta a ensejar incidências isoladas, mas apenas uma, tendo por único sujeito passivo o consumidor final.
(TJRR – AC 0000.09.012099-9, Rel. Des. ALMIRO PADILHA, Câmara Única, julg.: 01/04/2014, DJe 08/04/2014, p. 36-37)