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[MODELO] Apelação cível – Cobrança de encargos financeiros de contrato de repasse de empréstimo externo

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO – 1ª TURMA

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0007.02.22083-2

APELANTE: KOMMAR COMPANHIA MARÍTIMA S/A

APELADO: UNIÃO FEDERAL

RELATOR: DES. FEDERAL VERA LÚCIA

Egrégia Turma

Trata-se de ação aJUIZada por KOMMAR COMPANHIA MARÍTIMA S/A em face da UNIÃO FEDERAL por motivos assim resumidos:

a) A autora, cujo objeto é a exploração e a comercialização do transporte marítimo de cabotagem e de longo curso, pretendendo obter autorização da Superintendência Nacional da Marinha Mercante – SUNAMAM para funcionar como armadora, obteve a informação de que, para tanto, deveria celebrar com estaleiros europeus contrato de construção de navio.

b) Dessa forma, poderia a União, na chamada “operação casada”, obter, junto àqueles países, empréstimos, dos quais seria a SUNAMAM a tomadora; esses valores abrangeriam não só a quantia destinada ao pagamento do preço da embarcação ali construída, como também um excedente do qual poderia o Governo Brasileiro livremente dispor (fls.181).

c) A autora celebrou, nesses termos, contrato com os estaleiros ingleses Smith’s Dock Limited e Kloeckner Ina Industrial Plants Limited para a construção do navio Karisma (fls. 0005/132), a cujo pagamento seriam dirigidas as importâncias obtidas pela SUNAMAM junto ao Lloyd’s Bank. Plc e ao Lloyd’s Bank Califórnia, instituições financeiras que passaram a integrar a referida “operação casada” e que satisfizeram o débito com os estaleiros.

d) Restituídos pela SUNAMAM aos bancos ingleses os valores do empréstimo do qual foi tomadora, pretende ela cobrar da autora aquelas mesmas importâncias, tendo em vista determinação do Aviso 836, de 22.06.82, do Ministério da Fazenda (fls. 188), segundo a qual, nos contratos de repasse de financiamento externo, as condições em que realizada a operação interna (repasse) deveriam ser idênticas àquelas em que levada a efeito a externa (empréstimo).

Contra essa cobrança, nos moldes em que exigida da SUNAMAM, se insurge a autora, negando-se a assinar o contrato de repasse de empréstimo externo que concluiria a operação, a argumentar, em síntese, que:

1- O cálculo da quantia exigida deve observar as regras adotadas pela política mercante vigente à época em que foi o contrato de construção firmado (prazo de 15 anos para pagamento, 8 anos de carência, juros de 6% ao ano e subsídio de cerca de 80% do custo do navio), sem que lhe sejam estendidos os encargos financeiros decorrentes do empréstimo, certo que não incidiria na espécie o Aviso 836, porque editado em data posterior à da celebração do contrato naval (30.08.82);

2- Não poderia a SUNAMAM haver participado da “operação casada” porque não ostentaria ela a natureza de instituição financeira, indispensável à sua legitimação para atuar nessa espécie de contrato;

3- Não assinado o contrato de repasse, inexistiria documento formalizado do qual decorresse a obrigação alegada pela SUNAMAM;

8 -“Na sub-rogação legal o sub-rogado não poderá exercer os direitos e as ações do credor, senão até a soma que tiver desembolsado para desobrigar o devedor” (art. 0008000, CC).

Citada, contestou a União Federal, a aduzir que, além de legítima a sua participação no contrato de repasse, regular a aplicação do Aviso 836 do Ministério da Fazenda ao caso concreto, já que entrou em vigor antes da celebração do convênio de empréstimo. Diz, afinal, que não foi o financiamento obtido sem contrato que vinculasse a autora ou sem o seu consentimento, já que reconhecida sua existência pela própria empresa no contrato de construção (fls. 113, item 8.2.1.8).

Reconviu, além disso, a ré, cobrando a importância que considera devida pela autora.

Citada da reconvenção, a KOMMAR, em constestação (fls. 831/850), sustentou a improcedência do pedido da União na falta de prova de que haja a SUNAMAM, de fato, ressarcido os bancos financiadores dos valores pagos aos estaleiros ingleses, sub-rogando-se nos direitos do credor primitivo, e, de resto, nos mesmos motivos em que se apoiou a inicial da ação de procedimento ordinário.

Rejeitados os acordos oferecidos pela empresa (fls. 81000/821 e 852/853), porque propostos valores considerados irrisórios (fls. 827/verso e 526/527).

A sentença de fls. 538/537 julgou improcedente o pedido da KOMMAR, ao fundamento de que regular a celebração do convênio de empréstimo e a cobrança à autora dos encargos dele resultantes. Concluiu, além disso, que “a suplicante era devedora em relação aos bancos internacionais…”, sendo que “a colocação dos estaleiros como credores primitivos é impertinente e mistura relações jurídicas distintas”.

Inconformada, apelou a autora.

É o relatório.

A decisão objeto do presente recurso incidiu no equívoco de considerar que os credores primitivos da relação jurídica em questão seriam os bancos junto aos quais obteve a SUNAMAM o empréstimo para financiamento da construção do Karisma.

Fácil seria concluir, nessa linha de raciocínio, que, havendo a SUNAMAM efetuado o pagamento àquelas instituições, sub-rogada estaria em seus direitos de cobrar da autora, ora apelante, a quantia objeto do empréstimo. Inexistiria, desse modo, qualquer dúvida quanto à importância a ser exigida da empresa, já que considerados simplesmente os valores acordados entre a SUNAMAM e os bancos quando celebrado o convênio de empréstimo, deixando de ser levada em conta a própria relação em que ele se apoiou: aquela que vinculou, pelo contrato naval, a autora e os estaleiros.

Antes mesmo, portanto, que se sub-rogasse a SUNAMAM nos direitos dos bancos ingleses de cobrar da autora os valores estipulados no convênio de empréstimo, já se havia operado a sub-rogação dos próprios bancos nos direitos dos estaleiros, a quem efetuaram diretamente o pagamento. A SUNAMAM, entretanto, substituindo a empresa, restituiu às instituições financiadoras aquelas importâncias, ocorrendo, por isso, nova sub-rogação.

A relação creditícia primitiva, que precedeu todas as seguintes, foi aquela estabelecida entre os estaleiros e a autora, sucedida por aquela que se firmou entre os bancos ingleses –que efetuaram o pagamento aos estaleiros – e a SUNAMAM (tomadora do empréstimo), para resultar, finalmente – ressarcidas as instituições financeiras, pela autarquia, dos valores que despenderam – naquela que vincula a SUNAMAM à autora. Os credores primitivos continuam sendo, após as duas sub-rogações consecutivas, os estaleiros.

Sob esse aspecto, são pertinentes as dúvidas da autora quanto à sua responsabilidade pelos encargos que, excedendo o valor previsto no contrato naval, decorreram do empréstimo tomado pela SUNAMAM.

É perquirir, assim:

– se era a SUNAMAM, como questionou a empresa, parte legítima para celebrar o contrato de repasse de financiamento externo;

– se, legítima sua atuação, estaria o contrato naval, por previsão nele mesmo expressa, sujeito aos exatos termos em que celebrado o convênio de empréstimo, inclusive aos encargos financeiros nele incidentes;

– se, inexistente a previsão contratual, serviria o Aviso 836 do Ministério da Fazenda de fundamento à cobrança da autora dos mesmos valores que a SUNAMAM despendeu na restituição aos bancos estrangeiros dos valores objeto do convênio de empréstimos com eles celebrados.

I- Regular a atuação da SUNAMAM no contrato de repasse de financiamento externo, em que lhe competiu intermediar “recursos financeiros (…) de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira…” (art. 17, da Lei 850005/68). Não há, desse modo, por que lhe negar, nessa atividade, a condição de instituição financeira descrita pelo indigitado dispositivo, tanto mais quando a própria autora reconheceu, no contrato naval de fls. 0005/132, que essa operação seria realizada pela SUNAMAM como forma de garantir aquela dívida.

II- No que diz respeito à existência de instrumento formalizado pelo qual a autora se houvesse obrigado a concordar com o empréstimo, nos termos exigidos pela SUNAMAM, tenho que, recusando-se a firmar o contrato de repasse necessário à conclusão da “operação casada”, não há, em princípio, qualquer comprovação de que haja ela consentido em efetivá-lo como pretendido pela autarquia.

Conquanto reconhecida no próprio contrato naval (fls. 0005/132) a existência do financiamento externo a que estaria vinculada sua celebração, das cláusulas apontadas pela ré não se pode depreender haja a empresa concordado em assumir a quantia a maior (além do preço acordado com os estaleiros no contrato de fls. 0005/132) objeto do empréstimo.

Da cláusula 8.2.1.8 consta apenas que “é a intenção dos compradores garantir os pagamentos acima com um empréstimo de euro-dólares a ser negociado entre o Lloyd Banks International e a Superintendência Nacional da Marinha Mercante…” (fls. 121) e do adendo nº 3 àquele contrato, que “os seus termos de seguro se coadunem com os requisitos de seguro exigidos às partes pelo Convênio de Empréstimo…” (fls. 106).

Delas não se extrai a anuência da autora quanto à responsabilidade pelos encargos financeiros incidentes no empréstimo e negociados exclusivamente entre a SUNAMAM e os bancos com quem contratou (correção cambial, juros em percentual maior do que o determinado pela política mercante vigente àquela época). Previu-se apenas, de forma genérica, sua existência e com o objetivo de garantir os pagamentos estipulados no próprio contrato naval.

É ver, além disso, que seria o empréstimo destinado não apenas à construção do navio Karisma, mas também “às necessidades momentâneas do governo para a captação de recursos destinados aos seus compromissos financeiros” (aviso 266/611, de 07.05.86 – fls. 06), e que, paralelamente ao financiamento da construção, “foi oferecido à SUNAMAM um crédito financeiro, em moeda, equivalente a 1,12 dólares por cada dólar de navio/equipamento importado pelo Brasil” (Aviso 05000/GM, fls. 181). Justificado aí o interesse da própria SUNAMAM na captação dos recursos externos, com muito mais razão se conclui que somente a ela cabe o pagamento dos encargos resultantes do empréstimo.

Se a autarquia quitou seu débito junto aos bancos e apenas parte dele correspondia à dívida da autora, somente no que pertine a essa parte houve sub-rogação, sendo a própria SUNAMAM a devedora da parte restante.

Embora inexistente nos autos notícia de quanto exatamente os bancos pagaram aos estaleiros, a importância calculada no contrato do qual foi parte a Kommar foi a de 20.5000000.600,00 libras esterlinas, acrescida dos juros ali estipulados, limite pelo qual é responsável, competindo exclusivamente à SUNAMAM restituir os valores a mais, correspondentes aos encargos acertados no convênio com as instituições financeiras.

III- Nem mesmo o Aviso 836 do Ministério da Fazenda, em que se apoiou a ré, fica a justificar sejam observadas pela empresa autora as condições do empréstimo. É que na época em que firmado o contrato de construção, que previu a necessidade do financiamento e o valor da construção do navio, vigiam as regras normalmente aplicadas pelo Fundo da Marinha Mercante, que não determinavam a transferência dos encargos relativos ao empréstimo.

Não procede o argumento da apelada segundo o qual não se trataria de retroatividade do Aviso 836, porque anterior à celebração do convênio que o observara. Se o aviso ministerial sucedeu o contrato de construção do navio, firmado sob a égide da legislação anterior, pouco importa haja precedido o convênio de empréstimo que lhe foi acessório.

O valor da obrigação, como contratada, corresponde àquele estipulado no contrato naval, devendo ser observadas as regras em vigor à época de sua celebração, vedada alteração unilateral pela SUNAMAM.

Esse o entendimento adotado pelo Egrégio Tribunal Regional da 2ª Região em casos semelhantes:

EMBARGOS DE DECLARACAO – TRIBUTARIO – ADICIONAL AO FRETE PARA RENOVACAO DA MARINHA MERCANTE/A.F.R.M.M.

– CONTRATO FIRMADO SOB A EGIDE DO DECRETO-LEI N.1311/78 – DESCABIMENTO DA ALTERACAO PELA SUNAMAM, PARA MENOR, DO PERCENTUAL O ADICIONAL DESTINADO AOS ARMADORES, SENDO DEVIDAS A DIFERENCAS CORRESPONDENTES A REDUCAO, COM BASE NA LEGISLACAO VIGENTE A DATA DA CELEBRACAO DO CONTRATO- INEXISTENCIA DE QUALQUER OMISSAO COM RELACAO AOS PONTOS INDICADOS PELA EMBARGANTE.

– EMBARGOS CONHECIDOS E REJEITADOS.

(TRF 2ª Reg. 1ª Tur. Embargos de Declaração na REO nº 0000.0213822-3. DJ: 08.08.0006. Rel : JUIZ Frederico Gueiros. Unanimidade.)

TRIBUTARIO – CIVIL – ADICIONAL AO FRETE PARA RENOVACAO DA MARINHA MERCANTE – AFRMM – CONTRATO FIRMADO SOB A EGIDE DO DECRETO-LEI NR. 1.311/78 – ALTERACAO PELA SUNAMAM, PARA MENOR, DO PERCENTUAL DO ADICIONAL DESTINADO AOS ARMADORES – DESCABIMENTO

-OS DECRETOS NR. 1.801/80 E 2.035/83, NAO TEM EFEITOS RETROATIVOS AOS CONTRATOS CELEBRADOS ANTES DE SUAS VIGENCIAS, OU SOB A EGIDE DO DECRETO-LEI NR. 1.311/78 – DIREITO ADQUIRIDO POR FORCA DE NEGOCIOS JURIDICOS PERFEITOS E ACABADOS PROTEGIDOS PELA CONSTITUICAO FEDERAL E LEI DE INTRODUCAO AO CODIGO CIVIL

– SAO DEVIDAS, PORTANTO, A AUTORA, AS DIFERENCAS CORRESPONDENTES A REDUCAO DO PERCENTUAL QUE LHE CABERIA NA RECEITA DO ADICIONAL, DE ACORDO COM A LEGISLACAO VIGENTE NA DATA DA CELEBRACAO DO CONTRATO.

– REMESSA IMPROVIDA – SENTENCA CONFIRMADA.

(TRF 2ª Reg. 1ª Tur. REO Nº 0000.0213822-3. DJ: 28/05/0008, p. 2888000. Rel. JUIZ Frederico Gueiros Unanimidade.)

TRIBUTARIO: UTILIZAÇÃO DO AFRMM PARA QUITAÇÃO DE EMPRESTIMO. DL. N 1311/78. CIVIL: ALTERAÇÃO UNILATERAL DE DISPOSIÇÃO CONTRATUAL RELEVANTE. DESCABIMENTO.

I- ATE O RESGATE INTEGRAL DA PARTE FINANCIADA PELA SUNAMAM, FICA ASSEGURADO AO ARMADOR, NO PRESENTE CONTRATO, O DIREITO DE UTILIZAÇÃO DO AFRMM, SEGUNDO O PERCENTUAL FIXADO NO DECRETO-LEI NO. 1311/78 (CLAUSULA 22.6.1 – FL. 0006 -).

II- A LUZ DOS COMPROMISSOS QUE ENSEJARAM AS CONSTRUÇÕES APONTADAS, AJUSTARAM AS PARTES O QUE LHES PARECEU MAIS ADEQUADO AS SUAS RESPECTIVAS CONDIÇÕES.

III- IN CASU, NÃO SE VERIFICOU A REGRA SUPRACITADA, EM RESPEITO AO PRINCIPIO PACTA SUNT SERVANDA.

IV- A REDUÇÃO OPERADA, DO PERCENTUAL DE 35%, NÃO SE MOSTRA JUSTIFICADA.

V- REMESSA OFICIAL CONHECIDA, MAS IMPROVIDA, NOS TERMOS DO VOTO CONDUTOR.

(TRF. 2ª Reg. 3ª Tur. REO: 208168-6. DJ:15-0000-0008, p. 92317. Rel: JUIZ Arnaldo Lima. Unanimidade).

Do exposto, o parecer é no sentido do provimento do apelo.

Rio de Janeiro, 12 de dezembro de 2016.

JOSÉ HOMERO DE ANDRADE

Procurador Regional da República

KommarPrincipal – Fern e isdaf

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