[MODELO] Alegações Finais em Memoriais – Estelionato – Crime Impossível e Princípio da Insignificância Penal
MEMORIAIS – ESTELIONATO – ALEGAÇÕES FINAIS – III
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA _____ VARA CRIMINAL DA COMARCA DE _____.
processo-crime n.º _____
objeto: memoriais.
_____, brasileira, separada, dos serviços larários, residente e domiciliada na cidade de _____-UF, pelo Defensor Público infra-assinado, vem, respeitosamente, a presença de Vossa Excelência, nos autos do processo em epígrafe, oferecer, no prazo legal, os presentes memorais, aduzindo o que entende pertinente e relevante para infirmar a peça pórtica, na forma que segue:
1.- DO CRIME IMPOSSÍVEL
Segundo reluz da prova coligida aos autos, tem-se por clareza superlativa que o delito que lhe é assacado não se implementou na seara dos fatos, visto que a suposta “tentativa de fraude” jaz desnaturada na origem, ante as cautelas adotadas pelo estabelecimento comercial, o qual recusou ab initio, trânsito ao cheque, abortando a compra: rancho.
_____, às folhas 427/428, aduz:
Defesa: Quais são as cautelas adotadas de praxe para recebimento de um cheque?
Testemunha: Se a pessoa é de terceiro, a gente não recebe se não tiver um cadastro. Nós temos um cadastro dos nossos clientes, então no caso, hoje se for lá no mercado, é mostrado o cheque, a gente puxa no computador e vai estar que o seu nome foi cobrado no mês anterior, se é pessoal novo, hoje passa no máximo duzentos reais, como nesse caso, essa pessoa, dona do cheque tinha cadastro, então quando foi puxado ali, o dono era ela, daí a guria ligou confirmando se ela tinha autorizado, daí no dia desse caso, a pessoa que passou esse primeiro cheque falou que era sobrinha dela, daí a menina pegou ligou, alguém que tava lá na casa, a pessoa atendeu o telefone disse que podia passar, que é meu cliente, logo depois que passou esse rancho, veio outro casal com o mesmo cheque, a mesma história, daí a guria parou e trancou, daí no outro dia, foi aí que a gente tentou ligar na outra casa e não conseguimos ligar, daí o outro dia a mulher foi lá no mercado pra avisar que tinham roubado o talão de cheque, daí tinha as imagens, o pessoal da polícia civil foi lá, analisou as imagens, convocou nós na outra semana para ir lá na delegacia, daí eu reconheci aquela moça que passou o cheque na hora.
Ora, tendo a ação desencadeada pela ré sofrido hiato em sua epigênese, aliado ao fato de que a mesma sequer transpôs os umbrais da referido mercado (com os bens cobiçados) tem-se, por incontroverso, que a conduta encetada por esta, longe está de configurar a tentativa de furto, antes se subsume ao crime impossível.
Frente a tal peculiaridade, inexistiu crime, por ausência de tipificação, seguindo-se, aqui a dicção do artigo 17 do Código Penal. Neste diapasão é a mais abalizada jurisprudência que jorra das cortes de justiça:
APELAÇÃO-CRIME. ESTELIONATO. DISPOSIÇÃO DE COISA ALHEIA COMO PRÓPRIA. TENTATIVA. Ao reconhecer a Decisora, no ato sentencial, que o delito não se consumara porque aquele que receberia o objeto como pagamento de dívida, desde o primeiro momento, desconfiou da origem espúria do mesmo, procurando, imediatamente a autoridade policial, delineou a existência do crime impossível, porque o meio fraudulento utilizado não se mostrou idôneo para enganar a vítima. Crime impossível. Absolvição que se impõe com base no art. 386, inc. III do CPP. APELO PROVIDO. RÉU ABSOLVIDO. (Apelação-Crime Nº 70014172142, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fabianne Breton Baisch, Julgado em 16/05/2007).
FURTO TENTADO NÃO RECONHECIDO. SE A RES, VALENDO-SE DE CARTÃO DE CRÉDITO FURTADO TENTAM ADQUIRIR MERCADORIAS, E, DESCOBERTAS, FUJAM DA LOJA LEVANDO ESTAS, TRATA-SE DE TENTATIVA DE ESTELIONATO, IMPOSSÍVEL PELAS PROVIDENCIAS ADOTADAS PELA VITIMA QUE TORNAM ABSOLUTAMENTE INEFICAZ O MEIO EMPREGADO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. (Apelação-Crime Nº 696223932, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Walter Jobim Neto, Julgado em 09/04/1997).
2.) PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PENAL
Demais disso, consigne-se, que o fato imputado a ré vem despido de potencialidade lesiva, na medida se restringe a uma pretensa tentativa de estelionato, encontrando-se, pois, albergado, pelo princípio da insignificância, apregoado pelo Direito Penal mínimo, o qual possui como força motriz, exorcizar o delito em tela, fazendo-o fenecer, ante a ausência de tipicidade.
Neste fanaite, assoma imperioso o decalque de arestos que jorram dos pretórios:
FURTO QUALIFICADO. AUTORIA E MATERIALIDADE. BEM JURÍDICO INEXPRESSIVO. RESTITUIÇÃO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ABSOLVIÇÃO. Ainda que comprovadas a materialidade e a autoria, configura-se atípica, pela insignificância penal, a subtração de bens cujos valores não tiveram repercussão no patrimônio da vítima, máxime quando a totalidade da res furtiva lhe foi restituída, caso em que o réu deve ser absolvido. (Apelação nº 0050054-28.2007.8.22.0004, 1ª Câmara Criminal do TJRO, Rel. Valter de Oliveira. j. 27.10.2011, unânime, DJe 07.11.2011).
EMBARGOS INFRINGENTES EM APELAÇÃO CRIMINAL – TENTATIVA DE FURTO – ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – PROVIMENTO. Primeiramente observo que o réu não é habitual na prática de delito, pois não possui antecedentes criminais, conforme se verifica da certidão. Considerando que o direito penal deve ser a ultima ratio, sua utilização deve resumir-se à proteção de bens jurídicos relevantes, quando houver lesividade expressiva à sociedade. No caso presente, tratando-se de conduta com ofensividade mínima, deve ser aplicado o princípio da insignificância para afastar a tipicidade e absolver o embargante, nos termos do art. 386, III, do CPP. (Embargos Infringentes em Apelação Criminal – Reclusão nº 2010.032380-6/0001-00, Seção Criminal do TJMS, Rel. Dorival Moreira dos Santos. maioria, DJ 21.06.2011).
APELAÇÕES CRIMINAIS – FURTO QUALIFICADO – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – APLICAÇÃO – POSSIBILIDADE – CONDUTA ATÍPICA – RECURSOS PROVIDOS. Verificando-se o ínfimo valor da res furtiva, necessário reconhecer que não houve lesão ao bem juridicamente protegido, sendo, assim, aplicável o princípio da insignificância que, mesmo não estando expresso no ordenamento jurídico pátrio, pode ser considerado como causa supralegal de exclusão da tipicidade. (Apelação Criminal nº 5200674-10.2009.8.13.0145, 4ª Câmara Criminal do TJMG, Rel. Herbert Carneiro. j. 11.05.2011, unânime, Publ. 01.06.2011).
ESTELIONATO. TIPICIDADE FORMAL. INEXPRESSIVIDADE DA LESÃO JURÍDICA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. ATIPICIDADE MATERIAL. CRIME NÃO CONFIGURADO. Embora a conduta do agente se amolde formalmente ao crime de estelionato, ausente se encontra na hipótese a tipicidade material, que consiste na efetiva lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado, pelo que não há falar em crime. (Apelação Criminal nº 0211666-89.2006.8.13.0026, 7ª Câmara Criminal do TJMG, Rel. Duarte de Paula. j. 06.10.2011, maioria, Publ. 21.10.2011).
APELAÇÃO CRIMINAL. PENAL. ART. 155, §§ 1º E 4º, DO CÓDIGO PENAL. FURTO QUALIFICADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PRECEDENTES STF. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO, À UNANIMIDADE. 1. O princípio da insignificância permite afastar a tipicidade material de condutas que causam ínfima lesão ao bem jurídico protegido, como os furtos de objetos de valores irrisórios. 2. A aplicação desse princípio deve atender a quatro requisitos estabelecidos pela jurisprudência do STF: mínima ofensividade da conduta do agente; nenhuma periculosidade social da ação; reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada. 3. Apelação Criminal desprovida, unanimemente. (Apelação nº 0240971-0, 1ª Câmara Criminal do TJPE, Rel. Roberto Ferreira Lins. j. 02.08.2011, unânime, DJe 15.08.2011).
(grifos nossos)
No particular de que se trata, é dado insopitável que a vítima não padeceu qualquer desfalque em seu acervo mundano, sendo, pois, injusto e deletério venha a ré a sofrer as consequências de um fato em si inóxio.
Já sentenciava o vetusto, mas precioso brocado romano: o Pretor não se ocupa de questões insignificantes. (*) de minimis non curat praetor.
Logo, é de péssimo exemplo fazer “caso e cabedal de ninharia: não há dar peso à fumaça.” (CARLOS BIASOTTI)
De resto, é dado inconteste, que a norma penal a que indevidamente subjugado a ré, visa como fim primeiro e último a salvaguarda do patrimônio da sedizente vítima; e, tendo-se presente, que o fato tributado a denunciada não acarretou lesão e ou qualquer gravame ao tesouro daquela, temos, que a conduta testilhada pela última é atípica sob o ponto de vista do direito penal mínimo, uma vez que carece de requisito capital e vivificador do tipo, qual seja ter eclodido com a ação da ré, abalo nos cabedais da vítima.
Em sufragando a tese aqui esposada, é a lição do renomado mestre, EUGENIO RAÚL ZAFFARONI, apud, PAULO DE SOUZA QUEIROZ, in, DO CARÁTER SUBSIDIÁRIO DO DIREITO PENAL, Belo Horizonte, 1.999, Del Rey, página 109, o qual é enfático e candente ao advertir que: “ a irracionalidade da ação repressiva do sistema penal não pode chegar ao limite de que se pretenda impor uma pena sem que ela pressuponha um conflito em que resulte afetado um bem jurídico. Esse princípio (princípio da lesividade) deve ter valor absoluto nas decisões da agência judicial, porque sua violação implica a porta de entrada a todas as tentativas de ‘moralização’ subjetivada e arbitrária do exercício do poder do sistema penal. A pena, como resposta a uma ação que não afeta o direito de ninguém, é um aberração absoluta que, como tal não se pode admitir, porque sua lesão ao princípio da racionalidade republicana é enorme”.
Secundando as palavras do Insigne Professor, é a doutrina apregoada pelo Procurador da República, Paulo de Souza Queiroz, na obra já citada à folha 110, quanto obtempera:
“A intervenção penal, por conseguinte, somente deve ter lugar quando uma dada conduta represente uma invasão na liberdade ou direito ou interesse doutrem, é dizer, a incriminação somente se justifica, quer jurídica, quer politicamente, quando o indivíduo, transcendendo a sua esfera de livre atuação, os lindes de sua própria liberdade, vem de encontro à liberdade de seu coassociado, ferindo-lhe, com certa intensidade, um interesse particularmente relevante e merecedor de proteção penal.
“Significa dizer, noutros termos, que à decisão de criminalizar-se um certo comportamento, haverá de preexistir uma efetiva transgressão de um interesse, de terceiro, particular, difuso ou coletivo definido, concretamente identificado ou identificável. Sem essas condições, ou pré-condições, qualquer intervenção penal, a parte de inútil, é de todo arbitrária. Crime, enfim, do ponto de vista material, outra coisa não pode ser, senão ato humano lesivo de interesse juridicamente protegido (lesivo ao bem jurídico) de outrem”
Donde, sendo a ideia de ofensividade da conduta a bem jurídico alheio, pressuposto político-jurídico da intervenção penal, haja vista, que a mesma é inerente, inseparável da noção de crime – consoante defendido por Paulo de Souza Queiroz, (obra pré-citada à folha 108) – temos como penalmente inócua a conduta palmilhada pelo apelante, devendo ser reputada, tida e havida como atípica.
Por debrum, já prescrevia, de antanho, o gongórico Código Criminal do Império de 1.830, em seu artigo 2º, § 2°, que, não seria “punida a tentativa de crime ao qual não fosse imposta maior pena que a de dois meses de prisão simples, ou de desterro para fora da comarca”
Em suma, assoma irrefragável emprestar-se curso a tese aqui esgrimida, açambarcada pelo crime de bagatela.
3.) ATIPICIDADE NA CONDUTA
Consoante assinalado pela ré, em seu termo de interrogatório de folhas 421/423 e verso, esta recebeu o cheque alvitrado de seu ex-marido, para com o mesmo viabilizar a aquisição do “rancho” mensal, desconhecido piamente que fosse furtado.
Assim, tem-se, que a ação da ré é atípica, na medida em que recebeu o cheque de terceiro – a guisa de pensão alimentar – e, crendo piedosamente que fosse isento a qualquer mácula, o empregou para efetuar a aquisição de gêneros alimentícios de primeira necessidade, junto ao estabelecimento comercial da vítima.
A toda evidência, não engendrou a ré qualquer expediente espúrio para ludibriar a vítima, por via do cheque pertencente a terceiro. A notícia, de que a cártula era furtada chocou tanto a ré quanto a sedizente vítima.
Aliás, a jurisprudência, tem entendido, que na hipótese do agente empregar cheque de terceiro, para efetuar pagamento, somente poderá ser considerado estelionato, se e somente verificado o dolo, em sua conduta.
Neste sentido, imperiosa afigura-se o decalque de aresto que fere a matéria controvertida.
Sabe-se à saciedade que no estelionato o dolo é a essência da infração e antecede a ação criminosa. Não havendo prova inquestionável de que o acusado tenha agido com dolo preordenado, característico do estelionato, temerária é a sua condenação, o que não afasta, contudo, que na esfera do Direito Civil seu comportamento contamine de anulabilidade o ato jurídico praticado, obrigando-o a indenizar os danos experimentados. (TACRIM-SP – AC – REL. RAUL MOTTA – in JUTACRIM 85:356)
Porquanto, tem-se, por incontroverso, que a ré não agiu com o intuito de fraudar a vítima por ocasião dos fatos retratados de forma imperfeita e inconclusiva pela peça pórtica.
Soçobrando o dolo em sua conduta, fenece, por decorrência lógica e inexorável o tipo, cumprindo, assim, ser absolvida, por obra de pia Justiça!
POSTO ISTO, REQUER:
I.- Seja acolhida a tese do crime impossível, frente as considerações expendidas linhas volvidas, absolvendo-se a ré, ao módulo do artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal.
II.- Como teses alternativas a emissão de juízo absolutório, requesta a atipicidade – inadequação do tipo penal com a conduta encetada – bem como perfila o princípio da insignificância penal, com aferro.
N. Termos,
P. Deferimento.
__, __ de __ de __
_______________
Defensor
Modelo cedido por Paulo Roberto Fabris – Defensor Público