[MODELO] AÇÃO REGRESSIVA DE RESSARCIMENTO DE DANOS E RESPONSABILIDADE DA CONCESSIONÁRIA

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ___ª VARA CÍVEL DA COMARCA _______________ (Conforme art. 319, I, NCPC e organização judiciária da UF)

 

“Na complexidade da vida contemporânea, cada pessoa está exposta a riscos e a ser responsabilizada por atos seus ou das pessoas cujos atos lhe determinem a responsabilidade. Tanto se pode segurar o risco de se ser ofendido como o risco de se ofender”[1]

 

                  NOME COMPLETO DA PARTE AUTORA, nacionalidade, estado civil (ou a existência de união estável), profissão,portadora da cédula de Identidade nº _______________, inscrita no CPF/MF sob o nº _______________, endereço eletrônico, residente e domiciliada na _______________, por seus advogados in fine assinados conforme procuração anexada, com endereço profissional (completo), para fins do art. 106, I, do Novo Código de Processo Civil, vem mui respeitosamente a V.Exa., propor a presente:

  AÇÃO REGRESSIVA DE RESSARCIMENTO DE DANOS 

 

contra Companhia Energética xxxxxxxxxxxxx, empresa concessionária de serviço público de distribuição de energia elétrica, regularmente inscrita no CNPJ sob o n.º xxxxxxxxxxxxx, com sede em xxxxxxxxxxxxxxxx, conforme se evidencia pelo comprovante de Situação Cadastral gerado pelo site da Receita Federal do Brasil, endereço eletrônico, com fulcro na CF, art. 5º XXXII, LXXVIII, 37 §6º e 175; no CCB 186, 786, 927, 934 e 944; CDC 14, 17, 29, 34 e seguintes; arts. 318 e seguintes do Novo Código de Processo Civil; Lei n.º 8.987/1995; e enunciado n.º 188 da súmula do Supremo Tribunal Federal, o que faz pelas razões de fato e de direito abaixo aduzidas:

  DO SUPORTE FÁTICO QUE AMPARA A PRETENSÃO PROCESSUAL DA AUTORA CONTIDA NA DEMANDA (NCPC 319, III)

 

                    A Autora firmou com o Condomínio do Edifício Sigma Trade Center contrato de seguro na modalidade compreensivo condomínio (ramo n.º 0116[6]), representado pela apólice n.º 640877 (Doc. 06), através do qual se obrigou, mediante o recebimento do prêmio, a garantir os riscos aos quais o imóvel situado na Cidade de Recife, Estado de Pernambuco, na Rua Francisco Alves, n.º 105 estivesse exposto durante o período de vigência da apólice. O fornecimento de energia elétrica na localidade é de responsabilidade da Ré, nos termos do extrato obtido na Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) anexo (Doc. 07).

 

                   Ocorre que, em 28.08.2013, houve descarga elétrica no imóvel assegurado pela Autora, com consequente propagação de danos a bens de propriedade do segurado, conforme pormenorizadamente exposto no laudo de regulação de sinistro anexo (Doc. 08).

 

                   De efeito, em ato subsequente à constatação do ocorrido,  a Autora procedeu com a regulação do sinistro, vale dizer, com a apuração do ocorrido no local do bem segurado, que após examinar pormenorizadamente os bens sinistrados, assim como apurar a causa dos danos, elaborou e emitiu o parecer técnico anexo (Doc. 08), através do qual verifica-se que em virtude da oscilação na corrente elétrica fornecida pela Ré houve a queima de componentes do sistema de elevadores do segurado da Autora, tornando-os impróprios para uso e necessários reparos e substituições.

 

                    Desde já constata-se que  o sinistro em comento decorreu – direta e imediatamente – da falha no desempenhar da atividade empresarial da Ré, que de forma desidiosa, por não investir o quanto deve e em razão de não empregar os devidos equipamentos de segurança e prevenção ao logo da sua rede de distribuição de energia, permite e contribui para que eventos elétricos ocorram diuturnamente.

 

                   Com efeito Exa., é incalculável a quantidade de danos elétricos derivados das falhas cometidas pela Ré na consecução dos serviços públicos que lhe foram concedidos. Para exemplificar a trágica situação que impera, o subscritor da presente destaca a esse D. Juízo que apenas o seu escritório patrocina centenas (senão milhares) de processos contra a mesma Ré, em favor de seguradoras que suportam, mensalmente, vultosas quantias financeiras em indenizações prestadas aos seus segurados decorrentes, justamente, do péssimo serviço prestado pela Ré.

 

                   Acresça-se que está caracterizado – conforme será melhor demonstrado adiante – o nexo de imputabilidade entre a conduta omissiva da Ré (i.e. falha no exercício do serviço público prestado) e os danos suportados pela Autora, fato que é suficiente para caracterizar o seu dever de indenizar, conforme disposto no CCB 927.

 

                   É inequívoca a omissão danosa cometida pela Ré, uma vez que diante das conclusões técnicas contidas nos documentos acostados a essa petição inicial, está claro que a Ré jamais instalou na área na qual o imóvel sinistrado pertence qualquer equipamento de estabilização ou dispositivo de segurança capazes de impedir a variação de tensão na rede, de modo a evitar danos aos consumidores.

 

                   Em razão do sinistro em tela, os bens assegurados pela Autora sofreramdanos de média monta à inutilização absoluta, conforme se depreende dos pareceres técnicos anexos (Doc. 08).

 

                   O detalhamento do dano ocorrido e o comprovante de pagamento anexos demonstram, com exatidão, a quantia financeira dispendia pela Autora para indenizar o segurado (Docs. 08 e 09).

 

                   Cumpre destacar Exa., o segurado da Autora responsabilizou-se por parte das consequências econômicas dos danos sofridos em virtude da cláusula de participação obrigatória pactuada entre as partes e constante da apólice lastro da presente demanda. De conseguinte, o segurado, pessoalmente, arcou com o montante de R$ 1.200,00 (um mil e duzentos reais) a título de franquia[7] e a diferença entre essa quantia e o total para o reestabelecimento da situação jurídica do segurado ao status quo ante foi suportado, exclusivamente, pela Autora.

 

                   Realmente é imprescindível esclarecer que o valor pago pelo segurado a título de franquia obrigatória é fixo, pré-estabelecido, advindo de cálculo atuarial e nãocompõe o montante requerido a título de condenação na presente demanda. Com efeito, somando a franquia ao valor desembolsado pela Autora, contata-se o quantum total de prejuízos decorrentes da conduta da Ré, no valor de R$ 6.957,42 (seis mil, novecentos e cinquenta e sete reais e quarenta e dois centavos). Note-se, ainda, que conforme pode ser visto da apólice firmada entre a Autora e o segurado, o limite de indenização da Autora para danos elétricos sofridos pelo segurado se limita ao valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais).

 

                   Sendo assim, considerando que parte dos prejuízos foram suportados pela segurado e não foram objeto de sub-rogação pela Autora (CCB 786 e STF 188), bem como considerando os limites de indenização que constam da apólice, observa-se que a expressão pecuniária da pretensão processual contida na presente demanda é de R$ 5.757,42 (cinco mil, setecentos e cinquenta e sete reais e quarenta e dois centavos), que foi efetivamente prestada em 05.11.2013,consoante comprovante de pagamento anexo (vide Doc. 09).

 

                   Insta ressaltar, por fim, que a Autora entrou em contato com a Ré diversas vezes, no intuito de transacionar a situação litigiosa pendente e resolver a questão extrajudicialmente, tentativas estas que, infelizmente, restaram infrutíferas.

 

                   Diante da irredutibilidade da Ré, não resta à Autora alternativa senão recurso a via judicial de modo a obter provimento eficaz a garantir o ressarcimento do valor despendido com a indenização securitária.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS: O SUBSTRATO DO MERITUM CAUSAE

 

 

“A omissão é causa do dano sempre que haja o dever jurídico de praticar um acto que, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação desse dano. Existe nexo de causalidade entre uma omissão e certo evento quando, dadas as regras de experiência, e as circunstâncias conhecidas ou cognoscíveis pelo sujeito, a prática a prática do acto omitido teria, segura ou muito provavelmente, evitado esse evento, previsto ou previsível pelo sujeito”.[8]

 

I. Da Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor em Favor da Seguradora Sub-Rogada nos Direitos e Ações do Segurado 

 

A aplicação do CDC in casu encontra sólido fundamento em nosso ordenamento jurídico e respeita o quanto dispõe a CF 5º XXXII, que garante especial proteção ao consumidor frente aos vícios e defeitos na prestação dos serviços pelo fornecedor.

 

                   Sabe-se que as normas contidas no microssistema consumerista são de ordem pública e disciplinam os valores básicos que a sociedade moderna deve preservar para o correto equilíbrio das relações de consumo, de modo que a observância, ou não, do quanto tipificado no CDC não sujeita-se a uma facultada das partes ou do magistrado: trata-se, inexoravelmente, de normas de aplicação cogente.

 

                   Como se não bastasse – conforme propõe a teoria do diálogo das fontes[9] – a coexistência com outros diplomas legais não diminui a força das normas protetivas do CDC ou abala as prerrogativas do consumidor, razão pela qual mesmo diante das disposições do CCB, igualmente aplicáveis ao presente caso, o dever desse D. Juízo é realizar a subsunção legal com vistas à garantir ampla proteção ao consumidor dos serviços prestados, de forma defeituosa, pela Ré (que, como verificar-se-á, aproveita a Autora por força expressa de lei).

 

                        É fora de discussão que o ordenamento jurídico deve ser interpretado de forma unitária– porquanto assim apresentar-se à sociedade –  justamente conforme propõe a essência da teoria do “diálogo das fontes”.  A tese, de imprescindível aplicação in casu, tem o escopo de proporcionar ao exegeta a ferramenta hermenêutica hábil a solucionar os conflitos aparentes entre normas jurídicas distintas,  através de uma interpretação coordenada e sistemática, sempre em consonância com os preceitos cravados em nossa constituição. De efeito, esclarece Cláudia Lima Marques que:

 

“O diálogo das fontes, expressão criada por Erik Jayme, em seu curso de Haia (Jayme, Recueil des Cours, 251, p. 259), significa a atual aplicação simultânea, coerente e coordenada das plúrimas fontes legislativas, leis especiais (como o CDC, a lei de seguro-saúde) e gerais (como o CC/2002), com campos de aplicação convergentes, mas não mais iguais”.[10](Nossos grifos).

 

                   Essa proposta é manifestamente importante para a correta solução do conflito intersubjetivo de interesses exposto na demanda, uma vez que conquanto seja o segurado da Autora o sujeito originário da relação de consumo articulada com a Ré, após a prestação da indenização securitária e, consequentemente, da sub-rogação legal específica (CCB 786), a Autora passa a gozar, inarredavelmente, das mesmas prerrogativas que desfrutava o consumidor originário, nada obstante trata-se de empresa de grande porte.

 

                   Na situação exposta a esse D. Juízo, cumpre destacar que é patente a relação de consumo originariamente articulada entre a Ré (i.e. fornecedora de serviço público de energia elétrica) e o segurado da Autora (i.e. consumidor de energia elétrica), restando caracterizadas, por conseguinte, as figuras do “fornecedor” e do “consumidor” (essências ao surgimento da relação de consumo), tal como previsto no CDC 2º e 3º:

 

“Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.

 

“Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”.

 

                   Da ótica do CDC 2º e 3º cumpre esclarecermos que no vínculo jurídico no qual a Autora sub-rogou-se sempre esteve presente a circunstância da prestação do serviço público pela Ré em favor do segurado da Autora que, por sua vez, o utilizava como destinatário final (i.e. aquisição e utilização para atender necessidade própria).

 

                   E nada obstante ser uma característica da postura da Ré negar a possibilidade da aplicação do CDC em favor da Autora em demanda regressiva, cumpre relembrar que por força expressa de Lei – CCB 786[11] e STF 188[12] – em virtude da sub-rogação específica do direito securitário, sorte alguma socorre aos obtusos argumentos contrários ao aproveitamento do CDC pela seguradora investida em todos os direitos e ações que competiam ao segurado contra o causador dos danos, quando o microssistema consumerista era plenamente aplicável em favor do segurado.

 

                   Isso significa Exa., que o instituto da sub-rogação – ao contrário do que alguns tentam, sem êxito, sustentar – não coloca a seguradora em posição jurídica diversa daquela que seria ocupada diretamente pelo segurado frente ao fornecedor dos serviços prestados de forma defeituosa. Eis a razão do legislador ter expressamente tipificado no CCB 786 que “paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano” (redação que, portanto, inclui ao revés de excluir categorias de direitos e ações).

 

No ponto em destaque, Ricardo Bechara dos Santos ensina:

 

“(…) o segurador, ao cumprir sua obrigação indenizando o segurado pelo dano que o sinistro lhe fez experimentar, nos termos estipulados no contrato, extingue-a perante o segurado e assume o polo ativo do direito a ser exercido contra o terceiro causador do dano. [13](Nossos grifos).

 

Com efeito, através da sub-rogação há transferência plena da titularidade dos direitos e ações que cabiam ao segurado à seguradora, inclusive os que encontram amparo no CDC, haja vista que estes não pereceram, mas, apenas, transferiram-se de titularidade com as mesmas características que ostentavam em prol do titular originário. Portanto, a relação de consumo subsiste nos autos, mas agora na seara jurídica da Autora.

 

Perfeitamente afinado com referido entendimento está o C. STJ:

 

“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO. FATO DO PRODUTO APLICAÇÃO DO CDC. AÇÃO REGRESSIVA. SUB-ROGAÇÃO DA SEGURADORA NOS DIREITOS DO CONSUMIDOR. 1. A falta de prequestionamento em relação ao art. 160, I, do CC/ 1916, impede o conhecimento do recurso especial. Incidência da súmula 211/STJ. 2. Havendo pago a indenização securitária, a seguradora subroga-se nos direitos e ações que competiriam ao segurado contra o autor do dano, fabricante do produto defeituoso, nos limites do contrato de seguro, cabendo, no caso, a aplicação de todos os institutos previstos no CDC. 3. A análise da alegado cerceamento de defesa exige reapreciação do conjunto probatório, o que é vedado em recurso especial, ante o teor da Súmula 7/STJ. Precedentes. 4. Não conheço do recurso especial”.[14]

 

                   Assim, a Autora apresenta-se frente a Ré nesse feito com as mesmas prerrogativas que o seu segurado ostentava antes de perceber a indenização securitária, fato que lhe garante gozar das regras do microssistema consumerista de maneira plena.

 

                   Com efeito, ao efetuar o pagamento da indenização securitária ao segurado – em razão dos danos proporcionados pela conduta da Ré – a Autora encampou em sua esfera jurídica todos (e absolutamente todos) os direitos e as ações que competiam àquele, inclusive do que se refere ao prazo prescricional (CDC 27[15]) e ao benefício da inversão do ônus da prova (CDC 6º[16]). Neste sentido, confere-se a posição do E. TJSP:

 

“PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PROPOSITURA POR SEGURADORA SUB-ROGADA. INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. CONSTATAÇÃO, PORÉM, DE VÍCIO DE CERCEAMENTO DE DEFESA POR FALTA DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. SENTENÇA ANULADA. RECURSO PROVIDO.1. A seguradora, tendo realizado o pagamento dos danos em favor da segurada, assumiu o posicionamento respectivo, em virtude de sub-rogação, o que lhe confere a legitimidade para reclamar a reparação dos danos no mesmo posicionamento jurídico. 2. O prazo para a propositura de ação condenatória ao pagamento de indenização por danos decorrentes de falha na prestação de serviços tem natureza prescricional e é de cinco anos, por incidência do artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor, que é aplicável também no âmbito da prestação de serviços de energia elétrica. 3. Havendo controvérsia a respeito da relação de causalidade entre o fato noticiado e os danos informados pela autora, prematura se mostrou a realização do julgamento antecipado da lide, pois insuficiente o esclarecimento da matéria pela simples apresentação de documentos por parte da autora, havendo expresso requerimento de produção de outras provas. Daí advém a anulação da sentença, a fim de admitir a dilação probatória necessária”.[17](Nossos grifos).

 

                   Revela-se salutar destacarmos, ainda, que a tese que propõe a inaplicabilidade do CDC nas relações mantidas por empresas concessionárias de serviços públicos (CF 175) não merece guarida desse D. Juízo, justamente porquanto serem, há muito, veementemente rechaçadas pela doutrina e pela jurisprudência pátria. Daí porque toda e qualquer tentativa da Ré de sustentar a inaplicabilidade do CDC in casu figurar-se-á inócua e digna de repúdio.

 

                   Torna-se inexorável a conclusão que mesmo tratando-se de empresa concessionária de serviço público, deve a Ré observar os preceitos básico que regem o mercado de consumo de modo a garantir a prestação de serviços adequados e seguros, em estrita observância aos ditames do CDC. Ora Exa., é  essa, inclusive, a determinação do artigo 7º, inciso I, da Lei n.º 8.987/95, que regulamenta justamente a CF 175, senão vejamos: “sem prejuízo do disposto na Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990, são direitos e obrigações dos usuários: I – receber serviço adequado” (Nossos grifos).

 

                            Ademais, o CDC 22 estabelece, de forma expressa, que as concessionárias de serviço público submetem-se às regras consumeristas:

 

“Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. 

Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.”

 

                    E não é por outra razão Exa., que o C. STJ – ao enfrentar a questão – consolidou o seu entendimento nos seguintes termos:

 

“PROCESSUAL CIVIL. INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS. VÍCIOS NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. APLICAÇÃO DO CDC(ART. 14). EXCLUDENTE NÃO COMPROVADA. SÚMULA 07/STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA. 1. Cuida-se de ação de indenização por conta de danos materiais causados a parte agravada em razão da irregularidade no fornecimento de energia elétrica. O Tribunal a quo manteve a sentença de piso a qual condenou a concessionária de energia elétrica a ressarcir a sociedade empresária. 2. O acórdão recorrido consignou ser incontroverso os danos causados à parte ora agravada em função da irregularidade no fornecimento da energia elétrica. Assim, com base nas disposições do Código de Defesa do Consumidor,consignou pela responsabilidade civil objetiva da concessionária afastando a necessidade da comprovação da culpa.”[18](Nossos grifos).

 

                   Ademais, não se olvide que a Ré é obrigada a cumprir com a Política Nacional das Relações de Consumo de forma estrita (CDC 4º), uma vez que é obrigada a garantir a racionalização e a melhoria dos serviços públicos que presta, comprometendo-se a garantir todas as “necessidades dos consumidores, o respeito a sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo”.[19]

 

                   Infelizmente – tal como se observa nessa demanda – a Ré não proporciona aos seus consumidores uma rede de distribuição de energia elétrica verdadeiramente segura e apta a  garantir os postulados da Política Nacional das Relações de Consumo, motivo pelo qual – em caso de danos provenientes de fenômenos elétricos (que, lembre-se, são evitáveis por natureza) – imperioso o dever de indenizar da Ré, inclusive conforme dispõe o CDC 14:

 

“O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”

 

                   De efeito, os serviços prestados pela Ré devem apresentar qualidade adequada ao consumidor, i.e. aptidão para atender a demanda dos usuários de forma plena e – principalmente – segura. Para conquistar tal intento, dentre outras providências, é imprescindível que a Ré mantenha a rede de distribuição de energia elétrica que administra totalmente preservada, munida com os dispositivos de segurança aptos a controlar e evitar os fenômenos elétricos inerentes ao ramo de atividade que explora, assim como empregar uma sólida política de manutenção preventiva, sobretudo porquanto não deixar de angariar da população os valores necessários para tanto.

 

                   Exa., a situação que impera no setor de serviços públicos básicos – como v.g. o fornecimento de água e luz – é vexatória! Há um descaso generalizado e um déficit de investimentos que alimenta um circulo vicioso extremamente prejudicial para os administrados, que permanecem arcando com elevados preços a titulo de contraprestação sem, contudo, receber a  correspondente (e devida!) prestação! Em outras palavras: o administrado paga muito e paga sempre. A administração (in casu concessionária de serviço público) entrega de forma desproporcional com o valor cobrado e não garante a regularidade do fornecimento e a qualifade mínima do serviço! Enfim, um verdadeiro caos!

 

                   No caso em apreço, a falha da Ré é inequívoca, uma vez que a sua omissão foi a causa necessária, direta e imediata para que ocorressem as variações no fornecimento da energia elétrica ao imóvel assegurado pela Autora, e em razão da consequências oscilações da tensão elétrica – que, como já dito,são eventos totalmente previsíveis e evitáveis – sobrevieram os danos expostos nessa demanda.

 

                   A responsabilidade civil da Ré e o seu dever de reembolsar a Autora são inafastáveis e encontram guarida no CDC 20 §2º: 

 

“Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha.

§ 2° São impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade.”

 

                   O serviço defeituoso – apto a ensejar a responsabilidade civil objetiva do prestador – caracteriza-se quando executado em desacordo com a qualidade que dele legitimamente se espera e apresenta-se na medida em que não atende à finalidade para a qual se propõe. Por conseguinte, torna-se inconteste que o fornecimento de energia elétrica de forma irregular e a falta de estabilização da tensão elétrica são provas, por excelência, da prestação defeituosa realizada pela Ré, motivo pelo qual essa deve ser condenada a arcar com o ressarcimento dos prejuízos que deu causa.

 

                   Por fim, destaque-se a lição de Sérgio Cavalieri Filho:

 

“(…) quem tem o bônus deve suportar o ônus. Aquele que participa da Administração Pública, que presta serviços públicos, usufruindo os benefícios dessa atividade, deve suportar os seus riscos, deve responder em igualdade de condição com o Estado em nome de quem atua.(…)”[20] 

 

                   Por conseguinte, comprovado i) a conduta omissiva da Ré, i.e. serviço defeituoso; ii) o dano elétrico; e iii) o nexo de causalidade entre a conduta e o dano – conforme demonstrado nos robustos documentos a essa coligados – torna-se imperiosa a condenação da Ré a indenizar o prejuízo que deu causa, já que não foi capaz que evitar o seu acontecimento (como era esperado).

 

II. Da Responsabilidade Civil da Ré pelo Risco Administrativo. Responsabilidade Civil Objetiva por Determinação Constitucional. 

 

                   Cumpre destacar – como não poderia deixar de ser – que na medida em que a Administração Pública concede à iniciativa privada a possibilidade de executar um serviço público, também a transfere a incumbência de realizar a prestação desse serviço com a máxima excelência, de modo quea concessionária assume o risco da atividade que se dispõe a exercer. Isso significa que, caso haja qualquer dano ao administrado, propagado pela atividade exercida pela concessionária, essa deve prestar indenização independentemente da investigação do elemento subjetivo de sua conduta (i.e. culpa).

 

                   Trata-se Exa., de sistema própria de responsabilidade civil, de cunho constitucional direito, que encontra fundamento justamente no risco administrativo, conforme tipificado na CF 37, § 6º:

“Artigo 37: A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(…) 

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.(…)” (Nossos grifos).

 

                   Com efeito, o constituinte estabeleceu um regime de responsabilidade civil diferenciado para reger a atividade da administração pública e para tanto tipificou a obrigação de reparar os danos suportados pelos administrados, independentemente do instituto da culpa.

 

                   Portanto, a responsabilidade civil da Ré é objetiva e decorre de sua qualidade de concessionária de serviço público. Pauta-se no risco administrativo –amplamente reconhecido em nosso ordenamento jurídico – pelo qual atribui-se ao ente público ou quem lhe faça as vezes a responsabilidade pela simples caracterização do danoe donexo causal, eliminando a perquirição do elemento psíquico ou volitivo do agente.

 

Conforme pontifica Yussef Said Cahali:

 

“Não se pode subtrair à responsabilidade objetiva, tão-só ante a circunstância do prestador de serviço público, por sua natureza, não ser o próprio Estado, mas um agente, ainda que empresa privada (…)” [21](Nossos grifos)

 

                   Dessa forma, torna-se clarividente que as empresas concessionárias de serviços públicos – como a Ré – submetem-se a um regime especial de responsabilidade civil, porquanto equiparada ao Estado (CF 37, §6º). Respondem, consequentemente, por todo e qualquer dano ocasionado em razão do exercício de sua atividade de forma objetiva.

 

                   Nessa esteira, impende esclarecer que para a caracterização da responsabilidade civil da Ré considera-se suficiente a demonstração da relação de causalidade entre a conduta da concessionária (ato lesivo = comissivo ou omissivo) e o dano suportado pelo consumidor que – em virtude da natureza da presente demanda – está representado na pessoa da Autora (que, ao prestar a indenização securitária, sub-rogou-se nos direitos e ações que competiam, originariamente, ao consumidor lesado).

 

                   Com efeito,  diante da falHA NO FORNECIMENTO DA ENERGIA ELÉTRICA e oscilações decorrentes, a Ré permitiu que os estragos evidenciados nos bens sinistrados ocorressem, mesmo sabendo que através da adoção de uma séria política de investimento, manutenção e prevenção na rede de energia elétrica que administra fatos como os ora narrados não ocorreriam.

 

                   De efeito, a simples oscilação da energia elétrica já demonstra, per se, a falha na prestação dos serviços desempenhados pela Ré, que na medida em que não proporciona o perfeito funcionamento da rede elétrica infringe os seus deveres contratuais e legais como prestadora de serviço público e, consequentemente, assume o dever de reparar os danos que a sua postura omissiva causou.

 

                   No caso em apreço Exa., é fato fora de discussão que a conduta da Ré foi a causa necessária, direta e imediata para a ocorrência dos danos suportados pela Autora (CCB 403), razão pela qual inequívoco o seu dever de indenizar.

 

                   O sinistro em tela está intimamente ligado a falha na prestação do serviço pela Ré, que não exerceu o seu dever de excelência no fornecimento de energia elétrica, tampouco garantiu a adequada manutenção da rede de distribuição. Em virtude da ausência de condições mínimas de segurança – necessárias para a consecução de seus serviços e meios preventivos para evitar danos aos usuários e consumidores – a Ré permitiu fossem causados os danos suportados pela Autora que jamais existiriam se a Ré tivesse agido da forma como era esperada.

 

                   Por consequência, resta caracterizado o vínculo etiológico entre o dano elétrico evidenciado no bem assegurado pela Autora e a atividade prestada pela Ré (repita-se ad nauseam: defeituosa por permitir que a tensão elétrica oscilasse e adentrasse com sobrecarga no imóvel assegurado).

 

A subsunção do fato à norma Exa., não deixa dúvida que a responsabilidade civil da Ré está perfeitamente caracterizada in casu:

 

 

Ato

Conduta negligente calcada na  omissão danosa da Ré ao não realizar a prevenção dos riscos inerentes à atividade que explora e a isentar-se de reparar, investir, trocar, gerir e instalar equipamentos que proporcionem um fornecimento de energia elétrica seguro, constante e sem perigo aos consumidores.

 

Dano

Comprometimento do bem assegurado pela Autora que não suportou a impropriedade de tensão do fornecimento de energia elétrica.

 

 

 

Nexo Causal

 

 

Os danos suportados pela Autora decorreram direta e imediatamente da postura da Ré, i.e. da falha na prestação dos serviços públicos que explora.

 

E sobre o tema, destaque-se a lição de José dos Santos Carvalho Filho:

"Para configurar-se esse tipo de responsabilidade, bastam três pressupostos. O primeiro deles é a ocorrência do fato administrativo, assim considerado como qualquer forma de conduta, comissiva ou omissiva, legítima ou ilegítima, singular ou coletiva, atribuída ao Poder Público. (…)

O segundo pressuposto é o dano. Já vimos que não há falar em responsabilidade civil sem que a conduta haja provocado um dano. Não importa a natureza do dano, tanto é indenizável o dano patrimonial como o do dano moral. (…)

O último pressuposto é o nexo causal (ou relação de causalidade) entre o fato administrativo e o dano. Significa dizer que ao lesado cabe apenas demonstrar que o prejuízo sofrido se originou da conduta estatal, sem qualquer consideração sobre o dolo ou culpa. (…)

O nexo de causalidade é fator de fundamental importância para a atribuição de responsabilidade civil do Estado (…)

O Estado causa danos a particulares por ação ou por omissão. Quando o fato administrativo é comissivo, podem ser gerados por conduta culposa ou não. A responsabilidade objetiva do Estado se dará pela presença dos seus pressupostos – o fato administrativo, o dano e o nexo causal."[22](Nossos grifos).

 

                   Com efeito, havendo dano e nexo de causalidade – como no caso em apreço – inafastavel a caracterização da responsabilidade da Ré e respectivo dever de indenizar, conforme bem frisa Savatier:

 

“Um dano só produz responsabilidade, quando ele tem por causa uma falta cometida ou um risco legalmente sancionado”. [23] 

 

                   Ademais, cumpre observar que a responsabilidade civil da Ré também encontra previsão na legislação infraconstitucional específica, conforme dispõe a Lei n.º 8.987/1995:

 

“Art. 6o Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.

§ 1o Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.” (Nossos grifos).

 

“Art. 23. São cláusulas essenciais do contrato de concessão as relativas: (…)

V – aos direitos, garantias e obrigações do poder concedente e da concessionária, inclusive os relacionados às previsíveis necessidades de futura alteração e expansão do serviço e consequente modernização, aperfeiçoamento e ampliação dos equipamentos e das instalações;” (Nossos grifos).

 

“Art. 25. Incumbe à concessionária a execução do serviço concedido, cabendo-lhe responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue essa responsabilidade.

§ 1o Sem prejuízo da responsabilidade a que se refere este artigo, a concessionária poderá contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido, bem como a implementação de projetos associados.” (Nossos grifos).”

 

E como se não bastasse, vejamos a interpretação jurisprudencial do tema:

 

“CIVIL E ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL – AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS CAUSADOS POR SOBRECARGA NA REDE DE ENERGIA ELÉTRICA – “SEGURADORA – INDENIZAÇÃO – SUBROGAÇÃO NOS DIREITOS DA SEGURADA – CELESC – RESPONSABILIDADE CONFIGURADA  – DEVER DE PAGAR. Verificada a responsabilidade da Celesc Distribuição S/A por danos decorrentes de sobrecarga na rede de energia elétrica, deve a concessionária indenizar a empresa seguradora em ação regressiva.”[24] (Nossos grifos.)

 

 

“Interposição contra sentença que julgou procedente ação de ressarcimento de danos. Cerceamento de defesa afastado. Existência de danos ocorridos em elevador de condomínio, em razão de sobrecarga em rede elétrica. Dano material comprovado. Reparação devida. Sentença mantida. Apelação não provida.”[25]

 

 

“A responsabilidade civil dos prestadores de serviço públicos é objetiva, a teor do § 6º, artigo 37, da Constituição Federal. Não obstante, presente a relação de consumo, incidentes as normas do Código de Defesa do Consumidor, inclusive a inversão do ônus da prova, ex vi do artigo art. , VIII. Comprovada a prática de ato ilícito, falha na prestação do serviço de fornecimento de energia, acarretando em sobrecarga na rede dando causa ao incêndio, bem como claro o nexo de causalidade, é o que basta a fim de configurar o dever de indenizar.” [26](Nossos grifos.)

 

Deve a Ré, portanto, ser condenada a ressarcir os danos suportados pela Autora.

 

III. Da Infração da Cláusula Geral da Boa-Fé Objetiva (CCB 422) e Do Risco da Atividade 

 

                   Sabe-se que a empresa que se beneficia economicamente do contrato de concessão de serviços públicos tem o dever de garantir a excelência na prestação do serviço – bem como segurança –  também em razão do postulado da boa-fé objetiva, cláusula geral de nosso ordenamento jurídico, conforme tipificado no CCB 422.

 

                     Com efeito, boa-fé objetiva impõe aos contratantes determinados padrões de condutas, os quais devem ser respeitados e garantidos a qualquer custo, sob pena de desestabilização das bases do negócio jurídico e consequente frustração da utilidade do contrato.

 

 

                   Ora Exa., quem contrata serviço de fornecimento de energia elétrica espera que esse seja prestado de forma segura, constante e – principalmente – que não seja causa de danos aos equipamentos que são alimentados pela eletricidade fornecida. Dessa ótica, o principal padrão de conduta esperado da Ré é justamente esse, que pode ser resumido em uma única expressão: qualidade.

 

                   Ademais, como assente na mais refinada doutrina, CCB 422 tem o condão de criar deveres anexos de condutas aos contratantes – independentemente da manifestação volitiva de vontade de qualquer delas – dos quais se destacam os deveres de proteção e segurança, que são inexoravelmente imputados à Ré sobretudo porquanto concentrar o  MONOPÓLIO pelo fornecimento de energia elétrica à população da área que explora.

 

                     Sobre o tema, o C. STJ – na elaboração da I Jornada de Direito Civil[27] –  assim se manifestou:

 

Enunciado 24: “Em virtude do princípio da boa-fé, positivado no CC 422, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa.”

 

                     Frise-se, que o ramo de atividade Ré reúne em sua essência a necessidade de adoção das medidas acautelatórias necessárias a garantir a incolumidade dos usurários dos serviços que presta (e respectivos bens). É padrão de conduta que deve ser observado pela Ré a perfeita execução dos serviços que lhe foram concedidos, com a observância de todas as precauções hábeis a evitar o fenômeno elétrico  como o que deu causa à presente demanda.

 

                   Ora Exa. é inequívoco que caso houvesse mecanismos de segurança instalados na área na qual o imóvel assegurado pela Autora está situado – v.g. controle de estabilização da tensão ou mesmo  dispositivos de interrupção da corrente elétrica alternada –, certamente o evento danoso retratado na demanda não teria ocorrido. Eis a demonstração cabal da espécie de omissão específica.

 

                   De qualquer modo, não se olvide que eventos da natureza do ora em discussão – conquanto evitáveis – são intrínsecos e indiciáveis à atividade empresarial da Ré, motivo pelo qual caracterizam-se como verdadeiros riscos assumidos pela Ré no momento em que se dispôs a exercer a concessão em comento.

 

                   Portanto, aplicável in casu o velho adágio romano “ubi emolumentum, ibi onus; ubi commoda, ibi incommoda”, ou seja:por ser a atividade da Ré de risco – que, inclusive, lhe propicia lucro – por aferir os cômodos da atividade também deve suportar os incômodos, que, no presente caso, traduz-se na responsabilidade pelas perdas sofridas pela Autora.

 

                   De efeito, conforme estabelece o CCB 927, parágrafo único, a responsabilidade civil da Ré prescinde do elemento subjetivo de sua conduta, tendo em vista que possui em sua essência o risco, que, uma vez verificado no caso concreto, gera de imediato o dever de indenizar.  Sobre esse tema, impecável a colocação da Ministra do C. STJ, Nancy Andrighi:

 

“(…) no final do século XIX, observou-se no mundo, o desenvolvimento e os esforços no sentido de sistematizar um novo fundamento para a responsabilidade civil, desprendendo-se da idéia da culpa pela causalidade objetiva, tudo envolto em uma visão do Direito, mais harmonizado para respeitar, às inteiras, a dignidade da pessoa humana, sob o preceito de que cada um deva assumir e responder pelos riscos provocados por sua atividade. (…)”[28] (Nossos grifos).

 

                   No mesmo sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello pontifica:

 

“o concessionário, pessoa de Direito Privado, de objetivos econômicos, está, ao agir nesta qualidade, sujeito, como qualquer empresa, aos percalços naturais da atividade empresarial; terceiros não podem deixar de levar em consideração este fato.”[29] 

 

                   Por conseguinte, outra saída não socorre à Ré senão indenizar os danos que causou.

 

IV. Da Caracterização da Responsabilidade Civil Subjetiva da Ré 

 

                   Conforme já tivemos a oportunidade de sustentar doutrinariamente, sabe-se que “a noção de responsabilidade carrega a ideia de garantia e segurança de recomposição ou restituição do sacrifício suportado por quem quer que seja (pessoa natural ou jurídica). Traduz, definitivamente, o sentimento embrionário de justiça, consistente na busca pela reparação completa da vitima a situação anterior ao dano. Define-se, assim, a responsabilidade civil como sendo a obrigação de reparar os danos materiais e morais que, direta ou indiretamente, causar a outrem ou pela qual responde em razão de lei ou contrato. Consiste no dever de, na medida do possível, tornar indene (sem dano – dai a ideia de indenizar) os prejuízos acarretados por determinado fato jurídico.”[30]

 

                   De efeito, a responsabilidade civil e a consequência da imputação civil do dano evidenciado a pessoa que lhe deu causa ou que responda pela indenização correspondente, nos termos da lei ou do contrato.[31] Em regra, para a sua caracterização, o sistema exige estejam articulados entre si i) a conduta comissiva ou omissiva do agente; ii) o dano; e iii) o nexo causal entre a conduta e o dano.

 

                   Com efeito, todos esses requisitos já restaram sobremaneira demonstrados nos tópicos anteriores da presente petição inicial, motivo pelo qual explanaremos a seguir, apenas, sobre a conduta culposa da Ré. Isso porque, tratando-se de responsabilidade civil subjetiva é imprescindível seja caracterizado o elemento subjetivo da conduta do agente.

 

 

                   Conforme destacamos em nosso Manual de Direito Civil, pode-se conceituar culpa como “a inobservância de determinado dever jurídico de conduta, sem que haja, contudo, intenção deliberada do agente em lesar ou violar direito de outrem.”[32]

 

                   O dano verificado no bem assegurado pela Autora decorreu direta e imediatamente da omissão da Ré e de sua negligência, uma vez que essa permitiu com que houvesse oscilação e sobrecarga na rede elétrica que administra.

 

                   Sabe-se que a “negligência é o ato de descaso, falta de cuidado ou atenção, a indolência, geralmente o non facere quod debeatur, quer dizer, a omissão quando do agente se exigia uma ação ou uma conduta positiva.”[33] 

 

                   E, de fato, a oscilação da rede elétrica e a ausência dos dispositivos de segurança (ou o seu não funcionamento correto quando dos fatos) revelam a manifesta indolência da Ré no desempenhar de suas funções como concessionária de serviços públicos.

 

Sobre a conduta culposa da Ré, Celso Antônio Bandeira de Melo esclarece:

 

“Em síntese: se o Estado, devendo agir, por imposição legal, não agiu ou fez deficientemente, comportando-se abaixo dos padrões legais que normalmente deveriam caracterizá-lo, responde por esta incúria, negligência ou deficiência, que traduzem um ilícito ensejador do dano não evitado quando, de direito, deveria sê-lo.”[34](Nossos grifos.)

 

                   Destaque-se que a conduta culposa da Ré decorre, inclusive, da desobediência do quanto prevê o artigo 95 da Resolução n.º 456 da ANEEL:

 

“Art. 95. A concessionária é responsável pela prestação de serviço adequado a todos os consumidores, satisfazendo as condições de regularidade, generalidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, modicidade das tarifas e cortesia no atendimento, assim como prestando informações para a defesa de interesses individuais e coletivos” (Nossos grifos.)

 

                   A culpa pelo não cumprimento dos deveres inerentes à atividade desenvolvida pela Ré acentua-se ainda mais por tratar-se de atividade que ao mesmo tempo que se apresenta como essencial à população, revela-se perigosa per se .

 

                   Sobre o tema, a jurisprudência assim se manifesta:

 

“A companhia de energia elétrica é obrigada a reparar o dano causado a terceiro se não adotou as devidas providências para regular conservação das instalações externas de sua rede de distribuição”[35]

 

”RESPONSABILIDADE CIVIL. ELETROCUÇÃO DE PESSOA, CAUSADA POR DEFEITO EM LINHA PARTICULAR DE TRANSMISSAO DE ENERGIA ELETRICA. SOLIDARIEDADE DA CONCESSIONARIA QUE DESCUROU O DEVER DE FISCALIZAÇÃO. RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS NÃO CONHECIDOS”.[36](Nossos grifos)

 

                   Demonstrada, assim – de forma clara e inequívoca – a responsabilidade civil da Ré pelos danos ocasionados à Autora, o acolhimento da pretensão processual contida nessa demanda é a medida de direito que se impõe a esse D. Juízo.

 

 

 

DOS PEDIDOS

 

 

                   Ante ao todo exposto, é a presente para requerer a Vossa Excelência:

 

  1. Que seja designada AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO ou MEDIAÇÃO, conforme previsto no art. 334 do NCPC;
  2. a procedência da presente ação, com a condenação da Ré ao pagamento da importância de R$ 5.757,42 (cinco mil, setecentos e cinquenta e sete reais e quarenta e dois centavos), a ser acrescida de correção monetária, juros de 1% (um por cento) ao mês, ambos contados desde o desembolso, a teor do CCB 398 e 406, CTN 161, § 1º e STJ 43 e 54[38], bem como despesas processuais e honorários advocatícios no importe de 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação, tudo apurado até o efetivo pagamento;
  3. a inversão do ônus da prova;
  4. o depoimento da Ré na pessoa do seu representante legal, sob pena de confissão;
  5. a oitiva das testemunhas constante do rol a seguir, que deverão ser regularmente intimadas;
  6. a produção de todas as provas em direito admitidas, na amplitude dos artigos 369 e seguintes do NCPC, em especial as provas: documental, pericial, testemunhal e depoimento pessoal da parte ré.

 

 

                   Dá-se a causa o valor de R$ 5.757,42 (cinco mil, setecentos e cinquenta e sete reais e quarenta e dois centavos).

Cidade, data 

Nesses termos,

pede deferimento.

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