[MODELO] Ação Ordinária – Nulidade de Taxa de Manutenção
ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DA CAPITAL
JUÍZO DE DIREITO DA 10ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA
Processo nº 111887-5
Ação: Ordinária
SENTENÇA
Vistos etc…
I
SERGIO MALAMUD, qualificado na inicial, aXXXXXXXXXXXXou a presente ação em face da SUPERINTENDÊNCIA DE DESPORTOS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – SUDERJ, pedindo a declaração de nulidade do ato normativo que estabeleceu ao autor o dever de pagar taxa de manutenção sobre cadeiras perpétuas junto ao Estádio Mário Filho, bem como a condenação do réu a restituição dos valores recebidos, sob esta rubrica, do autor nos últimos cinco anos.
Como causa de pedir, alega o autor, em síntese, ser titular do direito de uso das cadeiras cativas e perpétuas situadas no Estádio Mario Filho, com estrita observância do disposto nas Leis Estaduais nº 57/87 e 335/89, e por isso fazer jus ao uso e gozo das mesmas de forma gratuita, a acarretar a ilegalidade de cobranças de taxas de manutenção realizadas a partir de janeiro de 1968, com base no Decreto nº 1007.
Com a inicial vieram os documentos de fls. 13/86.
Formulou o autor pleito de antecipação de tutela, que não veio a ser apreciado.
Regularmente citado, o réu apresentou contestação (fls. 60/65), alegando, em síntese, versar a hipótese em julgamento espécie de concessão de uso de bem público, cujas condições estão sujeitas a regulamentação pela Administração, onde se inclui a possibilidade de imposição de taxa de manutenção do bem, ante as despesas voltadas a conservação do mesmo. Assim, não haveria ilegalidade na taxa imposta, cujo objetivo é manter o estado do bem, e não estabelecer uma forma de ganho.
Réplica às fls. 70/73.
Parecer do Ministério Público às fls. 78/80, no sentido da improcedência do pedido, eis que o autor é titular de uma concessão de uso exclusivo de bem público, e por tal razão deve repor aos cofres administrativos os gastos para sua manutenção, traduzido pela taxa cobrada, sob pena de enriquecimento ilícito.
II
É o relatório. Fundamento e decido.
A questão posta é puramente de direito, e por isso importa na possibilidade do julgamento antecipado.
Versa sobre a legalidade da taxa de manutenção das cadeiras perpétuas junto ao Estádio Mario Filho, cobradas aos seus titulares.
O tema não é novo. Já foi enfrentado não apenas pelo Tribunal de Justiça deste Estado, como também pelo STJ e STF.
Todos os julgados existentes junto ao STF são no sentido da ilegalidade da taxa de manutenção – RE 82121-RJ, 1a Turma, Rel. Min. BILAC PINTO, J. 27.05.77; RE 87296, 2a Turma, Rel. Min. HAHNEMANN GUIMARÃES, J. 10.12.63; RE 81582-RJ, 1a Turma, Rel. Min. RODRIGUES ALCKMIN, J. 28.05.77; RE 81923-RJ, 2a Turma, Rel. Min. XAVIER DE ALBUQUERQUE, J. 06.08.76 – sob o argumento de não se poder alterar uma determinada relação jurídica quando a mesma se constitui, e se exaure, sob dado ordenamento, trazendo a partir daí efeitos próprios e intangíveis.
Este também vem sendo o entendimento de nosso Tribunal de Justiça, que faz observar ainda a impossibilidade de um decreto estadual – norma secundária – estabelecer regramento diverso e contraditório àquele que se encontra no âmbito das leis estaduais em aplicação. Ou seja, reforça-se a idéia de direito adquirido e hierarquização das normas no nosso direito.
Quanto ao que é dito, oportuno trazer a baila dois recentes julgados:
"SUDERJ – CADEIRA PERPÉTUA DO ESTADIO MARIO FILHO – TAXA DE MANUTENÇÃO – COBRANÇA INDEVIDA – DECLARATÓRIA DE NULIDADE – REPETIÇÃO DO INDÉBITO.
Declaratória c.c. repetição de indébito. Cadeiras perpétuas no Estadio Mário Filho. Direito concedido pelas Leis Estaduais nº 57/87 e 335/89, de uso das cadeiras independentemente de qualquer pagamento. Decreto Estadual nº 1007/68, que obrigou o pagamento de taxa a título de manutenção e conservação. Impossibilidade de Decreto Estadual revogar Lei, já que esta última é hierarquicamente superior, na forma do Direito Constitucional. Evidência de direito adquirido. Negado provimento" (Ap. Cível, Proc. 2012.001.00989, Reg. 25.06.02, 8a CC, Des. REINALDO P. ALBERTO FILHO, J. 30.08.02).
"CADEIRA PERPÉTUA DO ESTÁDIO MÁRIO FILHO – TAXA DE MANUTENÇÃO – IRRETROATIVIDADE DE LEI NOVA.
Ação ordinária e cautelar. Estádio do Maracanã. Cadeiras cativas. A legislação subsequente, que instituiu a taxa de manutenção, não pode retroagir, para alcançar os que adquiriram as cadeiras quando da construção do estádio, não estando elas sujeitas a qualquer ônus ou contribuição. Desprovimento do apelo" (Ap. Cível, Proc. 2012.001.05988, 10a CC, Unânime, Des. SYLVIO CAPANEMA, J. 19.10.99).
Logo, correto afirmar que a cobrança da taxa de manutenção agride as leis estaduais datadas da década de 80, e que trouxeram as cadeiras perpétuas para viabilizar a construção do Estádio Mário Filho.
Veja-se que não se retira aqui a exatidão do argumento da necessidade de gastos para manter o bem, e por isso a perspectiva de se fazer a reposição dos referidos valores através da cobrança junto aos titulares beneficiados.
O que se combate é a forma. Se por um lado a idéia de perpetuidade das cadeiras se dá quanto ao direito de uso, por outro importa em que a Administração está impedida de tentar fazer cobranças arbitrárias a título de reposição de gastos para sua conservação.
Os valores que poderão emergir a título de cobrança apenas se colocarão válidos e regulares se feitos após o devido processo legal. A Administração, para tanto, deverá fazer um inventário de todas as cadeiras perpétuas e o percentual que representam, os gastos para conservação do Estádio, o montante total que arrecada dos torcedores e usuários por espetáculos e, ao final, checar se realmente tem despesas para manter o estado adequado das cadeiras perpétuas. Tudo através de procedimento administrativo onde fique franqueado o direito de defesa e manifestação dos titulares dos referidos bens.
A Administração não pode, por conseguinte, tentar arbitrariamente trazer uma nova forma de captação de recursos, que represente para ela, isto sim, um enriquecimento ilícito, com desrespeito a segurança das relações jurídicas, que se traduz na aquisição do direito a perpetuidade do uso das cadeiras, sem pagamento de ingressos, por parte daqueles que, seguindo a lei da época, adquiriram as referidas cadeiras cativas.
Pensar o contrário seria trazer o ilógico. Estabelecer a perspectiva daqueles que, pagando um valor altíssimo, ajudaram no financiamento da obra de construção do Estádio, e, agora, passam a pagar mais do que um torcedor. Ou seja, "estariam acabando por adquirir onerosamente o dever de anualmente pagar uma taxa". Seria justo, jurídico e adequado, em síntese, razoável, impor a uma pessoa que financiou uma obra com a perspectiva de obter um bem, ter depois que ficar pagando eternamente pelo mesmo? Obviamente que não.
III
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido, para declarar indevida a taxa de manutenção das cadeiras perpétuas titularizada pelo autor, e discriminada em sua peça, bem como condenar o réu a restituir aquilo que indevidamente recebeu sob esta rubrica, durante os cinco anos pretéritos à data do aXXXXXXXXXXXXamento desta ação. Os valores impostos a título de condenação deverão ser atualizados desde a data de cada pagamento. Os juros incidirão desde a citação.
Imponho ao réu os ônus sucumbenciais, fixando os honorários advocatícios em 10% do valor da condenação.
Concedo, em parte, a antecipação de tutela, impondo ao réu o dever de se abster de cobrar a taxa de manutenção das cadeiras perpétuas quanto ao autor. Adoto os fundamentos aduzidos como forma de decidir, acrescendo que o perigo da demora está na lesão contínua ao patrimônio.
P.R.I..
Rio de Janeiro, 09 de setembro de 2003