[MODELO] AÇÃO ORDINÁRIA DE CONVERSÃO DE BENEFÍCIO ADMINISTRATIVO COM PEDIDO LIMINAR contra o MINISTÉRIO DA FAZENDA/RECEITA FEDERAL DO BRASIL – RFB
EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) FEDERAL DA __ VARA FEDERAL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE _______________-__________
XXXXXXXX, já cadastrado eletronicamente, vem com o devido respeito perante Vossa Excelência, por meio de seus procuradores, propor a presente
AÇÃO ORDINÁRIA DE CONVERSÃO
DE BENEFÍCIO ADMINISTRATIVO
COM PEDIDO LIMINAR
em face do MINISTÉRIO DA FAZENDA/RECEITA FEDERAL DO BRASIL – RFB, pessoa jurídica de direito público, pelos seguintes fundamentos fáticos e jurídicos que passa a expor:
- FATOS
O Postulante desempenhava o cargo de analista tributário da Receita Federal do Brasil, cargo efetivo (art. 9º, I, da Lei 8.112/90) desde 28 de junho de 2002, data de sua admissão, com matrícula SIAPE n.º 1354093.
Em 27 de julho de 2011, através de portaria da Secretaria da Receita Federal do Brasil, conforme documento anexo, foi aposentado por invalidez proporcional.
A aventada aposentadoria por invalidez foi concedida em razão de que o Autor é acometido de graves e crônicas patologias psiquiátricas, não tendo condições em definitivo de desempenhar suas funções na RFB.
De acordo com o “laudo de exame médico pericial de servidor”, que segue anexo, elaborado pela junta médica composta por três especialistas, o Demandante faz acompanhamento psiquiátrico há vários anos, desde junho de 2006, apresentando um quadro de transtorno bipolar (CID: F31) e de alcoolismo crônico (CID: F10).
Em razão disto, aliás, o Requerente manteve-se em consecutivos afastamentos por motivos de licença saúde desde meados de 2006, vindo a ser aposentado definitivamente na data já mencionada (27/07/2011).
Ocorre que, quando do ato da aposentação do Demandante, lhe foi conferida a aposentadoria por invalidez proporcional, tendo sido drasticamente reduzido o valor de seus proventos, para MENOS de 20% do valor bruto da remuneração que percebia enquanto ativo! Com efeito, o valor de sua remuneração era de R$ 11.127,19, enquanto ativo, tendo sido reduzida para R$ 2.262,42, no ato de sua aposentadoria.
Assim, Excelência, são dois os fundamentos pelos quais vem o Autor a juízo; o primeiro deles é que houve equívoco administrativo no instante da aposentação do servidor, não tendo sido corretamente interpretado o parecer da junta médica pelos funcionários da Superintendência de Administração/Recursos Humanos da RFB, e a segunda razão é que, mesmo na hipótese de terem os médicos da junta opinado pela aposentadoria proporcional – o que não ocorreu, diga-se –, fato é que o rol de patologias graves que permitem a aposentadoria integral não é taxativo, e sim meramente exemplificativo, razão pela qual deveria ser inclusa a patologia do Autor neste bojo, sendo-lhe conferida a invalidez com 100% de seus proventos.
De toda forma, vem o Postulante a juízo requerer que, na esfera judicial, tenha reconhecido seu direito violado administrativamente, sendo-lhe conferida a aposentadoria por invalidez com proventos integrais, conforme se passa a expor.
2. MÉRITO
2.1 DO PARECER DA JUNTA MÉDICA PERICIAL .
Foi referido alhures que houve equívoco administrativo, quando da interpretação do parecer expedido pela junta médica que avaliou o Autor.
Pois bem. Antes da demonstração do erro administrativo, faz-se necessária breve explanação, no que consta aos diplomas legais inerentes a matéria.
A Constituição Federal nos traz no artigo 40, §1º inciso I, com redação dada pela Emenda Constitucional n.º 41 de 2003, a hipótese da aposentadoria por invalidez para os servidores dos entes públicos federados. Perceba-se:
Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.
§ 1º Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma dos §§ 3º e 17:
I – por invalidez permanente, sendo os proventos proporcionais ao tempo de contribuição, exceto se decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, na forma da lei; (grifo nosso)
A Lei Federal 8.112/90, por sua vez, praticamente repisou a matéria, no artigo 186, incluindo, contudo, rol de patologias consideradas graves:
Art. 186. O servidor será aposentado:
I – por invalidez permanente, sendo os proventos integrais quando decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificada em lei, e proporcionais nos demais casos;
§ 1o Consideram-se doenças graves, contagiosas ou incuráveis, a que se refere o inciso I deste artigo, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira posterior ao ingresso no serviço público, hanseníase, cardiopatia grave, doença de Parkinson, paralisia irreversível e incapacitante, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estados avançados do mal de Paget (osteíte deformante), Síndrome de Imunodeficiência Adquirida – AIDS, e outras que a lei indicar, com base na medicina especializada. (grifo nosso)
Feita a mencionada transcrição do artigo 186, I, §1º da Lei 8.112/90, que exprime as doenças graves ensejadoras da aposentadoria por invalidez integral, necessário colar parte do Laudo da Junta Médica, cuja cópia completa segue anexa:
[trecho do laudo omitido para preservar a privacidade do servidor]
Como se bem pode perceber, Excelência, na conclusão da avaliação os Peritos da Junta Médica enquadraram o Demandante no artigo 186, inciso I, § 1º e 3º da Lei 8.112/90, o que significa que classificaram sua patologia como doença grave, exatamente como descreve a Lei dos Servidores Públicos para a hipótese de aposentadoria por invalidez integral (releia-se o já transcrito artigo).
De outra banda, analisando-se o Manual de Perícia Oficial em Saúde do Servidor Público Federal[1], cuja cópia (da parte que interessa-nos) segue anexa, é possível verificar que o transtorno afetivo bipolar é uma dos quadros possíveis de ser elencados como alienação mental, nos termos do artigo 186, I, §1º da Lei 8.112/90.
SÃO EXCEPCIONALMENTE CONSIDERADOS CASOS DE ALIENAÇÃO MENTAL:
1) Psicoses afetivas, mono ou bipolares, quando comprovadamente cronificadas e refratárias ao tratamento, ou quando exibirem elevada frequência de repetição fásica, ou ainda, quando configurarem comprometimento grave e irreversível da personalidade;
Exatamente este é o parecer clínico do Autor, razão pela qual foi enquadrado no art. 186, I, §1º da Lei 8.112/90. Novamente reportando-nos à conclusão médica da Junta Pericial, perceba-se que discorrem os Peritos que o Demandante apresenta um quadro patológico psiquiátrico crônico (cronificado), e que permanece descompensado, mesmo realizado tratamento há mais de cinco anos.
Desta forma, não somente sendo cronificada a patologia, resta claro que é refratária ao tratamento (já realizado há cinco anos!), e que compromete gravemente as boas funções mentais do Autor.
Por este motivo, Excelência, não há como ignorar o fato de que houve, sim, equívoco da Superintendência de Administração da Receita Federal, no ato da implantação da aposentadoria ao Autor.
Isto, pois resta claro que entendeu a Junta Pericial que o Requerente apresenta doença grave, e que por este motivo se enquadra no art. 186, I, §1º da Lei 8.112/90 (aposentadoria por invalidez integral).
A Superintendência Administrativa, por sua vez, quando da concessão da aposentadoria, furtou-se de verificar tal enquadramento, concedendo meramente o benefício proporcional ao Autor, a despeito de seu diagnóstico como alienado mental (do caráter de “doença grave” de sua moléstia).
Assim, estando presente a verossimilhança das alegações, em razão do notório parecer da Junta Médica Pericial, que como dito segue cópia anexa, é de ser dado provimento do pleito do Requerente, concedendo-lhe a aposentadoria integral, nos termos do artigo 40, §1º, I, da Constituição Federal, e do fartamente discorrido artigo 186, I, §1º da Lei 8.112/90.
2.2 DAS PATOLOGIAS CONSIDERADAS GRAVES .
Apenas por apreço ao Princípio da Eventualidade, caso Vossa Excelência entenda que o parecer da Junta Médica, por si só, não faz prova inquestionável do direito ao benefício de aposentadoria por invalidez integral, imperativa a realização de algumas considerações.
Fato é que de acordo com o que fora exposto anteriormente, a Junta Médica Pericial reconheceu o Demandante portador de doença grave, possuidor de transtorno afetivo bipolar, sendo-lhe aplicável o artigo 186, I, §1º da Lei 8.112/90.
De toda forma, a verdade é que no rol constante no aludido parágrafo primeiro do artigo 186 não consta especificamente o transtorno afetivo bipolar, mas, meramente, o genérico termo “alienação mental” como doença grave.
Neste sentido, vale a transcrição[2]:
“Por outro lado, não menos certo também é que não se afigura possível ao legislador selecionar e listar todas as modalidades de doenças consideradas graves, tendo em vista principalmente a evolução da pesquisa e da ciência médica, que vem descobrindo constantemente novas doenças igualmente graves e incuráveis e que se equiparam àquelas enumeradas nas leis supracitadas.”
Vale ponderar que na mesma linha de pensamento, Excelência, a área psiquiátrica é, por si só, um campo gigantesco da medicina, não podendo ter por taxativo o rol de doenças consideradas graves, no que consta a esta especialidade.
Dependendo da gravidade da patologia, ou mesmo do tempo em que acometido de determinada doença sem êxito de tratamento, certa pessoa pode ser avaliada como doente grave, sendo que outro enfermo – de igual diagnóstico – pode obter êxito em sua recuperação.
Isto significa que, conforme referido pelo Desembargador no voto acima transcrito, “não se afigura possível ao legislador selecionar e listar todas as modalidades de doenças consideradas graves”.
É neste prisma que emerge imprescindível análise: qual é o conceito técnico que descreve o que seria a “alienação mental”, senão a avaliação clínica realizada pelo psiquiatra?
A Junta Médica Pericial, composta por três psiquiatras especializados, entendeu que a patologia apresentada pelo Autor é grave, sendo enquadrada no rol de doenças que ensejam a aposentadoria integral.
E quanto a esta classificação, vale sopesar; a um, que “alienação mental” não é uma doença, e sim um estado psicopatológico, na qual se englobam diversas doenças psiquiátricas e; a dois, que o rol de enfermidades consideradas graves é exemplificativo, conforme entendimento inaugurado pelo Ministro JORGE MUSSI, ora prevalente no Superior Tribunal de Justiça, podendo nele ser inseridas doenças distintas, de acordo com o caso fático.
Neste sentido, vale colacionar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. DOENÇA INCURÁVEL. ART. 186 DA LEI N. 8.112/1990. ROL EXEMPLIFICATIVO. PROVENTOS INTEGRAIS. POSSIBILIDADE. 1. Não há como considerar taxativo o rol descrito no art. 186, I, § 1º, da Lei n. 8.112/90, haja vista a impossibilidade de a norma alcançar todas as doenças consideradas pela medicina como graves, contagiosas e incuráveis, sob pena de negar o conteúdo valorativo da norma inserta no inciso I do art. 40 da Constituição Federal. 2. Excluir a possibilidade de extensão do benefício com proventos integrais a servidor que sofre de um mal de idêntica gravidade àqueles mencionados no 186, I, § 1º, da Lei n. 8.112/90, e também insuscetível de cura, mas não contemplado pelo dispositivo de regência, implica em tratamento ofensivo aos princípios insculpidos na Carta Constitucional, dentre os quais está o da isonomia. 3. À ciência médica, e somente a ela, incumbe qualificar determinado mal como incurável, contagioso ou grave, não à jurídica. Ao julgador caberá solucionar a causa atento aos fins a que se dirige a norma aplicável e amparado por prova técnica, diante de cada caso concreto. 4. A melhor exegese da norma em debate, do ponto de vista da interpretação sistemática, é a que extrai a intenção do legislador em amparar de forma mais efetiva o servidor que é aposentado em virtude de grave enfermidade, garantindo-lhe o direito à vida, à saúde e à dignidade humana. 5. Recurso especial improvido. (RESP 200700843480, JORGE MUSSI, STJ – QUINTA TURMA, 29/03/2010)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – RECURSO ESPECIAL – SERVIDOR PÚBLICO CIVIL – APOSENTADORIA PROPORCIONAL – REVERSÃO PARA INTEGRAL – DOENÇA GRAVE E INCURÁVEL – ART. 186 DA LEI 8.112/90 – ROL EXEMPLIFICATIVO – PROVENTOS INTEGRAIS – POSSIBILIDADE. 1. Não há como considerar taxativo o rol descrito no art. 186, I, § 1º, da Lei n. 8.112/90, haja vista a impossibilidade de a norma alcançar todas as doenças consideradas pela medicina como graves, contagiosas e incuráveis, sob pena de negar o conteúdo valorativo da norma inserta no inciso I do art. 40 da Constituição Federal. (Precedente: REsp 942.530/RS, julgado em 02/03/2010, DJe 29/03/2010). 2. Recurso especial não provido. (RESP 201001166957, ELIANA CALMON, STJ – SEGUNDA TURMA, 26/08/2010)
Este entendimento ampliativo do quadro de patologias elencáveis como “graves”, para fins de aposentadoria integral não é exclusivo do STJ, aliás, sendo compartilhado e também aplicado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
ADMINISTRATIVO. APOSENTADORIA PROPORCIONAL. CONVERSÃO EM INTEGRAL. INVALIDEZ. Comprovado o caráter definitivo e permanente de moléstia, embora não constante do rol do art. 186 da Lei nº 8.112/90, é de ser concedida a aposentadoria integral, em interpretação ampliativa do dispositivo legal citado, atendendo aos fins sociais a que se destina. (TRF4, APELREEX 2006.71.00.043622-2, Quarta Turma, Relator Jorge Antonio Maurique, D.E. 01/04/2011)
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SERVIDOR PÚBLICO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PROVENTOS INTEGRAIS. Comprovado o caráter definitivo e permanente de moléstia – não constante do rol dado pelo art. 186 da Lei nº 8.112/90 – que acomete servidor inativado por invalidez com proventos proporcionais, é de ser concedida a aposentadoria na forma integral, em interpretação ampliativa do dispositivo legal citado, atendendo aos fins sociais a que se destina. (TRF4, AC 2001.71.02.001219-3, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Edgard Antônio Lippmann Júnior, D.E. 27/10/2008)
Prudente análise também deve ser feita no sentido de que, interpretativamente, a própria Lei 8.112/90 torna clara a possibilidade de extensão das doenças tidas como graves, no instante em que exprime o que ora se transcreve:
(Art. 186, I) – § 1o Consideram-se doenças graves, contagiosas ou incuráveis, a que se refere o inciso I deste artigo, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira posterior ao ingresso no serviço público, hanseníase, cardiopatia grave, doença de Parkinson, paralisia irreversível e incapacitante, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estados avançados do mal de Paget (osteíte deformante), Síndrome de Imunodeficiência Adquirida – AIDS, e outras que a lei indicar, com base na medicina especializada. (grifo nosso)
Certo é que lei posterior não há, indicando outras patologias além das poucas avocadas no rol do artigo 186. É desnecessário mencionar, contudo, que em vinte e um anos (Lei 8.112/90) a medicina evoluiu assombrosamente, não sendo crível que a interpretação legal positiva seja restritiva, a despeito dos avanços sociais inerentes ao nosso tempo. Se o legislador não é eficaz na atualização normativa, não acompanhando a evolução social, tal característica não pode estender-se ao Judiciário, aplicador hermenêutico das regras jurídicas.
Diante deste quadro, Excelência, é notável o direito do Autor ao enquadramento no artigo 186, I, §1° da Lei 8.112/90, bem como do artigo 40, parte final do inciso I, da Constituição Federal.
Em prima análise, diz-se isto porque o termo alienação mental é genérico, referindo-se às patologias psiquiátricas, dentre as quais a do Autor é classificada. Neste sentido, prudente observar que resta inserido (o transtorno bipolar) no rol de doenças tidas como alienação mental, no documento médico oficial de perícias já mencionado (Manual de Perícia Oficial em Saúde do Servidor Público Federal). Tanto é verossímil a presente alegação, que a junta médica pericial o enquadrou no artigo 186, I, §1º da Lei 8.112/90, o que está claro, inclusive, pelas considerações trazidas na conclusão médica.
Em segundo plano, na remota hipótese de não se admitir que a psicopatologia do Demandante esteja inserida no rol de doenças graves – a despeito das considerações da junta médica –, o histórico clínico de sua moléstia (as complicações em seu tratamento, o tempo de afastamento em licença saúde, o caráter crônico da patologia) faz jus à ampliação do rol de doenças graves, conforme aplicação recente dos tribunais superiores, permitindo-lhe o gozo do benefício de aposentadoria integral.
2.3 PRECEITOS CONSTITUCIONAIS .
Em uma terceira – porém não menos importante – linha de pensamento, é mister fazer a ressalva de que, inobstante todos os fatos já explanados anteriormente, a decisão administrativa viola, ainda, prerrogativas constitucionais enraizadas em nosso pacto político fundamental de 1988.
Vale sopesar neste sentido, ab initio, que o fato de ter o Demandante concedida a aposentadoria proporcional, mesmo sendo acometido de moléstia grave, pelo simples fato de esta patologia não constar expressamente no rol do artigo 181, I, §1º viola o princípio da isonomia, eis que se utiliza cláusula de discrímen incoerente, se comparado com outros servidores públicos que, em igualdade de gravame patológico (contudo de natureza distinta), percebam seus proventos integrais.
E sobre a matéria da equidade, para fins de dar garbos ao petitório, imperativa transcrição é a da obra de Celso Antônio Bandeira de Mello[3], em seu específico estudo “O conteúdo jurídico do Princípio da Igualdade”, que serve como necessária e didática lição quanto a aplicação do princípio da isonomia:
“Aquilo que é, em absoluto rigor lógico, necessária e irrefragavelmente igual para todos não pode ser tomado como fator de diferenciação, pena de hostilizar o princípio isonômico. Diversamente, aquilo que é diferenciável, que é, por algum traço ou aspecto, desigual, pode ser diferençado, fazendo-se remissão à existência ou à sucessão daquilo que dessemelhou as situações.
(…) O ponto nodular para exame da correção de uma regra em face do princípio isonômico reside na existência ou não de correlação lógica entre o fator erigido em critério de discrímen e a discriminação legal decidida em função dele.
(…) Ocorre imediata e intuitiva rejeição de validade a regra que, ao apartar situações, para fins de regulá-las diversamente, calça-se em fatores que não guardam pertinência com a desigualdade de tratamento jurídico dispensado.
Esclarecendo melhor: tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é erigido em critério discriminatório e, de outro lado, se há justificativa racional para, à vista do traço desigualador adotado, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade afirmada. (…)
Então, no que atina ao ponto central da matéria abordada procede afirmar: é agredida a igualdade quando o fator diferencial adotado para qualificar os atingidos pela regra não guarda relação de pertinência lógica com a inclusão ou exclusão no benefício deferido ou com a inserção ou arredamento do gravame imposto.”
O que se exprime da notável lição de Celso de Mello é que, muito além do conceito exaustivo e popular sobre fator que viole a isonomia, o que se tem verdadeiramente é que é possível e plausível, sim, a distinção legal para determinadas situações, conquanto estejam – estas distinções – alicerçadas em fatores de diferenciação lógicos, pertinentes, coerentes.
Na hipótese dos autos, contudo, não resta presente a coerência necessária para o fator de discrímen. A Lei 8.112/90 poderia narrar a possibilidade de aposentação integral, quando “decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável”. Ocorre que narrar o rol de doenças que fazem jus ao enquadramento como doença grave cria distinção desigualitária, que deveria competir exclusivamente aos médicos peritos.
Por que razão teria direito à aposentadoria integral um tuberculoso, ou então um esclerosado, e não o tem um doente mental, como o Autor? Qual o fator que permite ao legislador criar esta distinção, a despeito da situação fática?
Parece-nos que o legislador tenta criar um rol de doenças graves a facilitar o enquadramento de servidores acometidos destas doenças na aposentadoria integral. Ocorre que, pelo contrário, acabou por cercear o direito de servidores tão doentes quanto, contudo de patologias distintas, de gozarem de seus proventos integralmente!
Notam-se no caso em tela duas situações não isonômicas. A primeira delas, abstrata, se refere ao fator ilógico de distinção entre as patologias tidas legalmente como graves e aquelas que, em igualdade de gravame, decaem excluídas do aludido rol. A mácula à isonomia, aqui, é legal, é a inconstitucionalidade da lei vergastada neste ponto objetivo. A segunda distinção imotivada, esta concreta, é a própria hipótese dos autos, que emerge “por ricochete” da primeira conjectura. Não havendo coerência de discriminação entre as doenças elencadas pelo art. 186, I, §1º da Lei 8.112/90 e as que, tão graves quanto, estejam excluídas do rol, o Autor padece subjetivamente desta desigualdade, vendo-se prejudicado por uma aplicação implausível do que fora inicialmente esculpido no artigo 40, I, da CF.
E a análise da isonomia que fora maculada lança-nos a outro princípio constitucional, que no caso em tela também se desrespeita: A Dignidade da Pessoa Humana.
Como se referiu alhures, o Autor auferia a importância de R$ 11.127,19 a título de vencimentos, enquanto ativo. Por estar doente, e não possuir condições de desempenhar suas funções na RFB, viu seus proventos serem reduzidos para 22% deste valor! Ora, se o Autor tivesse condições médicas de trabalhar, certamente o faria, Excelência! Ocorre que ele não pode trabalhar, não possui condições mentais para tanto! E, por conta disto, lhe reduzir seus proventos em 78%?!
É uma penalização por estar doente esta drástica redução?! Porque não soa lógica qualquer outra classificação, que não esta. O Autor que mantinha um nível de vida confortável terá que abdicar disto porque, veja-se só, foi acometido de patologia mental! Como ele manterá o tratamento psiquiátrico com estes vencimentos? Como manterá, doente, uma vida digna tendo esta absurda redução de seus rendimentos?
Por que razão os segurados do Instituto Nacional do Seguro Social tem direito a proventos integrais, quando aposentados por invalidez (independente de qual seja sua patologia), e os servidores públicos federais não o tem? Afinal de contas, Excelência, fonte de custeio há, pois o Autor arcava com uma alta contribuição de mais de mil reais para a seguridade social dos servidores, enquanto ativo!
Assim, é lógico, é evidente que a redução dos proventos do Autor afronta o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, conforme artigo 5º da Constituição. Isto, aliás, sem dizer que afronta também o princípio da irredutibilidade salarial, nos termos do artigo 7º, VI, da CF.
Por todos os motivos elencados, Excelência, invoca-se aqui que sejam respeitados os princípios sociais constitucionais, motivo pelo qual se prequestiona o artigo 5º da Constituição Federal, além do artigo 7º, VI, também da CF.
3. LIMINARMENTE
3.1 ANTECIPAÇÃO DE TUTELA .
“A tutela antecipatória produz efeito que somente poderia ser produzido ao final. Um efeito que, por óbvio, não descende de uma eficácia que tem a mesma qualidade da eficácia da sentença. A tutela antecipada permite que sejam realizadas antecipadamente as consequências concretas da sentença de mérito. Essas consequências concretas podem ser identificadas com os efeitos externos da sentença, ou seja, com aqueles efeitos que operam fora do processo e no âmbito das relações de direito material”.[4]
Pode-se extrair, da lição do expoente Luiz Guilherme Marinoni – e embora implícito em seu texto transcrito –, que a tutela antecipatória tem por característica os efeitos satisfativos inerentes ao pedido/deferimento.
Isto, pois é satisfeita a pretensão litigada, ou senão parte dela, antes do julgamento final do processo, da sentença ou decisão colegiada. Tal medida antecipada tem por finalidade não permitir que reste desassistida parte que demanda – sendo urgente a necessidade de intervenção judicial –, considerando a morosidade do processo.
É notório que o tempo discorrido no processo é necessário para revestir a decisão judicial de segurança jurídica. A tutela litigada, para que seja decidida de forma definitiva, carece de uma ampla e perfeita cognição exauriente, e somente com a farta instrução processual – que é gradual e progressiva – se poderá garantir que o julgamento não padeça de omissões ou controvérsias.
Ocorre que, ante esta necessidade de cingir o processo (e a decisão judicial) de segurança jurídica, o tempo discorrido ao longo do feito pode macular outro princípio, qual seja da celeridade da prestação jurisdicional (acarretando prejuízo à parte).
Diante deste binômio, surge a figura da antecipação dos efeitos da tutela, esculpido em nosso ordenamento no artigo 273 do Código de Processo Civil, dentre outros dispositivos inerentes.
Muito mais que a busca pela imediata prestação jurisdicional – o que não é sempre possível/seguro – o pedido de antecipação de tutela visa alcançar determinado direito, quando este reste notório (verossímil), e urgente (periculum in mora).
No processo in casu resta, portanto, configurada a notoriedade do direito, ou seja, a verossimilhança das alegações ora expostas. Isto, pois o laudo pericial elaborado na junta médica é claro ao incluir o Autor no rol do artigo 186, I, §1º da Lei 8.112/90, permitindo-lhe gozar de proventos integrais, em razão da natureza grave de sua doença.
Se a perícia médica da junta especializada é o meio utilizado para reconhecer a impossibilidade laboral do Autor, tendo opinado por seu enquadramento legal (no art. 186, I, §1º) os peritos, não é crível que a Superintendência Administrativa o aposente em categoria diversa do que lhe fora diagnosticado.
Por esta razão, é verossímil o pedido vestibular, de acordo com o parecer da junta médica trazida aos autos, devidamente assinado pelos Peritos avaliadores.
O receio de dano de difícil reparação, ou seja, o periculum in mora do pleito se traduz no fato de que a aposentadoria por invalidez tem caráter alimentar, sendo a única fonte de renda do Demandante.
Neste sentido, o Postulante vê seu sustento drasticamente prejudicado, pela redução em 78% de seus proventos, razão pela qual, por certo, o dano a seu sustento como um todo já está se concretizando.
Desta forma, Excelência, e mesmo em face da possibilidade de revogação da tutela a qualquer tempo (art. 273, §4º do CPC), caso entenda que o Autor por algum motivo não faz jus à integralização da aposentadoria, fato é que, pelos documentos trazidos aos autos junto ao pedido exordial, já está clara a satisfação dos requisitos inerentes a concessão antecipada da tutela pretendida.
Em face destas considerações, vem expressamente o Autor requerer que, em decisão liminar, Vossa Excelência determine que a Receita Federal do Brasil lhe pague a título de aposentadoria a exata quantia do que deveria receber, caso estivesse ativo, até que a V. decisão venha a se tornar definitiva em sentença.
3.2 DA ASSISTENCIA JUDICIÁRIA GRATUITA .
A benesse da assistência judiciária gratuita é devida àqueles que não possuam condições de arcar com as custas processuais sem prejuízo do sustento próprio e de sua família[5], sendo presumida a pobreza dos requerentes, mediante simples afirmação nos autos (que pode ser ilidida por prova em contrário).
Por outro lado, é cediço o entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que, aqueles que percebem rendimento líquido de até dez salários mínimos possuem direito de litigar sob a benesse da AJG. Assim, juntando-se aos autos o comprovante de rendimentos do Autor, no qual consta que ele recebe o valor líquido de R$2.019,11 atualmente, faz jus à benesse da Assistência Judiciária Gratuita, eis que notoriamente abarcado pelo critério delimitador utilizado pelo TRF4 para a concessão da AJG. Neste sentido, a jurisprudência:
PROCESSUAL CIVIL. IMPUGNAÇÃO A AJG. PESSOA FÍSICA. IMPOSSIBILIDADE DE ARCAR COM DESPESAS . A Sexta Turma firmou entendimento de que merece litigar ao abrigo do benefício da justiça gratuita todo aquele que percebe remuneração líquida mensal não superior a dez salários mínimos. (TRF4 0011282-03.2011.404.0000, Relator p/ Acórdão Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, D.E. 14/09/2011) (grifos nossos)
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AGRAVO DE INSTRUMENTO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. PRESUNÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA. RENDA MENSAL ATÉ DEZ SALÁRIOS MÍNIMOS. LITISCONSÓRCIO. EXAME INDIVIDUAL DAS CONDIÇÕES. 1. O artigo 4º da Lei 1.060/50 estabelece que "a parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família". 2. A própria regra possibilita, todavia, que a assistência judiciária não seja deferida quando, mediante provas constantes nos autos, o juiz entender inexistentes as condições fáticas que autorizam a concessão do benefício. Tal circunstância é compatível com a natureza iuris tantum da presunção criada pela declaração de miserabilidade referida no art. 4º. (TRF4 5010766-92.2011.404.0000, Relator p/ Acórdão Joel Ilan Paciornik, D.E. 14/09/2011) (grifos nossos)
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PROCESSUAL CIVIL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. LEI Nº 1.060/1950. 1. Muito embora o artigo 4º da Lei nº 1.060/50 disponha que a parte gozará da assistência judiciária mediante simples afirmação de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários advocatícios, pode o Juiz, face ao caso concreto, deixar de deferir o benefício. 2. A conclusão é evidente pela leitura do § 1º do mesmo artigo 4º, bem como do artigo 5º do diploma legal. Ora, havendo nos autos prova que convença o Juiz do descabimento do benefício, deverá indeferi-lo, razão pela qual não há qualquer desconformidade da decisão recorrida em relação à lei. 3. A 4ª Turma tem reconhecido o direito ao benefício da assistência judiciária gratuita para aqueles que percebam remuneração líquida mensal não superior a dez salários mínimos. 4. No caso dos autos, a parte recorrente não logrou comprovar se enquadrar nos parâmetros estabelecidos pela Turma. As declarações de rendimentos encartadas instrumento, bem como as fichas financeiras, estão desatualizadas e não comprovam os ganhos atuais dos exeqüentes. (TRF4, AG 2007.04.00.025718-2, Quarta Turma, Relatora Marga Inge Barth Tessler, D.E. 31/03/2008) (grifos nossos)
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AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. CONCESSÃO. É de ser concedido o benefício da assistência judiciária gratuita quando o rendimento da parte autora não ultrapassa o equivalente a 10 salários mínimos vigentes, conforme entendimento desta Corte. (TRF4, Agravo de Instrumento Nº 2009.04.00.001813-5, 3ª Turma, Juiz ROGER RAUPP RIOS, POR UNANIMIDADE, D.E. 26/03/2009) (grifos nossos)
Assim, comprovada a possibilidade de o Postulante litigar sob o pálio da AJG, é o que desde já se requer, in limine litis.
- 4. PEDIDO
- FACE AO EXPOSTO, requer a Vossa Excelência:
- O recebimento e o deferimento da presente peça inaugural, sendo concedido liminarmente o benefício da ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA ao Autor, pela impossibilidade de custar o processo sem prejuízo de seu sustento e de sua família;
- A antecipação liminar dos efeitos da tutela pretendida, determinando que a Receita Federal do Brasil converta provisoriamente a aposentadoria por invalidez proporcional ora recebida pelo Autor para aposentadoria por invalidez integral, conforme explanação do tópico 3.1 do processo, até que a decisão de Vossa Excelência venha a se tornar definitiva;
- A citação do Réu para que, querendo, apresente defesa no prazo legal;
- A produção de todos os meios de prova em direito admitidas;
- O julgamento da demanda com total procedência, condenando a Receita Federal do Brasil a converter o benefício de aposentadoria por invalidez proporcional do Autor para aposentadoria por invalidez integral, pagando toda a diferença oriunda do tempo de gozo do benefício (diferença entre o que recebido em aposentadoria proporcional e o que deveria ter-se recebido como aposentadoria integral), e ainda as parcelas vincendas no curso da lide;
- A condenação do Réu, ainda, ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, arbitrados em 20% do valor da causa.
Nesses Termos;
Pede Deferimento.
Dá à causa o valor de R$ xxx.xxx,xx.
Cidade, data.
Disponível em http://www.univasf.edu.br/arquivos/drh/legis111.pdf (fls. 48/49) ↑
Parte do voto/relatório do Desembargador CAMARGO NETO, no Mandado de Segurança n.º218934-50.2010.8.09.0000, da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. ↑
MELLO, Celso Antônio Bandeira de – Conteúdo Jurídico do Princípio de Igualdade. São Paulo: Editora Malheiros, 3ª Edição, 2010 (pags. 32, 37 e 38) ↑
MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação de tutela, 8ª edição, São Paulo: Ed. Malheiros, 2004. (pag 46) ↑
Interpretado do artigo 4º, caput, da Lei 1.060/50. ↑