[MODELO] Ação de Reintegração de Posse – Morada Leasing S/A vs. Banco do Estado RJ
ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DA CAPITAL
JUÍZO DE DIREITO DA 10ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA
Processo nº 1997.001.055311-0
SENTENÇA
I
Vistos etc..
MORADA LEASING S/A DE ARRENDAMENTO MERCANTIL, qualificada na inicial, propôs a presente ação em face do BANCO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO S/A, objetivando seja determinada a sua reintegração na posse do imóvel, descrito na inicial, além da condenação do réu ao pagamento de perdas e danos.
Como causa de pedir, alega a parte autora, em síntese, ter celebrado contrato de arrendamento mercantil com o réu, referente a salas comerciais, descritas na inicial, do imóvel situado na Rua do Ouvidor nº 58, nesta Cidade. Assim, de acordo com o pactuado, em caso de inadimplência, deveria o arrendatário devolver o imóvel, no prazo de 88 horas. No entanto, apesar do estabelecido no contrato, o réu, inadimplente para com suas obrigações, foi devidamente notificado e permaneceu inerte, caracterizando, com isto, o esbulho possessório, o que legitima a propositura da presente ação (fls. 02/08).
Com a inicial vieram os documentos de fls. 05/83 e 53/55.
Liminar deferida à fl. 56.
Agravo de instrumento interposto pelo réu às fls. 60/92, distribuído à 7a Câmara Cível, que concedeu efeito suspensivo.
Regularmente citado, o réu apresentou contestação (fls. 101/120), mencionando, em síntese, que, diante da grave situação financeira em que encontrava-se, atrelada a cobrança de prestações desproporcionais, por parte da autora, acabou ficando inadimplente. Porém, esta situação, não viabilizava de imediato o pleito de reintegração na posse, visto que sequer lhe foi conferido o direito de purgar a mora. Além disto, afirma que o contrato firmado entre as partes contém cláusulas leoninas, que dificultam o seu cumprimento, face a cobrança de valores excessivos.
Com a contestação vieram os documentos de fls. 121/202.
O Estado do Rio de Janeiro requer sua intervenção no processo, na qualidade de assistente (fls. 208/205), por ter ocupado, no curso da lide, parte do imóvel.
Réplica às fls. 213/222.
Nova fala do Banco do Estado do Rio de Janeiro S/A (fls. 231/232), acompanhada dos documentos de fls. 233/287).
Decisão à fl. 258 verso, deferindo o pedido de assistência do Estado do Rio de Janeiro.
Manifestação da parte autora às fls. 259/260, requerendo, diante do provimento do recurso de agravo de instrumento interposto (fls. 261/265), a concessão de nova liminar, o que não foi acolhido pelo MM Dr. XXXXXXXXXXXX da época (fl. 272).
Inconformada, a parte autora interpôs recurso de agravo de instrumento (fls. 278/282).
As fls. 287/288, a parte autora esclarece que o imóvel foi desocupado tanto pelo réu, quanto pelo assistente, desaparecendo, desse modo, o interesse jurídico do Estado do Rio de Janeiro, como assistente, na presente demanda.
Manifestação do Estado do Rio de Janeiro à fl. 292, confirmando a desocupação do imóvel pelo Departamento Imobiliário.
O Banco do Estado do Rio de Janeiro junta cópia de acórdão do STJ (fls. 293/306).
A fl. 310, o Banco do Estado do Rio de Janeiro esclarece que o imóvel encontra-se, recentemente, ocupado pelos seguintes órgãos: PROCON, RECIFERAL, CIFERAL e BD-RIO – Banco de Desenvolvimento do Estado do Rio de Janeiro.
Manifestação do Ministério Público à fl. 311, no sentido da ausência de interesse no feito.
II
É o relatório. Fundamento e decido.
Conforme se nota de todo o relatado, a presente demanda traz a necessidade de se dividir em duas partes o exame da matéria posta a julgamento.
A primeira se atém ao litígio propriamente dito. Ou seja, a extinção da relação contratual entre as partes e a perspectiva do pleito possessório.
A segunda refere-se à projeção da pretensão autoral em relação ao Estado, que passou a se utilizar do bem objeto do litígio.
Assim, inicia-se o julgamento com a análise da relação contratual entre o autor e o réu, e as conseqüências daí advindas.
Aqui, não há dúvida quanto à celebração de um contrato de arrendamento mercantil, onde, em seu curso, a ré se colocou em estado moratório.
Como justificação deste estado moratório, aduziu a arrendatária-ré a presença de cláusulas leoninas e abusivas, que importavam em crescimento do débito de forma indevida.
Esta linha de defesa, que inicialmente foi lançada pela arrendatária-ré, agora já não mais se põe adequada.
A mesma está superada diante da decisão tomada na ação de rito ordinário nº 11516-0, que teve curso perante este Juízo.
Nesta última demanda a ré-arrendatária se colocou como autora, formulando pretensão declaratória de nulidade das cláusulas contratuais que versavam sobre o modo e a forma de atualização dos valores devidos, bem como daquela que estabelecia a resolução automática do contrato, pelo simples estado moratório.
O julgado aí proferido fez ver a validade de parte dessas cláusulas, principalmente a resolutória, evidenciando que a perícia realizada não apurara cobrança indevida.
Assim, inequívoco o estado moratório, e a validade da cláusula resolutória expressa, sendo certo que este último tema já foi por muito decidido pelo STJ, que sempre respaldou esta idéia (RESP 329932/SP, 3a Turma, J. 11.12.2012, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI).
Aliás, o próprio Tribunal de Justiça em seu enunciado nº 11, afirma a possibilidade da cláusula resolutória expressa no contrato de arrendamento mercantil, a trazer a rescisão automática do contrato, e possibilitar a reversão da posse, para efeitos reintegratórios.
Por conseguinte, analisando a primeira parte da questão posta a julgamento, tem-se por rescindido o contrato de arrendamento mercantil, de forma automática, por força da cláusula resolutória expressa, sendo bastante para configurar o esbulho possessório, diante da reversão da posse, a notificação realizada pela parte autora.
Sendo desta forma, correto é afirmar o direito a reintegração em face da arrendatária-ré, cabendo agora checar se tal direito pode se projetar ao Estado assistente.
Este último se lançou na posse do imóvel quando a presente lide já tinha sido instaurada. Esta situação importa, a toda evidência, em uma dúvida. Esta estaria em saber se a decisão aqui tomada poderia se estender ao assistente.
A toda evidência sim. O art. 82, do CPC, traz uma regra acima de tudo principiológica. De acordo com o mesmo pode se extrair que o Estado não pode, no curso de uma ação possessória, receber a posse do bem em estado melhor e diverso do possuidor-réu. Importa, também, em reconhecer que assume as conseqüências do julgado.
Restaria, então, uma última pergunta: teria ocorrido a desapropriação indireta?
A toda evidência não. Na feliz expressão de HELY LOPES MEIRELLES, a desapropriação indireta nasce de um esbulho possessório, e se efetiva com a afetação do bem a uma finalidade pública, mas desde que não exista ação em curso.
Quanto ao que é dito, não seria muito retirar a seguinte passagem do seu livro:
“A desapropriação indireta não passa de esbulho da propriedade particular e, como tal, não encontra apoio em lei. É situação de fato que se vai generalizando em nossos dias, mas que a ela pode opor-se o proprietário até mesmo com os interditos possessórios. Consumado o apossamento dos bens e integrados no domínio público, antes da ação, tornam-se, daí por diante, insuscetíveis de reintegração ou reivindicação, restando ao particular espoliado haver a indenização correspondente …” (Direito Administrativo Brasileiro, 29a ed., Malheiros, p. 577).
Com igual entendimento M. SEABRA FAGUNDES, que chega a lembrar lição clássica de ASTOLFO RESENDE (O controle dos Atos Administrativos …, 7a ed., Forense, p. 878/876).
Logo, não se pode ter, no presente caso, a idéia de desapropriação indireta. A lide já estava instaurada quando o Estado procurou suceder na posse do bem, o antigo possuidor. Esta situação é impeditiva da idéia de afetação definitiva do bem.
Pensar o contrário seria trazer estímulo a apossamentos ilegais por parte da Administração. Sim. Sempre que uma pessoa da Administração Indireta estivesse para ser retirada da posse de seu bem, pelas vias adequadas, o Estado ingressaria na posse e inviabilizaria a tutela jurisdicional adequada.
Esta é exatamente a hipótese deste feito. A conduta do Estado foi inadequada, e revela tentativa de evitar a devida prestação jurisdicional às partes em litígio.
Finalizando, pois, tem-se que procede o pleito reintegratório. Pretendendo o Estado a titularidade do bem, que promova regularmente a sua desapropriação.
Falta, agora, saber sobre a pretensão indenizatória.
Neste ponto é correto afirmar que a arrendatária-ré conseguiu prolongar-se na posse do bem, sem qualquer contraprestação ao autor. Esta situação caracteriza a presença de um dano, cujo montante deverá ser apreciado em liquidação.
A tanto o ilustre perito do Juízo terá que considerar a inviabilidade da utilização econômica do bem por parte do autor, durante todo o lapso temporal onde se teve por caracterizado o esbulho possessório, abatendo-se eventual diferença paga a maior, pela ré, no âmbito do contrato de leasing, diante da decisão tomada nos autos da ação de rito ordinário.
III
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido para, considerando rescindido o contrato de arrendamento, pela cláusula resolutória, conceder a reintegração na posse do imóvel ao autor, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, a contar da intimação para desocupação ao réu e demais ocupantes; bem como indenização, a ser apurada em liquidação por arbitramento, seguindo o critério do último parágrafo da fundamentação.
Imponho ao autor os ônus sucumbenciais, fixando os honorários advocatícios em 10% do valor da causa.
P.R.I..
Rio de Janeiro, 19 de outubro de 2012.
RICARDO COUTO DE CASTRO