[MODELO] Ação Anulatória de Decretos de Colocação em Disponibilidade
ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DA CAPITAL
JUÍZO DE DIREITO DA 10a VARA DA FAZENDA PÚBLICA
Proc. 2012.001.138582-3
SENTENÇA
I
FAIRLAND MADEIRA DOS SANTOS, qualificado na inicial, aXXXXXXXXXXXXou a presente demanda em face do ESTADO DO RIO DE JANEIRO, objetivando o restabelecimento de sua situação funcional com a percepção integral da remuneração, além da condenação do réu ao pagamento das diferenças existentes.
Como causa de pedir, alega o autor, em síntese, que o Chefe do Executivo Estadual, através dos Decretos nº 26678/00 e 26675/00, declarou a desnecessidade de alguns cargos, colocando os respectivos servidores em disponibilidade remunerada, sob o fundamento de pertencerem a denominada “banda podre” da polícia. Alcançado pelos efeitos deste ato, ajuíza o autor a presente demanda, sustentando para tanto a presença de desvio de finalidade, eis que o procedimento adotado vai de encontro ao devido processo legal, razão pela qual pugna pelo restabelecimento de sua situação funcional (fls. 02/17)
Com a inicial vieram os docs. de fls. 18/21.
Regularmente citado, o réu apresentou contestação (fls. 28/80), alegando, em síntese, que os decretos foram editados com observância das normas constitucionais e legais pertinentes, não padecendo de qualquer vício formal ou material. Assim, todos os servidores colocados em disponibilidade continuarão a responder aos respectivos processos disciplinares e, ao final, caso não se tenha êxito nas investigações, poderão ser aproveitados, retornado ao serviço ativo, ou permanecendo em disponibilidade, na hipótese dos cargos serem desnecessários.
Com a contestação vieram os documentos de fls. 82/89.
Decisão deferindo a antecipação dos efeitos da tutela à fl. 51.
Réplica às fls. 67/73, acompanhada dos documentos de fls. 78/79.
Novos documentos juntos às fls. 82/88.
A fl. 92 consta informação no sentido do falecimento da parte autora (fls. 93/98).
As fls. 108/113 e fls. 121/123, a parte autora junta novos documentos.
Parecer do Ministério Público às fls. 152/153 verso, no sentido da procedência do pedido.
É o relatório. Fundamento e decido.
II
Versa a presente demanda sobre a legalidade da via escolhida pelo Estado para colocar em disponibilidade o autor.
Encontrando-se este último respondendo a procedimento administrativo punitivo, entendeu por bem o Estado extinguir, por decreto – conforme permite o art. 88, inciso VI, da Constituição Federal e o artigo 185, inciso XIV, da CERJ – o cargo que ocupava, bem como o cargo de todos os demais agentes públicos que estavam igualmente respondendo a procedimento administrativo punitivo, com potencialidade de sanção do tipo demissão.
Esta a questão posta a julgamento.
A mesma não é nova. Já foi por demais debatida, encontrando-se pacificado o entendimento da invalidade do ato administrativo em comento.
O entendimento sedimentado, se fez sob dois fortes argumentos.
O primeiro ligado à idéia de desvio de finalidade. Ou seja, a Administração estaria, com desrespeito ao devido processo legal, impondo punição a certos e específicos agentes, sob a forma da disponibilidade.
Com efeito. A tanto basta ver que “escolheu” os agentes que respondiam a procedimento administrativo punitivo, para “extinguir seus cargos e colocá-los em disponibilidade”.
Impôs, via indireta, sanção administrativa sem contraditório e ampla defesa. Burlou a Administração as regras dos incisos LIV e LV, ambos da Constituição Federal.
Logo, não se estaria diante de uma atuação discricionária, mas sim arbitrária, com objetivo de afrontar os comandos constitucionais que exigem o respeito ao devido processo legal para imposição de sanção disciplinar.
Aliás, informando esta idéia, basta a constatação da realidade da segurança pública do Estado, e o alto grau de criminalidade, a importar na falta de razoabilidade no ato de extinguir cargos de policiais militares.
Será que o Executivo estaria pactuando com esta criminalidade, reduzindo o número de efetivos na rua? Não, em verdade, estaria tentando punir certas e específicas pessoas, sem o devido processo legal.
Esta a primeira razão.
O segundo fundamento está na forma: decreto extintivo dos cargos.
Aí, torna-se importante proceder à leitura atenta de dois incisos do artigo 88, da Constituição Federal.
São estes os incisos VI, alínea b, e XXV, do referido artigo.
Procedendo à leitura atenta dos incisos acima, se constata o seguinte: estando o cargo vago, e apenas nesta hipótese, poderá ser extinto por decreto do executivo; encontrando-se ocupado, haverá a necessidade de prévia lei estabelecedora dos parâmetros.
Na hipótese, os cargos se encontravam preenchidos, a retirar a constitucionalidade da forma escolhida.
Estes, pois, os dois argumentos utilizados por nosso Tribunal, como se retira dos seguintes julgados:
“Mandado de segurança. Decretos declarando desnecessários cargos da polícia civil e militar do Estado do Rio de Janeiro e colocando em disponibilidade servidores civis e militares. Não se confunde discricionariedade com arbitrariedade, caracterizando-se esta quando ocorre desvio de poder. Concessão da ordem” (Mandado de Segurança 2002.008.00022, Órgão Especial, Rel. Des. CARLOS FERRARI).
“POLICIAL CIVIL – CARGO PÚBLICO – DESNECESSIDADE – DISPONIBILIDADE REMUNERADA – ATO DISCRICIONÁRIO – CARACTERIZAÇÃO DO DESVIO DE PODER – DIREITO DE REINTEGRAÇÃO EM CARGO PÚBLICO – MANDADO DE SEGURANÇA CONCEDIDO.
Mandado de Segurança. Decretos 28182/01 e 28183/01, declarando desnecessários 37 (trinta e sete) cargos da polícia civil estadual, colocando em disponibilidade, com remuneração proporcional ao tempo de serviço por responderem a processo administrativo disciplinar ainda inconclusos. Inexistência de verdadeiro exercício do poder discricionário da Administração, mas, sim de ato vinculado a motivo determinante. Banda podre. Segurança que se concede. Ratificada a liminar concedida. Não há falar em discricionariedade da Administração quando na verdade estamos frente a verdadeiro desvio de poder. A discricionariedade da declaração de desnecessidade de cargo público não é plena, pois o motivo do ato já se encontra a priori definido na lei que o torna possível a impugnação fundada em falsidade de motivo determinante (Mandado de Segurança 1.120/00-TJ). In casu, a ampla publicidade que antecedeu as providências da Administração – edição dos mencionados Decretos torna plausível e inafastável a conclusão de que a verdadeira finalidade dos atos nada tem a ver com um verdadeiro juízo sobre a necessidade ou não dos cargos, mas, sim, meio de contornar as garantias legais e constitucionais que dificultam a demissão de funcionários estáveis. Não há discricionariedade, mas sim, arbítrio quando se declara a desnecessidade de alguns cargos na Secretaria de Segurança e ao mesmo tempo se convoca Concurso Público para Delegado de Polícia, para preenchimento de cargos na mesma Secretaria. Ordem, pois, que se concede para reintegrar o impetrante em suas funções específicas, ratificando-se a liminar concedida” (Mandado de Segurança. Proc. 2012.008.00898, Reg. 15.05.02, Órgão Especial, Des. J.C. MURTA RIBEIRO, J. 08.03.02).
“SERVIDOR PÚBLICO – DISPONIBILIDADE – MEIO UTILIZADO PARA DECLARAR A DESNECESSIDADE DO SERVIDOR E NÃO DO CARGO.
Abuso de poder por desvio de finalidade. A disponibilidade cuja finalidade é reduzir o quadro funcional em razão da desnecessidade dos cargos deve ter caráter genérico, não podendo ser voltada a determinados servidores como meio para afastá-los da função enquanto respondem processo judicial ou administrativo. Uma coisa é declarar a desnecessidade de cargos públicos, genericamente considerados, outra é declarar a desnecessidade de servidores que ocupam determinados cargos públicos, escolhidos casuisticamente. Embora a discricionariedade da Administração é inquestionável na primeira hipótese, é nenhuma na segunda. Afastar servidores estáveis dos cargos que ocupam sob o rótulo da disponibilidade é atentar contra a Constituição e a lei, sujeitando-se o ato ao controle do Judiciário por abuso de poder. Segurança concedida” (Mandado de Segurança 889/01, Órgão Especial, Des. SERGIO CAVALIERI FILHO, J. 08.08.02).
Evidente, pois, que não houve a extinção de cargo, nem a declaração da sua desnecessidade como exige a Constituição (art. 81, §3o, da CRFB). Ao contrário, o que restou demonstrado foi uma intenção de punir certos e determinados servidores sem observância do devido procedimento administrativo.
Inexistido, por conseguinte, dúvidas acerca do flagrante desvio de finalidade do ato administrativo praticado, não restam dúvidas no sentido de que o autor faria jus ao pleito de reintegração.
Tendo ocorrido, porém, o seu falecimento no curso do feito, cabe aqui checar se esta situação importaria na extinção do feito, face a perda do objeto, conforme sustentado pelo réu.
Aqui, em um primeiro momento, poderia se ter como correta a assertiva, por se estar diante de direito personalíssimo, insuscetível de transmissibilidade. No entanto, deve ser visto que os efeitos da reintegração, tais como, recebimento dos atrasados e obtenção de benefícios previdenciários, são transmissíveis, razão pela qual não há que se falar em perda do objeto. Tem-se, pois, o que se denomina de reintegração post mortem, sendo certo que as conseqüências previdenciárias deverão ser buscadas pela via própria.
Finalizando, pois, o que se tem é a procedência do pedido.
III
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido, para declarar nulo o ato de disposição do autor, determinando a sua reintegração post mortem, com a condenação do réu ao pagamento das diferenças suprimidas da remuneração do ex-servidor, durante o período em que encontrava-se afastado, cujos beneficiários serão os herdeiros.
Tais verbas serão monetariamente atualizadas desde o momento em que deveriam ter sido pagas, e acrescidas de juros de mora de 0,5% ao mês, a contar da citação até a entrada em vigor do Novo Código Civil, momento em que passará a 1% ao mês (arts. 806 e 2035, do NCC c/c art. 161,§ 1º, do CTN).
Imponho ao réu os ônus sucumbenciais, fixando os honorários advocatícios em 10% do valor da condenação.
Submeto a presente sentença ao duplo grau obrigatório de jurisdição.
P.R.I..
Rio de Janeiro, 06 de junho de 2012.
RICARDO COUTO DE CASTRO
XXXXXXXXXXXX DE DIREITO