Capítulo V – Do Amicus Curiae (art. 138 do Novo CPC)
Art. 138. O juiz ou relator, ao reconhecer a relevância da matéria, a especificidade do tema discutido ou a possível repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a pedido das partes ou de quem desejar se manifestar, solicitar ou admitir a participação de pessoa física ou jurídica, órgão ou entidade especializada com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias a partir de sua intimação.
§ 1º A participação mencionada no caput não altera a competência do juízo nem autoriza a interposição de recursos, exceto para embargos de declaração e nas situações previstas no § 3º.
§ 2º Na decisão que admitir ou solicitar a intervenção, o juiz ou relator definirá os poderes conferidos ao amicus curiae.
§ 3º O amicus curiae poderá recorrer da decisão que resolver o incidente de resolução de demandas repetitivas.
Comentário do artigo 138
O Novo Código de Processo Civil (NCPC) reflete uma preocupação crescente com a massificação dos conflitos, a pluralidade social e a coletivização das demandas. Prova disso são as inovações como o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) e o Incidente de Assunção de Competência (IAC), além do tratamento especial dado aos recursos extraordinários repetitivos. Nesse contexto, a inserção do amicus curiae surge como uma ferramenta para tornar o processo mais inclusivo e democrático, ampliando a participação de setores específicos da sociedade, especialmente em casos de grande impacto social. De acordo com Marinoni, essa democratização é um reflexo da crescente coletivização dos litígios e da necessidade de incluir vozes técnicas e especializadas no processo judicial (MARINONI, Luiz Guilherme. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013).
O conceito de amicus curiae não é uma novidade no direito brasileiro, sendo inspirado no sistema jurídico norte-americano. Mesmo antes do NCPC, a doutrina e a jurisprudência já reconheciam o papel de determinadas entidades, como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), como intervenientes anômalos, atuando de maneira similar ao amicus curiae. A Lei 9.868/99, que regula as ações de controle de constitucionalidade (ADI e ADC) e a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), foi um marco importante para o fortalecimento do instituto no Brasil.
Com o NCPC, a figura do amicus curiae foi ampliada e melhor definida. O artigo 138, em especial, traz mudanças relevantes ao estabelecer que não apenas entidades, mas também pessoas físicas e jurídicas com representatividade adequada ou especialidade técnica podem ser admitidas. Isso abre caminho para uma participação mais ativa e variada, não restrita apenas a processos de grande repercussão. O texto elimina ambiguidades quanto a quem pode atuar como amicus curiae e sob quais condições, enfatizando a necessidade de um interesse institucional na controvérsia, em vez de um interesse jurídico direto (BUENO, Cassio Scarpinella. Novo código de processo civil anotado. Saraiva, 2015).
Outro ponto importante é que a participação do amicus curiae não altera a competência do juízo, independentemente de sua origem. Sua atuação é voltada para o fornecimento de argumentos e informações técnicas que possam auxiliar o tribunal na resolução da lide, sem interferir diretamente no mérito. No entanto, o amicus curiae não se confunde com o perito judicial, cuja atuação segue procedimentos legais específicos. O juiz tem discricionariedade para definir a forma de participação do amicus curiae, que pode variar de uma simples manifestação escrita até uma intervenção mais ativa, como sustentação oral ou participação em audiências.
Embora o amicus curiae tenha um papel relevante no processo, o NCPC limita sua legitimidade recursal a casos específicos, como os embargos de declaração e as decisões relacionadas ao IRDR. A jurisprudência tem seguido essa linha, vedando, em geral, o direito de recurso ao amicus curiae. No entanto, surge o questionamento sobre a justificativa dessa restrição, uma vez que a repercussão social — critério utilizado para admitir a participação do amicus curiae — poderia, em tese, justificar sua intervenção em outros tipos de processos além do IRDR.
Por fim, vale destacar que o NCPC optou por simplificar o procedimento de desconsideração da personalidade jurídica, permitindo que o incidente seja processado no mesmo feito da ação principal. Isso reflete a tendência de evitar procedimentos autônomos e apartados, privilegiando a celeridade processual. Mesmo assim, a decisão sobre a abertura de um incidente separado fica a critério do juiz, sempre que a organização do processo ou a necessidade de agilizar a tramitação assim o recomendarem.