Art. 771 a 777 do Novo CPC
Art. 771
Este Livro disciplina o procedimento de execução baseado em título extrajudicial, aplicando-se, quando cabível, aos procedimentos especiais de execução, aos atos executivos realizados no cumprimento de sentença e aos efeitos de atos ou fatos processuais que a lei reconheça com força executiva.
Parágrafo único
As disposições do Livro I da Parte Especial aplicam-se subsidiariamente à execução.
Comentário Artigo 771
A execução com base em título extrajudicial ocorre em um processo de execução próprio, configurando-se como uma relação jurídico-processual independente. Isso a diferencia da maioria dos casos de cumprimento de sentença, em que a execução representa apenas uma fase subsequente à formação do título executivo judicial, no que se conhece como processo sincrético.
O Livro II da Parte Especial do novo CPC trata especificamente do processo de execução com base em título extrajudicial. Entretanto, ele também apresenta regras gerais que se aplicam, de forma subsidiária, a todos os tipos de execução, abrangendo: (1) procedimentos especiais de execução, como a execução fiscal regida pela Lei nº 6.830/1980 e a execução hipotecária regulada pela Lei nº 5.741/1971; (2) atos executivos no cumprimento de sentença, conforme disposto no Título II do Livro I da Parte Especial do novo CPC; e (3) efeitos de atos ou eventos processuais aos quais a lei concede força executiva, como ocorre na efetivação da tutela provisória (art. 297).
Adicionalmente, nas lacunas do processo de execução, devem-se aplicar as normas do Livro I da Parte Especial, que regulamenta o processo de conhecimento, tal como previa o artigo 598 do CPC de 1973.
Art. 772
O juiz pode, a qualquer momento do processo:
I – ordenar o comparecimento das partes;
II – advertir o executado de que seu comportamento constitui ato atentatório à dignidade da justiça;
III – exigir que pessoas indicadas pelo exequente forneçam informações gerais relacionadas ao objeto da execução, como documentos e dados que possuam, estabelecendo um prazo razoável para isso.
Art. 773
O juiz pode, de ofício ou a pedido, determinar as ações necessárias para assegurar a entrega dos documentos e dados requeridos.
Parágrafo único
Caso o juízo receba dados sigilosos em virtude deste artigo, o juiz adotará as medidas necessárias para garantir a confidencialidade das informações.
Comentários dos artigos 772 e 773
Os artigos mencionados abordam os poderes gerais do juiz no processo de execução, que devem ser entendidos dentro do conjunto de competências gerais atribuídas ao órgão jurisdicional pelo novo Código de Processo Civil (CPC).
Segundo o artigo 139, inciso IV, do novo CPC, cabe ao juiz conduzir o processo e, entre outras responsabilidades, “adotar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento da ordem judicial, inclusive nas ações que envolvam obrigações pecuniárias.” Isso significa que o juiz pode aplicar medidas alternativas e proporcionais para garantir o cumprimento das ordens judiciais, ainda que tais medidas não estejam explicitamente previstas em lei. A mesma abordagem se aplica na efetivação da tutela provisória, seja em casos de urgência ou evidência, permitindo ao juiz adotar medidas adequadas para garantir essa tutela (art. 297, caput, novo CPC). O sucesso dessas técnicas depende da utilização adequada da criatividade judicial, em harmonia com o princípio da cooperação processual que deve orientar a conduta de todos os participantes do processo (artigos 5º e 6º do novo CPC).
Esses poderes gerais do juiz (artigos 139, IV, e 297) aplicam-se ao processo de execução, pois são previstos na Parte Geral. Contudo, no processo de execução, outros poderes se somam, como o de ordenar o comparecimento das partes em qualquer etapa (artigo 772, I) e o de advertir o executado sobre condutas que atentem contra a dignidade da justiça (artigo 772, II). Ambos esses poderes já constavam no CPC de 1973 (artigo 599).
O novo CPC traz, ainda, uma inovação ao conferir ao juiz o poder explícito de “ordenar que pessoas indicadas pelo exequente forneçam informações gerais relacionadas ao objeto da execução, como documentos e dados em sua posse, concedendo-lhes prazo razoável” (artigo 772, III). Por “pessoas indicadas pelo exequente” entendem-se não apenas o executado, mas também terceiros alheios ao processo. Se essa ordem de fornecimento de informações não for cumprida, o juiz tem o poder geral de “adotar as medidas necessárias para o cumprimento da entrega de documentos e dados” (artigo 773), como a imposição de multa diária ou o uso de busca e apreensão. Tais medidas podem incluir meios indutivos, coercitivos, mandamentais ou sub-rogatórios (artigo 139, IV). Sob a nova codificação, essas medidas atípicas também passam a ser permitidas na exibição de documentos ou objetos (artigos 400, parágrafo único, e 403, parágrafo único), o que poderia justificar a revogação da súmula 372 do STJ, que impede a aplicação de multa na ação de exibição de documentos.
A proteção dos dados sigilosos recebidos em virtude da ordem de fornecimento de informações deve ser garantida por meio das medidas necessárias, utilizando uma cláusula geral que também autoriza o juiz a adotar medidas atípicas para assegurar essa confidencialidade (artigo 773, parágrafo único).
Art. 774
Considera-se atentatória à dignidade da justiça a conduta comissiva ou omissiva do executado que:
I – frauda a execução;
II – opõe-se maliciosamente à execução, utilizando ardis e meios artificiosos;
III – dificulta ou embaraça a realização da penhora;
IV – resiste injustificadamente às ordens judiciais;
V – quando intimado, deixa de informar ao juiz quais bens possui e onde estão localizados, bem como seus respectivos valores, e não apresenta prova de propriedade ou, se necessário, certidão negativa de ônus.
Parágrafo único
Nos casos previstos neste artigo, o juiz aplicará uma multa de até vinte por cento do valor atualizado do débito em execução, revertida em favor do exequente e exigível nos próprios autos do processo, sem prejuízo de outras sanções de natureza processual ou material.
Comentário artigo 774
O dispositivo, assim como os artigos 600 e 601 do CPC de 1973, aborda a repressão de condutas que atentam contra a dignidade da justiça no processo de execução, praticadas pelo executado, seja por ação ou omissão. O objetivo central é preservar a boa-fé processual na execução.
As sanções previstas aplicam-se exclusivamente ao executado, tal como no CPC de 1973 (ver STJ, 3ª Turma, REsp 1459154/RJ, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, julgado em 04/09/2014, DJe 11/09/2014). No entanto, além das hipóteses deste artigo, há outras condutas que também caracterizam atos atentatórios, com diferentes graus de aplicação subjetiva e sanções específicas, inclusive contra terceiros, no processo de execução (cf. artigo 77). Por exemplo, um terceiro que “resiste injustificadamente às ordens judiciais” também comete um ato atentatório à dignidade da justiça, como descrito no artigo 77, IV, do novo CPC, sujeitando-se às sanções ali previstas, além de outras medidas cabíveis.
A aplicação das sanções descritas no parágrafo único não requer advertência prévia ao executado sobre a natureza atentatória de sua conduta (artigo 772, II), conforme já pacificado pela jurisprudência (cf. STJ, 3ª Turma, REsp 1101500/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, julgado em 17/05/2011, DJe 27/05/2011).
O CPC de 2015 manteve a sanção para o executado que comete atos atentatórios: uma multa que pode chegar a 20% do valor atualizado do débito em execução, revertida em favor do exequente e exigível nos autos, sem prejuízo de outras sanções de natureza processual ou material.
No entanto, o CPC de 2015 eliminou a possibilidade de o juiz relevar essa multa caso o executado se comprometa a não mais praticar atos atentatórios e ofereça fiador idôneo, que responda ao exequente pela dívida principal, juros, despesas e honorários (anteriormente previsto no artigo 601, parágrafo único, do CPC de 1973).
Ao comparar os atos atentatórios à dignidade da justiça nos CPCs de 1973 (art. 600) e de 2015 (art. 774), observa-se uma alteração de redação relacionada à intimação do executado para indicar seus bens, alinhada ao princípio da transparência patrimonial. Na codificação anterior, lia-se “intimado, não indica ao juiz, em 5 (cinco) dias, quais são e onde se encontram os bens sujeitos à penhora e seus respectivos valores” (art. 600, IV). Na redação atual, a norma dispõe que o executado “intimado, não indica ao juiz quais são e onde estão os bens sujeitos à penhora e os respectivos valores, nem exibe prova de sua propriedade e, se for o caso, certidão negativa de ônus.” Agora, a ausência de prazo de 5 (cinco) dias para indicar os bens torna o prazo judicial. A nova codificação também considera a omissão do executado em apresentar prova de propriedade e, quando aplicável, a certidão negativa de ônus como atos atentatórios.
Art. 775
O exequente possui o direito de desistir de toda a execução ou apenas de alguma medida executiva específica.
Parágrafo único
Na hipótese de desistência da execução, observar-se-á o seguinte:
I – serão extintos a impugnação e os embargos que tratem exclusivamente de questões processuais, com o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios pelo exequente;
II – nos demais casos, a extinção dependerá da anuência do impugnante ou do embargante.
Comentários do artigo 775
A possibilidade de desistência da execução permanece a mesma desde a regulamentação de 1973.
O exequente mantém o direito de desistir de toda a execução ou de uma medida executiva específica, como, por exemplo, uma penhora.
Para desistir de uma medida executiva isolada, não é necessário obter o consentimento do executado.
O consentimento do executado só é requerido em uma situação: quando sua defesa (embargos à execução ou impugnação) aborda o mérito da execução. Nesse caso, a extinção da execução depende da concordância do executado.
Caso não haja defesa ou, se esta tratar apenas de questões processuais (como penhora, avaliação, depósito, entre outras), tal consentimento é dispensado, mas o exequente fica responsável pelo pagamento das custas e dos honorários advocatícios.
Art. 776
O exequente deverá ressarcir ao executado os danos sofridos caso a sentença, transitada em julgado, declare inexistente, total ou parcialmente, a obrigação que motivou a execução.
Art. 777
A cobrança de multas ou indenizações por litigância de má-fé ou por atos atentatórios à dignidade da justiça será realizada nos próprios autos do processo.
Comentários dos artigos 776 a 777
O artigo 776, com uma redação tecnicamente aprimorada, corresponde ao artigo 574 do CPC de 1973, e trata das consequências de uma execução indevida, em casos onde a obrigação que motivou a execução não existe. Esta norma visa resguardar a boa-fé processual durante a execução.
A “sentença” mencionada no artigo abrange qualquer decisão judicial que declare inexistente a obrigação, como uma decisão em embargos à execução, uma decisão em ação rescisória (no cumprimento de sentença) ou qualquer outra defesa do executado que seja acolhida, desde que tenha transitado em julgado. Nesse contexto, a responsabilidade civil do exequente é objetiva. A indenização pode ser apurada e cobrada nos autos do próprio processo de execução (artigo 777).
As multas ou indenizações por litigância de má-fé ou por atos atentatórios à dignidade da justiça devem ser cobradas também nos próprios autos (art. 777). Essa regra se aplica a qualquer tipo de processo, não apenas ao de execução.