[MODELO] Réplica à Contestação – Critério de Renda no Vestibular

EXMO. SR. DR. XXXXXXXXXXXX DE DIREITO DA 9a VARA DE FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DA CAPITAL

Processo nº 2012.001.039228-9

, devidamente qualificado nos autos da AÇÃO ORDINÁRIA proposta em face da UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, vem, pela advogado teresina-PI infra-assinada, em RÉPLICA, dizer e requerer o que se segue:

Argüi a Ré, em preliminar, a falta de interesse de agir da Autora, sustentando que sua pretensão, em verdade, é obter provimento jurisdicional que lhe assegure o ingresso na Universidade em desacordo com as regras do edital.

Ora, a legalidade de algumas normas do edital são questionadas, de modo que a preliminar arguida confunde-se com o mérito.

À semelhança, também não merece acolhida a preliminar de inclusão no pólo passivo dos candidatos que foram reclassificados em decorrência da vaga que deixou de ser ocupada pela Autora.

Cumpre, desde logo, destacar que a Autora desconhece a qualificação dos candidatos que foram reclassificados, tampouco, sabe informar se houve apenas uma ou mais reclassificações.

De qualquer sorte, a inclusão de todos os demais candidatos reclassificados no pólo passivo causaria tumulto processual absolutamente injustificado.

No mérito, sustenta a Ré a constitucionalidade da Lei 8.151/2003 e a razoabilidade do critério de condição de carência econômica adotado no Edital do concurso Vestibular/2012, afirmando a legalidade do ato de exclusão do Autor do certame por não Ter o Autor feito prova de possuir renda familiar mensal líquida de até R$ 300,00.

Inobstante as razões dispendidas pela Ré em sua peça de bloqueio, percebe-se que a ofensa à razoabilidade decorre da regulamentação fixada no edital do certame que estabelece critérios desarrazoados para verificação da carência econômica, fazendo surgir verdadeiras distorções das situações fáticas.

Neste sentido, a lição de Lúcia Valle Figueiredo:

“À Administração Pública, portanto, é vedado privilegiar certos cidadãos e prejudicar de maneira desarrazoada outros. Cumpre-lhe atuar sem favorecimentos e perseguições para a consecução dos valores abrigados na Constituição Federal, não tolerando senão aqueles discrimines previstos em lei e, mais que tudo lógicos e razoáveis”. (Curso de Direito Administrativo, 3a. ed., São Paulo, Atlas, 1991)

Esclarecedora ainda a lição do Professor e Magistrado paulista Paulo Magalhães da Costa Coelho (Controle Jurisdicional da Administração Pública, São Paulo, Saraiva, 2012):

“A lei ou os atos administrativos devem respeito aos vetores axiológicos da Constituição e devem se traduzir em condutas razoáveis e proporcionais em face da finalidade estabelecida na lei e que legitimam o exercício da competência.

O princípio da finalidade relaciona-se com o caráter instrumental da administração pública. A Administração não age para a consecução de quaisquer objetivos e valores. Seu agir é sempre qualificado pelo interesse público consagrado na lei. Dessa circunstância resulta que ao administrador público não basta o cumprimento formal da lei. É preciso demonstrar, ainda, que agiu para atingir o fim abrigado na lei”.

Já Diogo de Figueiredo Moreira Neto, in Legitimidade e Discricionariedade, Rio de Janeiro, 1989, p. 37/80, ed. Forense, ensina que:

“O que se pretende é considerar se determinada decisão, atribuída ao Poder Público, de integrar discricionariamente uma norma, contribuirá efetivamente para um satisfatório atendimento dos interesses públicos”.

“a razoabilidade, agindo como um limite à discrição na avaliação dos motivos, exige que sejam eles adequáveis, compatíveis e proporcionais, de modo a que o ato atenda a sua finalidade pública específica: agindo também como um limite à discrição na escolha do objeto, exige que ele se conforme fielmente à finalidade e contribua eficientemente para que ela seja atingida”.

O princípio da razoabilidade postula conceitualmente, portanto, uma relação de adequação entre o fim eleito pela lei e os meios em razão dos quais ele é efetuado. Pretende-se que haja uma verificação da adequação entre o fim e o meio, ou uma confrontação entre o fundamento da atuação administrativa e seus efeitos, de modo a tornar possível o controle de eventual excesso.

O Professor Luis Roberto Barroso, em sua obra Interpretação e Aplicação da Constituição, São Paulo, Saraiva, 1996, p. 206/206, ensina que:

“a razoabilidade deve ser aferida, em primeiro lugar, dentro da lei. É a chamada razoabilidade interna, que diz com a existência de uma relação racional e proporcional entre seus motivos, meios e fins (…) De outra parte, havendo a razoabilidade interna da norma, é preciso verificar sua razoabilidade externa, isto é: sua adequação aos meios e fins admitidos e preconizados pelo Texto Constitucional. Se a lei contravier valores expressos ou implícitos no Texto Constitucional, não será legítima nem razoável à luz da Constituição, ainda que o seja internamente”.

A Lei Estadual no. 8.151/2003 dispõe sobre o sistema de cotas para ingresso nas universidades públicas estaduais e, em seu artigo 1o disciplina acerca da distribuição das vagas oferecidas pelas Universidades Estaduais, para o acesso a todos os cursos de graduação dos estudantes carentes que cursaram o ensino fundamental integralmente na rede pública de ensino ou são negros ou portadores de deficiência física, nos termos da legislação em vigor, dispondo em seu parágrafo 1o que:

“Por estudante carente entende-se como sendo aquele assim definido pela universidade pública estadual, que deverá levar em consideração o nível socioeconômico do candidato e disciplinar como se fará a prova desta condição, valendo-se, para tanto, dos indicadores socioeconômicos utilizados por órgãos públicos oficiais”.

O Réu regulamentou a Lei do Sistema de Cotas em seu edital do exame final do Vestibular Estadual/2012, estabelecendo no item 2.6.1 como critério definidor da carência econômica o rendimento mensal familiar per capita de R$ 300,00 (trezentos reais), sem aferir as condições reais de carência de cada candidato.

Ora, a mens legis da Lei 8.151/2003 é a de garantir acesso igualitário à graduação aos carentes que não possuírem condições de competir de forma equânime com os alunos oriundos da rede particular de ensino, seguindo os preceitos das AÇÕES AFIRMATIVAS, assim disciplinada na própria lei, com a finalidade de incluir no âmbito universitário aqueles excluídos sócio-economicamente.

A Constituição Federal trouxe em seu preâmbulo o reconhecimento a igualdade e a justiça com valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, visando, efetivamente, a construção de uma sociedade mais justa e igualitária sem as máculas de qualquer forma de preconceitos, no que tange à raça e origem sócio-econômica, estabelecendo dentre os princípios fundamentais da República Brasileira a promoção do bem de todos sem qualquer sorte de preconceito (art. 3o, inciso IV).

Deste princípio fundamental decorre postulado mais basilar do Estado Democrático de Direito, que é o princípio da isonomia, erigido a status de garantia fundamental e consagrado no caput do art. 5o da CF/88, pelo qual todos são iguais perante a lei, o que, segundo a clássica lição de Rui Barbosa, importa em tratar desigualmente os desiguais na exata medida de suas desigualdades, fato que não ocorreu, haja vista que os candidatos apresentaram o mesmo status de carência financeira, com diferenças mínimas.

Ora, o Réu ao estipular o valor limite de R$ 300,00 de renda familiar per capita para a aferição da carência divorcia-se da mens legis da Lei 8.151/2003, que visa a inclusão dos menos favorecidos junto ao ensino superior, dos objetivos fundamentais da República e da própria legitimidade do Estado moderno, criando diferentes categorias de pessoas carentes, sem aferir a situação fática de cada candidato para declarar sua carência financeira pela análise de outros elementos que nela influenciam diretamente, tais como: pagamento de aluguéis, água, luz, impostos e taxas, além de outros valores destinados à sobrevivência familiar (alimentação, remédios, vestuário).

Assim, em verdade, o Réu criou o que no Direito norte-americano se denominou “discriminação indireta”, combatida pela teoria da Discriminação por impacto desproporcional, sobre a qual leciona o Ministro Joaquim B. Barbosa Gomes, in Ação Afirmativa e Princípio Constitucional da Igualdade, Rio de Janeiro, Renovar, 2012:

“Nos termos dessa teoria, em vez da busca da igualdade através da trivial coibição do tratamento discriminatório, cumpre combater a “discriminação indireta”, ou seja, aquela que redunda em uma desigualdade não oriunda de atos concretos ou de manifestação expressa de discriminação por parte de quem quer que seja, mas de práticas administrativas, empresariais ou de políticas públicas aparentemente neutras, porém dotadas de grande potencial discriminatório”.

“Oriunda do Direito norte-americano e com notória filiação no Princípio da Proporcionalidade, a teoria do impacto desproporcional pode ser singelamente resumida na seguinte formulação: toda e qualquer prática empresarial, política governamental ou semi-governamental, de cunho legislativo ou administrativo, ainda que não provida de intenção discriminatória no momento de sua concepção, deve ser condenada por violação ao princípio constitucional da igualdade material, se em conseqüência de sua aplicação resultarem efeitos nocivos de incidência especialmente desproporcional sobre certas categorias de pessoas”.

Note-se que é exatamente isso que fez o Réu ao adotar como “critério objetivo” da carência do candidato a renda familiar per capita de R$ 300,00, visando definir o que seria uma “linha de pobreza”, que impõe a seguinte reflexão: Quem recebe R$ 299,00 é pobre, mas quem recebe R$ 301,00 não o é? Ou seja, R$ 1,00 pode fazer a diferença entre ser pobre ou não?

Na verdade, o reconhecimento da situação de pobreza não depende de uma fronteira inequívoca entre o ser e o não ser pobre, sendo que essa fronteira cada vez mais ambígua e ambivalente quanto maior é a sua importância política e social, pois se torna lugar de disputa política, de afirmação ou negação das identidades sociais.

Bem se vê, que, em verdade, a adoção de suposto critério objetivo para aferição do estado de carência, afastou-se da mens legis na adoção de uma ação afirmativa que combatesse à discriminação racial e de gênero, concretizando o ideal de efetiva igualdade de acesso a educação, criando, uma nova minoria social: os negros e alunos provenientes de escolas públicas que têm renda familiar per capita pouco superior a R$ 300,00.

O art. 1o, parágrafo 1o da Lei Estadual no. 8.151/2003 preceitua que a universidade estadual definirá a hipossuficiência do candidato devendo valer-se dos indicadores sócio-econômicos utilizados por órgãos públicos oficiais.

O Réu, embora detenha poderes obtidos através do princípio da autonomia universitária e conferidos pela própria lei, não demonstrou ter definido o estado de carência através de estudos sócio-econômicos utilizados por órgãos oficiais.

Embora o ato de regulamentar o valor para reconhecimento do estado de carência tenha natureza discricionária, deve ser também vinculado à análise mais perfunctória da situação global da pobreza que assola o nosso país.

Note-se que o objetivo da citada Lei Estadual é proteger os direitos subjetivos individuais daqueles que não têm condições financeiras para custear o estudo de graduação e que durante toda a vida não tiveram acesso em igualdades de condições dos alunos oriundos das escolares particulares.

Assim, ao eliminar o candidato aprovado e comprovadamente carente, o administrador público foge da adequação dos meios aos fins da lei específica, sendo a pretensão autoral a inaplicabilidade do sentido literal da norma editalícia prevista no item 2.6.1 no caso da relação jurídica estabelecida entre as partes, em razão da análise mais ampla do sentido do estudo da carência de cada candidato aprovado dentro do número de vagas para o curso almejado, uma vez que o administrador público não utilizou um justo critério de seleção, violando, em especial, os princípios constitucionais da finalidade e da proporcionalidade.

Ademais, a prova documental que instrui a petição inicial comprova a ilegalidade da restrição contida no item 2.6.1. do Edital, sendo certo que a matéria versada nos autos não é unicamente de direito.

Isto porque mesmo admitindo-se a legalidade do critério adotado pelo Réu, a simples análise dos contracheques apresentados pela Autor demonstram que a análise da renda familiar não foi feita corretamente, posto que a prova documental acostada a petição inicial comprava que a renda familiar da Autora é inferior a R$ 300,00, levando-se em conta a soma dos contracheques de sua genitora e do companheiro desta.

Isto posto, espera a Autora seja julgado procedente o pedido.

Pede deferimento.

Rio de Janeiro, 2 de agosto de 2012.

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