TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO – 3ª TURMA
RECURSO CRIMINAL nº 2000.02.01.028780-000
RECORRENTE: JUSTIÇA PÚBLICA
RECORRIDO: ANA JULIANI SANTANA
RELATOR: DES. FEDERAL PAULO BARATA
Egrégia Turma,
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ofereceu denúncia contra ANA JULIANI SANTANA como incursa nas penas do art. 171, §3º, do Código Penal, pelos fatos assim relatados:
I – A ré, na qualidade de esposa e curadora de JOÃO SANTANA, continuou percebendo benefícios previdenciários em nome deste, mesmo após o seu falecimento.
II – O óbito do segurado ocorreu em 31.01.82, e a acusada recebeu, por conta própria, as pensões, no valor de um salário mínimo, até o mês de abril de 10000005. Agindo assim, manteve o INSS em erro para auferir vantagem patrimonial.
III – Às fls. 24, a denunciada declarou que “não sabia que não tinha direito a receber o pagamento de seu marido João Santana (falecido) em virtude de ser curadora e que continua recebendo desde a data do óbito ocorrido em 31.01.82, o valor de um (1) salário mínimo.”
IV – A decisão de fls. 88/0001 rejeitou a denúncia de fls. 85/87, por entender não comprovada a tipicidade, nestes termos:
“Para que a ação da acusada se coadunasse com o tipo legal que descreve o delito de estelionato seria necessário que a a vantagem ilícita obtida tivesse sido proveniente de artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento que houvesse mantido ou induzido o Instituto Nacional do Seguro Social em erro.
No entanto, não existe nos autos prova de que a acusada induziu o Instituto Nacional do Seguro Social em erro mediante artifício, ardil ou outro meio fraudulento.
…
Ante uma simples leitura do artigo 68 da Lei 8212/0001 podemos verificar que o Instituto Nacional do Seguro Social recebe todo mês uma relação dos óbitos ocorridos, fato este que proporciona a esta autarquia os meios necessários para sustar o pagamento dos benefícios previdenciários dos segurados falecidos.
Portanto, se o Instituto Nacional do Seguro Social continuou a efetuar o pagamento do benefício do benefício previdenciário do falecido marido da acusada, mesmo tendo em suas mãos a relação de todos os óbitos ocorridos, o fez por vontade própria e não por outro meio de artifício, ardil ou qualquer outro meio empregado.”
. O Ministério Público Federal interpôs recurso em sentido estrito, a sustentar que
“4 – Inicialmente, impõe-se perquirir a respeito da natureza e alcance do juízo de admissibilidade exercido pelo órgão jurisdicional ao se deparar, prima facie, com a peça inaugural da ação penal. O juiz, ao apreciar a denúncia, deve ser ater às condições da ação. Se estas estão presentes e são suficientes os indícios de autoria e materialidade, justifica-se a movimentação do aparelho judicial, que é obrigatória. (…)
Não se trata daquela hipótese já comum de viúva que recebe três ou quatro meses de aposentadoria do seu falecido, dinheiro com o qual paga as despesas do funeral. Neste caso são treze anos comparecendo mês a mês na agência bancária, para retirar a importância que apenas seu marido falecido poderia perceber. É difícil acreditar que a acusada não soubesse, ao longo de todo este tempo, que estava cometendo um ato ilícito. (…)
Há indícios suficientes, portanto, do cometimento de fraude contra o INSS, indícios estes que apenas a instrução criminal poderá confirmar ou negar. Somente na fase instrutória que o magistrado poderá apurar com mais clareza a existência do dolo por parte de ANA JULIANI, e do uso de artifício ou ardil com o objetivo de fraudar o INSS.”
Às fls. 107/10000, contra-razões, pedindo a manutenção da decisão recorrida.
É o relatório.
O art. 171, §3º, do Código Penal incrimina a conduta consistente em “obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”.
Tipifica-se, assim, a conduta de “manter em erro”, mediante qualquer meio fraudulento, concretizada, no caso específico, por se ter a acusada valido da sua condição privilegiada de curadora para fazer crer à autarquia previdenciária que o benefício chegava regularmente ao seu real destinatário.
Não me parece que o simples fato de o INSS receber mensalmente uma lista dos óbitos ocorridos no período seja, em última instância, indício de que a vontade da autarquia estivesse livre de qualquer vício, como pretendeu o ilustrado juiz a quo.. A manutenção do pagamento resulta nitidamente de erro – até porque, à época do óbito (100082) não havia sido informatizado o banco de dados do INSS – para o qual a ré, sem dúvida alguma, contribuiu, mantendo-se silente sobre o falecimento de seu marido.
O caso seria, portanto, consideradas as circunstâncias até aqui examinadas, de prover o recurso da Justiça Pública. Não é assim, entretanto, na medida em que o crime de estelionato pressupõe tenha sido obtida vantagem ilícita.
Ora, no caso específico, o falecimento do marido da recorrida, ao mesmo tempo em que se constitui em causa determinante da interrupção do pagamento do benefício – desrespeitada em virtude, dentre outros fatores, da conduta atribuída a ANA – fez surgir para ela, nos termos da mesma legislação previdenciária, o direito a habilitar-se à pensão por morte.
PREVIDENCIÁRIO: VIÚVA. DIREITO A PENSÃO.
I – Nos termos da legislação previdenciária, a viúva tem direito à pensão decorrente do óbito do marido, segurado da Previdência Social.
II – Ocorrendo o falecimento, na constância do casamento, presume-se a dependência econômica da viúva.
III – Apelação conhecida, mas improvida.
(TRF – 2ª Região – Decisão de 27-04-10000002 – AC 0000.21400066-2/RJ – Relator JUIZ ARNALDO LIMA)
O improvimento do recurso encontra, destarte, fundamento na particularidade de a recorrida, esposa do segurado falecido, ter direito à percepção – ainda que a título de pensão por morte – de valor idêntico ao do benefício previdenciário de seu marido, a ser, do mesmo modo, pago pela autarquia, descaracterizando, em conseqüência, o elemento “vantagem ilícita”. Trata-se, já se vê, de fundamento diverso daquele adotado pelo juiz de 1º grau, que, ao admitir que o recebimento de benefícios de segurados falecidos não constitui, por si só, ilícito penal, assume o risco de estar a fazer legítima uma conduta que, no mais das vezes, apresenta grande potencialidade lesiva e de, em última análise, negar vigência ao art. 171 do Código Penal.
Com esta ressalva, o parecer é no sentido do não provimento do recurso.
Rio de Janeiro, 23 de junho de 2000.
JOSÉ HOMERO DE ANDRADE
Procurador Regional da República
Recrim10 – isdaf